Buscar

Leiomiomas

Prévia do material em texto

1) Entender a leiomiomatose uterina (Etiopatogenia, fatores de risco e diagnóstico);
Os miomas, fibromas ou leiomiomas são neoplasias benignas das células musculares lisas uterinas, e são tumores extremamente comuns. A expectativa de mulheres negras apresentarem diagnóstico de miomas durante a vida é de 80% e, a de mulheres brancas, 70%. Estudos de rastreamento ultrassonográfico identificam miomas em 51% das mulheres na pré-menopausa.
■ Etiopatogenia
Em geral, os leiomiomas são tumores redondos, brancos nacarados, firmes, elásticos e que, na superfície de corte, exibem um padrão espiralado (Fig. 9-1). Um útero caracteristicamente envolvido contém 6 a 7 tumores de tamanhos variados (Cramer, 1990). Os leiomiomas encontram-se autonomamente isolados do miométrio ao seu redor por uma camada tecidual fina, conectiva externa. Esse plano de clivagem é clinicamente importante por permitir que os leiomiomas sejam facilmente “separados” do útero durante a cirurgia.
Histologicamente, os leiomiomas contêm células alongadas de músculo liso agregadas em feixes. No entanto, a atividade mitótica é rara, sendo um ponto-chave na diferenciação do leiomiossarcoma.
A aparência característica dos leiomiomas pode ser alterada quando o tecido muscular normal é substituído por várias substâncias degenerativas após hemorragia e necrose. Esse processo é coletivamente chamado de degeneração, e as substâncias substitutivas determinam a denominação desses tipos degenerativos. Dentre as possíveis formas estão hialina, calcificada, cística, mixoide, carnosa ou vermelha e gordurosa. 
Tais alterações no aspecto macroscópico são reconhecidas como variantes normais pela maioria dos cirurgiões e patologistas. Necrose e degeneração desenvolvem-se com frequência nos leiomiomas em razão do suprimento limitado de sangue dentro desses tumores. Em comparação com o miométrio normal ao seu redor, os leiomiomas apresentam menor densidade arterial. (Fig. 9-2). Além disso, a falta de organização vascular intrínseca deixa alguns tumores vulneráveis à hipoperfusão e à isquemia (Farrer-Brown, 1970; Forssman, 1976). Como será discutido adiante, a degeneração pode ser acompanhada por dor aguda.
Citogenética
Cada leiomioma é derivado de um único miócito progenitor. Assim, cada tumor dentro de um útero com múltiplos tumores apresenta origem citogenética independente (Mashal, 1994; Townsend, 1970). A mutação primária que inicia a tumorigênese é desconhecida, mas encontram-se falhas cariotípicas identificáveis em aproximadamente 40% dos leiomiomas (Rein, 1998; Xing,1997). 
Foram identificados diversos defeitos singulares envolvendo os cromossomos 6, 7, 12 e 14 e, mais raramente, 1, 3, 10 e 13 correlacionados com a velocidade e o direcionamento do crescimento do tumor (Brosens, 1998; Hodge, 2007). Supõe-se que a caracterização complementar das funções específicas dessas alterações cariotípicas ajudarão a definir as etapas importantes no desenvolvimento do leiomioma.
Efeitos dos estrogênios
Os leiomiomas uterinos são tumores sensíveis ao estrogênio e à progesterona (Tabela 9-1). Consequentemente, eles se desenvolvem durante os anos reprodutivos. Após a menopausa, os leiomiomas geralmente regridem e o desenvolvimento de novos tumores é raro. Assim, parece que muitos fatores de risco e de proteção dependem de circunstâncias que cronicamente alterem os níveis de estrogênio, progesterona ou ambos. Esse conceito é parte integrante da compreensão de muitos dos fatores de risco associados ao desenvolvimento e crescimento dos leiomiomas e da formulação dos planos de tratamento. É provável que os hormônios esteroides sexuais sejam mediadores desse efeito por estimulação ou inibição da transcrição e produção de fatores de crescimento celular.
Os próprios leiomiomas criam um ambiente hiperestrogênico, que parece ser requisito para seu crescimento e manutenção. Primeiro, em comparação com o miométrio normal, as células dos leiomiomas contêm maior densidade de receptores de estrogênio, o que resulta em maior ligação de estradiol. Segundo, esses tumores convertem menos estradiol em estrona menos ativa (Englund, 1998; Otubu, 1982; Yamamoto, 1993). O terceiro mecanismo, descrito por Bulun e colaboradores (1994), envolve níveis mais altos da aromatase citocromo P450 nos leiomiomas, em comparação com os miócitos normais. Essa isoforma de citocromo específica catalisa a conversão dos androgênios em estrogênios em diversos tecidos (Cap. 15, p. 403).
Há várias condições associadas a exposição sustentada a estrogênio que estimulam a formação do leiomioma. Por exemplo, o aumento dos anos de exposição persistente ao estrogênio, encontrado com a menarca precoce, e o aumento do índice de massa corporal (IMC), estão relacionados a maior risco de leiomiomas (Marshall, 1998; Wise, 2005). Mulheres obesas produzem mais estrogênios sem função de maior conversão de androgênios em estrogênios no tecido adiposo e apresentam redução da produção hepática da globulina de ligação ao hormônio sexual (Glass, 1989). Além disso, as pacientes com síndrome do ovário policístico (SOP) têm risco aumentado, que se acredita seja secundário à exposição mantida ao estrogênios que acompanha a anovulação crônica (Wise, 2007).
É provável que nas mulheres na pré-menopausa o tratamento com estrogênio e progesterona não tenha efeito indutivo sobre a formação de leiomiomas. Com poucas exceções os contraceptivos orais combinados (COCs) reduzem ou não apresentam qualquer efeito sobre o risco (Chiaffarino, 1999; Parazzini, 1992; Ross, 1986).
Entretanto, os trabalhos que avaliaremos efeitos da terapia de reposição hormonal demonstram pequeno aumento no risco de desenvolvimento de leiomiomas (Polatti, 2000; Reed, 2004). Nas mulheres com tumores preexistentes, Palomba e colaboradores (2002) avaliaram a relação entre crescimento de leiomiomas e doses diferentes de acetato de medroxiprogesterona (MPA, de medroxyprogesterone acetate) na terapia de reposição hormonal. Em razão de doses mais altas de MPA terem sido associadas a crescimento de leiomiomas, os autores recomendaram o uso da dose mais baixa possível de MPA nessas pacientes.
Por fim, o tabagismo altera o metabolismo do estrogênio e reduz os níveis séricos de estrogênio ativo fisiologicamente (Daniel, 1992; Michnovicz, 1986). Isso pode explicar por que mulheres que fumam em geral apresentam risco mais baixo para o desenvolvimento de leiomiomas (Parazzini, 1992).
Efeitos do progestogênio
O papel da progesterona nos leiomiomas não está claro e, na verdade, tanto efeitos estimulantes quanto inibidores são relatados. Por exemplo, demonstrou-se que os progestogênios exógenos reduziram o crescimento de leiomiomas em ensaios clínicos (Goldzieher, 1966; Tiltman, 1985). De forma similar, estudos epidemiológicos associaram o uso de medroxiprogesterona de depósito com incidência mais baixa de desenvolvimento de leiomiomas (Lumbiganon, 1996). 
Por outro lado, outros estudos relataram influência estimuladora dos progestogênios no crescimento de leiomiomas. Por exemplo, o antiprogestogênio, mifepristona (RU486), induziu atrofia na maioria dos leiomiomas (Murphy, 1993). Além disso, nas mulheres tratadas com agonistas do hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH, de gonadotropin-releasing hormone), os leiomiomas costumam diminuir em tamanho. 
No entanto, se progestogênios forem administrados simultaneamente aos agonistas, é possível haver aumento no crescimento de leiomiomas (Cart, 1993; Friedman, 1994). Pesquisas mais recentes sugerem que a progesterona seja o mitógeno primário para crescimento do tumor e que o papel do estrogênio seria de suprarregulação (upregulation) dos receptores de progesterona.
Epidemiologia e fatores de risco
A maioria das mulheres com miomas sintomáticos está na terceira e na quarta décadas da vida. Os leiomiomas raramente ocorrem em adolescentes,são mais comuns em mulheres da etnia negra, nulíparas, obesas, com menarca antes dos 11 anos e com história familiar de miomatose. Um estudo avaliando o crescimento de miomas em mulheres brancas e negras demonstrou que a taxa de crescimento em ambas até os 35 anos é semelhante. No entanto, após esse período, há declínio significativo do crescimento entre as mulheres brancas, o que justifica os sintomas mais intensos entre as mulheres negras.
O fato de os miomas aparecerem durante a fase reprodutiva, aumentarem durante a gestação e regredirem após a menopausa sugere sua dependência dos hormônios ovarianos. Acredita-se que a ação primária do estrogênio seja induzir a expressão dos receptores de progesterona, tornando os miomas responsivos também à progesterona. O estradiol parece agir diretamente sobre a proliferação celular dos miomas ou ser mediado por fatores de crescimento, como fator de crescimento epidérmico (EGF, do inglês epidermal growth factor), fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1, do inglês insulin-like growth factor-1) e insulina.
A associação da progesterona ao crescimento dos miomas também está estabelecida. Em comparação ao miométrio, existe maior concentração de receptores de progesterona A e B nos miomas. O índice mitótico dos miomas é maior na fase secretora do ciclo menstrual; mulheres tratadas com acetato de medroxiprogesterona apresentam miomas com maior índice mitótico. Mutações genéticas específicas estão relacionadas à formação dos miomas.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito com base na história clínica (sinais e sintomas), no toque vaginal bimanual e na US. Ao exame ginecológico rotineiro, palpa-se o útero aumentado de volume com consistência firme, superfície lisa, regular ou não. Com a disponibilidade de aparelhos e de exames ecográficos realizados, o diagnóstico de miomatose uterina é frequentemente incidental. Nesses casos, assintomáticos, na maioria das vezes, a investigação complementar não está indicada.
Os exames de imagem são importantes quando existe dúvida diagnóstica, para diferenciar de outras massas anexiais e para definir a localização dos miomas. A US abdominal pélvica é utilizada nas grandes massas pélvicas, e a US transvaginal, nos úteros menores. A US transvaginal tem alta sensibilidade (95-100%) na detecção de miomas em úteros de tamanho correspondente a até 10 semanas de gestação. A localização dos miomas em úteros maiores ou quando estes são múltiplos é limitada. Uma revisão sistemática demonstrou que a instilação de solução salina intrauterina, associada ao exame ultrassonográfico (histerossonografia), tem acurácia comparável à histeroscopia.4
A ressonância magnética pode estar indicada nos raros casos em que a US é inconclusiva. Ela permite excelente visualização da localização e do tamanho de praticamente todos os miomas em úteros volumosos, além de auxiliar no diagnóstico diferencial com adenomiose. Quando realizada com contraste, avalia a vascularização dos miomas, sendo importante planejamento da embolização ou ablação guiada por ressonância (ainda não disponível no Brasil). É um exame de exceção pelo alto custo e baixa disponibilidade, e, como a US, não auxilia para o diagnóstico pré-operatório de leiomiossarcoma. Nenhum teste pré-operatório pode excluir sarcoma, embora a frequência seja muito baixa. A tomografia computadorizada (TC) raramente auxilia na investigação da miomatose
2) Compreender os tipos de miomas e correlacionar seus quadros clínicos;
O número, o volume e a localização dos miomas correlacionam-se com a sintomatologia e são critérios importantes para definir a terapêutica. Definindo causas de sangramento uterino anormal conforme a localização dos miomas, Munro e colaboradores realizaram uma subclassificação interessante da miomatose uterina.
Classificação dos leiomiomas uterinos
Os leiomiomas são classificados com base em sua localização e orientação de crescimento (Fig. 9-3). Os leiomiomas subserosos originam-se dos miócitos adjacentes à serosa uterina, e seu crescimento está orientado para o exterior. Quando estão presos apenas por uma haste ao seu miométrio progenitor, são chamados leiomiomas pediculados. Os leiomiomas parasíticos são variantes subserosas que se prendem às estruturas pélvicas próximas, a partir das quais recebem suporte vascular, podendo ou não se soltar do miométrio progenitor. Os leiomiomas intramurais são aqueles com crescimento centrado dentro das paredes uterinas. Por fim, os leiomiomas submucosos, que estão próximos ao endométrio, crescem e projetam-se em direção ao interior da cavidade endometrial. 
Na avaliação para ressecção endoscópica, os leiomiomas submucosos ainda são classificados em função da profundidade do envolvimento. A European Society of Hysteroscopy define os leiomiomas como se segue: tipo 0, se a massa estiver totalmente localizada dentro da cavidade uterina; tipo I, se menos de 50% estiverem localizados dentro da cavidade uterina; e tipo II, quando mais de 50% da massa estiverem circundados por miométrio (Wamsteker, 1993). Apenas cerca de 0,4% dos leiomiomas desenvolve-se no colo uterino (Tiltman, 1998). De forma mais rara, os leiomiomas também foram encontrados em ovários, tubas uterinas, ligamento largo, vagina e vulva.
Os sintomas são relacionados diretamente ao tamanho, ao número e à localização dos leiomiomas. Os leiomiomas subserosos tendem a causar sintomas compressivos e distorção anatômica de órgãos adjacentes, os intramurais causam sangramento e dismenorreia, enquanto os submucosos produzem frequentemente sangramentos irregulares e estão mais associados à disfunção reprodutiva.
Leiomiomatose	
Tumores externos formados por músculo liso, benignos embora infiltrativos, podem se desenvolver nas mulheres com leiomiomas uterinos concomitantes em condição que é denominada leiomiomatose. Nesses casos, o diagnóstico de metástase maligna de um leiomiossarcoma deve ser excluído.
A denominação leiomiomatose intravenosa refere-se a tumor raro e benigno do músculo liso que invade e estende-se de forma sinuosa para dentro da veia uterina e de outras veias pélvicas, da veia cava e até mesmo das câmaras cardíacas. Embora histologicamente benigno e geralmente acessível à ressecção, o tumor pode ser fatal como consequência de obstrução venosa ou envolvimento cardíaco (Uchida, 2004; Worley, 2009; Zhang, 2010).
A metástase de leiomioma benigno origina-se de leiomiomas uterinos morfologicamente benignos que se disseminam de forma hematogênica. As lesões são encontradas em pulmões, trato gastrintestinal e cérebro (Alessi, 2003). Classicamente, são observadas em mulheres com história recente ou remota de cirurgia pélvica (Zaloudek, 2002).
Leiomiomatose peritoneal disseminada aparece na forma de múltiplos nódulos pequenos nas superfícies peritoneais da cavidade abdominal, dos órgãos abdominais ou de ambos. Em geral, é encontrada nas mulheres em idade reprodutiva, e 70% estão associados à gravidez ou a COCs (Robboy, 2000).
Recentemente, relatos de casos descreveram a ocorrência de múltiplos pequenos leiomiomas peritoneais após miomectomia ou histerectomia laparoscópica. Esses casos foram descritos como leiomiomas parasitários ou como leiomiomatose peritoneal disseminada. O morcelamento do tumor com implantação de resíduos após a cirurgia inicial foram implicados (Kho, 2009; Miyake, 2009; Paul, 2006; Sinha, 2007).
O tratamento para essas condições benignas pode ser feito com histerectomia com ooforectomia, remoção do tumor e, recentemente, com uso de agonistas do GnRH, inibidores da aromatase, moduladores seletivos do receptor de estrogênio ou quimioterapia (Bodner, 2002; Lin, 2009; Rivera, 2004).
Quadro clínico
A maioria dos miomas é assintomática. Os sintomas associados são sangramento aumentado e/ou prolongado, que pode resultar em anemia nas mulheres em idade reprodutiva. Sangramentos após a menopausa raramente são secundários a miomas; nessas pacientes, deve-se realizar avaliação parasangramento pós-menopausa (hiperplasia e carcinoma endometrial), com amostra de tecido endometrial.
Quando os miomas são volumosos podem ocasionar “sintomas de massa” ou compressivos, como aumento da frequência urinária, sensação de peso, aumento do volume abdominal ou até palpação do tumor intra-abdominal pela própria paciente. Menstruação dolorosa, dor pélvica não cíclica, infertilidade e aborto de repetição também podem estar associados a miomas. Uma revisão sistemática recente demonstrou que os sintomas variam conforme a população estudada, sendo os mais frequentes o sangramento uterino aumentado e a dor pélvica inespecífica.10
Leiomiossarcomas são tumores malignos raros, distintos dos miomas apenas pela histopatologia. Uma metanálise recente concluiu que 2,94 a cada 1.000 mulheres têm diagnóstico após a cirurgia para miomatose. Em 2014, foi demonstrado que o risco de qualquer tumor uterino em cirurgia minimamente invasiva (histerectomia com morcelamento) foi de cerca de 1 caso a cada 300 mulheres, em mulheres com menos de 40 anos, 1 caso a cada 1.500 mulheres, e em mulheres entre 40 e 44 anos, 1 caso a cada 1.100 mulheres.12
Os casos assintomáticos são diagnosticados durante exame abdominal, pélvico bimanual, ultrassonografia (US) ou outro exame de imagem.
A maioria das mulheres com leiomiomas é assintomática. Entretanto, as pacientes sintomáticas costumam se queixar de sangramento, dor, sensação de pressão ou infertilidade. Em geral, quanto maior o leiomioma, maior a probabilidade de sintomas (Cramer, 1990). Embora a maioria dos sintomas seja crônica, a dor aguda pode acompanhar um leiomioma degenerativo ou o prolapso do tumor pelo útero. O sofrimento agudo também pode acompanhar complicações raras como torção de um leiomioma subseroso pedunculado, retenção urinária aguda, tromboembolismo de veia profunda ou hemorragia intra-peritoneal (Gupta, 2009).
Sangramento
Esse é o sintoma mais comum e geralmente se apresenta na forma de menorragia (Olufowobi, 2004). A fisiopatologia subjacente a esse sangramento pode estar relacionada à dilatação das vênulas. Os tumores volumosos exercem pressão e afetam o sistema venoso uterino, o que provoca dilatação venosa dentro do miométrio e do endométrio (Figs. 9-4 e 9-5). Por este motivo, os tumores intramurais e subserosos apresentam a mesma propensão à menorragia que os submucosos (Wegienka, 2003).
A desregulação de fatores de crescimento vasoativos locais também é considerada responsável por promover vasodilatação. Quando as vênulas dilatadas se rompem durante o descolamento do endométrio na menstruação, o sangramento oriundo dessas vênulas intensamente dilatadas subjuga os mecanismos hemostáticos normais (Stewart, 1996).
Desconforto pélvico e dismenorreia 
Um útero suficientemente aumentado pode causar sensação de pressão, frequência urinária, incontinências ou constipação. É raro os leiomiomas se estenderem no sentido lateral a ponto de comprimir o ureter e levar à obstrução e à hidronefrose. Embora a dismenorreia seja comum, em um estudo transversal cruzado de base populacional, Lippman e colaboradores (2003) relataram que as mulheres com leiomiomas apresentavam frequência maior de dispareunia ou dor pélvica não cíclica do que de dismenorreia.
Dor pélvica aguda
Trata-se de queixa menos frequente com esse tumor; é mais encontrada em casos de degeneração ou prolapso do leiomioma. Como afirmamos anteriormente, os leiomiomas podem sofrer degeneração e essa necrose tecidual pode estar associada à dor aguda, febre e leucocitose. Esse quadro pode ser confundido com outras causas de dor pélvica aguda. 
Normalmente procede-se à ultrassonografia para auxiliar a identificar a causa e geralmente encontra-se o leiomioma. A tomografia computadorizada é outro exame que pode ser realizado para esclarecimento, especialmente se a interpretação da anatomia pélvica estiver dificultada por leiomiomas múltiplos e volumosos ou quando apendicite é uma das hipóteses diagnósticas. 
O tratamento de leiomioma degenerativo não é cirúrgico e inclui o uso de analgésicos e antipiréticos de acordo com a necessidade. Entretanto, com frequência são administrados antibióticos de amplo espectro, uma vez que o diagnóstico diferencial com endometrite pode ser difícil. Na maioria dos casos, os sintomas melhoram em 24 a 48 horas.
As mulheres com prolapso de um tumor a partir da cavidade endometrial se apresentam normalmente com queixa de cólica ou dor aguda à medida que o tumor se expande e atravessa o canal endocervical. É comum encontrar sangramento ou descarga serossanguinolenta. A inspeção geralmente é diagnóstica, embora com frequência seja realizada ultrassonografia para avaliar tamanho e número de leiomiomas uterinos e para excluir outras possíveis causas de dor (Fig. 9-6). 
Em casos de leiomiomas não retirados imediatamente, talvez haja indicação de biópsia pré-operatória já que alguns casos de sarcoma uterino ou de câncer do colo uterino podem ter apresentação semelhante. O tratamento cirúrgico envolve a secção do leiomioma a partir de sua base, con- forme descrito detalhadamente na Seção 41-11 (p. 1.043).
Infertilidade e perda de gravidez
Embora os mecanismos não estejam claros, os leiomiomas podem estar associados à infertilidade. Estima-se que 2 a 3% dos casos de infertilidade decorram somente de leiomiomas (Buttram, 1981; Kupesic, 2002). Seus supostos efeitos incluem oclusão do óstio tubário e interrupção das contrações uterinas normais que impulsionam os espermatozoides ou o ovo. A distorção da cavidade endometrial também pode prejudicar a implantação e o transporte dos espermatozoides. É importante ressaltar que os leiomiomas estão associados à inflamação endometrial e a alterações vasculares que podem impedir a implantação (Brosens, 2003; Fahri, 1995; American Society for Reproductive Medicine, 2006).
Existe uma associação mais forte entre subfertilidade e leiomiomas submucosos do que com tumores localizados em qualquer outro lugar. O aumento das taxas de gravidez após ressecção histeroscópica forneceu grande parte das evidências indiretas dessa ligação (Vercellini, 1999). No trabalho que publicaram, Garcia e Tureck (1984) relataram taxas de gravidez de cerca de 50% após miomectomia em mulheres com leio- miomas submucosos como única causa da infertilidade.
A relação entre subfertilidade e leiomiomas intramurais e subserosos, que não distorçam a cavidade endometrial, é menos provável. Vários pesquisadores relataram taxas iguais de sucesso na fertilização in vitro (FIV) em mulheres com e sem leiomiomas, sem distorção da cavidade endometrial (Farhi, 1995; Oliveira, 2004). Outros pesquisadores, no entanto, relataram efeitos adversos para a fertilidade, mesmo dos leiomiomas intramurais e subserosos (Hart, 2001; Marchionni, 2004). É importante ressaltar que a força das evidências deve ser ponderada contra a morbidade associada à miomectomia intramural (Klatsky, 2008). Tanto o leiomioma uterino quanto o abortamento es- pontâneo são comuns, e a associação entre eles ainda não foi demonstrada de forma convincente. Benson e colaboradores (2001) demonstraram que as taxas de abortamentos espontâneos aumenta com o número de leiomiomas, mas não foram afetadas pelo tamanho ou pela localização do tumor. Outra evidência indireta vem de estudos que citaram taxas significativamente menores de abortamento após a ressecção dos tumores.
Miomas e disfunções reprodutivas
Fertilidade
Estima-se que esses tumores estejam presentes em cerca de 5 a 10% dos casais inférteis. Após todas as causas de infertilidade serem excluídas, os miomas podem ser responsáveis por apenas 2 a 3% dos casos. O mecanismo pelo qual os miomas podem estar associados à infertilidade não é conhecido, entretanto, o tamanho, o número e, principalmente, a localização destes já foram estudados.
Em revisão sistemática da literatura, Pritts e colaboradores concluíramque miomas submucosos (classificação FIGO L0-L2) resultam em menores taxas de gravidez espontânea, implantação, gestação clínica e nascidos vivos, bem como em maior taxa de abortamento.16
Gestação
Aproximadamente um terço das pacientes tem crescimento dos miomas no primeiro trimestre da gestação; no período restante, os miomas diminuem ou permanecem inalterados.17 Miomas aumentam o risco de apresentação fetal anômala (razão de chances [RC] 2,9; intervalo de confiança [IC] 95%, 2,6-3,2), cesariana (RC 3,7; IC 95%, 3,5-3,9), parto pré-termo (RC 1,5; IC 95%, 1,3-1,7) e aborto espontâneo (RC 1,6; IC 95%, 1,3-2,0).18 Dor aguda secundária à miomatose (degeneração, torção, isquemia) não é comum, sendo tratamento sintomático, raramente cirúrgico.
3) Depreender as principais formas de tratamento da leiomiomatose;
Tratamento
Mulheres com miomatose assintomática não necessitam de tratamento (grau de recomendação A), apenas de exame ginecológico de rotina.
Os sintomas da paciente com miomas, a proximidade da menopausa, o desejo de preservar o útero e a fertilidade, a localização e o número dos miomas orientam a terapêutica.
Em mulheres cuja causa do sangramento é atribuída a miomas submucosos (classificação FIGO L0-1), o tratamento preferencial é a miomectomia histeroscópica (grau de recomendação A).4
Tratamento clínico
O objetivo do tratamento clínico é unicamente o alívio dos sintomas (grau de recomendação C). A grande maioria das pacientes com miomatose torna-se assintomática após a menopausa. Vários tratamentos clínicos tornam os sintomas toleráveis até a mulher atingir a menopausa, quando o sangramento cessa e o volume do útero e dos miomas diminui. Eles têm como vantagens permitir a conservação do útero e evitar os riscos inerentes a cirurgias.
O sangramento disfuncional e a miomatose são frequentes no climatério pré-menopausa, sendo difícil determinar a etiologia do sangramento. Dessa forma, justifica-se o tratamento clínico para sangramento anormal antes dos tratamentos cirúrgicos.
Na TABELA 9.1, estão os medicamentos utilizados para tratar sintomas associados à miomatose. Algumas medicações, além de diminuir o sangramento, reduzem o volume dos miomas e do útero, podendo aliviar sintomas compressivos.
Tratamentos cirúrgicos/invasivos
O tratamento definitivo para a miomatose é a histerectomia, pois evita a recidiva da doença. A histerectomia não é adequada para mulheres sem prole definitiva, com desejo de preservar o útero, sem condições clínicas para realizar a cirurgia ou que simplesmente não desejam realizar a histerectomia. Quando o principal sintoma é o sangramento, os tratamentos medicamentosos podem ser utilizados. Entretanto, para sintomas associados ao volume dos miomas, as alternativas à histerectomia são a miomectomia, a embolização da artéria uterina, a ablação dos miomas por radiofrequência ou ultrassom. Estas duas opções ainda não disponíveis no Brasil.1
Miomectomia
A indicação de miomectomia dependerá do desejo da paciente de manter a fertilidade e o útero. É importante ressaltar que a recorrência de miomas é estimada em 60%, ocorrendo 3 a 5 anos após a cirurgia.20
A miomectomia pode ser por laparotomia, via vaginal, via laparoscópica ou histeroscópica, dependendo da localização e do número de miomas a serem retirados. As complicações relacionadas ao procedimento aumentam com o número de miomas, e o risco de recorrência é menor quando apenas um mioma está presente e é retirado.1
A miomectomia laparoscópica está indicada em pacientes com menos de três miomas intramurais e com diâmetro menor do que 8 cm. A miomectomia laparoscópica tem maior tempo cirúrgico, menor perda sanguínea e menor tempo de hospitalização do que a laparotômica. Os maiores riscos da miomectomia são a formação de aderências e o comprometimento da fertilidade, sendo menores nas técnicas endoscópicas.
Miomas intramurais múltiplos e maiores do que 3 cm são preferencialmente abordados por laparotomia, devido à facilidade de sutura em vários planos, o que diminuiria o risco de ruptura uterina.20 Miomectomias realizadas com robô melhoram a qualidade da sutura em relação às laparoscópicas. Entretanto, muitos autores acreditam que, independentemente da técnica cirúrgica, o tamanho, o número e a localização dos miomas são mais importantes para o risco de ruptura uterina (grau de recomendação D). Pacientes que realizam miomectomia, independentemente da técnica cirúrgica, devem ser orientadas quanto ao risco de ruptura uterina durante a gestação e o trabalho de parto (grau de recomendação A).
Miomas protruindo pelo orifício cervical externo são retirados por via vaginal. A base do pedículo é identificada e ligada; caso não seja possível identificar o pedículo, faz-se o morcelamento do mioma, visando abordar o pedículo, e ressecção.
Histerectomia
Em estudos observacionais, mulheres que realizaram histerectomia tiveram melhora na qualidade de vida nos 10 anos subsequentes à cirurgia. A maior indicação de histerectomia é a miomatose uterina. A histerectomia está indicada na presença de sintomas; na falha no tratamento clínico associado a sangramento uterino anormal, com prole constituída ou sem desejo de engravidar; e em miomas com crescimento após a menopausa, sem história de reposição hormonal. A histerectomia pode ser realizada por via vaginal, laparoscópica e abdominal. 
As técnicas menos invasivas (vaginal e laparoscópica) são limitadas a úteros e miomas menores, sendo as técnicas mais indicadas quando existe possibilidade técnica, de recursos e clínica. O morcelamento do útero e de miomas possibilita que técnicas laparoscópicas sejam realizadas em pacientes com úteros volumosos. Entretanto, em 2014, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) restringiu o morcelamento de úteros miomatosos e de miomas, pelo risco de implantes de células benignas (miomas) e pela disseminação de células malignas (leiomiossarcoma).24
A histerectomia abdominal pode ser total ou subtotal. Geralmente, reserva-se a histerectomia subtotal para situações de dificuldade técnica intraoperatória, desde que a paciente apresente colpocitologia oncótica normal e faça controle ginecológico periódico. Menos episódios febris ocorrem na histerectomia abdominal subtotal quando comparada à total.25
Embolização
A embolização da artéria uterina tem sido utilizada para tratar uma série de problemas hemorrágicos em ginecologia e obstetrícia, sendo uma nova opção para o tratamento de miomas sintomáticos, com melhora da menorragia e diminuição do volume uterino. A embolização da artéria uterina apresenta eficácia em curto prazo de 90% no tratamento de sangramento excessivo, sintomas compressivos e dor pélvica. 
O número de complicações imediatas da embolização é maior do que na histerectomia laparotômica, sendo que as complicações da histerectomia são mais graves do que as da embolização. Ensaios clínicos demonstraram que histerectomia secundária após embolização foi realizada em 13 a 24% dos casos após 1 ano da embolização e em 28% das pacientes até o quinto ano. A embolização não deve ser indicada em pacientes que desejam gestar, pelo risco de comprometer a reserva ovariana. Há relatos de pacientes que engravidaram após a embolização; no entanto, são necessários estudos randomizados para comprovar a segurança nesse grupo de pacientes.
A proteção radiológica é uma questão importante com relação à embolização, devendo ser utilizada fluoroscopia pulsada, com valores médios abaixo de 50 Gy/cm2, que corresponderia à exposição à radiação gama de dois a três TCs de abdome.27
Outros métodos menos invasivos, como o ultrassom focado guiado por ressonância magnética e a ablação térmica por radiofrequência (controle ultrassonográfico e por laparoscopia), estão sendo desenvolvidos, entretanto, têm alto custo e seu uso ainda é restrito a protocolos de pesquisa.

Continue navegando