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DELGALARRONDO_Sindrome maniaca, psicotica e transtorno alimentar

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Paulo Dalgalarrondo314
– Loquacidade. Produção verbal rá-
pida, fluente e persistente.
– Logorréia. Produção verbal muito
rápida, fluente, com perda das
concatenações lógicas.
– Pressão para falar. Tendência
irresistível de falar sem parar.
– Distraibilidade. Atenção voluntá-
ria diminuída, e espontânea, au-
mentada.
– Agitação psicomotora. Pode ser
muito intensa até quadro de furor
maníaco.
– Irritabilidade. Pode ocorrer em
graus variados, desde leve irritabi-
lidade, passando pela beligerância,
até a franca agressividade.
– Arrogância. Em alguns pacientes
maníacos, é um sintoma destacável.
– Heteroagressividade. Geralmen-
te desorganizada e sem objetivos
precisos.
– Desinibição social e sexual. Leva
o indivíduo a comportamentos ina-
dequados em seu meio sociocultu-
ral; comportamentos que o pacien-
te não realizaria fora da fase ma-
níaca.
– Tendência exagerada a comprar
objetos ou a dar seus pertences
indiscriminadamente.
SINTOMAS DA
SÍNDROME MANÍACA
A euforia ou alegria patológica e a elação
(ou expansão do Eu) constituem a base da
síndrome maníaca (Belmaker, 2004). Além
disso, é fundamental e está quase sempre
presente a aceleração de todas as funções
psíquicas (taquipsiquismo), manifestan-
do-se como agitação psicomotora, exalta-
ção, loquacidade ou logorréia e pensamen-
to acelerado (Cassidy et al., 1998). A ati-
tude geral do paciente é alegre, brinca-
lhona ou irritada, arrogante. Além das al-
terações propriamente do humor (eufo-
ria, elação) e do ritmo psíquico (acelera-
ção), na esfera ideativa verifica-se um pen-
samento em geral superficial e impreciso;
o paciente fala mais do que pensa (Bins-
wanger [1961], 1973). De modo geral, po-
dem-se observar os seguintes sinais e sin-
tomas nas síndromes maníacas (Mone-
dero, 1975):
– Aumento da auto-estima. O pa-
ciente sente-se superior, melhor,
mais potente, etc.
– Elação. Sentimento de expansão e
engrandecimento do Eu.
– Insônia. Mais precisamente, a di-
minuição da necessidade de sono.
28
Síndromes maníacas
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 315
– Idéias de grandeza, de poder, de
importância social. Podem chegar
a configurar verdadeiros:
• delírios de grandeza ou de
poder
• alucinações (geralmente auditi-
vas, com conteúdo de grandeza).
SUBTIPOS DE SÍNDROMES MANÍA-
CAS (ERFURTH; AROLT, 2003)
Mania franca ou grave
É a forma mais intensa da mania, com
taquipsiquismo acentuadíssimo, agitação
psicomotora importante, heteroagressi-
vidade, fuga de idéias e delírio de grande-
za. Pacientes idosos
ou com lesões cere-
brais prévias, em fa-
se de mania grave,
podem se apresen-
tar confusos, deso-
rientados, com apa-
rente redução do ní-
vel de consciência.
Tal apresentação po-
de dificultar o diag-
nóstico diferencial entre síndrome manía-
ca e delirium.
Mania irritada ou disfórica
É uma forma de mania na qual predomina
a irritabilidade, o mau humor, a hostilida-
de em relação às pessoas, podendo ocor-
rer heteroagressividade e destruição de
objetos.
Mania mista
Aqui há sintomas maníacos (agitação,
irritabilidade, logorréia, expansão do Eu,
etc.) e sintomas depressivos (idéias de cul-
pa, desânimo, tristeza, idéias de suicídio,
etc.) ocorrendo ao mesmo tempo ou al-
ternando-se rapidamente (Bourgeois;
Verdoux; Mainard, 1995). Os sintomas fre-
qüentes são: pensamento e/ou comporta-
mento confuso, agitação psicomotora, dis-
túrbios do apetite, ideação suicida e, even-
tualmente, sintomas psicóticos. É um diag-
nóstico difícil, tendendo a ser mais fre-
qüentemente observado entre adolescen-
tes e idosos.
Hipomania (ou episódio
hipomaníaco)
É uma forma ate-
nuada de episódio
maníaco, que mui-
tas vezes passa des-
percebida, não rece-
bendo atenção mé-
dica. O indivíduo
está mais disposto
que o normal, fala muito, conta piadas, faz
muitos planos, não se ressente com as difi-
culdade e os limites da vida. Pode ter di-
minuição do sono, não se sente cansado
após muitas atividades e deseja sempre fa-
zer mais. O característico da hipomania é
que o indivíduo e seu meio não são seria-
mente prejudicados; a hipomania não pro-
duz disfunção social importante, e não há
sintomas claramente psicóticos. Muitas ve-
zes, a pessoa acometida não busca servi-
ços médicos.
Ciclotimia
Diversos pacientes apresentam, ao longo
de suas vidas, muitos e freqüentes perío-
dos de poucos e leves sintomas depressivos
seguidos, em periodicidade variável, de cer-
ta elação e discreta elevação do humor
(hipomania). Isso ocorre sem que o indiví-
duo apresente episódio completo de de-
Pacientes idosos ou
com lesões cerebrais
prévias, em fase de
mania grave, podem
se apresentar confu-
sos, desorientados,
com aparente redu-
ção do nível de cons-
ciência.
É uma forma atenua-
da de episódio ma-
níaco, que muitas ve-
zes passa desperce-
bida, não recebendo
atenção médica.
Paulo Dalgalarrondo316
pressão ou de mania. Os períodos depres-
sivos se assemelham à distimia e, nas fases
hipomaníacas, o paciente tem a sensação
agradável de autoconfiança, aumento da
sociabilidade, da atividade laborativa e da
criatividade, etc. O paciente permanece, aos
olhos da maioria das pessoas, nos marcos
da “normalidade”, não sendo conduzido, no
mais das vezes, a um tratamento médico.
Mania com sintomas psicóticos
É um episódio maníaco grave com sinto-
mas psicóticos, tais como delírio de gran-
deza ou poder, delírios místicos, às vezes
acompanhados de alucinação auditiva ou
visual. Nesses casos, o paciente geralmen-
te apresenta um comportamento bastante
alterado, com agitação psicomotora e
desinibição social e/ou sexual importante.
SUBTIPOS DE TRANSTORNO
BIPOLAR (AZORIN, 2006)
Os transtornos bipolares caracterizam-se
por seu caráter fásico, episódico, semelhan-
te ao de outros transtornos mentais e neu-
rológicos (Post; Silberstein, 1994). Os epi-
sódios de mania e depressão ocorrem de
modo relativamente delimitado no tempo
e, com freqüência,
há períodos de re-
missão, em que o
humor do paciente
encontra-se eutími-
co e as alterações psi-
copatológicas mais
intensas regridem.
Atualmente, em es-
pecial na psiquiatria
infantil nos Estados
Unidos (Geller; Zi-
merman; Williams,
2002), há a tendên-
cia de se formular o
diagnóstico de ma-
nia para crianças permanentemente agita-
das e inquietas. Entretanto, tal tendência
não demonstrou ainda consistência do pon-
to de vista psicopatológico (Charfi; Cohen,
2005), permanecendo, pelo menos, polê-
mica. A seguir, são descritos os vários
subtipos de transtorno bipolar.
Transtorno bipolar tipo I
São episódios depressivos leves a graves,
intercalados com fases de normalidade e
fases maníacas bem-caracterizadas (Qua-
dro 28.1).
Transtorno bipolar tipo II
São episódios depressivos leves a graves,
intercalados com períodos de normalida-
de e seguidos de fases hipomaníacas (aqui
o paciente não apresenta fases evidente-
mente maníacas, mas apenas hipoma-
níacas) (Quadro 28.1).
Transtorno afetivo bipolar,
tipo “ciclador” rápido
Nesses casos, ocorrem muitas fases depres-
sivas, maníacas, hipomaníacas ou mistas
em curto período, com apenas breves pe-
ríodos de remissão. Para o diagnóstico do
tipo “ciclador” rápido, é necessário que o
paciente tenha apresentado, nos últimos 12
meses, pelo menos quatro episódios bem-
caracterizados e distintos de mania (ou
hipomania) e/ou depressão. Para dois epi-
sódios da mesma
polaridade, deve-se
verificar intervalos
de dois meses de hu-
mor normal ou, no
caso de episódios de
polaridade distinta,
guinada para episó-
dio de polaridade
Atualmente, em es-
pecial na psiquiatria
infantil nos Estados
Unidos (Geller; Zi-
merman; Williams,
2002), há a tendên-
cia de se formular o
diagnóstico de mania
para crianças per-
manentemente agi-
tadas e inquietas.
Entretanto, tal ten-
dência não demons-
trou ainda consistên-
cia do ponto de vista
psicopatológico.
Para o diagnóstico do
tipo “ciclador” rápi-
do, é necessário
que o paciente tenhaapresentado, nos úl-
timos 12 meses, pelo
menos quatro epi-
sódios de mania.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 317
Quadro 28.2
Semiotécnica de episódios maníacos no passado
Você teve períodos em que se sentiu muito bem ou acelerado (claramente diferente do habitual)? Seus
familiares ou amigos acharam que era algo mais que simplesmente estar legal? Teve períodos em que se
sentiu muito irritado? Nesses períodos, sentia pouca necessidade de dormir? Sentia-se mais forte ou
poderoso? Teve períodos em que você esteve bem mais ativo que o comum, envolvendo-se em muitas
atividades? Houve períodos em que não conseguia ficar parado, tinha que se mexer a toda hora? Vinham
muitas idéias na cabeça? Você se sentia especialmente autoconfiante? Sentia que se distraía com muita
facilidade?
Em caso positivo
Quando foi que isso aconteceu pela primeira vez? Ocorreu mais de uma vez? Quanto tempo duravam
esses períodos? Quando foi o último episódio? Algo ajudou você a sair desse estado ou a ficar mais
calmo?
Quadro 28.1
Critérios diagnósticos para os transtornos maníacos segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002)
Período de pelo menos uma semana com sintomas bem-demarcados de: humor persistentemente
elevado, irritado ou expansivo.
Diagnóstico de episódio maníaco Subtipos de transtorno bipolar (TB)
TB episódio maníaco único
TB tipo I com mais de um episódio (maníaco ou
depressivo maior, mas pelo menos um maníaco):
Especificar: se o episódio atual ou mais recente for
do tipo hipomaníaco, maníaco, misto, depressivo.
TB tipo II com mais de um episódio
(hipomaníaco ou depressivo maior, mas pelo menos
um hipomaníaco): especificadores semelhantes aos
recém-descritos (menos maníacos)
Transtorno ciclotímico: por pelo menos dois anos,
numerosos períodos com sintomas hipomaníacos e
sintomas depressivos (que não satisfazem os
critérios para episódio depressivo maior ou grave)
Três ou mais dos sintomas (quatro se o humor for
apenas irritado) por pelo menos uma semana
• Auto-estima elevada
• Grandiosidade
• Muito falante, loquaz ou logorréico
• Fuga de idéias
• Distraibilidade
• ↓ Necessidade de sono
• Aceleração psicomotora
• Desinibição social e/ou sexual
• ↑↑↑ Gasto de dinheiro
• ↑↑↑ Envolvimento em atividades prazerosas
Episódio hipomaníaco
Por pelo menos quatro dias, três ou mais sintomas
bem-demarcados de humor persistentemente
elevado, irritado ou expansivo. Não pode haver
sintomas psicóticos; os sintomas não perturbam
claramente o funcionamento profissional ou social,
e não há necessidade de hospitalização.
oposta (sem necessidade de períodos in-
termediários de normalidade do humor).
Há dois trabalhos clássicos sobre a psi-
copatologia dos quadros maníacos: Sobre
la forma maníaca de vida, de Ludwig
Binswanger [1961] (1973); e La mania:
una psicopatologia de la alegria, de Carmelo
Monedero (1975). Para a investigação de
episódios maníacos na história dos pacien-
tes, ver Quadro 28.2.
Paulo Dalgalarrondo318
Questões de revisão
• Descreva pelo menos 10 sintomas de uma síndrome maníaca.
• O que é hipomania?
• Descreva o TAB tipo “ciclador” rápido.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 327
desorganização profunda da vida mental
e do comportamento, de qualidade diver-
sa à que ocorre nos quadros demenciais,
no delirium ou nos quadros de retardo men-
tal grave (Schimid, 1991). Os autores de
orientação psicodinâmica tendem a dar ên-
fase à perda de contato com a realidade
como dimensão central da psicose. O paci-
ente psicótico, nessa perspectiva, passaria
a viver fora da realidade, sem ser regido
pelo princípio de realidade, e viveria pre-
dominantemente sob a égide do princípio
do prazer e do narcisismo. Pacientes psi-
As síndromes psicó-
ticas caracterizam-
se por sintomas típi-
cos como alucina-
ções e delírios, pen-
samento desorga-
nizado e comporta-
mento claramente
bizarro, como fala e risos imotivados
(Janzarik, 2003). Os sintomas paranóides
são muito comuns, como idéias delirantes
e alucinações auditivas de conteúdo per-
secutório. Em alguns casos, observa-se uma
1 Cruz e Sousa, poeta simbolista, experimentou em sua vida o sofrimento de forma especialmente
atroz. Intelectual negro, rejeitado pelo meio social de então, faleceu cedo, aos 35 anos, pobre e
tuberculoso. Refere-se nessa balada a um episódio real que lhe aconteceu; ao voltar para casa de
um passeio com sua esposa, notou que ela subitamente estava enlouquecendo.
Os sintomas para-
nóides são muito co-
muns, como idéias
delirantes e alucina-
ções auditivas de
conteúdo persecu-
tório.
30
Síndromes psicóticas
(quadros do espectro da
esquizofrenia e outras psicoses)
Mudos atalhos afora, na soturnidade de alta noite, eu e ela caminhávamos.
Eu, no calabouço sinistro de uma dor absurda, como de
feras devorando entranhas, sentindo uma sensibilidade
atroz morder-me, dilacerar-me.
Ela, transfigurada por tremenda alienação, louca, rezando
e soluçando baixinho rezas bárbaras.
Eu e ela, ela e eu! – ambos alucinados, loucos, na
sensação inédita de uma dor jamais experimentada.
Cruz e Sousa, (Balada de Loucos1)
Paulo Dalgalarrondo328
cóticos tipicamente
têm insight prejudi-
cado (precária cons-
ciência da doença)
em relação aos seus
sintomas e à sua
condição clínica geral (Dantas; Banzato,
2007).
ESQUIZOFRENIA
A principal forma de psicose, por sua fre-
qüência e sua importância clínica, é cer-
tamente a esquizofrenia (Tsuang; Stone;
Faraone, 2000). Considera-se que alguns
sintomas são muito significativos para o
diagnóstico da esquizofrenia (Tandon;
Greden, 1987), particularmente aqueles
que Kurt Schneider (1887-1967) denomi-
nou “sintomas de primeira ordem”.
Sintomas de primeira
ordem de Kurt Schneider
1. Percepção delirante. Uma per-
cepção absolutamente normal re-
cebe uma significação delirante,
que ocorre de modo simultâneo ao
ato perceptivo, em geral de forma
abrupta, como uma espécie de
“revelação”.
2. Alucinações auditivas caracte-
rísticas. São as vozes que comen-
tam e/ou comandam a ação do
paciente.
3. Eco do pensamento ou sono-
rização do pensamento (Gedan-
kenlautwerden). O paciente escu-
ta seus pensamentos ao pensá-los.
4. Difusão do pensamento. Neste
caso, o doente tem a sensação de
que seus pensamentos são ouvidos
ou percebidos claramente pelos
outros, no momento em que os
pensa.
5. Roubo do pensamento. Experiên-
cia na qual o indivíduo tem a sen-
sação de que seu pensamento é
inexplicavelmente extraído de sua
mente, como se fosse roubado.
6. Vivências de influência na esfe-
ra corporal ou ideativa. Aqui,
dois tipos de vivências de influên-
cia são mais significativos:
• Vivências de influência cor-
poral. São experiências nas
quais o paciente sente que uma
força ou um ser externo age so-
bre seu corpo, sobre seus ór-
gãos, emitindo raios, influen-
ciando as funções corporais,
etc.
• Vivências de influência sobre
o pensamento. Referem-se à
experiência de que algo influ-
encia seus pensamentos, o pa-
ciente recebe pensamentos im-
postos de fora, pensamentos
feitos, postos em seu cérebro,
etc. Também as vivências cor-
porais ou ideativas têm a qua-
lidade de serem experimenta-
das como feitas, como impos-
tas de fora.
Os sintomas de
primeira ordem in-
dicam a profunda
alteração da relação
Eu-mundo, o dano
radical das “mem-
branas” que delimi-
tam o Eu em relação
ao mundo, uma per-
da marcante da di-
mensão da intimi-
dade. Ao sentir que
algo é imposto de fora, feito à sua revelia,
o doente vivencia a perda do controle so-
bre si mesmo, a invasão do mundo sobre
seu ser íntimo. Esse tipo de experiência
psicótica, dos pensamentos mais íntimos
Pacientes psicóticos
tipicamente têm in-
sight prejudicado
(precária consciên-
cia da doença).
Os sintomas de pri-
meira ordem indicam
a profunda alteração
da relação Eu-mun-
do, o dano radical das
“membranas” que
delimitam o Eu em
relação ao mundo,
uma perda marcante
da dimensão da inti-
midade.
Psicopatologia e semiologiados transtornos mentais 329
serem imediatamente percebidos por ou-
tras pessoas, expressa a vivência de uma
considerável “fusão” com o mundo, um
avançar terrível do mundo público sobre o
privado, assim como um extravasamento
involuntário da experiência pessoal e inte-
rior sobre o mundo circundante.
Os sintomas de segunda ordem de
Schneider são menos importantes para o
diagnóstico de esquizofrenia. Apenas em
certos contextos (nos quais outros aspec-
tos do quadro clínico e o todo da história
clínica indicam esquizofrenia) eles devem
ser considerados contributivos para tal
diagnóstico. São eles: perplexidade, alte-
rações da sensopercepção (excluindo aque-
les de primeira ordem), vivências de in-
fluência no campo dos sentimentos, impul-
sos ou vontade, vivência de empobrecimen-
to afetivo, intuição delirante e alterações
do ânimo de colorido depressivo ou mania-
tiforme.
Os psicopatólogos do final do século
XIX e início do XX distinguiram quatro
subtipos de esquizofrenia. A forma pa-
ranóide, caracterizada por alucinações e
idéias delirantes, principalmente de con-
teúdo persecutório. A forma catatônica,
marcada por alterações motoras, hiperto-
nia, flexibilidade cerácea e alterações da
vontade, como negativismo, mutismo e
impulsividade. A forma hebefrênica, ca-
racterizada por pensamento desorganiza-
do, comportamento bizarro e afeto pueril.
E, finalmente, definiu-se um subtipo sim-
ples, no qual, apesar de faltarem sintomas
característicos, observa-se um lento e pro-
gressivo empobrecimento psíquico e com-
portamental, com negligência quanto aos
cuidados de si (higiene, roupas, saúde),
embotamento afetivo e distanciamento
social.
A definição precisa da esquizofrenia,
seus sintomas mais fundamentais e carac-
terísticos, aquilo que lhe é mais peculiar e
central, é tema de intensas discussões em
psicopatologia. Apesar do surgimento dos
antipsicóticos de
primeira e segunda
gerações, a clínica
das psicoses em ge-
ral e da esquizofre-
nia em particular
permanece, com al-
gumas mudanças
superficiais, com a
mesma estrutura bá-
sica (Leme Lopes,
1979). Dentre as mais importantes defini-
ções de sintomas essenciais na esquizo-
frenia, estão as apresentadas por autores
clássicos, citadas no Quadro 30.1.
Nas últimas décadas, tem-se dado
mais importância à diferenciação da es-
quizofrenia em três subtipos (Andreasen,
1995):
1. Síndrome negativa ou deficitária
2. Síndrome positiva ou produtiva
3. Síndrome desorganizada
Esses subtipos são apresentados a
seguir.
Síndrome negativa ou deficitária (sinto-
mas negativos)
Os sintomas negativos das psicoses esquizo-
frênicas caracterizam-se pela perda de cer-
tas funções psíquicas (na esfera da vonta-
de, do pensamento, da linguagem, etc.) e
pelo empobrecimento global da vida afeti-
va, cognitiva e social do indivíduo. Os prin-
cipais sintomas ditos negativos ou defici-
tários nas síndromes esquizofrênicas são:
1. Distanciamento afetivo, em
graus variáveis até o completo em-
botamento afetivo; perda da ca-
pacidade de sintonizar afetiva-
mente com as pessoas, de demons-
trar ressonância afetiva no conta-
to interpessoal.
A definição precisa
da esquizofrenia,
seus sintomas mais
fundamentais e ca-
racterísticos, aquilo
que lhe é mais pecu-
liar e central, é tema
de intensas discus-
sões em psicopato-
logia.
Paulo Dalgalarrondo330
Quadro 30.1
Definições de esquizofrenia segundo Kraepelin, Bleuler, Jaspers, Schneider, CID-10 e DSM-IV
Eugen Bleuler (1857-1939)
Alterações formais do pensamento, no
sentido de afrouxamento até dissociação
das associações
Ambivalência afetiva; afetos contraditórios
vivenciados intensamente ao mesmo tempo
Autismo, como tendência a um isolamento psíquico
global em relação ao mundo, um “ensimesma-
mento” radical
Dissociação ideoafetiva, desarmonia profunda
entre as idéias e os afetos
Evolução muito heterogênea, podendo muitos
casos apresentarem evolução benigna
Kurt Schneider (1887-1967)
Percepção delirante
Vozes que comentam a ação
Vozes que comandam a ação
Eco ou sonorização do pensamento
Difusão do pensamento
Roubo do pensamento
Vivências de influência no plano corporal
e do pensamento
DSM-IV
Dois ou mais dos seguintes sintomas (de 1 a 5)
devem estar presentes com duração significativa,
por período de, pelo menos, um mês:
1. Delírios
2. Alucinações
3. Discurso desorganizado
4. Comportamento amplamente desorgani-
zado ou catatônico
5. Sintomas negativos (embotamento afetivo,
alogia, avolição)
6. Disfunções sociais, no trabalho e/ou no
estudo, denotando perdas nas habilidades
interpessoais e produtivas
Duração dos sintomas principais (de 1 a 5) de, pelo
menos, um mês, e do quadro deficitário (sintomas
negativos, déficit funcional, etc.) por, pelo menos,
seis meses
Emil Kraepelin (1856-1926)
Alterações da vontade (perda do elã vital,
negativismo, impulsividade, etc.)
Embotamento afetivo
Alterações da atenção e da compreensão
Transtorno do pensamento, no sentido de
associações frouxas
Alucinações, especialmente auditivas
Sonorização do pensamento
Vivências de influência sobre o pensamento
Evolução deteriorante (83% dos casos) no sentido
de embotamento geral da
personalidade
Karl Jaspers (1883-1969)
Idéias delirantes primárias, não-deriváveis ou
compreensíveis psicologicamente
Humor delirante precedendo o delírio
Alucinações verdadeiras, primárias
Vivências de influência, vivências do “feito”
Ocorrência ou intuição delirante
Analisando a vida total do paciente, nota-se que
ocorreu quebra na curva existencial; os surtos
fazem parte de um processo insidioso que
transforma radicalmente a personalidade e a
existência do doente
CID-10
Alteração das funções mais básicas que dão à
pessoa senso de individualidade, unicidade e de
direção de si mesmo
Eco, inserção, irradiação ou roubo do pensamento
Delírios de influência, controle ou passividade
Vozes que comentam a ação
Delírios persistentes culturalmente inapropriados
Alucinações persistentes de qualquer modalidade,
sem claro conteúdo afetivo (não-catatímicas)
Interceptações ou bloqueios do pensamento
Comportamento catatônico, com flexibilidade
cerácea, negativismo, mutismo, etc.
Sintomas negativos (empobrecimento afetivo,
autonegligência, diminuição da fluência verbal, etc.)
Alteração significativa na qualidade global do
comportamento pessoal, perda de interesse,
retração social; os sintomas devem estar presentes
por, pelo menos, um mês
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 331
2. Retração social: o paciente vai se
isolando progressivamente do
convívio social.
3. Empobrecimento da linguagem
e do pensamento (alogia).
4. Diminuição da fluência verbal.
5. Diminuição da vontade (avoli-
ção) e hipopragmatismo, ou seja,
dificuldade ou incapacidade de
realizar ações, tarefas, trabalhos,
minimamente organizados, que
exijam o mínimo de iniciativa, or-
ganização e monitorização com-
portamental e persistência.
6. Negligência quanto a si mesmo,
que se revela pelo descuido consi-
go mesmo, pela falta de higiene,
por desinteresse em relação à pró-
pria aparência, própria saúde e
vestimentas, etc.
7. Lentificação e empobrecimento
psicomotor com restrição do re-
pertório da esfera gestual e motora
O distanciamento e o embotamento
afetivo, assim como a retração social,
correspondem, até certo ponto, ao que
Eugen Bleuler (1857-1939) denominou
autismo do esquizofrênico. Para Bleuler,
a síndrome autística da esquizofrenia in-
clui, além de dificuldade ou incapacidade
de estabelecer contato afetivo com outras
pessoas e retração do convívio social,
inacessibilidade do mundo interno do pa-
ciente (em casos extremos, mutismo e com-
portamento negativista), atitudes e com-
portamentos rígidos, pensamento formal-
mente bizarro ou idiossincrático e perda
de hierarquia em valores, objetivos e am-
bições (Parnas; Bovet, 1991).
Síndrome positiva ou produtiva
(sintomas positivos)
Ao contrário dos sintomas negativos,que
se manifestam pelas ausências e pelos
déficits comportamentais, os sintomas di-
tos positivos são manifestações novas, flo-
ridas e produtivas do processo esquizo-
frênico. Os principais sintomas positivos
das síndromes esquizofrênicas são:
1. Alucinações, ilusões ou pseudo-
alucinações auditivas (mais fre-
qüentes), visuais ou de outro tipo
2. Idéias delirantes, de conteúdo
paranóide, auto-referente, de in-
fluência ou de outra natureza
3. Comportamento bizarro, atos
impulsivos
4. Agitação psicomotora
5. Idéias bizarras, não necessaria-
mente delirantes
6. Produções lingüísticas novas como
neologismos e parafasias
Síndrome desorganizada,
com predomínio de desorganização
mental e comportamental
Esta síndrome corresponde, de alguma for-
ma, ao subtipo classicamente denominado
esquizofrenia hebefrênica. Assim, nas for-
mas desorganizadas de síndrome esquizo-
frênica, temos:
1. Pensamento progressivamente
desorganizado, de um leve afrou-
xamento das associações até a to-
tal desagregação e produção de
um pensamento totalmente in-
compreensível
2. Comportamentos desorganiza-
dos e incompreensíveis, particu-
larmente comportamentos sociais
e sexuais inadequados, agitação
psicomotora, vestimenta e aparên-
cia bizarras
3. Afeto inadequado, ambivalente;
descompasso entre as esferas afe-
tivas, ideativas e volitivas
4. Afeto pueril, paciente reage global-
mente de forma infantil, “boboca”
Paulo Dalgalarrondo332
TRANSTORNO DELIRANTE
(PARANÓIA) E ESQUIZOFRENIA
TARDIA (PARAFRENIA)
Uma forma de psi-
cose bem conhecida
dos clínicos é aque-
la que se caracteri-
za pelo surgimento
e pelo desenvolvi-
mento de um delírio
ou sistema deliran-
te com relativa pre-
servação da perso-
nalidade e do resto
do psiquismo do in-
divíduo acometido. A paranóia caracteri-
za-se, portanto, por um delírio geralmente
organizado e sistematizado, às vezes com
temática complexa, que permanece como
que “encistado”, “cristalizado”, em um do-
mínio da personalidade do doente, sem
comprometer todo o resto. Ocorre em su-
jeitos com mais idade (geralmente após os
40 anos), e geralmente tem curso crônico
e estável. O termo moderno transtorno de-
lirante corresponde ao que Kraepelin de-
nominava paranóia (que curiosamente, no
linguajar popular, é usado como sinônimo
de idéias de perseguição).
As parafrenias são formas de psicose
esquizofreniforme, de aparecimento tardio,
em que surgem delírios, em geral acom-
panhados de alucinações, mas nas quais,
semelhantemente à paranóia, há relativa
preservação da personalidade do doente.
Alguns autores consideram a parafrenia
uma forma tardia de esquizofrenia, surgin-
do comumente após os 45 ou 50 anos de
idade (Howard; Almeida; Levy, 1994).
PSICOSES BREVES, REATIVAS
OU PSICOGÊNICAS
A psiquiatria clínica registra alguns casos
de pacientes com quadros psicóticos, esqui-
zofreniformes ou não, de surgimento agu-
do, com remissão rápida (dias ou sema-
nas) que não causam “seqüelas” no
psiquismo do doente ou deterioração da
personalidade. Um porcentagem desses
casos (menos de 50%) surge após traumas
psíquicos mais ou menos intensos, como
um assalto, perder-se em uma floresta, um
acidente de trânsito ou de trabalho, morte
de parentes ou amigos queridos, etc.
Nesses casos, clinicamente predomi-
nam sintomas floridos, como idéias deli-
rantes ou deliróides (em geral paranóides),
alucinações visuais
e/ou auditivas, in-
tensa perplexidade,
confusão mental,
ansiedade acentua-
da e medos difusos.
Pode confundir-se
com transtorno de
estresse pós-trau-
mático ou com qua-
dros graves de his-
teria (alguns deno-
minam a ocorrência
de sintomas psicóticos na histeria de “psi-
cose histérica”).
Há uma excelente coletânea que
apresenta a história, o conceito e a descri-
ção clínica das psicoses esquizofrênicas em
Cutting e Shepherd (1987).
A paranóia caracte-
riza-se, portanto, por
um delírio geralmen-
te organizado e sis-
tematizado, às vezes
com temática com-
plexa, que permane-
ce como que “encis-
tado”, “cristalizado”,
em um domínio da
personalidade do
doente.
Nas psicoses rea-
tivas predominam
sintomas floridos,
como idéias deliran-
tes ou deliróides (em
geral paranóides),
alucinações visuais
e/ou auditivas, inten-
sa perplexidade, con-
fusão mental, ansie-
dade acentuada e
medos difusos.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 333
Questões de revisão
• Cite e descreva os sintomas de primeira ordem de Kurt Schneider. Qual a sua importân-
cia clínica?
• Descreva os três subtipos de esquizofrenia: negativo, positivo e desorganizado.
• O que são o transtorno delirante (paranóia) e a psicose breve?
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 339
mediador da primeira relação in-
terpessoal; a relação mãe-bebê. A
incorporação oral pode represen-
tar simbolicamente diversas coisas:
o amor, a destruição, a conserva-
ção no interior do Eu e a apro-
priação das qualidades do objeto
amado, etc. Por exemplo, alimen-
tar seu filho, para a mãe, é muito
mais que uma tarefa fisiológica,
tem valor emocional especial, po-
dendo exprimir afeto, aplacamento
de sentimentos de culpa ou tenta-
tiva de “dar amor” que, às vezes,
ela se sente incapaz de dar de ou-
tra forma.
A conduta alimentar é motivada cons-
cientemente pelas sensações básicas de
fome, sede e saciedade. Essas são geradas,
controladas e monitoradas por diversas
áreas do organismo: o hipotálamo (centro
da saciedade) e várias estruturas límbicas
e corticais.
O COMPORTAMENTO ALIMENTAR
O comportamento alimentar, apesar de
sua aparente banalidade na vida cotidia-
na, é um fenômeno humano complexo e
de importância central. Segundo Bernard
e Trouvé (1976), o comportamento ali-
mentar inclui algumas dimensões comple-
mentares:
– Dimensão fisiológico-nutritiva.
Relaciona-se a aspectos metabóli-
cos, endócrinos e neuronais, que
regulam a demanda e a satisfação
das necessidades nutricionais.
– Dimensão psicodinâmica e afe-
tiva. Aqui, a fome e a alimenta-
ção vinculam-se à satisfação e ao
prazer oral. O prazer alimentar
oral tem, segundo a psicanálise,
uma conotação nitidamente libi-
dinal.
– Dimensão relacional. No desen-
volvimento da criança, a boca é o
32
Síndromes relacionadas ao
consumo de alimentos
Paulo Dalgalarrondo340
Transtornos da alimentação
Anorexia nervosa
A anorexia nervosa caracteriza-se pela per-
da de peso auto-induzida por abstenção
de alimentos que engordam ou por com-
portamentos como vômitos e/ou purgação
auto-induzidos, exercício excessivo e uso
de anorexígenos e/ou diuréticos (Fichter,
2005; Wilson; Shafran, 2005). Há uma bus-
ca implacável de
magreza e o medo
intenso e mórbido
de parecer ou ficar
gorda(o) (Nunes;
Abuchaim, 1995).
Quando a per-
da de peso é excessiva, ocorrem alterações
endócrinas (amenorréia, hipercortisolemia,
elevação do hormônio do crescimento e
secreção anormal de insulina), metabóli-
cas e eletrolíticas em conseqüência do gra-
ve estado nutricional (OMS, 1993). Carac-
teristicamente, o peso corporal é manti-
do em pelo menos 15% abaixo do es-
perado.
Do ponto de vista psicopatológico, o
que é característico da anorexia nervosa é
a distorção da imagem corporal; apesar
de muito emagrecida, a paciente perce-
be-se gorda, sente que algumas partes de
seu corpo, como o abdome, as coxas e as
nádegas estão “muito gordas”. O pavor de
engordar persiste como uma idéia perma-
nente, mesmo estando a paciente com o
seu peso bem abaixo do normal.
Não é incomum que a anorética apre-
sente episódios de bulimia (comer compul-
sivo seguido de vômitos e/ou purgação).
Ocorre mais comumente em garotas ado-
lescentes e mulheres jovens (mais de 90%
dos casos ocorrem no sexo feminino). Mui-
tos casos iniciam-se com dietas, aparente-
mente inocentes, e evoluem para graves
quadros anoréticos. Parece haver pre-
valência bem maior em sociedades indus-
trializadas, ocidentais, nas quais, especial-
mente em relação às mulheres,ser atraen-
te está ligado à magreza. Outro mecanis-
mo envolvido parece ser a tentativa de con-
trolar os conflitos (na área da sexualidade,
relacionamento com os pais, etc.), por meio
do controle do peso e da imagem corporal.
A mortalidade é variável (em torno de 5%)
devido a complicações cardiovasculares,
hidroeletrolíticas, metabólicas e endocri-
nológicas.
Atualmente, reconhecem-se dois sub-
tipos de anorexia nervosa (Keel; Fichter;
Quadflieg, 2004): o restritivo, no qual a
paciente torna-se e permanece anorética
pela restrição de alimentos, podendo apre-
sentar ou não sintomas obsessivo-compul-
sivos; e o purgativo, no qual, além de evi-
tar ingerir alimentos calóricos, a paciente
tem comportamentos ativos de perda de
calorias, tais como vômitos auto-induzidos,
exercícios excessivos e uso de laxantes.
Bulimia nervosa
A bulimia nervosa (BN) caracteriza-se por
preocupação persistente com o comer e um
desejo irresistível de comida, sucumbindo
a paciente a repetidos episódios de hi-
perfagia (“ataques” à geladeira, a uma sor-
veteria, etc.). Carac-
teriza-se ainda por
preocupação exces-
siva com controle de
peso corporal, levan-
do a paciente a to-
mar medidas extre-
mas, como vômitos,
purgação, enemas e
diuréticos, a fim de
mitigar os efeitos do aumento de peso pela
ingestão de alimentos (Mehler, 2003).
Os indivíduos com bulimia estão ge-
ralmente dentro da faixa de peso normal,
embora alguns possam apresentar o peso
levemente acima ou abaixo dessa faixa. O
Na anorexia nervosa,
há uma busca impla-
cável de magreza e o
medo intenso e mór-
bido de parecer ou fi-
car gorda(o).
A paciente bulímica
toma medidas extre-
mas, como vômitos,
purgação, enemas e
diuréticos, a fim de
mitigar os efeitos do
aumento de peso pe-
la ingestão de ali-
mentos.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 341
comportamento purgativo pode produzir
alterações hidroeletrolíticas (hipocalemia,
hiponatremia e hipocloremia). A perda de
ácido gástrico por meio dos vômitos pode
ocasionar alcalose metabólica, e a freqüen-
te indução de diarréia pelo abuso de la-
xantes pode causar acidose metabólica. O
vômito recorrente pode acarretar perda sig-
nificativa e permanente do esmalte den-
tário. Da mesma forma que a anorexia
nervosa, a bulimia ocorre, em 90% dos ca-
sos, entre as mulheres, começando no fi-
nal da adolescência ou no início da idade
adulta.
Os indivíduos com bulimia nervosa
tipicamente se en-
vergonham de seus
problemas alimen-
tares e procuram
ocultar seus sinto-
mas. Há um senti-
mento de falta de
controle. O comer
compulsivo (binge
eating) é um quadro
próximo ao da bulimia, mas dela se dife-
rencia pela ausência de vômitos e purga-
ções auto-induzidas e por marcante senti-
mento de culpa ou desconforto após haver
comido uma quantidade muito exagerada
de alimentos em curto período de tempo.
Como a bulimia é um comportamen-
to socialmente condenável, as pacientes
costumam negar e esconder os sintomas.
Para identificar pacientes com tal transtor-
no, usa-se a técnica do “exagero”, pergun-
tando, por exemplo: Quantas vezes por dia
você come demais e vomita depois? Qua-
tro ou cinco vezes? Oito ou dez vezes? (Res-
posta: “Que é isso! Só uma ou duas vezes
por dia.”).
Obesidade
A obesidade é uma condição complexa,
determinada por fatores genéticos, desen-
volvimento psicológico, família e cultura.
É mais freqüente em indivíduos de baixo
nível socioeconômico, mulheres, socieda-
Quadro 32.1
Níveis de obesidade segundo o índice de massa corporal e a porcentagem do peso esperado
% de peso Índice de massa
Tipo de transtorno esperado corporal*(kg/m2)
Anorexia nervosa < 15% < 17,5
Magreza < 10% < 19
Normal – 19 a 25
Sobrepeso > 10% 26 a 30
Obesidade leve > 20% 31 a 35
Obesidade moderada 36 a 40
Obesidade mórbida > 40
*O índice de massa corporal, como apresentado aqui, não se aplica a crianças e adolescentes.
Os indivíduos com
bulimia nervosa ti-
picamente se en-
vergonham de seus
problemas alimenta-
res e procuram ocul-
tar seus sintomas.
Há um sentimento de
falta de controle.
Paulo Dalgalarrondo342
des industrializadas e urbanas e culturas nas
quais a atividade física não é predominante
(Wadden, 1995).
Tem havido um aumento da ordem
de 30% no número de indivíduos obesos,
tanto em países desenvolvidos como em
subdesenvolvidos.
Calcula-se que cerca
de 4 a 8% da verba
destinada à saúde é
gasta com proble-
mas gerados ou as-
sociados direta ou
indiretamente pela/
com a obesidade.
Segundo Halpern
(1998), a obesidade tem grande importân-
cia médica, pois associa-se a taxas eleva-
das de:
– Morbidade. Por exemplo, diabete
melito tipo 2, dificuldade no con-
trole da hipertensão, aumento de
triglicérides e colesterol, apnéia do
sono, hiperandrogenismo, irregu-
laridades menstruais e infertilidade
na mulher e diminuição dos níveis
de testosterona nos homens, pro-
blemas ortopédicos e dermatoló-
gicos, etc.
– Mortalidade. Ocorre por distúr-
bios cardiovasculares, respiratórios
e endócrinos, assim como pelo ris-
co aumentado de tumores de ma-
ma, útero, ovário, próstata, intes-
tino grosso e vias biliares.
Um dos pontos fundamentais da obe-
sidade é a disfunção dos mecanismos de
saciedade no obeso. De modo geral, o obe-
so não come predominantemente de for-
ma precipitada ou voraz; ele come de for-
ma contínua enquanto houver comida dis-
ponível; ele não é capaz de parar de co-
mer. O obeso é muito sensível a assuntos
alimentares e preocupado com a comida,
com os diferentes sabores dos alimentos,
com a sua disponibilidade e a sua aparên-
cia, etc.
PERFIL E PROBLEMAS
EMOCIONAIS DO OBESO
Embora haja muita controvérsia sobre se
há de fato um perfil constante de perso-
nalidade no obeso, classicamente ele foi
descrito, do ponto de vista emocional,
como imaturo e muito sensível à frus-
tração. Seria um indivíduo que recorre à
comida como forma de compensação do
afeto de que carece e que sente que nun-
ca o recebe de forma adequada. Também
se descreve o obeso como alguém que tem
sexualidade fortemente reprimida, ou que
utiliza a obesidade como defesa contra
os impulsos sexuais. Outro aspecto re-
cairia na utilização da obesidade como de-
fesa contra a depressão (alguns obesos,
ao contrário do esperado, ficam deprimi-
dos após emagrecerem), como busca má-
gica de força e potência ou como forma
de distanciar-se dos outros. Deve ser, en-
tretanto, enfatizado que tais mecanismos,
embora encontrados em alguns indivíduos
obesos, não podem ser generalizados.
Pessoas obesas comem em excesso
quando se sentem mal emocionalmente
(mas indivíduos não-obesos também o fa-
zem!). Não é raro o fenômeno de obesos
emagrecerem muito quando se apaixonam
e encontram um parceiro amado, voltan-
do a engordar quando o perdem. De modo
geral, os obesos moderados e graves têm a
auto-estima muito baixa; sentem seus cor-
pos feios e repugnantes e acham que as
outras pessoas os encaram com desprezo e
rejeição.
Calcula-se que cer-
ca de 4 a 8% da ver-
ba destinada à saú-
de é gasta com pro-
blemas gerados ou
associados direta ou
indiretamente pela/
com a obesidade.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 343
Um ponto relevante é que os obesos
têm dificuldade em diferenciar a fome de
sensações desagradáveis, desconforto, an-
siedade e disforias de modo geral. Todo
mal-estar logo é fal-
samente percebido
como fome.
Questões de revisão
• Cite as três dimensões do comportamento alimentar.
• Defina anorexia nervosa, seus principais aspectos psicopatológicos e os dois subtipos
clínicos.
• Descreva a bulimia nervosa e o comer compulsivo.
• Qual é a dificuldade dos obesos em relação a fome e sensações desagradáveis?
Um ponto relevante é
que os obesos têm
dificuldade em dife-
renciar a fome de
sensações desagra-
dáveis, desconforto,
ansiedade e disforias
de modo geral. Todo
mal-estar logo é fal-
samente percebido
como fome.

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