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PSICANÁLISE E RELIGIÃO- APOSTILA 2021

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Rua 1º de maio,98
Cep: 44075-045 Tel: (75) 36225799 – Feira de Santana – Ba.
Email: riosubae@gmail.com
 Site: www. sephianap.com.br
Reg. Cartório de Doc. e Reg. Civil das Pessoas Jurídicas n 2.986
 Livro A: em 26-11-04 - CNPJ: 07.117.947/0001 08
SEPHIA – SOCIEDADE DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS E HIPNOSE APLICADA
CURSO LIVRE DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE CLÍNICA
DISCIPLINA: PSICANÁLISE E RELIGIÃO
FACILITADOR: ANTONIO CARLOS SAMPAIO CERQUEIRA
FEIRA DE SANTANA 
2021
SEPHIA – SOCIEDADE DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS E HIPNOSE APLICADA
CURSO LIVRE DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE CLÍNICA
FACILITADOR: ANTONIO CARLOS SAMPAIO CERQUEIRA
MENSAGEM:
“A religião sempre dá sentido às experiências mais curiosas, mesmo para aquelas que angustiam até os cientistas. 
Mas a Psicanálise não está desse lado. 
A experiência espiritual consiste em reconhecer o fora do sentido, encontrar o impossível como dimensão do real. Assim, a linguagem dos místicos dá lugar ao fora de sentido, ao sem por que, ao sem razão” (Lacan).
EMENTA: 
1. A história da antropologia e das interpretações do fenômeno religioso. Ciência e religião: valores e limites da interligação.
2. Etnocentrismo e relativismo cultural. Religião e nova cidadania. Exigências e desafios do mundo contemporâneo. 
3. Encontros e desencontros entre fé religiosa, razão moderna e pós-modernidade.
4. A reflexão das ciências humanas sobre o fenômeno religioso. Os diferentes itinerários humanos em busca do transcendente.
5. A nova perspectiva ética e o papel da religião. Sigmund Freud e a Religião. Carl Gustav Jung e a Religião.
6. Psicanálise e religião na prática clínica. 
PROGRAMA:
BLOCO I:
RELIGIÃO E CIÊNCIA
1. CRIACIONISMO E EVOLUCIONISMO
2. TIPOLOGIA QUADRÚPLA DE IAN BORBOUR
3. CIÊNCIA, RELIGIÃO, PSICOLOGIA E COMPORTAMENTO
BLOCO II:
FORMAÇÃO DOS CONCEITOS MORAIS/LEIS
1. TOTEM E TABU
2. MOISÉS E O MONOTEISMO
3. ÉDIPO
4. TEOCENTRISMO E ANTROPOCENTRISMO
BLOCO III:
CRENÇA E PSICANÁLISE
1. RELIGIÃO, ESPIRITUALIDADE E PSICANÁLISE
2. PSICANÁLISE E RELIGIÃO
BLOCO I
TEORIAS EVOLUCIONISTAS E CRIACIONISTAS
Bom, até hoje os cientistas não sabem falar de onde viemos e pra onde vamos, temos várias teorias como a evolução; defendida no princípio pelo cientista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) e logo depois por Charles Robert Darwin (1809-1882). E a criação; que é defendida pelos religiosos.
CRIACIONISMO:
A questão sobre as origens do homem remete um amplo debate, no qual filosofia, religião e ciência entram em cena para construir diferentes concepções sobre a existência da vida humana e, implicitamente, porquê somos o único espécime dotado de características que nos diferenciam do restante dos animais. Desde as primeiras manifestações mítico-religiosas o homem busca resposta para essa questão. Neste âmbito, a teoria criacionista é a que tem maior aceitação. Ao mesmo tempo, ao contrário do que muitos pensam, as diferentes religiões do mundo elaboraram uma versão própria da teoria criacionista. A mitologia grega atribui a origem do homem ao feito dos titãs Epimeteu e Prometeu. Epimeteu teria criado os homens sem vida, imperfeitos e feitos a partir de um molde de barro. Por compaixão, seu irmão Prometeu resolveu roubar o fogo do deus Vulcano para dar vida à raça humana. Já a mitologia chinesa atribui a criação da raça humana à solidão da deusa Nu Wa, que ao perceber sua sombra sob as ondas de um rio, resolveu criar seres à sua semelhança. O cristianismo adota a Bíblia como fonte explicativa sobre a criação do homem. Segundo a narrativa bíblica, o homem foi concebido depois que Deus criou céus e terra. Também feito a partir do barro, o homem teria ganhado vida quando Deus assoprou o fôlego da vida em suas narinas. Outras religiões contemporâneas e antigas formulam outras explicações, sendo que algumas chegam a ter pontos de explicação bastante semelhantes. Sendo um tema polêmico e inacabado, a origem do homem ainda será uma delicada questão capaz de se desdobrar em outros debates. Dessa forma, cabe a cada um julgar e adotar, por meio de critérios pessoais, a corrente explicativa que lhe parece mais plausível.
EVOLUCIONISMO:
A teoria evolucionista é fruto de um conjunto de pesquisas, ainda em desenvolvimento, iniciadas pelo legado deixado pelo cientista inglês Charles Robert Darwin. Em suas pesquisas, ocorridas no século XIX, Darwin procurou estabelecer um estudo comparativo entre espécies aparentadas que viviam em diferentes regiões. Além disso, ele percebeu a existência de semelhanças entre os animais vivos e em extinção. A partir daí ele concluiu que as características biológicas dos seres vivos passam por um 
processo dinâmico onde fatores de ordem natural seriam responsáveis por modificar os organismos vivos. Ao mesmo tempo, ele levantou a ideia de que os organismos vivos estão em constante concorrência e, a partir dela, somente os seres melhores preparados às condições ambientais impostas poderiam sobreviver. Contando com tais premissas, ele afirmou que o homem e o macaco teriam uma mesma ascendência a partir da qual as duas espécies se desenvolveram. Contudo, isso não quer dizer, conforme muitos afirmam, que Darwin supôs que o homem é um descendente do macaco. Em sua obra, A Origem das Espécies, ele sugere que o homem e o macaco, devido suas semelhanças biológicas, teriam um mesmo ascendente em comum. A partir da afirmação de Charles Darwin, vários membros da comunidade científica, ao longo dos anos, se lançaram ao desafio de reconstituir todas as espécies que antecederam o homem contemporâneo. Entre as diferentes espécies catalogadas, a escala evolutiva do homem se inicia nos Hominídeos, com mais de quatro milhões de anos. O Homo habilis (2,4 – 1,5 milhões de anos) e o Homo erectus (1,8 – 300 mil anos) compõem a fase intermediária da evolução humana. Por fim, o Homo sapiens neanderthalensis, com cerca de 230 a 30 mil anos de existência, antecede ao Homo sapiens, surgido há aproximadamente 120 mil anos, que corresponde ao homem com suas características atuais. Mesmo cercada por uma larga série de indícios materiais sobre as transformações da espécie humana, a teoria evolucionista não é uma tese comprovada por inteiro. O chamado “Elo Perdido”, capaz de remontar completamente a trajetória do homem e seu primata original, é uma incógnita ainda sem resposta.
Jean-Baptiste Lamarck;
 
Naturalista francês, foi o primeiro cientista a propor uma teoria sistemática da evolução. Sua teoria foi publicada em 1809, em um livro denominado Filosofia zoológica.Segundo Lamarck, o principio evolutivo estaria baseado em duas Leis fundamentais: Lei do uso ou desuso: o uso de determinadas partes do corpo do organismo faz com que estas se desenvolvam, e o desuso faz com que se atrofiem.Lei da transmissão dos caracteres adquiridos : alterações provocadas em determinadas características do organismo, pelo uso e desuso, são transmitidas aos descendentes. Lamarck utilizou vários exemplos para explicar sua teoria. Segundo ele, as aves aquáticas tornaram-se pernaltas devido ao esforço que faziam no sentido de esticar as pernas para evitarem molhar as penas durante a locomoção na água. A cada geração, esse esforço produzia aves com pernas mais altas, que transmitiam essa característica à geração seguinte. Após várias gerações, teriam sido originadas as atuais aves pernaltas.A teoria de Lamarck não é aceita atualmente, pois suas idéias apresentam um erro básico: as características adquiridas não são hereditárias.Verificou-se que as alterações em células somáticas dos indivíduos não alteram as informações genéticas contida nas células germinativas, não sendo, dessa forma, hereditárias.
Charles Robert Darwin;
As idéias gerais da teoria da evolução das espécies sofreram, aos poucos, alterações e aperfeiçoamentos. Todavia, as bases do evolucionismo subsistem até hoje e o nome de Darwin ficou ligado a uma das mais notáveis concepções do espírito humano. Charles Robert Darwin nasceu em Shrewsbury, Shropshire, no Reino Unido, em 12 de fevereiro de 1809, em uma famíliapróspera e culta. Seu pai, Robert Waring Darwin, foi médico respeitado. O avô paterno, Erasmus Darwin, poeta, médico e filósofo, era um evolucionista em potencial, cuja obra mais famosa, a Zoonomia (1794-1796), antecipava em muitos aspectos as teorias de Lamarck.Em 1825 Darwin foi para Edimburgo estudar medicina, carreira que abandonou por não suportar as dissecções. Todavia, interessou-se pelas ciências naturais. Matriculou-se a seguir no Christ's College, em Cambridge, decidido a ordenar-se, embora não tivesse vocação religiosa. Ali se tornou amigo do botânico John Stevens Henslow, que o aconselhou a aperfeiçoar seus conhecimentos em história natural.
A TIPOLOGIA QUÁDRUPLA DE IAN G. BARBOUR: QUANDO A CIÊNCIA ENCONTRA A RELIGIÃO
Ian G. Barbour
 
A controvérsia entre Ciência e Religião sempre teve como seu epicentro o debate acerca da origem da vida. Muitas dúvidas e desconfianças pairam sobre o tema, desde os primórdios da disputa até a atualidade. Sabe-se que nem sempre se tem uma resposta definitiva para o amplo espectro dos questionamentos.Todavia, o Teólogo e Físico Nuclear Ian G. Barbour, em sua obra Quando a Ciência Encontra a Religião (Cultrix, 2004) propõe com maestria peculiar uma introdução a tema, discutindo diversos tópicos, como: Porque aconteceu o big-bang? Deus cria por meio da evolução? Somos determinados por nossos genes? Deus pode agir em um Universo regido por leis?
I. O AUTOR
Ian G. Barbour é professor emérito de Física Nuclear e Religião no Charleton College em Northfield, Minesota e ganhador do Prêmio Templeton para o Progresso da Religião em 1999, pelo seu papel pioneiro no avanço dos estudos da Religião e Ciência. Pelo fato de ser além de cientista, também um teólogo, participando assim dos dois lados da questão, ninguém melhor que Barbour para se encarregar do desafio que a obra propõe, que é a de apresentar um panorama atual do debate entre essas duas dimensões do estudo da existência humana relacionado ao tema da figura de Deus.
Embora afirme evitar generalizações, Barbour terá seu foco na tradição cristã, no desenvolvimento de seu estudo. Uma ilusão que vem à mente do leitor é a de que o autor se valerá de imparcialidade na apresentação do tema, o que nem sempre ocorre, de fato. O autor é evo-teísta e isso influenciará em muito diversas de suas afirmações. Embora Barbour aparentemente busque em todo o tempo uma aproximação dos pólos, numa tentativa de diálogo e integração, em diversas vezes se percebe a verve do teólogo se dobrando diante da argumentação da dita Ciência. Um exemplo é quando afirma: “Acredito que a ciência criacionista é uma ameaça tanto à liberdade religiosa quanto à liberdade científica” (pag. 31) ou quando desabona o valor da ortodoxia cristã na leitura do relato das Origens em Gênesis, determinando assim a doutrina do big bang como definitiva e incontestável, nesse campo.
Todavia destaco a força argumentativa do autor, seu amplo conhecimento de campo, a atualidade de sua farta bibliografia, a seleção bem elaborada dos tópicos e sua tentativa (embora falha) de imparcialidade (o autor sempre pende para o evo-teísmo).
II. A OBRA
Duas premissas básicas de sua obra expostas logo na Introdução me chamaram a atenção, as quais destaco a seguir:
1. As pesquisas recentes afirmam a presença da Religião no cenário científico
O primeiro item que destaco é a maneira como Barbour busca deixar claro a força da Religião no debate atual. Em sua introdução, o autor noticia os resultados de pesquisas realizadas pelo Instituto Gallup, em 1991, que já naquele tempo concluía o seguinte:
1.a. Pelo menos 45% dos americanos acreditavam que Deus teria criado o homem exatamente igual à de hoje há não mais que dez mil anos atrás, negando assim a doutrina da evolução e o parentesco humano com os grandes símios;
1.b. Outros 40% acreditavam que o homem teria se desenvolvido durante milhões de anos a partir de formas menos desenvolvidas de vida, embora cressem que todo o processo foi conduzido por Deus, misturando assim os paradigmas criacionista e evolucionista em conflito;
1.c. Apenas 10% afirmavam que Deus não teria participado do processo da geração da vida. Barbour também afirma que em países industrializados, como a Grã-Bretanha, por exemplo, o percentual daqueles que interpretavam a Bíblia ao pé da letra e rejeitavam a doutrina da evolução estava cada vez menor, totalizando apenas uma média de 7%.
O resultado dessa última amostragem revela de forma clara que a maioria dos americanos de fato ainda acreditava que a vida de fato tem sua origem em Deus, descartando a teoria da evolução como um paradigma definitivo.
Outra pesquisa realizada pela American Men and Woman of Science, em 1997 e desta vez com grupos de cientistas, apurou que pelo menos 39% do grupo de fato acreditava em um Deus para o qual se poderia rezar na expectativa de se obter alguma resposta. De acordo com Barbour, esses dados eram positivos, tendo em vista que em 1916, outra pesquisa idêntica a essa feita com o mesmo grupo teve praticamente o mesmo resultado: destes, 42% também confirmava sua fé em um Deus presente e ativo na história humana.
Para Barbour, a comparação dessas amostragens têm seu ponto positivo para a Religião, uma vez que elas contrariam de modo claro a uma real manipulação de dados presente na mídia, que busca a todo custo afirmar que as crenças religiosas tinham sofrido uma grande queda entre os cientistas no século XX.
O autor também declara que tem havido também um crescimento nos estudos nessa área. Dados atuais revelam que a média de livros publicados sob o tópico “Ciência e Religião” da Biblioteca do Congresso triplicou de 71 para 211, entre os anos de 1950 e 1990.
Na verdade, o que tudo isso demonstra é que a Religião ainda tem sua presença nos estudos científicos como vigor cada vez mais destacado, contrariando a pichação feita pela mídia secular em torno do tema, quando se refere ao paradigma criacionista.
2. HÁ PELO MENOS QUATRO TIPOS DE ESTUDOS NO CAMPO DA CIÊNCIA E RELIGIÃO
Outro ponto apresentado por Barbour, que merece destaque é sua “tipologia quádrupla”, um esboço taxonômico criado por ele mesmo, mediante o qual busca auxiliar aqueles que procuram uma técnica para a classificação dos diferentes grupos que se dedicam ao estudo da interação entre Ciência e Religião. Embora apresente algumas discordâncias da parte de outros estudiosos como Wentzel van Huyssteen para com sua taxonomia, considerando-a “demasiado genérico e universal”, Barbour se diz confiante de que é possível encontrar exemplos dentro das quatro categorias que ele mesmo propõe. Para ele, essa estrutura tipológica dos que se empenham no debate seria a seguinte:
1. A de conflito: Geralmente essa postura ocorrerá entre os literalistas bíblicos e os ateus. A base do discurso é afirmar que uma pessoa não pode acreditar em Deus e na evolução ao mesmo tempo, embora aja no mesmo grupo, discordância no princípio que admitem. De acordo com Barbour, estes são os mais presentes na mídia e tratam os dois pólos como inimigos.
2. A de Independência: Esse grupo admite que Ciência e Religião, são, de fato, estranhas uma à outra, podendo coexistir, quando se mantém certa distância uma da outra. Em geral, se entende que elas trabalham dois campos diferentes da existência e cumprem papéis diferentes. Enquanto a Ciência lida com fatos objetivos, a Religião lida com valores e com o sentido último da vida. Elas se complementam, desse modo. O problema surge quando uma busca interferir na área que não lhe compete, como por exemplo, quando teólogos fazem afirmações científicas ou quando cientistas extrapolam sua área de especialização e apenas promovem filosofias naturalistas. Esse grupo busca uma compartimentalização a fim de evitar o conflito, embora na opinião de Barbour, o preço seria o impedimento de qualquer interação construtiva.
3. A de diálogo: As formas de diálogo podem assumir termos de comparação entre os métodos das duas áreas, que podem revelar semelhanças, embora tenham diferenças. Desse modo, o diálogopode surgir em três maneiras:
 3.a. Pelas analogias: a imaginação que ocorre em torno de algo que não se pode observar, como Deus e a partícula de átomo;
 3.b. Pelas questões-limites: quando uma pergunta estabelece o limite da eficácia da Ciência, tal qual: “por que o Universo é dotado de ordem e inteligibilidade?”;
	3.c. Pelos conceitos comuns: isso ocorre quando se empregam os conceitos da Ciência para falar das relações de Deus com o mundo. Desse modo, nesse grupo, tanto teólogos quanto cientistas se engajam nas reflexões embora cada qual respeite o papel e a integridade do outro.
4. A de integração: Esse gênero busca uma parceria entre as duas disciplinas. Isso ocorre quando teólogos buscam na Natureza uma prova (ou indícios) da existência de Deus. Recentemente, astrônomos têm concluído que uma constante da física do Universo revela um ajustamento em sintonia fina e sugerem um planejamento. Se acaso alguma lei física fosse ajustada um segundo depois da origem do Universo (o big-bang?) em uma taxa menor ou maior, a evolução da vida não poderia haver ocorrido. Isso abre margem para a existência de um Projetista inteligente.
Por outro lado, alguns teólogos também buscam reformular suas crenças (como onipotência divina ou pecado original) à luz da Ciência. Esse gênero é definido por Barbour como “teologia da natureza” (inserida na tradição religiosa) para diferenciá-la da “teologia natural” (que raciocina a partir da Ciência, apenas). Dentro desse grupo, também identifica a chamada “filosofia do processo”, que busca estabelecer a Ciência e a Religião dentro de um quadro conceitual comum.
Barbour se posiciona na defensiva quanto aos dois primeiros tipos, e se diz mais simpático para com os itens 3 e 4, posição que doravante, adotará no restante da obra.
III. CONCLUSÃO
Embora não concorde com a perspectiva do autor, que busca de modo destacado a busca de integração entre as duas realidades, no que tange à origem da vida, destaco sua obra como indispensável para quem busca um conhecimento geral do amplo espectro do debate atual.
CIÊNCIA, RELIGIÃO, PSICOLOGIA: CONHECIMENTO E COMPORTAMENTO
 Geraldo José de Paiva
Universidade de São Paulo, São Paulo
 	RESUMO
Comparam-se as respostas ao Questionário de Leuba relativo à crença dos cientistas num Deus pessoal e na imortalidade pessoal, obtidas em 1916, 1933, 1996 e 1998, as quais não apresentam grande variedade estatística. Apresentam-se, a seguir, algumas tentativas recentes de entendimento mútuo entre ciência e religião, com destaque das posições de Barbour, Haught e Hefner, que propõem a superação do confronto e da indiferença pelo diálogo e pela integração. Finalmente, discute-se a relação do cientista com a religião do ponto de vista não mais epistemológico, mas psicológico, com base em pesquisa com pesquisadores universitários das áreas das ciências físicas, biológicas e humanas.
Palavras-chave: Ciência e religião; psicologia da religião; conflito; diálogo.
ABSTRACT
Answers given by scientists in 1916, 1933, 1996, and 1998 to Leuba's Questionnaire about their beliefs in God and personal immortality are compared. Some recent proposals of mutual acknowledgment between science and religion follow, with emphasis on Barbour's, Haught's, and Hefner's analyses, that suggest overcoming confrontation and indifference with dialogue and integration. Finally, scientists' personal relations to religion are discussed from a psychological, not epistemological, perspective based on an empirical study with Brazilian researchers in the areas of physical, biological and human sciences.
KEYWORDS: Psychology of religion; science and religion; conflict; dialogue.
Ciência e Religião têm sido um binômio problemático em algumas áreas da cultura ocidental moderna. O acréscimo da Psicologia a esse binômio tem o sentido de destacar a extensão da ciência natural e biológica para a ciência humana e de apontar a dimensão psicológica que vincula o cientista à religião e o religioso à ciência.
De alguma forma, ciência e religião têm sido relacionadas como entidades em conflito. No entanto, as relações entre ambas não foram sempre conflituosas, nem na área acadêmica nem na área religiosa. Lembre-se a palavra sempre citada de Galileu relacionando o estudo natural dos corpos celestes e a doutrina bíblica: a Bíblia não nos diz como são feitos os céus, mas o que devemos fazer para chegar até lá. Recorde-se também que foram muitos os religiosos que propugnaram pela liberdade acadêmica (Marsden & Longfield, 1992).
Em todo o caso, contemporaneamente, além do desencanto fin de siècle com a falta da "Resposta" às questões que a ciência se vem propondo (Horgan, 1997), presenciamos manifestações que vão de um certo desalento com a falta de novidade no trato das relações entre ciência e religião (Hutchinson, 1991), até o entusiasmo com novos centros e sociedades dedicados ao tema: na Europa, a Sociedade Européia para o Estudo da Ciência e da Teologia(até 1989, da Ciência e da Religião); nos Estados Unidos, o Centro para a Teologia e as Ciências Naturais, em Berkeley, CA, e o Centro para a Religião e a Ciência, de Chicago. A revista Zygon: Journal of Religion and Science, cujo redator-chefe é Philip Hefner, recebe, para exame, no mínimo três vezes mais artigos do que é capaz de aceitar (Hefner, 1997). Não deixa de chamar a atenção, contudo, a direção geral desse interesse: como observa Jones (1994) no caso da psicologia, não são os cientistas que debatem as relações da ciência com a religião, mas pessoas religiosas, inclusive cientistas, que se interessam pela questão. Um exemplo recente notável dessa direção é a Encíclica Fides et Ratio de João Paulo II. Mas podem citar-se outras publicações, como Spiritual Evolution: Scientists discuss their beliefs (Templeton & Giniger, 1998), com contribuições de cientistas representativos da Austrália, Inglaterra, Alemanha e dos Estados Unidos, nas áreas de astronomia, biologia, química, genética, medicina, física e zoologia; Science & Religion: From conflict to conversation (Haught, 1995); as Terry Lectures, Belief in God in an Age of Science (Polkinghorne, 1998) e o sempre famoso Religion in an Age of Science, atualizado pelo When Science Meets Religion, de I. Barbour (Barbour, 1990, 2000), agraciado em 1999 com o Prêmio Templeton (Herrmann, 1999).
LEUBA, ONTEM E HOJE
Desde cedo a Psicologia teve algum contato com a questão ciência/religião. Em 1914, o psicólogo suíço radicado nos Estados Unidos, James Leuba (1916), ligado a William James e reconhecido como um dos primeiros psicólogos da religião, realizou uma pesquisa empírica sobre "a fé (dos cientistas) num Deus que responde à prece e promete a imortalidade", isto é, o Deus do cristianismo. Seus sujeitos foram 1000 cientistas norte-americanos, físicos e biólogos, aleatoriamente selecionados do American Men of Science. Dentre esses 1000, 400 eram designados como "grandes" cientistas. Essa pesquisa, de natureza "psicológica, antropológica e estatística", nas palavras do autor, não visava a investigar as relações epistemológicas entre ciência e religião, mas sim a crença religiosa dos cientistas. Com isso, Leuba se antecipava à vertente de pesquisa que se interessa pela dinâmica psicológica do cientista em relação ao objeto religioso. Confirmação disso é a questão proposta por Leuba acerca do desejo de imortalidade. Os resultados encontrados por Leuba são apresentados na Tabela 1.
 
 	Em 1933, Leuba repetiu a aplicação do Questionário entre os "grandes" cientistas, com os resultados que aparecem na Tabela 2.
 
É digno de nota que Leuba, como bom psicólogo, re-apresentou também o quesito relacionado com o desejo da imortalidade. Leuba previa que, com o tempo, a divulgação do conhecimento científico aumentaria a descrença religiosa principalmente por influência dos "grandes cientistas", detentores de "superior conhecimento, entendimento e experiência".
Oitenta anos depois, Larson e Witham (1997) repetiram o levantamento de Leuba entre os cientistas em geral, com os resultados apresentados na Tabela3.
 
Larson e Witham comentam: "embora oitenta anos atrás a indicação de que quatro em 10 cientistas não acreditavam em Deus ou numa outra vida assustasse os contemporâneos, o fato de que hoje tantos cientistas (de fato, a mesma proporção) acreditam em Deus é igualmente surpreendente" (1997, p. 435). Em outras palavras, o conhecimento científico não alterou significativamente a crença ou a descrença em Deus e na imortalidade. Esse resultado sugere que muitos outros fatores influem na crença e na descrença dos profissionais da ciência.
m 1998 os mesmos autores fizeram um novo levantamento, comparando agora os 400 "grandes" cientistas de Leuba com uma amostra mais "elitista" dos "grandes" cientistas contemporâneos da National Academy of Sciences(Larson & Witham, 1998, p.313)3. Quando se comparam os "grandes" cientistas aos cientistas em geral (Tabela 3), percebe-se que a proporção dos que não crêem em Deus e na imortalidade não só é maior como crescente. Os resultados estão apresentados na Tabela 4.
 
 	Resumindo as atuais relações entre ciência e religião nos Estados Unidos, Larson e Witham (1999) escrevem:
Ciência e religião estão-se envolvendo num diálogo e debate mais ativo, mas um levantamento (amplo) indica que as crenças dos cientistas pouco mudaram desde a década de 1930 e que os cientistas mais eminentes estão mais ateus do que em qualquer outra época. (1999, p.78)
OS MUITOS NÍVEIS DE CAUSALIDADE
Um ponto de inflexão nos estudos contemporâneos de nosso tema foi certamente provocado pelo físico e teólogo Ian Barbour. Depois de seu Issues in Science and Religion (1966), Barbour publicou o influente Religion in an Age of Science (1990), que foram suas Gifford Lectures na Universidade escocesa de Aberdeen. Nessa obra, dedicada em particular à ciência física e biológica, Barbour distingue quatro maneiras de se relacionar religião e ciência: o conflito, a independência, o diálogo e a integração. Como se vê, são maneiras que caminham no sentido do entendimento dessas duas formas culturais de conhecimento da natureza, do homem e de Deus.
Barbour ilustra o modo de conflito pelo materialismo científico e o literalismo bíblico: se se tomar como realidade fundamental do universo a matéria ou se se tomarem os enunciados bíblicos sem a compreensão do gênero literário no qual foram moldados, o conflito é inevitável, pois a contradição entre os dois pontos de partida é óbvia.
O modo de independência reconhece que não há medida comum entre ciência e religião no que respeita aos métodos e às linguagens. A posição de independência não é em si hostil nem à religião nem à ciência, mas é difícil de ser mantida a qualquer preço, pois um objeto comum psicologicamente exige, em algum momento, a convergência dos olhares. Uma expressão clássica desse modo é fornecida pela Academia Nacional de Ciências, dos Estados Unidos: "A religião e a ciência são reinos separados e mutuamente excludentes do pensamento humano, cuja apresentação no mesmo contexto leva a mal-entendidos tanto da teoria científica como da crença religiosa" (citado em Jones, 1994, p. 186).
O terceiro modo é o do diálogo, que surge das questões limítrofes e dos métodos paralelos. Na apresentação de 1990, Barbour refere-se a diálogo quando fala de interações indiretas entre religião e ciência. Um exemplo conhecido desse modo é a teoria científica do Big Bang e a doutrina bíblica do início do mundo no tempo. É a partir do modo do diálogo que Barbour (1990, 2000) explicita a convicção de que certamente a partir do reino da vida se deve reconhecer não apenas a causalidade down-top, a saber, a dos subsistemas particulares no sistema geral, mas também a causalidade top-down, a saber, a do sistema integral nos subsistemas. Propõe, então, o que denomina causalidade multi-nível ou hierarquia de níveis de causalidade. A causalidade top-down não desrespeita nenhuma lei de nível inferior de uma organização, mas responde pela complexidade real do sistema que, na causalidade down-top, sofreria um processo de redução metodológica, epistemológica e ontológica.
Integração é o nome que Barbour utiliza quando fala de interações diretas entre ciência e religião, quando o conteúdo da ciência e o conteúdo da religião acabam coincidindo, como no "princípio antrópico" da cosmologia, na teologia natural, ou no "ponto ômega", de Teilhard de Chardin, na teologia cristã da natureza. Segundo Barbour, a maior integração acontece quando "tanto a ciência como a religião contribuem para uma visão de mundo coerente, desenvolvida numa metafísica abrangente" (1990, p. 28), que, embora não sendo nem ciência nem teologia, é um ponto de encontro para uma reflexão comum. O autor aponta a filosofia do processo, inspirada no pensamento científico e teológico de Whitehead, como promissor ponto de encontro. Essa filosofia inclui mudança, acaso, novidade e ordem, distinção e continuidade. Deus é a fonte da novidade e da ordem. A criação é um processo longo e incompleto.
Deus elicia a auto-criação das entidades individuais, permitindo com isso liberdade e novidade assim como ordem e estrutura. Deus não é o desligado Absoluto, Motor Imóvel, mas interage reciprocamente com o mundo, uma influência em todos os acontecimentos embora nunca a causa única de qualquer evento. (1990, p. 29)
Em seu discurso de aceitação do Prêmio Templeton de 1999, em maio de 1999, em Moscou, Barbour (Herrmann, 1999) organiza um pouco diferentemente as quatro maneiras acima descritas e propõe conflito, independência, assombro e diálogo genuino. A categoria "assombro" resulta do senso de terror e maravilhamento percebido nas descobertas da ciência. O diálogo genuino é exemplificado da forma seguinte:
Se levamos a Bíblia a sério, porém não literalmente, podemos aceitar sua mensagem central sem aceitar a cosmologia pré-científica na qual ela foi expressa, como o universo em três camadas, com o céu em cima e o inferno em baixo, ou os sete dias da história da criação. Os autores do Gênesis acreditavam que a morte começou como castigo do pecado humano. Hoje sabemos que a morte estava presente muito tempo antes da chegada dos seres humanos, e que ela era uma necessária característica da criação por evolução. Mas nós ainda podemos crer que a morte ameaça os seres humanos de um modo singular, intensificado pela violação das relações com Deus e com o próximo, o que constitui o pecado humano. (Herrmann, 1999, p. 3)
CONFIANÇA BÁSICA NA INTELIGIBILIDADE DO MUNDO
John Haught (1995), teólogo e professor de Ciência e Religião na Universidade de Georgetown, organiza de forma ligeiramente diferente da de Barbour (1990) a tipologia das relações entre religião e ciência. Distingue ele entre conflito, contraste, contato e confirmação. Conflito e contraste correspondem ao que Barbour denominou de conflito e independência. Haught observa, no entanto, que a disposição a impedir o conflito, própria da posição de contraste, pode desviar a pessoa para duas modalidades espúrias de fusão, ou confusão, entre religião e ciência: a que funde uma na outra e a que as faz concordar a qualquer preço. O "criacionismo científico" e a equivalência dos seis dias da criação com seis épocas da evolução cósmica seriam ilustrações dessas modalidades. Como Haught não percebe aguda distinção lógica entre diálogo e integração, prefere juntar as duas numa categoria denominada "contato" e acrescentar um quarto tipo, "confirmação", "a fim de representar o crescente número de estudos teológicos que descobrem as maneiras mais profundas nas quais a religião e a teologia em princípio envolvem e alimentam o inteiro empreendimento científico" (1995, p. 204). O contato supõe consonância com a visão científica da cultura contemporânea e promove entre cientistas e teólogos "a conversação aberta, o diálogo e o impacto mútuo, preservando as diferenças, mas cultivando o relacionamento" (1995, p.18). Um exemplo eloqüente de contato é a fé religiosa na promessa feita a Abraão e o desabrochar do universo revelado pela biologia e pela física recentes. A maneira mais fundamental de relaçãoentre ciência e religião é, no entanto, segundo Haught, a da confirmação, que ele define nesta paráfrase:
A reivindicação que faz a religião de que o universo é uma totalidade finita, coerente, racional e ordenada, fundamentada num amor e numa promessa definitivos, fornece uma visão geral das coisas, que alimenta consistentemente a busca científica do conhecimento e liberta a ciência da associação com ideologias aprisionadoras. (1995, p. 22)
A confirmação, nesse sentido, não se refere a particulares hipóteses ou teorias transitórias, mas à raiz permanente da ciência, que é a confiança na inteligibilidade do mundo. Re-assegurar a confiança básica é a tarefa da religião. Nesse sentido, a religião estaria garantindo à ciência sua base insubstituível.
RELIGIÃO E CIÊNCIA EM BUSCA DO SENTIDO
Philip Hefner (1997), redator-chefe de Zygon, acredita que hoje em dia cientistas e teólogos compartilham de uma interface que pode ser denominada "busca de sentido". Enquanto as religiões tradicionais fornecem uma moldura abrangente de sentido, as ciências oferecem uma moldura abrangente de causalidade. São molduras distintas, com convergências e discrepâncias, mas procura-se hoje com interesse acadêmico uma forma de articulá-las. Segundo Hefner, é possível distinguir seis trajetórias na história da interface religião/ciência na busca de sentido.
1) A opção moderna: tradução da sabedoria religiosa em conceitos científicos.
É a opção dos que pensam, como R. W. Burhoe, fundador de Zygon, que a ciência (natural) e seu método desestabilizaram os esquemas religiosos tradicionais conferidores de sentido; como esses esquemas são essenciais para qualquer sociedade sadia, procuram persuadir os cientistas de que ciência e religião provêm dos mesmos processos evolutivos que selecionaram a ciência para revelar o mundo natural e a religião para comunicar à comunidade humana a sabedoria necessária à sobrevivência. No campo da Psicologia, ficou famosa a polêmica posição de Campbell (1975), presidente da American Psychological Association, que sustentava ser a sabedoria das tradições religiosas, que ensinam a disciplina e a contenção, guias de vida mais confiáveis que as psicoterapias atuais.
2) A opção pós-moderna: construção de novos mitos, baseados na ciência.
Outros pensam que as religiões tradicionais não mais são adequadas a dar sentido à vida de hoje. Falam, por exemplo, de 'a-mitia', falta de mito, ausência de esquemas amplos de sentido na sociedade hodierna. É, pois, necessário construir novos mitos, baseados no pensamento evolucionário e adequados ao pluralismo global. Esses mitos seriam inspirados, por exemplo, na cosmologia do Big Bang, nas teorias bioquímicas do surgimento da vida, e nas ciências ecológicas. O mito não precisaria ser verdadeiro no sentido moderno: bastaria ser acreditado, como um 'nobre engano', e garantir, com isso, a sobrevivência da humanidade.
3) A opção crítica pós-iluminista: expressão da verdade na linha de chegada da ciência.
Há os que pensam, criticando a posição iluminista, que não é mais necessário construir mitos ou outras formas de visão abrangente, como a própria ciência, pois o conhecimento acaba ficando reificado e tirânico. A religião, ao contrário, embora não se oponha à ciência, não tem sua pretensão de conhecimento acabado: nas "margens obscuras" do conhecimento autorizado da ciência, a religião pressente, entreaberta, uma transcendência.
4) A opção construtivista pós-moderna: o modelo de uma nova metafísica para o conhecimento científico.
Outros propõem uma nova metafísica para a ciência, sem almejar construir um novo mito abrangente, como na trajetória 2. Partem eles da convicção de que as ciências, desenvolvidas no Ocidente, nasceram intrincadas com visões de mundo ou suposições metafísicas distantes de nossa real experiência científica, pessoal e social. As feministas, por exemplo, sustentam que os conceitos metafísicos de hierarquia e finalidade derivam mais do sistema patriarcal do que da realidade física. Outros pensam que a distinção entre sujeito e objeto distorce a relação entre o homem e o ambiente, ou que a suposição de que o todo é um conjunto de partes perde de vista a função orgânica das totalidades. Algumas propostas nessa posição são a metafísica do processo (Whitehead, na filosofia; Hartshorne, na teologia), a metafísica feminista do holismo e da corporeidade; a teoria "gaia", da interconexão dos sistemas planetários da terra; a "ordem implícita" na natureza, de D. Bohm.
5) A opção construtivista tradicional: interpretação da ciência com os conceitos dinâmicos tradicionais.
Essa é a opção de muitos teólogos, inclusive teólogos-cientistas como os da Ordem dos Cientistas Ordenados (Ex.: o físico J. Polkinghorne e o bioquímico A. Peacocke), que tentam interpretar o conhecimento científico com os conceitos cristãos tradicionais, e esses conceitos à luz do conhecimento científico. A base dessa opção é a de que as visões de mundo tradicionais, em particular a cristã, não estão de modo algum exauridas, podendo sua substância ser reinterpretada para abrigar o conhecimento científico que refez o modo de ver o mundo. Exemplo: a teoria do Big Bang descreve um mundo contingente, cujo caráter fundamental seria examinado pela teologia; a dinâmica do caos e a física quântica apontam para uma lacuna no âmago das coisas, consistente com a afirmativa teológica da ação de Deus na natureza e na história; sob o enfoque da biologia, outros sustentam que a ação criadora de Deus deveria ser entendida como a tendência de fazer surgir, de fases mais simples da evolução, formas cada vez mais complexas.
6) A opção cristã evangélica: reafirmação da racionalidade da crença tradicional.
Finalmente uma das mais dinâmicas e brilhantes trajetórias, segundo Hefner (1997), é composta de filósofos e teólogos cristãos "evangélicos", assim denominados por pertencerem, em grande parte, ao cristianismo predominante nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Esses estudiosos procuram demonstrar que o domínio da ciência nos séculos XIX e XX não tornou a fé cristã comum menos aceitável ou compreensível. Hefner salienta duas linhas típicas de argumentação: a) os cientistas muitas vezes partem de suposições problemáticas do ponto de vista lógico, como quando argumentam que a evolução prova que Deus não existe ou que o cosmos é a realidade fundamental; b) tanto a ciência como a religião revelam estruturas de racionalidade viáveis.
O CIENTISTA COMO SER HUMANO
Em relação à Psicologia a questão religião/ciência assume diversas feições. A Psicologia tem uma dimensão que a aproxima das ciências naturais e biológicas e outra dimensão que a aproxima das ciências históricas e hermenêuticas. Exemplos nítidos seriam a neuropsicologia e a psicologia cognitiva da inteligência artificial, de um lado, e, de outro, a psicanálise e as diversas psicoterapias. Schafranske (1997) resume muito bem essas duas faces recorrendo a Habermas, que distingue as duas modalidades de ciência pelo método de atingir seu objeto: as ciências empírico-analíticas constroem e testam suas teorias baseando-se na co-variância de eventos observáveis, ao passo que as ciências histórico-hermenêuticas têm "acesso aos fatos por meio do entendimento do sentido, e não pela observação" (Schafranske, 1997, p.162). Em relação à religião e à busca de sentido, a psicologia encontra-se mais vizinha na dimensão histórico-hermenêutica, onde, assim como a religião, "produz conhecimento, desperta motivação e muitas vezes leva à transformação pessoal" (1997, p.163). Porém essa dimensão não pode ser vista como separada da outra: "o que parece estarmos aprendendo por meio da pesquisa em neurociência é que as explicações do cérebro podem acabar exigindo termos tais como crenças, desejos e sentimentos, bem como neurônios, sinapses e serotonina" (M. Schechtman, citada em Shafranske, 1997, p.163). Apoiando-se na teoria multi-nível de Barbour (1990), Schafranske oferece a perspectiva integrada de que é a partir do self que os acontecimentos no cérebro evoluem para significadospsicológicos, dentre os quais o da busca de sentido.
Existe ainda uma terceira feição da Psicologia, que é a que estuda a psicologia do cientista, inclusive a psicologia do cientista em seu posicionamento frente à religião (Paiva, 2000). Em pesquisa conduzida por meio de entrevistas em profundidade com docentes-pesquisadores da Universidade de São Paulo, verificamos que as razões de aceitação ou rejeição da religião, sob a forma tradicional ou outra, não foram determinadas por decisões de natureza epistemológica, seja da ciência seja da religião, nem pelas alegadas diferenças de atitude exigidas por uma e por outra. Essas diferenças de atitude favoreceriam, por exemplo, a independência, a liberdade, o espírito crítico, o questionamento, a tolerância, no caso da ciência; favoreceriam a submissão, o compromisso, a intolerância, no caso da religião (Paiva, 1995, 2000). Ao contrário do que a mídia faria esperar, os cientistas, físicos, zoólogos ou historiadores, não opuseram o conhecimento científico à opção religiosa ou irreligiosa. Partindo do conceito de conflito, que é costumeiro na apresentação do tema ciência/religião, não encontramos nenhum conflito de ordem cognitiva, seja porque a religião não fazia parte do universo mental do cientista, seja porque, embora reconhecida como fazendo parte do universo mental de outros cientistas, não chegava a afetar o entrevistado, seja porque religião e ciência eram julgadas regiões não relacionadas uma com a outra, seja porque atribuíam um âmbito à religião (o por que) e outro âmbito à ciência (o como). Os conflitos encontrados, e numerosos, foram detectados de forma indireta, no que podemos localizar como o pré-consciente e o inconsciente dos pesquisadores. Aí, porém, revelaram-se não como conflitos científicos, mas como conflitos humanos. É enquanto seres humanos que os cientistas experimentaram dificuldade não com qualquer realidade divina e religiosa, mas especificamente com a idéia cristã de Deus. Os resultados, com efeito, deixaram claro que os cientistas não têm dificuldade em aceitar uma divindade impessoal e cósmica, dotada de sabedoria e poder e ordenadora do mundo. Uma boa parte deles rejeitava, contudo, a idéia de um Deus/pai que estabelece a lei. Essa terceira feição da Psicologia parece mais própria a ela, enquanto a destaca da ciência em geral, e da relação entre ciência e religião, e a reconhece no exercício de sua função particular: o estudo do comportamento humano.
 	REFERÊNCIAS
Barbour, I. (1966). Issues in science and religion. Englewood-Cliffs: Prentice-Hall.  
       	Barbour, I. (1990). Religion in an age of science. The Gifford Lectures 1989-1991 (Vol. I). San Francisco: Harper.    
 	Barbour, I. (2000). When science meets religion: Enemies, strangers, or partners? New York: HarperSanFrancisco.     
	Campbell, D. T. (1975). On the conflicts between biological and social evolution and between psychology and moral tradition. American Psychologist, 30, 1103-1126.   
     	Haught, J. F. (1995). Science & religion: From conflict to conversation. New York: The Paulist Press.         
	Hefner, P. (1997). The science-religion relation: Controversy, convergence, and search for meaning. International Journal for the Psychology of Religion, 7, 143-158.       
 	Herrmann, R. L. (1999). 1999 Templeton Prize Awarded in Moscow. Progress in Theology. The Newsletter of the John Templeton Foundation, 7(4), 1-3.    
    	Horgan, J. (1997). The end of science: Facing the limits of knowledge in the twilight of the scientific age. New York: Broadway Books.        
	Hutchinson, W. R. (1991). Encyclopedia of American Religious Experience. Religious Studies Review, 17, 115-119.         
	Jones, S. L. (1994). A constructive relationship for religion with the science and profession of psychology: Perhaps the boldest model. American Psychologist, 49, 184-199.    
     	Larson, E. J. & Witham, L. (1997). Scientists are still keeping the faith. Nature, 386, 435-436.         
	Larson, E. J. & Witham, L. (1998). Leading scienists still reject God (Correspondence). Nature, 394, 313.    
     	Larson, E. J. & Witham, L. (1999). Scientists and religion in America. Scientific American, 281(3), 78-83.         
	Leuba, J. H. (1916).The belief in God and immortality: A psychological, anthropological and statistical study. Boston: Sherman, French & Co.        
	Marsden, G. M. & Longfield, B. J. (Orgs.) (1992). The secularization of the academy. New York/Oxford: Oxford University Press.         
Paiva, G. J.de (1995). Ciência e religião na academia. Ciência Hoje, 19(112), 15-45.         
Paiva, G. J.de (2000). A religião dos cientistas. Uma leitura psicológica. São Paulo: Loyola.        
Polkinghorne, J. (1998). God in an age of science. New Haven/London: Yale University Press.        
Shafranske, E. P. (1997). Practices in the search for meaning: A response to Hefner. International Journal for the Psychology of Religion, 7, 161-166.        
Templeton, J. M. & Giniger, K. S. (Orgs.) (1998). Spiritual evolution: Scientists discuss their beliefs. Philadephia/London: A Giniger Book/Templeton Foundation Press.       
BLOCO II
COMPLETANDO 100 ANOS, TOTEM E TABU TRAZ TEORIA SOBRE O SURGIMENTO DAS LEIS
No ano de 2013 se comemora 100 anos da publicação de Totem e Tabu, do criador da psicanálise Sigmund Freud. Neste trabalho, Freud faz uma contribuição à antropologia social e constrói uma reflexão a respeito dos tabus na regulamentação da sociedade. Diante da importância do texto na obra freudiana e no âmbito da teoria política o Instituto de Psicologia (IP) realiza no dia 14 de novembro o evento “100 anos de Totem e Tabu”, na biblioteca do IP.
De acordo com o coordenador, professor Paulo Endo, o evento surgiu da necessidade de debater e de discutir o impacto do texto do Freud já que, de acordo com o próprio psicanalista, Totem e Tabu, assim como A interpretação dos sonhos, foram produções consideradas por Freud como as mais fundamentais de obra. “Totem e Tabu, que é um texto de uma ousadia intelectual inédita em que, pela primeira vez, Freud afirma que tem algo a dizer sobre um assunto que a principio não seria agraciado pela área da psicanálise que é a gênese dos totens e os tabus”, comenta o professor.
O evento em comemoração à publicação do artigo freudiano será o único realizado no Brasil. No dia do debate serão lançadosdois livros que marcam o centenário: Totem e Tabu cem anos depois, uma coletânea de artigos publicada em três línguas e que teve como uma das coordenadoras a psicanalista Betty Fuks. Caterina Koltai, Márcio Seligmann e Rinaldo Voltolini e Paulo Endo também estarão presentes para uma conversa em torno de Totem e Tabu. Também será lançada a tradução direta do alemão de Totem e Tabu pela LP&M, com a revisão técnica do Professor Paulo Cézar Endo.
TOTEM E TABU
Totem e Tabu é, a princípio, uma leitura endereçada aos antropólogos, em que Freud busca analisar a gêneses dos totens – símbolos sagrados e respeitados – e dos tabus – proibições de origem incerta – que cercam e cerceiam as liberdades individuais e coletivas de uma determinada sociedade. Segundo relatos do próprio Freud, esse artigo consiste em uma tentativa de explicar questões da psicologia social, relacionando o totemismo aos vestígios da infância.
O texto relata a história da primeira comunidade dos homens, a “comunidade primeva”, constituída por um pai tirano e seus filhos, os escravos. Essa relação impedia que os filhos tivessem qualquer tipo de liberdade. Havia um fator que distinguia essa comunidade das demais, já que o tirano tinha direito absoluto sobre as mulheres da comunidade. Só que em determinado momento, como conta Paulo Endo, essa assimetria gerou um desconforto entre os irmãos e, a partir de algo que Freud não explica, eles começam a considerar que aquilo por algum motivo é injusto. O complexo de Édipo já instaurado com a relação pai-filho estimula a organização dos irmãos, que ao fim se juntaram para aniquilar o elemento opressor cometendo o parricídio, ou seja, a morte do pai.
Aomatar o pai acontecem dois processos: primeiro, eles devoram o pai, em um banquete totêmico. E, posteriormente, os filhos se sentem de alguma maneira culpados pela morte da figura paterna, porque embora tirano, aquele indivíduo os protegia, provinha, alimentava. “A culpa vai gerar uma herança que produzirá a necessidade de restauração da representação desse pai, a restauração do totem”, conta o professor.
Após a morte do pai, os filhos tomam conhecimento que possuem força para fazer qualquer coisa, que todos são possíveis tiranos. Logo, é necessária uma lei que organize a comunidade.
 
 
Édipo e a Esfinge: mito de Édipo é inspiração para conceitos de Freud sobre a relação entre pais e filhos.
	Com esse mito, Freud é capaz de demonstrar a transformação do pai tirano em pai simbólico, que dita os códigos da lei moral através do cumprimento dos mandamentos e das regras sociais. Por exemplo, após a morte do pai, os filhos tomam conhecimento que eles possuem força para fazer qualquer coisa, que todos são possíveis tiranos. Logo, é necessária uma lei que organize a comunidade.
Além disso, agora que as mulheres não são mais “privilégios” de um só homem, é preciso pensar em como serão ordenadas as suas relações com os demais membros do clã. Para o coordenador do evento, a instauração de uma ordem que dita que os membros daquela comunidade não podem se relacionar com as mulheres do mesmo clã explica a origem do tabu do incesto e, a partir dele, surgem todos os outros.
De acordo com Endo, a presença física desses totens nas culturas produz, paralelamente, a organização da comunidade em torno dos totens e a regulação da cultura a partir dos tabus. “Ou seja, o totem é a figura que organiza , em torno da qual toda comunidade se organiza. Mas como, com quais instrumentos? Os tabus, que regulam o que podemos ou não podemos, a proibição e o que é permitido”, explica o coordenador. “Funcionam com a leis”, completa.
A ORIGEM DAS LEIS?
O professor Paulo Endo explica que os tabus, para Freud, são a origem de aquilo que mais tarde chamaríamos de direito penal. “São as primeiras regulações que apareceram no seio das comunidades”, diz. Segundo ele, as leis são herdeiras dos tabus, mas não são o tabu em si. As leis possuem gênese, possuem uma explicação de como surgiram, quais grupos estavam interessados nessas leis e, nas democracias, podem ser modificadas; os tabus, não. “Os tabus são intocáveis e jamais será dado o sentido ou origem dessa ‘lei’ ”, argumenta o coordenador.
Endo finaliza contando que, embora o texto tenha sido execrado pela antropologia e tenha sido abandonado até mesmo por parte dos psicanalistas durante anos, nas décadas de 1980 e 90 ele é retomado pela teoria política. “A política nasce com o assassinato, que é o assassinato do pai. Quer dizer, quando se mata o tirano a política nasce para regulamentar a ordem e evitar o surgimento de outras tiranias”.
O TABU E A AMBIVALÊNCIA DOS SENTIMENTOS
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise do texto Totem e Tabu (1913), conferindo ênfase à discussão acerca da gênese da moralidade e, mais especificamente, à relação estabelecida entre Lei e desejo.
Estruturado em quatro partes, que seguem a divisão do texto freudiano, procurou-se articular a leitura do original, a obra de uma comentadora e as anotações feitas durante as aulas da disciplina “Ética da Psicanálise”, ministrada no curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
I - HORROR AO INCESTO
Freud, ao iniciar seu texto, no primeiro ensaio, discorre sobre os pontos de concordância existentes entre a psicologia das sociedades primitivas, objeto de estudo da antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, revelada pela psicanálise. O que o autor afirma é que horror e desejo de incesto são duas faces de uma mesma moeda, e estão presentes em todas as sociedades, tanto nas mais antigas quanto nas modernas. 
Ao levantar apontamentos sobre a organização da população dos aborígenes, o autor evidencia a existência de um sistema totêmico, que estrutura e fundamenta as relações entre os membros desta tribo. Isentos de uma Instituição religiosa ou social, porém operando sobre outra lógica, a do totemismo, os integrantes desta sociedade se subdividem em grupos menores, denominados clãs, que, por sua vez, são organizados mediante o seu totem. O totem se aplica à espécie de seres ou de coisas que todos os membros de um clã julgam sagrados, podendo ser animais, vegetais, ou a própria divinização representada em uma escultura.
Antes de mais nada, trata-se de um símbolo, de um nome, cujo caráter intrínseco determina como as coisas são classificadas, funcionando como uma etiqueta coletiva. Deste modo, todos os descendentes de um mesmo totem são considerados consanguíneos.
Há, contudo, uma característica do totem, que suscitou a curiosidade e o interesse do autor, qual seja, uma lei que proíbe as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem, bem como o casamento entre os mesmos. Esta proibição é advertida sob prescrições rigorosas, cuja violação implica sérias consequências para os membros de um grupo, revelando, desse modo, a presença tácita da regra da exogamia.
Note-se que a repulsa e o horror ao incesto, nas sociedades primitivas, foram amplamente estudas, de modo que, ao que tudo indica, o matrimônio entre os integrantes de um mesmo grupo, em tempos remotos, se concretizava. Sendo assim, torna-se evidente e compreensível o rigor da proibição de relações sexuais entre indivíduos de um mesmo totem.
É justamente neste ponto que Freud articula a moral sexual dos povos primitivos com a dos povos ditos “desenvolvidos”, pois em ambas há severas restrições às pulsões sexuais e, principalmente, no que se refere à prática de relações incestuosas.
O que Freud inaugura e enfatiza, sobretudo, é a relação existente entre esta característica de desejo ao incesto e o psiquismo infantil do neurótico.  A psicanálise nos aponta que a primeira escolha do objeto para amar e desejar é fundamentada em objetos proibidos, de ordem incestuosa, mas, à medida que a criança cresce, há a libertação dos desejos incestuosos. Por outro lado, no que tange ao psiquismo de um neurótico, são preservados, em certo grau, um infantilismo psíquico que, ou aparece como inibição, ou como regressão do desenvolvimento. Deste modo, depreende-se que as fixações incestuosas, embora reprimidas, desempenham um papel fundador na vida mental inconsciente.
Segundo Freud, “chegamos ao ponto de considerar a relação de uma criança com os pais, dominada como é por desejos incestuosos, como o complexo nuclear das neuroses.” (FREUD [1913- 1914], p.15) É nesse sentido que Freud compreende a real urgência dos povos selvagens de se defenderam dos desejos incestuosos, pois, em última instância, eles se efetivariam. Para tanto, são construídas proibições e restrições que comparecem como um tabu. Mas, diferentemente das proibições socializadas em nossa sociedade, nas tribos primitivas elas comparecem como algo natural, dado e espontâneo, sem fundamento a priori e sem que haja um sistema rigoroso que contemple e declare as interdições e os motivos para a sua existência. Deste modo, poder-se-ia dizer que o tabu é auto referente, e se impõe por conta própria, na medida em que não é submetido a qualquer ordem externa senão a ele mesmo.
II – O TABU E A AMBIVALÊNCIA DOS SENTIMENTOS
Neste segundo ensaio, Freud inicia seu trajeto através do registro antropológico para ir, aos poucos, se deslocando para a cena da neurose e, somente depois, retorna ao social.
É neste contexto que emerge o estudo do tabu – termo de origem polinésia que apresenta significações antagônicas, a de sagrado e consagrado, por um lado, e de inquietante, perigoso e impuro, por outro.
Freud atribui uma especial importância ao tabu por duas razões, a saber: por sugerir que o mesmo pode se revelar esclarecedor para compreendermos a noção do “imperativo categórico” e,também, por perceber a existência de uma íntima relação entre os tabus primitivos e as proibições e convenções morais vigentes em nossa sociedade.
Porém, faz-se necessário notar que tabu nos remete à idéia de proteção e prevenção contra eventuais ações que representem perigo ou ameaça. Neste sentido, a violação de um tabu era, sem dúvida, motivo de punição ou castigo, o que nos indica que “os primeiros sistemas penais humanos podem ser remontados ao tabu” (FREUD [1913- 1914], p.17). Ao transgredir um tabu, a pessoa efetora da ação será relegada a ser o próprio tabu, confirmando que a transmissibilidade é possível quando em contato com as pessoas ou coisas, carregadas de um poder perigoso. “O fato mais estranho parece ser que qualquer um que tenha transgredido uma dessas proibições adquire, ele mesmo, a característica de ser proibido — como se toda a carga perigosa tivesse sido transferida para ele” (FREUD [1913- 1914], p.19).   Esta característica que reside no tabu de contato permeia, também, os neuróticos obsessivos, na fobia do tocar.
Da comparação do tabu – entendido como interdito que, de tão antigo e rigoroso, tornou-se tão inquestionável que sua violação não só acarreta um castigo violento como transforma o infrator em tabu – com a neurose obsessiva, Freud conclui que, em ambos os casos, a proibição se dirige aos mais intensos desejos do humano, razão pela qual persiste, no inconsciente, a tendência a transgredi-los (KOLTAI, 2010, p. 32).
Verifica-se, então, que o castigo prescrito pelo tabu, relativo ao contato com o interditado, aparece como um meio de alçar o objeto desejado ao estatuto de um objeto impossível.  Esta expressão de desejo e, ao mesmo tempo, de temor, leva Freud a crer que, assim como os povos primitivos sustentam esta atitude ambivalente, no sujeito neurótico esse paradoxo também coexiste.
A evidência mais marcante da articulação existente entre as proibições neuróticas e as suscitadas pelo tabu, emerge, pois, da origem não determinada e destituída de sentido em ambos os casos. Nas considerações que Freud tece, a origem do tabu aparece como algo imposto, noutra época, por uma autoridade externa e não passível de demonstração ou clarificação. O interesse do autor é orientado à verificação de que esses fatores, inerentes ao tabu, aparecem e constituem, particularmente, os sintomas e medidas ambivalentes da neurose obsessiva; estas últimas, entendidas como a dominância de tendências opostas e contraditórias, que encerram a dimensão mais importante nos pacientes obsessivos.
As proibições obsessivas, segundo Freud, estão sujeitas ao deslocamento, isto é, há um deslocar de um objeto para outro, que, quando eleito, torna-se igualmente inacessível. A justificativa recai, novamente, ao fato de que a proibição reflete o desejo e, portanto, ao tentar interditar o desejo - que é de natureza inconsciente -, tem-se, cada vez mais, a aproximação com ele.
Visto que há muitos pontos de concordância existentes entre as práticas do tabu e os sintomas neuróticos, Freud, de maneira sistemática, os classifica como:
(1) o ato de faltar às proibições qualquer motivo atribuível; (2) o fato de serem mantidas por uma necessidade interna; (3) o fato de serem facilmente deslocáveis e de haver um risco de infecção proveniente do proibido; e (4) o fato de criarem injunções para a realização de atos cerimoniais (FREUD [1913- 1914], p.22/23).
O percurso clínico e o discurso travado no seio da psicanálise revelam que um ponto determinante para a imposição da proibição ocorre logo no início da mais tenra infância, e depois terá como resultado mecanismos repressores que envolvem, por exemplo, a perda de memória. O desejo, por outro lado, ainda que reprimido, permanece vívido no inconsciente, ecoando e se fazendo presente sob a persistência da proibição.
Freud retorna as fundamentais proibições, oriundas do tabu, e as descreve como as leis básicas do totemismo: i) não matar o animal totêmico e ii) evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto. A enunciação destes dois tabus, para os psicanalistas, parece denunciar o ponto central dos desejos da infância e o núcleo das neuroses.
É possível, neste presente momento, mencionar que há uma forte motivação inconsciente para a ação proibida, originária do próprio tabu, que, em si mesmo, possui o poder de transmissão e contágio do interdito, bem como a capacidade de produzir a tentação ou mesmo de incentivar a imitação. A violação, nesse sentido, traduzida por impulsos conscientes, deve ser vetada, visto que apresenta um perigo real para a convivência em sociedade. É justamente por essa razão que os membros de uma comunidade devem estar avisados de seus transgressores e se vingarem, para que a sociedade não esteja fadada à dissolução.
A necessidade dessa instância de interdição é enfatizada por Freud, pois é por meio dela que é possível impedir a satisfação da pulsão, incompatível com o socius e, deste modo,preservar o laço social. Somente assim é possível manter a ligação durável e inevitável do desejo e da lei, razão pela qual o corpo social imprime severas proibições, com o intuito de reprimir, organizar e canalizar a sexualidade (KOLTAI, p. 31).
Se, por um lado, a renúncia é necessária em prol da obediência que deve ser destinada ao tabu, por outro lado, ela também é compensatória, na medida em que impõe outra alhures.
Os seres humanos são extremamente ambivalentes em relação ao tabu, e ao realizar uma análise pormenorizada das relações contraditórias existentes entre os povos primitivos, Freud fundamenta esta constatação.
No que diz respeito à relação dos súditos com seus superiores (governantes), é possível identificar os contrastes gritantes que coexistem em sua base. Embora o rei seja autorizado a gozar de grandes privilégios, enquanto outros não o são, ao governante são endereçados certos tabus que não são prescritos aos demais viventes. Este dado confere validade à existência da ambivalência, na medida em que, ao mesmo tempo, a expressão do mais profundo respeito por eles não passa de um castigo, uma vingança de seus súditos. Não é de se admirar que suas vidas se transformem num verdadeiro inferno, acabando por viver uma servidão maior do que a de seus súditos.
As analogias que Freud estabelece, nesse segundo capítulo, entre os selvagens e os neuróticos, revelam, fundamentalmente, a presença de sentimentos ambivalentes e contraditórios, que ora são hostis, ora são afetuosos. Este caráter dúbio dos impulsos revela que há, simultaneamente, satisfação em ambas as experiências, encontradas nestes dois pólos que, apenas aparentemente, são dissociáveis.
Ao final deste capítulo, o autor se aproxima do que mais tarde irá tratar sobre natureza e a origem da “consciência moral”, compreendida como a condenação que o sujeito sente ao agir influenciado por certos desejos. Do mesmo modo que o tabu, ela parece também ser parida pela ambivalência afetiva, na qual uma parte da oposição permanece inconsciente, através de alguns mecanismos psíquicos, enquanto a outra se manifesta, explicando, assim, o seu caráter angustiante.
Alguns processos psíquicos inconscientes se diferem, quanto a sua natureza, dos conscientes, desfrutando de certas liberdades negadas aos últimos, tais como o deslocamento e a projeção (mecanismos de defesa), que permitem à pulsão manifestar-se num lugar outro, que não aquele onde surgiu.
Essa consciência moral apresenta uma grande afinidade com a angústia, cuja fonte reside no inconsciente. O caráter angustiante da consciência moral reside justamente nesse inconsciente, nesse desconhecimento das razões que levam ao recalcamento de certos desejos (KOLTAI, 2010, p.37).
Freud nos chama a atenção para o conflito que se estabelece quando uma ordem emitida pela consciência é violada, produzindo senso de culpa, cuja natureza está intimamente ligada à ansiedade:
(...) se impulsos cheios de desejo forem reprimidos, sua libido se transformará em ansiedade. E isto nos faz lembrar que há algo de desconhecido e inconsciente em conexão com a sensaçãode culpa, a saber, as razões para o ato de repúdio. O caráter de ansiedade que é inerente à sensação de culpa corresponde ao fator desconhecido (FREUD [1913- 1914],p.47/48).
Para reforçar a idéia de que por detrás de toda interdição há desejos inconscientes ocultos, o autor recorre aos “Dez Mandamentos” para melhor ilustrar esta situação. Ao fazer alusão ao mandamento Não matarás, ele explica que a existência desse imperativo somente é pertinente, na medida em que o ser humano carrega inconscientemente o desejo de matar, caso contrário, não haveria necessidade de proibir algo que ninguém deseja fazer e “e uma coisa que é proibida com a maior ênfase deve ser algo que é desejado” (FREUD [1913- 1914], p.48).
Freud lança luz sobre diversas semelhanças encontradas entre o tabu e a neurose obsessiva, porém, ele nos alerta de que é necessário lembrar de que o tabu é uma formação social, gerada no bojo da cultura e, por isso mesmo, diferente da neurose, que se caracteriza pela dominação e sobreposição dos componentes sexuais aos sociais.
Versando sobre a transgressão do tabu, é provável que ao sujeito que a cometeu sejam incididas algumas punições que, na maioria das vezes, aparecem como uma doença grave ou morte. Quando não são acompanhados de castigos, a própria coletividade, inserida no contexto do transgressor, se responsabiliza por aplicar as penalidades, visto que se sentem ameaçadas e temem o tabu de contato. É possível reconhecer neste ponto os desejos recalcados no criminoso e naqueles que estão encarregados de vingar a sociedade do crime cometido.
O contrário parece surgir, pois, na neurose obsessiva. Aparentemente agindo de forma altruísta, o neurótico, ainda que acometido de impulsos de transgressão, quando defrontado com a possibilidade de concretizar o ato proibido, recua e se detém. A justificava reside no temor que ele sente de que alguém por quem ele tenha muito apreço sofra as punições em seu lugar. Poder-se-ia supor uma “inesperada nobreza do neurótico”, mas, o que Freud aponta é que, assim como o primitivo, ele também teme ser castigado por seu desejo de morte contra a pessoa que lhe é cara. A diferença, contudo, está no fato do neurótico recalcar esse desejo, que, por meio de sucessivos deslocamentos, se transformou em temor de que a pessoa viesse a falecer.
O autor conclui, deste modo, o porquê dos fatores sociais desaparecerem nos casos de neurose, pois eles reaparecem tamponados, mascarados por uma sobrecompensação.  O mundo no qual o neurótico se refugia é distante do mundo real do qual ele foge, justamente porque num mundo imaginário ele não tem que se deparar com uma realidade que não lhe oferece satisfações. Mas, ao se desviar dessa realidade, adotando uma postura antissocial, o neurótico é destituído de sua própria comunidade humana (KOLTAI, 2010).
III – ANIMISMO, MAGIA E ONIPOTÊNCIA DE PENSAMENTOS
Freud se apóia sobre três grandes concepções de mundo, para engendrar seu terceiro ensaio; a saber: a animista (mitológica), a religiosa e científica, cultivadas nas obras de Taylor, Spencer, Frazer e Wundt e Marret.
Os humanos, diante de suas necessidades, criaram suas primeiras concepções de mundo em consonância com seus próprios desejos. Inicialmente, na fase animista, atribuíram poder a si mesmos e posteriormente, na fase religiosa, aos deuses, sem, contudo, abdicar do desejo de influenciá-las para que agissem conforme seus respectivos desejos humanos.
O animismo, criado pelo primitivo, concebia o mundo como algo natural, regido pela magia, que era considerada uma espécie de fio condutor por meio do qual o primitivo pensava que poderia se apoderar do espírito dos homens, dos animais e das coisas. Freud, em oposição à Taylor, defendia a idéia de que o que estava em questão na magia eram os desejos humanos, os únicos responsáveis por induzir uma superestimação dos processos de pensamento em relação à realidade (KOLTAI, 2010).
Ao enfatizar o papel da magia na onipotência das idéias, o autor nos alerta para o conceito fundamental da psicanálise que é a realidade psíquica, sustentada por um desejo inconsciente.
Os povos primitivos, por meio da imposição de suas próprias leis psíquicas, externavam na realidade os seus reais desejos, a fim de que os espíritos agissem conforme suas vontades. Essa mesma característica que aparece no primitivo é também visível na criança, cujo psiquismo conserva as mesmas condições de um selvagem, fazendo com que alucinem a realização de seus desejos.
O modo que o ser primitivo encara o mundo, isto é, à sua imagem e semelhança, leva Freud a constatar uma associação que existe entre a onipotência e o narcisismo, entendido como investimento libidinal em si próprio, em que o outro existe somente enquanto objeto de satisfação, e não em sua alteridade.
A correlação entre o pensamento onipotente do primitivo e o narcisismo, permitiu que o psicanalista apontasse para as diferentes maneiras de conceber o mundo e o desenvolvimento da libido individual. A fase animista estaria atrelada, deste modo, ao narcisismo primário, a religião ao estágio no qual a libido se fixa nos pais e, por fim, a ciência estaria ligada ao estado de maturidade no qual há uma renúncia, por parte do sujeito, à exclusiva busca de prazer e subordina sua escolha de objeto às exigências da realidade (KOLTAI, 2010).
Freud não cessa suas analogias entre os sujeitos primitivos e os neuróticos. Os neuróticos também hesitam para aceitar a realidade tal como ela é, atribuindo à realidade externa, as suas próprias aspirações. Estes últimos, segundo o psicanalista, possuem natureza mágica, isto é, tanto em seus atos quanto em suas defesas, imperam a onipotência das idéias e o predomínio dos processos psíquicos sobre a vida real.
A transposição do animismo, da magia e da onipotência das idéias para a esfera da religião, e depois da ciência, se concretizou devido à renúncia pulsional exigida pela cultura.
Em nossa experiência cotidiana, é possível identificar alguns resquícios do animismo presentes, por exemplo, nos sonhos. Se prosseguirmos com a leitura de Totem e Tabu, é visível que Freud ao longo dos seus três primeiros ensaios, prepara o terreno para introduzir o ato de nascimento de sua metapsicologia do social, por meio de sua hipótese acerca da gênese da cultura. Em “O retorno do totemismo na infância”, o autor efetuará a união entre totemismo e tabu, que nos levará a idéia da proibição universal do incesto.
IV – O RETORNO DO TOTEMISMO NA INFÂNCIA
Neste ensaio, Freud retoma várias questões já abordadas, principalmente, o totemismo, justamente para relembrar a importância que ele exerceu sobre os primitivos.
O sistema totêmico pode ser interpretado do ponto de vista tanto religioso quanto social; falar-se-á de seu caráter religioso, na medida em que comparecem relações de respeito mútuo entre o primitivo e seu totem e, de seu estatuto social, nas obrigações recíprocas que permeiam tanto os membros de um clã quanto das tribos entre si.
No que tange à natureza religiosa, pode-se dizer que Freud procura nos chamar a atenção para o tabu, ligado ao totem, manifesto nas proibições que seus descendentes se impunham a fim de protegê-lo. É por isso que não se podia matar, comer ou caçar o animal do totem e, dependendo da tribo, inclusive, tocá-lo, olhá-lo ou chamá-lo por seu verdadeiro nome, sob pena de punições por meio da morte ou da doença. O benefício que fazia valer as restrições residia, pois, na esperança de serem protegidos por ele.
Do ponto de vista social, o que se destaca não é somente a quantidade e o rigor das proibições, mas também, o fato das restrições se relacionarem com o interdito das relações endogámicas, gerando, consequentemente, a fobia do incesto.
Freud, intrigado com as questões levantadas pelo totemismo, procura através dos seus estudos compreender melhor as necessidades psíquicas que ele expressava, bem como as condições que proporcionaram o seu desenvolvimento.          Após se debruçar sobre todas as teóricas conhecidas em sua época – nominalistas, sociológicas e psicológicas– o autor chega a conclusão de que existiam até aquele momento, duas concepções distintas:
Desse modo, encontramos dois pontos de vista opostos: um que procura manter a pressuposição original de que a exogamia constitui parte inerente do sistema totêmico e outro que nega existir tal vinculação, sustentando que a convergência entre esses dois aspectos das culturas mais antigas é uma convergência fortuita (FREUD [1913- 1914], p. 78).
Posicionando-se contrariamente à teoria da coincidência, o autor afirma que a exogamia, corolário do sistema totêmico, só podia se fundar, no medo do incesto. Segundo os ensinamentos da psicanálise, nada havia de inato na exogamia, suas causas, inclusive, deveriam ser procuradas nos primeiros desejos sexuais, de natureza inegavelmente incestuosa.
Neste ponto, Freud lança luz às atitudes das crianças para com os animais, a fim de apresentar as inúmeras concordâncias com os primitivos e, logo a seguir, à clínica da zoofobia infantil, por meio do caso clínico do pequeno Hans.
A análise desta criança fóbica levou o psicanalista a formular a hipótese de que os casos de zoofobia infantil expressam nitidamente a situação do menino no complexo de Édipo; “esse complexo central das neuroses, no qual o pai se apresenta como rival da criança com o qual essa tem de partilhar o interesse da mãe” (KOLTAI, p.44, 2010).
Freud ao analisar este caso, constata que diante da impossibilidade de Hans dar vazão ao ódio que sente pelo pai, justamente, porque o mesmo é objeto também de amor e admiração, ele acaba por deslocar a angústia que sente a um animal. Essa situação se repete inúmeras vezes, manifestando que os sentimentos ambivalentes em relação ao pai, oriundos de interesses sexuais infantis, são deslocados para outro objeto.
Posto isto, Freud se sente autorizado a introduzir suas considerações sobre a origem do totemismo. A primeira consequência notável, na fórmula do totemismo, é a substituição do pai por um animal totêmico. O autor afirma que:
Se o animal totêmico é o pai, então as duas principais ordenanças do totemismo, as duas proibições de tabu que constituem seu âmago — não matar o totem e não ter relações sexuais com os dois crimes de Édipo, que matou o pai e casou com a mãe, assim como os dois desejos primários das crianças, cuja repressão insuficiente ou redespertar formam talvez o núcleo de todas as psiconeuroses (FREUD [1913- 1914], p.87).
Para comprovar que o totemismo é fruto das condições do complexo de Édipo, Freud recorre à Darwin, Atkison e Robertson Smith, para alçar, através da teoria da horda primitiva, uma hipótese sobre um “assassinato originário” e, com a teoria do festim totêmico, a comemoração por meio de sacrifícios ritualizados (KOLTAI, 2010).
Depreende-se que a leitura conjunta, desses três autores, possibilitaram à Freud unir uma teoria clínica e uma teoria social e, também, narrar a procedência de um estado originário da sociedade que nunca havia sido de fato observado.
O autor admite ter encontrado no festim totêmico, de Robertson Smith, a mola propulsora dessa origem, visto que se tratava de um sacrifício-festa, no qual o animal totêmico era sacrificado e lastimado, para em seguida ser devorado pelos membros da tribo numa festa. “Foi nessa transgressão ritual das proibições totêmicas que Freud identificou a sequela do acontecimento como causa da relação da humanidade com as proibições totêmicas e incestuosas” (KOLTAI, p.46, 2010).
Freud insiste na relevância coletiva do sacrifício e sua relação com a festa, chamando a atenção, primeiramente, para os laços que unem os membros de uma comunidade e, na seqüência, para os laços que unem esta à divindade.
Através de alguns dados até então isolados, da biologia e da etnologia, o autor inicia a formulação de sua hipótese. Para tanto, ele utiliza-se de um mito para narrar os acontecimentos que instituíram um contrato social, no qual tanto o incesto quanto o monopólio da violência eram proibidos, descrevendo, deste modo, a passagem do estado arcaico para outro modelo de regime.
Esta passagem teria se dado em três tempos. O primeiro jazia um estado social em que a força fazia a lei:
“(...)uma horda primitiva dominada por um macho que gozava de um monopólio sexual absoluto, possuíra todas as fêmeas ao mesmo tempo e impedia o acesso dos demais machos a elas. Puro gozo, frustrava o desejo dos filhos por suas mães e irmãs, submetendo todos à sua lei, imposta pela força” (KOLTAI, p.47, 2010).
O segundo tempo marca o complô dos filhos frustrados que, insatisfeitos e revoltos com a tirania paterna, decidem matar o déspota que tanto odiavam e amavam simultaneamente. Com efeito, deixaram de ser submissos e tornaram-se ousados ao matarem o pai, realizando, coletivamente, o que sozinhos nenhum deles teria feito. Para selar e afirmar a existência do grupo, eles celebravam o festim totêmico, no decorrer do qual foram levados a devorar o corpo do pai e se identificando com ele, puderam se reconhecer como irmãos de sangue.
O próximo momento é aquele em que os filhos perceberam que cada um deles almejava, secretamente, ocupar exclusivamente o lugar do pai. Informados de que se isso se efetivasse, a consequência última seria uma guerra fratricida, decidiram renunciar mutuamente tanto à satisfação incestuosa quanto à violência como meio de consegui-la. Viram-se, deste modo, obrigados a buscar em outras hordas mulheres para se relacionarem, estabelecendo, assim, a exogamia. Somente nestas circunstâncias foi possível pôr fim à horda selvagem e inaugurar o clã fraterno, fundado sobre os lanços de sangue.
Apreende-se que foi através do assassinato do pai, com o qual os filhos mantinham uma relação ambivalente de amor e ódio, que o estado de direito pode se consolidar. Note-se que o pai morto, se demonstrou mais poderoso do que o pai vivo, uma vez que os filhos passaram a interditar aquilo que o pai os impedia, anteriormente, pela força. Com a morte do pai, os filhos puderam externalizar o sentimento de ódio, enquanto que o amor, que também sentiam, se transformou em sentimento de culpa.
Posto isto, Freud discorre sobre os dois tabus fundamentais do totemismo: matar o totem e casar com uma mulher do mesmo totem que, por sua vez, correspondem aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo.
Freud encerra que o sistema totêmico pode ser objetivado como um contrato concluído com o pai, em que esse promete cumprir tudo aquilo que a imaginação infantil poderia esperar dele, proteção, cuidado, à condição de que sua vida seja respeitada e não se renove o ato que lhe custou a vida (KOLTAI, 2010).
Com base na teoria psicanalítica, o pai da psicanálise examina que a cultura não só é fruto da renúncia pulsional, como essa passa a ser, inclusive, uma constante estrutural dela.
À guisa de conclusão, é possível estabelecer um correlato entre o que Freud afirma sobre a moralidade humana e seu início com esses dois tabus. O primeiro, sendo o da proibição do incesto, corresponde à única maneira que os irmãos encontraram para garantirem a força que nascera de sua união, enquanto que, o segundo, da obrigação de proteger o animal totêmico, pode-se entender como a primeira volição religiosa do totemismo, consequência da culpabilidade dos filhos ao mesmo tempo em que é uma tentativa de refrear esse sentimento, reconciliando-se com o pai, numa obediência retrospectiva.
Neste sentido, a autora coloca que,
(...) em todas as religiões subsiste a ambivalência inerente ao complexo paterno, sendo todas elas, de certa forma, consequência desse grande acontecimento pelo qual teve início a civilização e que, desde então, nunca deixou de atormentar a humanidade (KOLTAI, p.49, 2010).
V - PARA CONCLUIR
Visto que o trabalho está por se encerrar, faz-se necessário retomar algumas considerações sobre o mito que Freud nos introduz.
Em primeiro lugar, é fundamental perceber que o crime é um ato fundador, responsável por organizar a civilização.
Em segundo lugar, o crime, ao invés de autorizar os filhos a acessarem as fêmeas desejadas, trouxe como consequência a instauração

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