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Nariel Diotto Gabriela Dickel das Chagas Daiane Caroline Tanski Raquel Buzatti Souto Tiago Anderson Brutti (Organizadores) Editora Ilustração Cruz Alta – Brasil 2021 FEMINISMOS, GÊNERO E DESIGUALDADES Volume II Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720 2021 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora Ilustração Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Ilustração Rua Coronel Martins 194, Bairro São Miguel, Cruz Alta, CEP 98025-057 E-mail: eilustracao@gmail.com www.editorailustracao.com.br Copyright © Editora Ilustração Editor-Chefe: Fábio César Junges Imagens da capa: Freepik Revisão: Os autores CATALOGAÇÃO NA FONTE F329 Feminismos, gênero e desigualdades [recurso eletrônico] / organizadores: Nariel Diotto ... [et al.]. - Cruz Alta: Ilustração, 2021. v. 2. ; 21 cm ISBN 978-65-88362-99-0 DOI 10.46550/978-65-88362-99-0 1. Feminismo. 2. Violência contra mulheres. 3. Desigualdade de gênero. I. Diotto, Nariel (org.). CDU: 396.2 Conselho Editorial Dra. Adriana Maria Andreis UFFS, Chapecó, SC, Brasil Dra. Adriana Mattar Maamari UFSCAR, São Carlos, SP, Brasil Dra. Berenice Beatriz Rossner Wbatuba URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dr. Clemente Herrero Fabregat UAM, Madri, Espanha Dr. Daniel Vindas Sánches UNA, San Jose, Costa Rica Dra. Denise Tatiane Girardon dos Santos FEMA, Santa Rosa, RS, Brasil Dr. Domingos Benedetti Rodrigues SETREM, Três de Maio, RS, Brasil Dr. Edemar Rotta UFFS, Cerro Largo, RS, Brasil Dr. Edivaldo José Bortoleto UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil Dra. Elizabeth Fontoura Dorneles UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil Dr. Evaldo Becker UFS, São Cristóvão, SE, Brasil Dr. Glaucio Bezerra Brandão UFRN, Natal, RN, Brasil Dr. Gonzalo Salerno UNCA, Catamarca, Argentina Dr. Héctor V. Castanheda Midence USAC, Guatemala Dr. José Pedro Boufleuer UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil Dra. Keiciane C. Drehmer-Marques UFSM, Santa Maria, RS, Brasil Dr. Luiz Augusto Passos UFMT, Cuiabá, MT, Brasil Dra. Maria Cristina Leandro Ferreira UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil Dra. Neusa Maria John Scheid URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dra. Odete Maria de Oliveira UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil Dra. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dr. Roque Ismael da Costa Güllich UFFS, Cerro Largo, RS, Brasil Dra. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil Dr. Tiago Anderson Brutti UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil Dr. Vantoir Roberto Brancher IFFAR, Santa Maria, RS, Brasil Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................13 Nariel Diotto Gabriela Dickel das Chagas Daiane Caroline Tanski Raquel Buzatti Souto Tiago Anderson Brutti Capítulo 1 - FEMINISMO NEGRO E CIBERATIVISMO: RELAÇÃO COM O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE NO BRASIL ..............................................21 Dandara Roberta Soares Conceição Raquel Buzatti Souto Capítulo 2 - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E CAMPANHAS DE INCENTIVO PARA DENÚNCIA DOS AGRESSORES: UMA ANÁLISE NO PERÍODO DE ISOLAMENTO SOCIAL DA PANDEMIA DO COVID-19 ..................................................35 Eduarda Sampaio da Veiga Nadyni Almeida de Almeida Aline Antunes Gomes Capítulo 3 - A DICOTOMIA DAS CONCEPÇÕES (PRÉ) FEMINISTAS DA FILÓSOFA HANNAH ARENDT .............47 Raíssa Pedroso Becker de Lima Daiane Caroline Tanski Mariana Figueira Fontoura Sabrina Figueira Vanessa Steigleder Neubauer Capítulo 4 - DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS NO SÉCULO XXI: O CAPITALISMO E O MOVIMENTO REACIONÁRIO BOLSONARISTA ........................................57 Sawara Gonçalves Santos Letícia Maria Pereira Siqueira Virgínia Stern da Silva Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Capítulo 5 - AS MULTIPLAS VIOLÊNCIAS CONTRA A MULHER NO AMBIENTE DIGITAL ..................................73 Kelven Marcelino Klein Eduardo Pinheiro Monteiro Cesar Albenes de Mendonça Cruz Capítulo 6 - O DIREITO DE PARIR COM RESPEITO ........83 Sabrina Veloso Leal Pereira Capítulo 7 - FEMINISMO E DIREITOS DAS MULHERES: UMA DISCUSSÃO NO CIAMPAR (CENTRO INTEGRADO DE APOIO À MULHER DE POUSO ALEGRE E REGIÃO) 99 Bibiana Terra Bianca Tito Julia Mendes Silva Mariete Lopes da Costa Marina Helena Vieira da Silva Capítulo 8 - A FORMAÇÃO DAS ONDAS FEMINISTAS E SUAS REIVINDICAÇÕES NA LUTA PELOS DIREITOS DAS MULHERES ..........................................................................115 Laura Melo Cabral Gabriela Colomé Moreira Aline Antunes Gomes Capítulo 9 - INTERSECCIONALIDADE E MOVIMENTOS FEMINISTAS: UMA ANÁLISE DA OBRA “MULHERES, RAÇA E CLASSE” DE ANGELA DAVIS ..............................131 Bibiana Terra Capítulo 10 - MULHERES PROTOGANISTAS DA HISTÓRIA: UM DISCURSO SOBRE GÊNERO x DIREITOS .................147 Karina Dias da Silva Denise Regina Quaresma da Silva Glauce Stumpf Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Capítulo 11 - A SITUAÇÃO DA MULHER NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: UMA REVISÃO HISTÓRICA .......................157 Katiussa Richter Tiago Anderson Brutti Gabriela Dickel das Chagas Capítulo 12 - DILEMAS SOCIOJURÍDICOS DAS FAMÍLIAS TRANSNACIONAIS NO BRASIL: A DIMENSIONALIDADE DA MULHER ........................................................................171 Paola Pagote Dall’Omo Camila Rocha Odisseia Aparecida Paludo Fontana Silvia Ozelame Rigo Moschetta Capítulo 13 - TOLERÂNCIA DA SOCIEDADE À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL .......187 Aline Viviane Bach Vanessa Steigleder Neubauer Deivid Jonas Silva da Veiga Capítuo 14 - A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER SOB A PERSPECTIVA DA REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA ....................................205 Luiza Eduarda Prola Carpes Aline Sattes Salviano Carla Rosane da Silva Tavares Alves Tiago Anderson Brutti Daiane Caroline Tanski Capítulo 15 - ENFOQUE ACESSÍVEL PARA APRENDIZAGEM PROFUNDA: EDUCAÇÃO SEXUAL A PARTIR DO SERIADO SEX EDUCATION ..........................217 Tricieli Radaelli Fernandes Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Capítulo 16 - A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE DAS MULHERES NEGRAS NO AMBIENTE ACADÊMICO BRASILEIRO E SUAS IMPLICAÇÕES ................................233 Maria Victória Pasquoto de Freitas Celiena Santos Mânica SOBRE OS AUTORES E AUTORAS....................................245 APRESENTAÇÃO O e-book Feminismos, Gênero e Desigualdades, originário da mostra científica da II Semana Feminista da Universidade de Cruz Alta, parte da perspectiva de que a sociedade foi construída, estruturalmente, por meio de relações desiguais de gênero, sendo, portanto, de extrema urgência que sejam combatidas as desigualdades ainda tão presentes na sociedade, a fim de reconstruir as relações de gênero de forma igualitária, a partir de uma perspectiva feminista. A obra apresenta reflexões acerca da condição sociocultural da mulher na sociedade contemporânea, norteada por diversas violações aos seus direitos humanos, além de questões referentes à interseccionalidade, que transcendem o próprio Direito e abarcam uma perspectiva transdisciplinar. Além de fornecer estímulos para a reestruturação da sociedade, de forma mais igualitária, possibilitando a qualificação de profissionais e cidadãos atuantes em sociedade. Nessa perspectiva, o primeiro capítulo, de autoria de Dandara Roberta Soares Conceição e Raquel Buzatti Souto, intitulado “Feminismo negro e ciberativismo: relação com o enfrentamento da desigualdade no Brasil”, tem o objetivo de compreender a colaboração conjunta entre o Feminismo Negro e Ciberativismo no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira. O Feminismo Negro envolve um movimento social e teórico que objetiva trazer visibilidade às pautas das mulheres negras e o Ciberativismo é um tipo de ativismo feito no ciberespaço. Desse modo, a colaboração entre esses movimentos sociais pode ajudar no processo de enfrentamentoda desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira, uma vez que, são formas de trazer para o plano prático o que está previsto na Constituição Federal de 1988. O capítulo denominado “Violência doméstica e campanhas de incentivo para denúncia dos agressores: uma análise no período de 14 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II isolamento social da pandemia do Covid-19”, de autoria de Eduarda Sampaio da Veiga, Nadyni Almeida de Almeida e Aline Antunes Gomes, tem como objetivo geral analisar a criação de campanhas para incentivar a denúncia dos casos de violência doméstica durante o período de pandemia causada pelo Covid-19. Inicialmente há abordagem acerca da importância da criação de formas alternativas de denúncia, os aumentos de casos de violência doméstica durante o período de isolamento social e como as campanhas podem ajudar as vítimas. Por fim, resta evidenciado a importância da criação, utilização e adesão destas campanhas pelas repartições públicas e empresas privadas, bem como da divulgação da existência destas campanhas, oportunizando a vítima um meio de denúncia, ainda que esteja sob vigilância do agressor, situação que impede, em muitos casos, que esta venha a comparecer nas Delegacias de Polícia para realizar o boletim de ocorrência. No terceiro capítulo, “A dicotomia das concepções (pré) feministas da filósofa Hannah Arendt”, de autoria de Raíssa Pedroso Becker de Lima, Daiane Caroline Tanski, Mariana Figueira Fontoura, Sabrina Figueira e Vanessa Steigleder Neubauer, é analisada a teoria de Hannah Arendt, que também propagou a ideia acerca da expressão de natalidade, relacionando-a aos conceitos de liberdade e igualdade, trazendo à tona que todos os sujeitos tinham aptidão de ação sem distinções. A teórica também foi criticada em razão de ter deixado de questionar a dicotomia público-privado, tratando-as de maneira exclusiva e estereotipada, fato que fez com que fosse chamada de “antifeminista” e “pré-feminista”. A pesquisa se justifica pela crítica gerada em face das ideias propagadas pela autora e sua importância para a construção de concepções feministas. O quarto capítulo, sobre “Direitos sexuais e reprodutivos no século XXI: o capitalismo e o movimento reacionário bolsonarista”, das acadêmicas Sawara Gonçalves Santos, Letícia Maria Pereira Siqueira e Virgínia Stern da Silva, aborda as conexões entre o controle reprodutivo e a manutenção do sistema capitalista, bem como logra analisar a elaboração jurídica acerca da temática e a 15 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II ofensiva reacionária instaurada como resposta a avanços na área. Discute-se primeiramente sobre a funcionalidade do domínio da capacidade reprodutiva para a expansão da força de trabalho. Após, encaminha-se para uma análise dos direitos sexuais e reprodutivos nos contextos brasileiro e internacional. Por fim, é explorado o movimento reacionário bolsonarista e sua ameaça a esses direitos. O quinto capítulo, elaborado por Kelven Marcelino Klein, Eduardo Pinheiro Monteiro e Cesar Albenes de Mendonça Cruz, intitulado “As múltiplas violências contra a mulher no ambiente digital”, tem por objetivo identificar a violência contra a mulher no ambiente digital e mostra a violência contra a mulher como um fenômeno multiforme, que acontece em todo o Brasil, notadamente no ambiente digital. Também são pontuados os avanços legislativos e as políticas públicas de combate e prevenção ao fenômeno exposto. Em seguida, no capítulo denominado “O direito de parir com respeito”, de Sabrina Veloso Leal Pereira, a premissa que respalda o desenvolver do texto é o respeito ao nascimento como uma das principais ferramentas para se mudar o mundo. Quando um ser humano nasce sendo respeitado, dá-se à luz à esperança de uma sociedade mais equilibrada. A mulher é o sujeito ativo da conjugação do verbo parir, mas a assistência à saúde feminina ainda se caracteriza pela excessiva manipulação de seu corpo, minimizando-se ou excluindo-se seu reconhecimento enquanto sujeito no processo de dar à luz. Trazer à tona essas situações é um debate socialmente necessário. O sétimo capítulo, intitulado “Feminismo e direitos das mulheres: uma discussão no CIAMPAR (Centro Integrado de Apoio à Mulher de Pouso Alegre e Região)”, de autoria de Bibiana Terra, Bianca Tito, Julia Mendes Silva, Mariete Lopes da Costa e Marina Helena Vieira da Silva, aborda os resultados da pesquisa realizada em âmbito de projeto de inserção social, desenvolvido através do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM. Primeiramente, apresenta-se uma breve revisão bibliográfica acerca do feminismo e dos direitos das mulheres e, em seguida, aborda-se especificamente sobre o projeto de inserção 16 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II social e sua realização. No oitavo capítulo, sobre “A formação das ondas feministas e suas reivindicações na luta pelos direitos das mulheres”, as autoras Laura Melo Cabral, Gabriela Colomé Moreira e Aline Antunes Gomes falam sobre o surgimento das ondas feministas, ressaltando que na primeira onda, as reinvindicações foram em relação aos direitos sociais e políticos. Na segunda onda, acerca dos direitos sexuais e reprodutivos. Na terceira onda, em questões identitárias e no feminismo igualitário. E, na quarta onda, há um aprofundamento das lutas pela identidade e o corpo, tendo como base a liberdade e a igualdade. Destacaram a importância das novas tecnologias de informação e comunicação, especialmente a internet e as redes sociais na configuração dos movimentos e lutas sociais e formação de redes identitárias, por meio, por exemplo, dos coletivos e dos espaços de discussão. O capítulo seguinte, de autoria de Bibiana Terra, versa sobre “Interseccionalidade e movimentos feministas: uma análise da obra ‘Mulheres, raça e classe’ de Angela Davis” e tem como objetivo analisar a referida obra, de modo a investigar a interseccionalidade e o pensamento feminista em seus escritos. Primeiramente, apresenta-se o contexto, pressupostos e referencias de Angela Davis para compor a sua obra. Em segundo lugar, analisa-se especificamente a obra “Mulheres, raça e classe”, destacando suas partes mais relevantes para as discussões interseccionais e dos movimentos feministas. No décimo capítulo, intitulado “Mulheres protoganistas da história: um discurso sobre gênero x direitos”, de Karina Dias da Silva, Denise Regina Quaresma da Silva e Glauce Stumpf, investiga- se quem são as mulheres protagonistas que vem reescrevendo a história, mulheres pertencentes a diferentes etnias, que vem deixando sua marca através de sua experiência para inspirar outras mulheres. O texto apresenta o legado e luta dessas mulheres, além de demonstrar controvérsias da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Através do estudo foi possível evidenciar as lutas e dificuldades vividas pelas mulheres, evidenciadas por meio de suas histórias, vivências, livros e outros, além de demonstrar a 17 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II necessidade do fortalecimento de outras mulheres, para assim fazer prevalecer direitos que na prática cotidiana ainda parecem não existir. No capítulo subsequente, de autoria de Katiussa Richter, Tiago Anderson Brutti e Gabriela Dickel das Chagas, intitulado “A situação da mulher na legislação brasileira: uma revisão histórica”, destaca-se que o direito é um objeto histórico e culturalmente elaborado, isto é, construído pela sociedade em função de determinados fins e valores. Compreende-se a relação entre direito e sociedade como de mútua implicação, na medida em que, além de refletir os valores da sociedade que o produz, o direito contribui para a formação do imaginário social dessa coletividade. Nesse sentido, o texto consubstancia-se na revisão histórica do modo como a legislação brasileira tratava e trata a mulher. Esse levantamento sugeriu que, embora atualmentea igualdade entre os gêneros seja uma diretriz constitucional, o longo período de vigência de normativas desfavoráveis a mulher ainda hoje ressoa. Em seguida, o capítulo “Dilemas sociojurídicos das famílias transnacionais no Brasil: a dimensionalidade da mulher”, de Paola Pagote Dall’Omo, Camila Rocha, Odisseia Aparecida Paludo Fontana e Silvia Ozelame Rigo Moschetta, tem como objetivo explicitar os impasses sociojurídicos vivenciados pelos imigrantes no país de acolhimento. Apresenta-se contextualização da migração transnacional, demonstrando as principais dificuldades enfrentadas no Brasil, além de explicitarem-se as razões que motivaram a migração, os principais desafios vivenciados pelas famílias transnacionais no que se refere às oportunidades de trabalho, regularização jurídica junto ao país, aprendizagem do idioma, discriminação racial, bem como a reunião familiar entre membros de diferentes localidades. Demonstra-se a necessidade de aprimoramento por parte do Estado e da sociedade civil em proteger de forma coesa e efetiva os direitos dos migrantes que se encontram no Brasil. O capítulo intitulado “Tolerância da sociedade à violência contra as mulheres no Brasil”, de Aline Viviane Bach, Vanessa 18 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Steigleder Neubauer e Deivid Jonas Silva da Veiga tem como objetivo principal efetuar uma pesquisa e análise crítica com relação a tolerância da violência contra a mulher no Brasil, visto que atualmente os casos denunciados vem crescendo de forma exponencial. No décimo quarto capítulo, sobre “A violência doméstica e familiar contra a mulher sob a perspectiva da realidade social brasileira”, de Luiza Eduarda Prola Carpes, Aline Sattes Salviano, Carla Rosane da Silva Tavares Alves, Tiago Anderson Brutti e Daiane Caroline Tanski, analisa-se, por meio de levantamento bibliográfico, as formas de violência contra a mulher previstas na Lei nº 11.340/2006, bem como os mecanismos de proteção positivados por esta lei e direcionados à mulher. Também são abordadas, brevemente, as consequências mentais e emocionais que essa violência desenvolve na mulher vítima. No capítulo seguinte, intitulado “Enfoque acessível para aprendizagem profunda: educação sexual a partir do seriado Sex Education”, a autora Tricieli Radaelli Fernandes analisa a educação sexual apoiada no contexto da série Sex Education da plataforma Netflix, fazendo um paralelo entre os campos escolares da série e do Brasil. O propósito do artigo é apresentar aspectos semelhantes e diferentes entre as duas circunstâncias aludidas, buscando refletir sobre a melhoria no diálogo e aprendizagem com a inclusão da educação sexual obrigatória no currículo. Compreende-se o valor de mudança legislativa, todavia não se nega a integração social no combate à violência de gênero. No último capítulo, denominado “A falta de representatividade das mulheres negras no ambiente acadêmico brasileiro e suas implicações”, as autoras Maria Victória Pasquoto de Freitas e Celiena Santos Mânica refletem que as interseccionalidades de raça e gênero vêm ocupando posição de destaque nos debates feministas, a partir do reconhecimento de que mulheres negras ocupam espaço diverso das mulheres brancas. A análise do tema da representatividade da mulher negra na academia, remonta a um passado recente de exploração e segregação racial. O objetivo da 19 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II pesquisa é contextualizar historicamente as mulheres nos ambientes educacionais e posições de poder e o objetivo específico foi verificar as políticas públicas educacionais de incentivo e inserção da mulher negra na academia. Nariel Diotto Gabriela Dickel das Chagas Daiane Caroline Tanski Raquel Buzatti Souto Tiago Anderson Brutti (Organizadores) Capítulo 1 FEMINISMO NEGRO E CIBERATIVISMO: RELAÇÃO COM O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE NO BRASIL Dandara Roberta Soares Conceição Raquel Buzatti Souto 1 Considerações iniciais O direito à igualdade previsto na Constituição Federal de 1988, refere que todos são iguais perante a lei, sendo vedadas ações discriminatórias, em razão do sexo, da raça e do credo, por exemplo. Contudo, a aplicabilidade deste direito no caso concreto, mostra-se muito diferente da teoria, em razão da desigualdade enfrentada por alguns grupos da sociedade brasileira, seja pelas diferenças econômicas, regionais, quanto, as distinções de raça e gênero. Seguindo este viés, quando averígua-se a realidade da mulher negra é possível notar que esta sofre diariamente com a discriminação em dois aspectos. O primeiro aspecto relaciona- se à raça, considerando os impactos do racismo estrutural sob a população negra brasileira. Enquanto, o segundo aspecto abarca a questão de gênero, que coloca as mulheres numa posição de inferioridade perante os homens, por conta do sistema patriarcal que, ainda hoje, faz parte da formação da sociedade brasileira. Com isso, diante desse cenário desigual que inviabiliza o atendimento das demandas da mulher negra, torna-se necessária a verificação de algumas alternativas capazes de auxiliarem no processo de concretização do direito à igualdade para a mulher negra. O Feminismo Negro se apresenta como um movimento social e teórico que possui a finalidade de trazer visibilidade as pautas 22 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II dessa parte da população, que historicamente esteve invisibilizada pela desigualdade de raça e gênero. Enquanto, o Ciberativismo é um tipo de ativismo feito por alguns grupos que usam o ambiente virtual para expandir as suas reinvindicações. Dessa forma, o presente trabalho parte da seguinte indagação: a colaboração entre o Feminismo Negro e Ciberativismo é capaz de auxiliar no enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira? Constitui-se como objetivo desta pesquisa, compreender a colaboração conjunta entre o Feminismo Negro e Ciberativismo no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira. Além disso, para o desenvolvimento desse estudo, parte-se da hipótese de que a colaboração entre o do Feminismo Negro e Ciberativismo pode ajudar no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira, uma vez que, são formas de trazer para o plano real o que está previsto na Constituição Federal de 1988, no que tange, ao tratamento igualitário para todos, sendo neste caso, em especial para a mulher preta. Finalmente, destaca-se que este trabalho envolve uma pesquisa bibliográfica, qualitativa de caráter exploratório, através de livros e materiais disponibilizados no meio eletrônico. 2 Desenvolvimento A desigualdade sofrida pelas mulheres negras no Brasil revela-se como uma consequência das estruturas estabelecidas pelo racismo e patriarcado que atingem diretamente os seus corpos, dificultando a sua emancipação civil, político, social, e, inclusive cultural. Assim, revela-se essencial a procura de alterativas capazes de auxiliarem nesse processo de enfrentamento do contexto desigual vivenciado pela mulher preta. O Feminismo Negro apresenta-se como um movimento social e teórico que tem como finalidade tornar visíveis as pautas da mulher negra. Este movimento nasce numa circunstância 23 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II social, na qual as demandas da mulher preta não eram atendidas completamente, em decorrência da inobservância das questões de raça e gênero. No Movimento Feminista não havia certo interesse na discussão de matérias raciais, e já no Movimento Negro não existia muito espaço para o debate de assuntos relacionados ao gênero. Sob esta visão, pontua Leal (2020, p.16-17): O histórico dos Movimentos Feministas indica desinteresse no tratamento de questões de raça.[...] mesmo quando não eram explicitamente racistas, ao definirem indistintamente as questões de gênero, as feministas brancas universalizaram as suas experiências e reduziramestas experiências às necessidades de um grupo de mulheres: das mulheres brancas de classe média e alta. Neste sentido, os Movimentos Feministas expressaram, e alguns ainda expressam, um pensamento hegemônico reducionista, e, sobretudo, indiferente às situações de dominação e opressão sofridas pelas mulheres negras, revelando, em diferentes nuances, sua face racista. Os Movimentos Negros, por sua vez, ao banirem debates e análises de gênero, vêm demonstrando desinteresse em combater o sexismo. Nestes movimentos, as questões raciais estão historicamente ocupando um lugar hierárquico superior às questões de gênero. Em geral, argumenta-se que, se as questões raciais fossem resolvidas, automaticamente as dificuldades pelas quais as mulheres negras passam desapareceriam. Assim, negligencia-se o fato de que sobre as mulheres negras não recai somente a opressão racial. Por serem mulheres, recai também sobre elas a opressão de gênero e, de modos mais violentos do que sobre as mulheres brancas, já que as mulheres brancas não estão sujeitas ao racismo. Com isso, depreende-se que o intuito do Feminismo Negro é trazer à tona a realidade da mulher negra que sofre duplamente com as discriminações de raça e gênero. Coelho e Gomes (2015) enfatizam que a intenção não está em dizer que a opressão vivida pela mulher preta é mais relevante que em relação à mulher branca, mas que se faz essencial compreender que a mulher negra passa por desvantagens sociais, as quais colocam ela numa situação inferior. Ao contrário, do que se pensa este movimento surge para denunciar e questionar o contexto social estruturado pelo racismo e patriarcalismo, sem desqualificar outros grupos. 24 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Através do Feminismo Negro, as experiências das mulheres negras são fixadas como questões emergentes, em razão do silenciamento histórico de suas vozes. As vivências diárias das mulheres negras não são mais universalizadas, já que os aspectos de raça e gênero, vistos, até então, separadamente unem-se na demonstração dos impactos do racismo e patriarcalismo no corpo dessas mulheres (LEAL, 2020). Outrossim, Minhomens (2009) refere que o Ciberativismo normalmente, apoia-se da internet ou de outros meios tecnológicos, visando disseminar as suas causas, com o estabelecimento de uma rede de solidariedade e articulação sobre o tema discutido. Ou seja, o Ciberativismo pode ser entendido como um tipo de ativismo feito por determinados grupos que utilizam o meio virtual para expandir as suas reinvindicações. Nessa linha, quando se fala do Ciberativismo é importante trazer algumas noções de ciberespaço e cibercultura, a fim de compreender como ocorre este tipo de ativismo no ambiente social. Com isso, nas palavras de Lévy (1999, p.17): O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) e o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanta ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. A partir dessa concepção, verifica-se que o ciberespaço e a cibercultura, estão interligados, na medida em que no plano prático o ciberespaço é o ponto de conexão entre as pessoas e as informações disponibilizadas na internet. Em outras palavras, o ciberespaço se expande num ambiente que possibilita o acesso e a troca de informações de diferentes indivíduos. Sem que exista o ciberespaço não se pode falar em cibercultura, e, consequentemente, em Ciberativismo. 25 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Ainda, sobre a cibercultura destaca-se a importância do elemento humano, na proposição de diversas ideias e na construção de debates sociais relevantes. Santaella (2003) coloca que na atualidade estamos diante de uma revolução tecnológica e cultural, que torna as relações pessoais cada vez mais dinâmicas, considerando que os componentes advindos da tecnologia e do ser humano são complementares nesse processo de desenvolvimento da cibercultura. Em contrapartida, quando se a exterioriza a cibercultura é possível notar que no ciberespaço ocorre a desterritorialização informacional. Os dados divulgados no ciberespaço, ainda que, controlados em certo ponto pelo Estado, acabam sendo afetados pelas transformações sociais, através do processo de desterritorialização. As manifestações oriundas da internet ultrapassam hierarquias, fronteiras políticas, culturais e econômicas, com a desconstrução de padrões sociais. Diante disso, o Ciberativismo pode ser indicado como um exemplo dessa desterritorialização, haja vista que é o encontro de determinados grupos ou Movimentos Sociais que divulgam as suas demandas no ciberespaço, questionando a realidade, muitas vezes, controlada pelo Estado (LEMOS, 2007). Nesse cenário, também é pertinente mencionar a ideia de inteligência coletiva, a qual Lévy (1999) aponta que acontece quando os conhecimentos somados e compartilhados numa sociedade são potencializados pela implementação de novas tecnologias digitais. A inteligência coletiva parte do pressuposto de que se deve valorizar as capacidades individuais, que são reunidas por meio das tecnologias em prol de um objetivo comum (BEMBEM; COSTA, 2013). O intuito da inteligência coletiva está na percepção e no reconhecimento das habilidades de cada pessoa, contribuindo para a sua organização social benéfica (CAVALCANTI; CHAMPANGNATTE, 2015). Assim, constata-se que a convergência dessas noções culmina na atuação cada vez maior dos Movimentos Sociais no ambiente virtual. O acesso e a troca rápida de informações em qualquer lugar do mundo, favorece o encontro de variadas culturas, e ao 26 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II mesmo tempo, o questionamento de condições sociais opressoras. A realidade virtual, fortifica a luta e oportuniza de maneira democrática a formação de diálogos socialmente silenciados. O ciberespaço por se revelar um ambiente sem fronteiras faz com que os dados divulgados tenham uma enorme proporção, se em comparação com aqueles apresentados fisicamente. A inclusão do Ciberativismo pelos Movimentos Sociais transforma-se em mais um elemento cabível para a ampliação dos debates iniciados num âmbito menor. No mesmo sentido, destaca Queiroz (2017, p.3 - 4): [...] os ativistas dos movimentos sociais e as pessoas que participaram das manifestações de protesto em todo o mundo viram na Internet – mais especificamente nos blogs e redes sociais –, uma oportunidade de ampliar o poder de comunicação e defesa da causa em foco. O meio digital tornou- se, então, o canal de comunicação mais usado pelos ativistas. [...] O ciberativismo surgiu da apropriação das redes sociais da internet pelos ativistas que defendem causas humanitárias, políticas, culturais e econômicas. Alguns desses processos começam tendo como foco determinada comunidade ou cidade, mas cujas ramificações e interesses ultrapassam fronteiras espaciais e ganham o mundo na defesa de direitos coletivos. Desta maneira, visualiza-se que a participação do Ciberativismo com diversos Movimentos Sociais acontece pelo fato de sua maior plataforma de divulgação ser o ciberespaço, o qual facilita a troca e o acesso de informações entre as pessoas. A participação do Ciberativismo na difusão de ideias permite que as pautas relevantes para o meio social sejam discutidas por variados grupos sociais. E a colaboração de diferentes grupos sociais nos debates, faz com que eventuais mudanças, como culturais, alcancem todos em condições amplamente satisfatórias. Percebe-se que, a partir da década de 1990, os Feminismos Latino-americanos,começaram a mudar os seus campos de atuação (LIMA, 2019), passando a usarem as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) como ferramentas de expansão de suas 27 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II pautas (MATOS, 2010). Essas tecnologias ajudaram na formação de uma sociedade direcionada para o campo virtual, aonde os debates sociais estão sendo cada vez mais desenvolvidos (MALTA; OLIVEIRA, 2016). O Feminismo Negro começou a ser incluído na rede virtual através de sites e blogs que apresentam informações e textos, os quais retratam as vivências da mulher negra. Também, as redes sociais contribuíram para a criação de grupos que falam sobre os procedimentos estéticos atribuídos para as mulheres pretas (MALTA; OLIVEIRA, 2016). A troca virtual de experiências mostra-se cada vez mais possível, já que de acordo com Lima (2019, p. 66): A entrada no mundo digital, seja por meio das redes sociais ou por meio dos blogs, vem possibilitando que ciberativistas negras utilizem o ambiente virtual como um espaço repleto de possibilidades de gerar, compartilhar e dar visibilidade `as suas próprias narrativas. Mulheres negras, lésbicas, transexuais têm feito uso regular das narrativas contra hegemônicas no intuito de ampliar seu acesso a direitos e oportunidades, modificar a imagem estereotipada que a sociedade[...] tem desses grupos e favorecer, dessa forma, condições para uma vida mais digna. Esses discursos são ainda fundamentais na reorganização da própria subjetividade por apresentarem de forma positiva e potente as vivências de indivíduos subalternizados. Diante disso, entende-se que os conceitos de Ciberativismo e Feminismo Negro são complementares na medida que a internet ajuda na propagação das pautas relevantes para a mulher negra, fazendo com que estas reinvindicações sejam mais conhecidas, e consequentemente, discutidas. A rápida expansão das informações, ocasiona o contato de diferentes grupos sociais, e com isso, a contestação de pensamentos originários da mentalidade colonial que se perpetuaram ao longo dos anos, os quais prejudicam a luta da mulher negra por um tratamento apropriado. Por conseguinte, essa articulação entre variados indivíduos resulta no empoderamento comunitário, que segundo Baquero (2012) trata-se do processo de capacitação de grupos ou indivíduos 28 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II menos favorecidos que agem com a finalidade de conquistar plenamente direitos de cidadania, capazes de contribuírem nas ações do Estado. Frisa-se que a ideia de empoderamento surge a partir de uma visão individual, a qual posteriormente reflete nas relações pessoais. O empoderamento de qualquer pessoa se inicia quando ela toma consciência da sua realidade, e, em seguida busca maneiras de mudá-la. Seguindo esta linha, o empoderamento da mulher negra se manifesta quando ela reconhece as dimensões do racismo e do patriarcalismo no seu cotidiano, e movimenta-se para questionar e alterar, tal contexto opressor. E o pensamento feminista negro como uma teoria social crítica almeja o empoderamento das mulheres negras numa conjuntura de injustiça social sustentada pelas opressões interseccionais (COLLINS, 2019). Enquanto, o Ciberativismo defende o empoderamento dos grupos sociais por meio da disponibilização de informações no ambiente virtual. Isto significa dizer, que o papel do ciberespaço em termos práticos colabora para o processo de reconhecimento emancipatória da mulher negra. No momento, em que há o diálogo e a articulação para questionar a realidade discriminatória, proporciona para a mulher negra um sentimento de pertencimento e acolhimento, que se concretiza pela conscientização do seu papel transformador. Sem prejuízo, evidencia-se, ainda que, o processo de empoderamento possa iniciar de forma individual o seu verdadeiro impacto, manifesta-se coletivamente. Sob este ângulo, destaca Ribeiro (2018, p.135-136): O termo “empoderamento” muitas vezes é mal interpretado. Por vezes é entendido como algo individual ou a tomada de poder para se perpetuar opressões. Para o feminismo negro, possui um significado coletivo. Trata-se de empoderar a si e aos outros e colocar as mulheres como sujeitos ativos da mudança. [...] Não é a causa de um indivíduo de forma isolada, mas como ele promove o fortalecimento de outros com o objetivo de alcançar uma sociedade mais justa [...]. Significa ter consciência dos problemas que nos afligem e criar mecanismos para combatê-los. Quando uma mulher se empodera, tem 29 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II condições de empoderar outras. Dessa maneira, apura-se, que o conceito de empoderamento se relaciona diretamente com os conceitos de Feminismo Negro e Ciberativismo, em razão de suas aplicabilidades sob o viés coletivo. O propósito está em discutir pautas relevantes para as mulheres negras, enquanto, gera uma mudança de posturas sociais de todas as pessoas, sendo pretas, ou não. Assim sendo, mostra-se imprescindível enfatizar a atuação conjunta do Feminismo Negro e Ciberativismo nesse processo de empoderamento das mulheres negras. Tal noção pode ser defendida, pois esse processo de empoderamento acontece no ciberespaço na medida que as pessoas se articulam de forma igualitária em prol do desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática (FONSECA; SILVA; TEIXEIRA FILHO, 2020). Depreende-se, que mesmo, a desigualdade de raça e gênero estejam presentes no meio social a colaboração entre o Feminismo Negro e Ciberativismo pode ajudar no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira, uma vez que, trazem para o plano prático os debates sobre o racismo e o machismo presentes na sociedade. O ciberespaço possibilita a amplificação de variadas discussões, a aproximação de diferentes grupos e a influência na mudança de posturas sociais. Portanto, observa-se na atualidade, uma crescente tendência das feministas negras de usarem a internet como veículo de divulgação de suas demandas, fomentando o processo de empoderamento de outras mulheres pretas. Este empoderamento promove uma profunda articulação contra o preconceito, que reflete na alteração de pensamentos historicamente enraizados na sociedade, ajudando no processo de efetivação de direitos básicos das mulheres negras, como a saúde, educação e igualdade. A inclusão da internet no Feminismo Negro, por intermédio do Ciberativismo auxilia na reflexão do contexto social da mulher negra e serve como mais um alicerce ao enfrentamento gradual da desigualdade de raça e gênero. 30 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II 3 Considerações finais A Constituição Federal de 1988 estabelece que todos são iguais perante a lei, proibindo atos preconceituosos baseados na origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação. Entretanto, no plano real este direito não se aplica plenamente, considerando o contexto de desigualdade que atinge variados grupos e esferas sociais. Entre esses grupos sociais que encontram-se numa situação desigual estão as mulheres negras, que sofrem com as discriminações de raça e gênero. Assim, torna-se necessária a busca de alternativas que ajudem no enfrentamento da desigualdade, através da efetivação prática do direito à igualdade, com a participação e envolvimento da sociedade. Os Movimentos Sociais se apresentam como uma possibilidade viável capaz de auxiliar nesse processo de conscientização social, ao evidenciarem determinada realidade e reivindicarem o desenvolvimento de condições que proporcionem um tratamento equilibrado para todos. Nessa perspectiva, o Feminismo Negro visa entre outros pontos expor as experiências da mulher negra, denunciando as situações de racismo e machismo enfrentadas por ela. Enquanto, o Ciberativistimo é uma espécie de ativismo exercido por determinados grupos, que utilizam o ciberespaço para aumentar a divulgação de suas pautas. É possívelnotar que a colaboração entre o Feminismo Negro e Ciberativismo possibilita a ampliação dos debates sociais que se preocupam em expor e discutir as demandas relativas à mulher negra, ao mesmo tempo que, aproxima outros grupos, os quais poderiam ter dificuldades de interagir fisicamente. Esta troca de experiências, consequentemente, influi na mudança de posturas sociais. Além disso, a disponibilização de informações favorece o processo de empoderamento da mulher preta, o qual se manifesta quando ela compreende e reconhece o contexto social que está inserida. 31 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Diante disso, em que pese, a desigualdade de raça e gênero estejam estruturados na sociedade brasileira a colaboração conjunta tanto do Feminismo Negro, quanto do Ciberativimo pode ajudar no processo de enfrentamento da desigualdade sofrida pela mulher negra brasileira, uma vez que, trazem para o plano prático os debates sobre o racismo e o patriarcalismo, bem como possibilitam o empoderamento da mulher preta. Portanto, o acesso e a troca de informações no ciberespaço auxilia no reconhecimento do contexto social da mulher negra, que pode resultar na transformação de espaços sociais, servindo de mais um alicerce ao enfrentamento gradual da desigualdade de raça e gênero, e, por conseguinte, na efetivação do direito à igualdade no Brasil. Referências BAQUERO, Rute Vivian Angelo. Empoderamento: instrumento de emancipação social? – Uma discussão conceitual. Revista Debates, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 173-187, jan.-abr. 2012. Disponível em: seer.ufrgs.br/debates/article/view/26722/17099. Acesso em: 17 abr. 2021. BEMBEM, Angela Halen Claro; COSTA, Plácida Leopoldina Ventura Amorim da. Inteligência coletiva: um olhar sobre a produção de Pierre Lévy. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 18, n. 4, p. 139-151, out./dez. 2013. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 15 maio 2021. CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. 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Capítulo 2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E CAMPANHAS DE INCENTIVO PARA DENÚNCIA DOS AGRESSORES: UMA ANÁLISE NO PERÍODO DE ISOLAMENTO SOCIAL DA PANDEMIA DO COVID-19 Eduarda Sampaio da Veiga Nadyni Almeida de Almeida Aline Antunes Gomes 1 Considerações iniciais A violência praticada contra a mulher em seu ambiente doméstico e familiar, acabou clamando por inovações durante o período da pandemia causada pelo Covid-19, uma vez que neste período, em virtude da medida de prevenção de isolamento social da população, a vítima passou a permanecer em casa juntamente com o agressor por períodos maiores de tempo. Se em um período normal, a vítima já possuía medo e receio de procurar à Polícia para denunciar as agressões, no período de isolamento, estando constantemente sofrendo violências e sob vigilância de seu ofensor, esse medo aumenta significativamente, exigindo inovações do Estado. Diante do exposto, o objetivo geral é verificar se houve a criação de campanhas durante a pandemia e se estas alcançaram o objetivo de auxiliar e incentivar as vítimas destas violências para que proceda à denúncia de seu agressor. A hipótese é que as novas formas de solicitar auxílio mediante frases disfarçadas ou símbolos, junto a instituições participantes, se tornam uma alternativa para que a vítima possa denunciar a agressão, mesmo na companhia do 36 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II agressor. A justificativa desta pesquisa encontra fundamento na necessidade de inovações nas formas de prestar auxílio às vítimas de violência doméstica, na medida em que é comum que esta possua medo e/ou vergonha de relatar estes episódios, ou, ainda, que não consiga um momento longe da observação do agressor, para comparecer à Delegacia de Políciae denuncia-lo. Esta pesquisa é relevante, na medida em que a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher exige maior atenção da sociedade em geral, em que pese a existência de lei própria para proteção, assim como medidas protetivas e assistência especializada para a vítima, há uma grande dificuldade do Estado tomar conhecimento das situações vivenciadas, uma vez que são perpetradas dentro do ambiente doméstico, onde inexistem, muitas vezes, testemunhas. Foi utilizada como metodologia, a pesquisa bibliográfica, qualitativa e expositiva, com o estudo da Lei n° 14.188/21 (Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica) e Lei nº 15.512/20 (Máscara Roxa), bem como pesquisas doutrinárias e análise de artigos disponibilizados nas plataformas digitais. 2 A pandemia causada pelo Covid-19 e a violência doméstica durante o período de isolamento social A pandemia causada pela doença Covid-19, foi responsável por diversas alterações na vida cotidiana de cidadãos de diversos países. No Brasil, o primeiro caso da doença foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020 e, infelizmente, a partir desta data os números passaram a aumentar drasticamente. Uma das medidas de prevenção recomendadas pelo Organização Mundial da Saúde, na intenção de conter o avanço da transmissão da doença, foi a medida de isolamento de casos suspeitos e o distanciamento social. A medida de distanciamento social foi responsável pela 37 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II permanência das pessoas em casa, devido ao fechamento dos estabelecimentos considerados não essenciais e em alguns casos, pela redução da jornada de trabalho de outros órgãos. Com a vigência do distanciamento social, muitas mulheres passaram a permanecer em casa, na companhia de seus agressores, que então não precisariam ausentar-se da residência para trabalhar. Estas situações, expandiram o risco de aumento da violência doméstica, o que acabou se aliando ao fato de, assim como qualquer outro estabelecimento, os órgãos do sistema Judiciário, também tiveram seus serviços interrompidos ou reduzidos. Neste período, a liberdade que antes existia, de sair para lugares que faziam parte da rotina das pessoas foi restringida, não havendo possibilidade, à exemplo, da visita à família, comparecimento a igrejas, escolas, serviços de proteção e até mesmo a busca por atendimento junto ao sistema de saúde sofreu impacto, já que houve a priorização dos serviços da saúde para atendimento de casos referentes à Covid-19, justamente pelo alto de risco de contágio e colapso do sistema de saúde. Segundo Marques et al. (2020), a redução do contato da vítima com seu círculo social, amigos e familiares, causa a redução de oportunidades de a mulher criar ou manter uma rede social de apoio, solicitar auxílio ou buscar sair da situação de violência. Essa convivência durante o dia diminuem as chances de que se realize a denúncia com segurança, o que acaba impedindo, muitas vezes, que a vítima tome esta decisão. Outros aspectos que podem agravar as violências é o aumento de estresse do agressor gerado pela situação de medo e incerteza vivenciada durante o período de isolamento, a impossibilidade de convívio social, a possibilidade de redução de renda e o consumo de bebidas alcoólicas, aliado a sobrecarga de trabalho doméstico da mulher, do cuidado com filhos e demais familiares, ocasionam a diminuição de chances de que qualquer conflito com o agressor seja evitado (MARQUES et al., 2020). Evidente que, estes fatores acabaram conduzindo à um 38 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II aumento significativo de violência e neste caso, a vítima, viu os meios de procurar ajuda serem reduzidos, quer pela constante vigilância do agressor, quer pela interrupção ou diminuição dos serviços de proteção. De acordo com a terceira edição da pesquisa “Visível e Invisível” encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021, p. 11), “4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes. Isso significa dizer que a cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus”. A referida pesquisa (2021), também, evidenciou que o tipo mais frequente de violência foi a ofensa verbal, como insultos e xingamentos. Foram 13 milhões de brasileiras (18,6%) que relataram ter experimentado este tipo de violência. Além disso, 5,9 milhões de mulheres (8,5%), afirmaram ter sido vítimas de ameaças de violência física como tapas, empurrões ou chutes. Cerca de 3,7 milhões de mulheres (5,4%) relataram ter sofrido ofensas sexuais ou tentativas forçadas de manter relações sexuais. Sofreram ameaças com faca ou arma de fogo, 2,1 milhões de mulheres (3,1%) e 1,6 milhão (2,4%) de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento. Ainda, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021, p. 12): Em termos gerais, 1 em cada 4 (24,4%) das mulheres brasileiras acima de 16 anos afirmaram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, durante a pandemia de covid-19. Isso significa dizer que, em média, 17 milhões de mulheres sofreram violência baseada em gênero no último ano. Além disso, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021, p. 12), “44,9% das mulheres não fizeram nada em relação à agressão mais grave sofrida.” E, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), apenas entre os dias 1º e 25 de março de 2020, ocorreu um aumento de 18% no número de denúncias registradas pelos serviços do Disque 100 e do Ligue 180 (BRASIL, 2020). 39 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Esse cenário de aumento da violência doméstica durante a pandemia do Coronavírus denota a necessidade de políticas ou ações afirmativas capazes de auxiliar às vítimas, tanto para a sua proteção e erradicação da violência, quanto de alternativas para denunciar o agressor e obter a sua responsabilização judicial. O próximo tópico, porquanto, trata das campanhas de incentivo para a realização da denúncia das violências sofridas pelas mulheres. 3 As campanhas de incentivo para a denúncia da violência contra a mulher A Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no ano de 2006, especificou as diversas formas de violência que a mulher pode ser vítima no ambiente doméstico1, prevendo, também, uma rede de assistência que deve ser oportunizada às vítimas. Porém, assim como ocorre em qualquer outra situação de violência praticada dentro da residência da vítima por pessoa de seu núcleo familiar, tem-se a dificuldade do Estado de tomar conhecimento dos delitos ali cometidos. 1 Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018); III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 40 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II Em contrapartida, a vítima que encontra-se sob a observação do agressor, constantes ameaças, violência psicológica e físicas, além de outras, acaba se encontrando em uma situação delicada, pois, muitas vezes, não consegue sentir-se segura o suficiente para deslocar-se até uma delegacia de polícia e se o faz, não sente segurança de que a denúncia surtirá algum efeito. Não são raros os casos em que a vítima representa na autoridade policial pelo andamento da investigação, mas por importunação do agressor e ameaças, retira as acusações, retornando ao ambiente violento. Há, também, casos em que, mesmo com a medida de proteção vigente, o agressor procura a vítima para agredi-la. Repisa-se que, em muitos destes casos, o agressor por saber que a vítima procurou a polícia para fugir de suas investidas, retorna mais violento. Como já mencionado, a decisão da vítima de procurar a justiça para proteger-se das agressões, muitas vezes encontra empecilhos. Uma destas é a condição psicológica da vítima que, em muitos casos, devido a violência constante, sente-se esgotada, incapaz de livrar-se sozinha do ciclo de violência, com medo de que o agressor cumpra as ameaças. Assim, a criação de métodos tecnológicos e adequados para prestar auxílio torna-se um instrumento importante para que a vítima consiga ter acesso às medidas. Uma campanha do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), denominada Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, traz inovações para que a vítima consiga auxílio, mesmo sob a observação do agressor, em repartições públicas e entidades privadas de todo o País, bastando que chegue ao local e mostre um X vermelho na palma da mão, devendo ser realizadas campanhas informativas e capacitação permanente dos profissionais pertencentes ao programa, a fim de que possa entender o sinal, acionar a Polícia e realizar o encaminhamento da vítima para atendimento especializado. O programa criado como medida de enfrentamento 41 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II da violência doméstica está previsto na Lei nº 14.188/21, que entrou em vigor em 28 de julho de 2021. Além disso, a referida Lei acrescentou ao art. 129 do Código Penal, o § 13º, que traz o seguinte teor: Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. [...] § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos) O Código Penal que já havia sofrido alterações em 31 de março de 2021, por meio da Lei nº 14.132/21 que acrescentou o art. 147-A, o qual prevê o crime de perseguição e revogou a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, também passou a vigorar com a inclusão do delito de violência psicológica contra a mulher trazido pela Lei nº 14.188/21: Violência psicológica contra a mulher Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. Outra modificação trazida pela Lei nº 14.188/21, foi a modificação do artigo 12-C da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha): Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: 42 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II O artigo passou a prever, também, que existindo risco atual ou iminente à vida ou integridade psicológica da mulher ou de seus dependentes, será imediatamente afastado o agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. Anteriormente, o artigo previa apenas a hipótese de risco atual ou iminente à integridade física da vítima. Outra campanha que foi desenvolvida tendo o mesmo objetivo é a campanha da Máscara Roxa, lançada em junho de 2020, na intenção de oportunizar às vítimas de violência doméstica uma forma de denúncia dos agressores. Nesta campanha, que teve início durante o período de pandemia do Covid-19, em que devido a necessidade de isolamento, aumentou o tempo em que vítima e agressor permaneciam juntos em casa, utilizou-se as farmácias como centro para atender as vítimas, já que por ser serviço essencial, puderam permanecer abertas durante o período de isolamento. Neste caso, as farmácias participantes possuem em suas vitrines e portas, um selo escrito “Farmácia Amiga das Mulheres”, para que a vítima as identifique, devendo adentrar o estabelecimento e pedir ao atendente a máscara roxa. Assim como na campanha anteriormente citada, os atendentes devem ser capacitados para o procedimento e garantia da segurança da vítima. Após o pedido, o atendente dirá que o produto está em falta e pegará alguns dados para avisar a vítima do reabastecimento, dados que repassará à Polícia Civil, a partir do aplicativo de mensagens “WhatsApp” para que o órgão tome as medidas necessárias. A campanha adquiriu previsão legal por meio da Lei nº 15.512/202 e perduram seus efeitos enquanto viger o Decreto nº 2 Art. 1º As farmácias e outros estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços que permanecerem em funcionamento, enquanto perdurarem os efeitos do estado de calamidade pública no Estado do Rio Grande do Sul, para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pela Covid-19 (Novo Coronavírus), ficam autorizados a receber denúncias de violência doméstica, encaminhando-as imediatamente para as autoridades competentes adotarem, com urgência, as medidas protetivas necessárias e cabíveis. Art. 2º A denúncia poderá ser realizada de forma presencial, devendo ser encaminhada 43 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II 55.128/20, que declarou estado de calamidade pública no Estado do Rio Grande do Sul, em razão da pandemia causada pelo Covid-19. A lei autoriza que as farmácias e outros estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, durante o período de calamidade pública do Estado do Rio Grande do Sul, recebam denúncias de violência doméstica e as encaminhem as autoridades competentes com urgência. Essas campanhas possibilitam, portanto, que as mulheres vítimas de violência doméstica busquem apoio e proteção do Estado, a fim de cessar a situação de vulnerabilidade em que se encontram junto aos agressores. Com isso, seus direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal (1988), como proteção da vida, integridade física e psíquica, liberdade e autonomia, bem como sua dignidade humana podem ser garantidos. 4 Considerações finais De acordo com a presente pesquisa, verificou-se que foram criadas campanhas que possuem como objetivo, incentivar que as vítimas de violência doméstica realizem a denúncia contra o agressor. Estas campanhas foram elaboradas para oferecer à vítima uma forma alternativa de realizar a denúncia, já que basta mostrar o símbolo do X vermelho ou proferir a frase disfarçada para que a denúncia seja identificada pelo atendente. Duranteo período de pandemia em que, devido ao fechamento ou redução de período laborativo de estabelecimentos e pelo atendente nos estabelecimentos referidos no art. 1.º aos telefones 180 ou 190 ou outro que, eventualmente, venha a ser disponibilizado pelas autoridades, para essa finalidade. Parágrafo único. O atendente anotará os dados da pessoa que faz a denúncia, seu nome, endereço e número de telefone para eventual contato. Art. 3º Quando não for possível haver a menção expressa da denúncia, por motivo de segurança da denunciante, será utilizada a frase de passe “PRECISO DE MÁSCARA ROXA”, para que o atendente preste ajuda. Parágrafo único. Mencionada a frase de passe, o atendente deverá informar à pessoa que o produto não está disponível, mas sendo recebido, requerendo os dados indicados no parágrafo único do art. 2.º, efetuando imediatamente a comunicação às autoridades, pelos telefones 180, 190 ou outro disponibilizado para esse fim. 44 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II repartições públicas, no que se inclui Delegacias de Polícia, Fóruns, Promotorias de Justiça e órgãos que visam acolher as vítimas destas violências, assim como, houve a limitação do trânsito de pessoas e maior permanência da vítima junto ao seu agressor, as campanhas apresentam inovações, uma vez que não exige que a vítima verbalize expressamente a situação de violência, o que permite à ela, denunciar seu agressor, até mesmo na presença dele. Portanto, as campanhas oferecem uma forma de socorrer a vítima que não consegue sair da vigilância do agressor para denunciar a violência de forma presencial nas Delegacias de Polícia ou Brigada Militar. Este estudo teve a intenção de realizar uma discussão prévia sobre as campanhas de incentivo de denúncias de violência doméstica no período de isolamento social, demonstrando, que houve a criação de formas alternativas para que as vítimas denunciassem os fatos, porém, o tema carece de novas pesquisas, para fins de identificar se ambas as campanhas são de conhecimento das vítimas. Sugere-se que pesquisas posteriores, sejam feitas para verificar a ocorrência destas denúncias na prática, assim como existência das capacitações destes profissionais e o procedimento feito para a comunicação à Delegacia de Polícia. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa Brasileira, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set. 2021. BRASIL. Lei nº 11.340/06, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana 45 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 26 set. 2021. BRASIL. Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021. Acrescenta o art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o crime de perseguição; e revoga o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14132.htm. Acesso em: 29 set. 2021. BRASIL. Lei nº 14.188/21, de 28 de julho de 2021. Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm. Acesso em: 26 set. 2021. BRASIL. Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ODNH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Coronavírus: sobe o número de ligações para canal de denúncia de violência doméstica na quarentena, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/ noticias/2020-2/marco/coronavirus-sobe-o-numero-de-ligacoes- para-canal-de-denuncia-de-violencia-domestica-na-quarentena. Acesso em: 28 set. 2021. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA; 46 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II DATAFOLHA, instituto de pesquisas. Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil. 3. ed. Brasil, 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/ relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf. Acesso em: 28 set. 2021. MARQUES, Emanuele Souza et al. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 36, n. 4. Disponível em: https://doi. org/10.1590/0102-311X00074420. Aceso em: 28 set. 2021. RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 55.128, de 19 de março de 2020. Declara estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo Covid-19 (novo Coronavírus), e dá outras providências. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100018.asp?Hid_ IdNorma=66175. Acesso em: 29 set. 2021. RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 15.512/20, de 24 de agosto de 2020. Institui o recebimento de comunicação de violência doméstica e familiar contra a mulher, por intermédio de atendentes em farmácias e outros estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços em funcionamento durante a vigência do estado de calamidade pública no Estado do Rio Grande do Sul, em decorrência da Covid-19 (Novo Coronavírus), e dá outras providências. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/ filerepository/repLegis/arquivos/LEI%2015.512.pdf. Acesso em: 26 set. 2021. Capítulo 3 A DICOTOMIA DAS CONCEPÇÕES (PRÉ) FEMINISTAS DA FILÓSOFA HANNAH ARENDT Raíssa Pedroso Becker de Lima Daiane Caroline Tanski Mariana Figueira Fontoura Sabrina Figueira Vanessa Steigleder Neubauer 1 Considerações iniciais O presente estudo abordará questões pertinentes a teoria de uma das grandes filósofas alemãs Hannan Arentd, nascida em 14 de outubro de 1906, filha de família judaica, que ficou conhecida como a pensadora da liberdade. Vivenciou as grandes transformações do poder político até o século XX. Arendt, estudou a formação dos regimes autoritários, totalitários, determinados nesse período como o nazismo e o comunismo. Ainda, defendeu também os direitos individuais e da família contra as sociedades de massas. As principais obras de Arendt são: “As origens do Totalitarismo”, “Eichmann em Jerusalém”, “Entre o Passado e o Futuro” e “A condição Humana”. Também, propagou a ideia acerca da expressão de natalidade, relacionando-a aos conceitos de liberdade e igualdade, trazendo à tona que todos os sujeitos tinham aptidão de ação sem distinções. Apesar disso, também foi criticada severamente pelas feministas Adrienne Rich e Mary O’Brien em razão de ter deixado de questionar a dicotomia público-privado, conformetratando-as de maneira exclusiva e estereotipada, fato o qual fez com que fosse chamada de “antifeminista” e “pré-feminista”. A partir dessas perspectivas, o objetivo da pesquisa é analisar 48 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II a teoria de Hannah Arendt, bem como a dicotomia das concepções(pré) feministas da filósofa Hannah Arendt, com intuito de demostrar que mesmo diante a crítica que se estendeu a sua filosofia, ela hermeneuticamente possuía uma preocupação com os aspectos que tangem a liberdade e igualdade de direito. A pesquisa se justifica pela crítica gerada em face das ideias propagadas pela autora e sua importância para a construção de concepções feministas. Para alcançar esse desígnio, realizar-se-á um estudo qualitativo, de caráter explicativo, com método dedutivo, e metodologia bibliográfica e documental. Ainda, salienta-se que o propósito não é se voltar a crítica a filósofa propriamente dita, mas sim demostrar os aspectos feministas em sua filosofia. O problema de pesquisa é: como as concepções opostas e ao mesmo tempo contributivas de Hannah Arendt auxiliaram na construção do movimento feminista na sociedade atual, a partir do direito à igualdade e liberdade? As obras de Hannah Arendt, são fundamentais para compreender e refletir sobre a sociedade atualmente, e provavelmente os conceitos trazidos pela filósofa constituíram algumas das discussões dos movimentos feministas, como à liberdade e igualdade de agir diante da sociedade. 2 Desenvolvimento Hannah Arendt foi uma filósofa alemã e teórica política contemporânea, de origem judia experienciou as vivencias negativas da perseguição nazista. Conforme Oliveira (2014), nos últimos tempos não param de aparecer novos títulos reunindo material inédito ou publicado em veículos de circulação limitada durante a vida da autora. Oliveira (2014, p. 17) ressalta: Depois da publicação de Origens do totalitarismo passaram-se sete anos até o aparecimento do seu livro seguinte “A condição humana”, publicado em 1958. Mas ela não permaneceu inativa durante o longo intervalo. O livro sobre o totalitarismo, apesar da admiração que provocou, também recebeu severas críticas; entre elas a de que considerar o comunismo e o nazismo como 49 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II variantes de um mesmo fenômeno totalitário era abusivo, no limite uma contribuição de uma autora “americana” à Guerra Fria. Uma das maiores acusações que Arendt endereça aos regimes totalitários é a de que eles procuram fabricar algo que não existe, isto é, um tipo de espécie humana que se assemelhe a outras espécies animais, e cuja única ‘liberdade’ consista em ‘preservar a espécie (OLIVEIRA, 2014). A obra de Hannah Arendt desenvolve uma espécie de reconstrução dos direitos humanos, segundo Lafer (1941) não leva a um sistema, pois permite, no entanto, identificar problemas que são importantes e se tornaram relevantes em virtude da ruptura totalitária. Conforme Lafer (1988, p. 18): A ruptura surge, provocando o hiato de que fala Hannah Arendt, e levando ao desconcerto epistemológico, quando a lógica do razoável que permeia o paradigma da Filosofia do Direito não consegue dar conta da não-razoabilidade que caracteriza uma experiência como a totalitária. Esta, convém frisar, não foi fruto de uma ameaça extrerna mas, ao contrário, foi gerada no bojo da própria modernidade e como desdobramento inesperado e não-razoável de seus valores. [...] A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo, de que os seres humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à ideia do valor da pessoa humana enquanto “valor-fonte” de todos os valores políticos, sociais e econômicos e, destarte, o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no âmbito do paradigma do Direito Natural, seja no da Filosofia do Direito. Daí a necessidade de precisar como ocorreu especificamente esta ruptura no plano jurídico e quais são algumas das respostas possíveis a esta situação. Assim, no jusnaturalismo moderno, foi sendo elaborada a ideia de direitos inatos, tidos como uma verdade evidente, que seriam a medida da comunidade política, mas que dela independeriam. A Declarações de Direitos Humanos, nas constituições, tinha como objetivo conferir segurança aos direitos nelas contemplados, para tornar aceitável pela sociedade a variabilidade do Direito Positivo, requerida pelas necessidades da gestão do mundo moderno 50 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II (LAFER, 1988). A reconstrução do tema dos direitos humanos elaborada com base em desenvolvimentos ou sugestões contidas na obra de Hannah Arendt permite identificar problemas que são importantes e se tornaram relevantes em virtude da ruptura totalitária (LAFER, 1988). Diante das obras de Hannah, principalmente da intitulada “A condição Humana”, questionou-se se suas teses relacionadas a esferas pública e privada eram ideias opostas à luta feminista (ASSIS, 2006). No entanto, após a autora trazer em sua obra a conceituação do termo natalidade como inerente à vida e à capacidade de todos os seres humanos, enfatizou-se a concepção de que a condição da natalidade estaria interligada à ação, logo todos os sujeitos possuem aptidão para serem integrantes ativos da política, e com isso as mulheres também são incluídas como indivíduos de direitos, e não somente integrantes da esfera privada e excluídas da sociedade (ASSIS, 2006). Destaca-se que ao Arendt se referir acerca da expressão natalidade trouxe diversas conceituações, como nascimento, ou seja, uma oportunidade do sujeito ao vir ao mundo dar início a algo novo, mas, da mesma forma menciona que esse termo seria inerente à ação –possibilidade de cada indivíduo de iniciar algo novo. Com isso, seria demonstrada a singularidade dos seres humanos, mediante sua inserção no mundo (ARENDT, 1991). De acordo com Hannah Arendt essa capacidade de agir seria o próprio conceito de liberdade: “Com a criação do homem, veio ao mundo o próprio preceito de início; e isto, naturalmente, é apenas outra maneira de dizer que o preceito de liberdade foi criado ao mesmo tempo, e não antes, que o homem” (ARENDT, 1991, p. 190). Assim, a condição humana de natalidade atribui a competência de realizar escolhas, de consentir, ou discordar com o estado das coisas. Portanto, esse fato influência diretamente no direito de igualdade dos sujeitos atribuindo-se esse direito não 51 Feminismos, Gênero e Desigualdades - Volume II somente aos homens no âmbito da esfera pública, mas conferindo tal garantia as mulheres (BRUNKHORST, 2001). Além disso, a definição de natalidade assegura o direito de poder dizer não a tradições e hierarquias, as quais julgam e oprimem mulheres, podendo dar início a uma sociedade com ações inclusivas e respeito, imprescindíveis para ruptura da subordinação das mulheres e das condições de desigualdade presentes ainda hoje. Desta forma, verifica-se que as ideias da filósofa realmente conduziram para uma perspectiva de igualdade e liberdade. No entanto, importante mencionar aspectos críticos diante da concepção arendtiana. Na perspectiva crítica feminista Hannah deixou de questionar exclusões na dicotomia público-privado, e sem essas indagações replicou estereótipos referentes as esferas como sendo o público relacionada ao sexo masculino – cultura, razão, necessidades, e aos sentimentos. Nesse sentido, a filósofa não teria incitado a luta pela igualdade das mulheres, uma vez que esta iniciou com o confronto a herança de atribuir gênero à fronteira público e privado (MARTINS, 2005). Ademais, outros críticos dizem que Hannah Arendt seria uma pré-feminista, ou antifeminista, citando que, de acordo com sua biógrafa Elisabeth Young-Bruehl, Arendt “tinha suspeita de mulheres ‘que davam ordens’, cética sobre se as mulheres deviam ou não ser líderes políticas, e firmemente opositora das dimensões sociais da emancipação das mulheres [Women’s Liberation]” (Young-Bruehl apud BENHABIB, 1993). Contudo, ressalta-se que algumas feministas utilizam e reinterpretam as ideias arendtianas de política, visto que ela trouxe conceitos que melhor atendem e se aproximam aos anseios e projetos feministas,
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