Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O ELOGIO A DOMICIANO NOS VERSOS DE ESTÁCIO (ACHIL. I. 1-19; SILV. I. 1.66-107) Irlan de Sousa Cotrim Mestrando em História (Capes/DS) Universidade Federal do Espírito Santo irlancotrim@gmail.com Marihá Barbosa e Castro Doutora em Letras Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo marihacastro@gmail.com RESUMO: Nosso propósito foi o de analisar a primeira silva de Estácio, em que o poeta descreve a estátua equestre de Domiciano, e o de estabelecer uma comparação deste com o que está presente em outra obra do mesmo autor, a Aquileida. Para tanto, utilizamos os pressupostos da retórica aristotélica no que diz respeito ao terceiro gênero discursivo a que o poeta poderia se dedicar, o epidítico. Em nosso entendimento, tanto na silva I.1 quanto nos dezenove primeiros versos da Aquileida, Estácio não somente Domiciano a Júlio César e Alexandre, o Grande, mas seus versos o elevam a um grau de superação daqueles modelos de comportamento (exempla) no campo das artes e em matéria militar, respectivamente. Na silva I.1, Domiciano supera César e Alexandre, o Grande, ao passo que na Aquileida ele supera Aquiles. Por meio da análise de conteúdo, estabelecemos cinco categorias analíticas para nosso corpus documental, a saber: a que personagem se refere, seus atributos físicos, seus atributos militares, seus atributos religiosos e o espaço em que a narrativa se passa. PALAVRAS-CHAVE: Elogio. Domiciano. Estácio. ABSTRACT: In this article we analyse Statius’ Silva 1.1, in which the poet describes the equestrian statue of Domitian, and that of establishing a comparison with what is present in another work by the same author, the Achilleid. We use the assumptions of Aristotelian rhetoric with regard to the third discursive genre to which the poet could dedicate himself, the epiditic. We argue both in Statius’ Silva 1.1 and in the Achilleid I. 1-19, the poet not only equates Domitian with Julius Caesar and Alexander the Great, but his verses elevate him to a degree of overcoming those models of behavior (exempla) in the field of the arts and in military matters, respectively. In Silva 1.1, Domitian overcomes Caesar and Alexander the Great, while in Statius’ Achilleid he overcomes Achilles. We established five analytical categories for our corpus, namely: mailto:irlancotrim@gmail.com to which character he refers, his physical attributes, his military attributes, his religious attributes and the space in which the narrative takes place. KEY-WORDS: Praise. Domitian. Statius. Públio Papínio Estácio (40-95), nascido em Nápoles, viveu durante a dinastia flaviana, segunda dinastia que governou o Império Romano1 (69-96). Após a morte de seu pai, Estácio se mudou para Roma, onde permaneceu até 96, quando retornou a Nápoles e faleceu. Observamos que a poesia estaciana buscou elogiar o último imperador da dinastia flaviana por conta das relações entre cliente e patrono que se configuraram sob Domiciano. Como buscamos defender ao longo do texto, tanto na silva 1.1 quanto no proêmio da Aquileida (Achil. I. 1-19), Estácio não somente equipara seu patrono Domiciano a figuras como Júlio César e Alexandre, o Grande, mas seus versos elevam o imperador a um grau de superação daqueles modelos de comportamento (exempla) no campo das artes e em matéria militar, respectivamente. Na silva 1.1, Domiciano supera César e Alexandre, ao passo que na Aquileida ele supera Aquiles. Por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2004), estabelecemos cinco categorias analíticas para nosso corpus documental, a saber: a que personagem se refere, seus atributos físicos, seus atributos militares, seus atributos religiosos e o espaço em que a narrativa se passa2. Além disso, decodificamos essas informações à luz de alguns conceitos como os de representação3 (CHARTIER, 1991; ANKERSMIT, 2012, p. 195) e o de teatralização do poder (BALANDIER, 1982). 1 Vespasiano (69-79), Tito (79-81) e Domiciano (81-96). Todas as datas são d.C., salvo quando expresso o contrário. 2 O método utilizado foi a análise categorial proposta por Laurence Bardin (2004) como aparato de leitura e codificação de informações contidas no corpus. A análise de conteúdo pode ser dividida em três fases. A pré-análise, que se trata de uma leitura inicial do documento e compreende três missões, a saber, a escolha das fontes, a formulação das hipóteses e, por último, a elaboração de subsídios para a confecção de uma interpretação final. A segunda fase é a exploração do material, na qual o pesquisador codifica os dados que a fonte oferece em função de diretrizes teóricas previamente formuladas conforme os objetivos. Por fim, a terceira fase consiste no tratamento dos resultados obtidos que gerarão a interpretação do pesquisador, que enfim estará apto a propor inferências (BARDIN, 2004, p. 95). 3 Há pelo menos duas acepções da palavra “representação” que Roger Chartier nos apresenta. A primeira trata-se da representação enquanto a apresentação daquilo que é ausente. Trata-se de se fazer enxergar aquilo que se encontra ausente, “o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é representado” (CHARTIER, 1991, p. 184). Por outro lado, o conceito abrange a apresentação de personalidades ou de coisas ao público. Entretanto, essas representações não são produzidas em outro ambiente senão aquele em que diferentes concepções, contraditórias entre si, se confrontam. Nesses confrontos os “indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o deles” (CHARTIER, 1991, p. 177). A convergência dos conceitos de representação (CHARTIER, 1990; ANKERSMIT, 2012) e de teatrocracia (BALANDIER, 1982) conflui para o sistema de representações políticas proposta por Pierre Bourdieu, que conceitua o poder simbólico como o conjunto de sistemas simbólicos – arte, religião, monumentos – cuja finalidade é o consenso social de uma determinada visão de ser e estar no mundo4. Essas visões de mundo nem sempre são harmônicas e culminam em embates sociais em que determinadas definições do mundo social entram em choque. O poder simbólico, ressalta o autor, permite àqueles que lançam mão dessas ferramentas discursivas a obtenção do “equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica)”, o que legitima determinada ordem ou visão de mundo (BOURDIEU, 1989, p. 14-15). A partir desse arcabouço teórico e conceitual passamos à análise de nosso corpus. O elogio a Domiciano na Silva I. 1. 66-107 Para Aristóteles (Rh. 1366b), os componentes da virtude são a justiça, a coragem, o auto comedimento, a magnificência, a magnanimidade, a liberalidade, a mansidão e a sabedoria nas ações. As virtudes deveriam servir aos outros, na condição de ser a faculdade de concessão de benefícios à comunidade. O ápice da virtude era a promoção Numa representação histórica, a representação e a referência estão interligadas. A representação, portanto, se caracteriza como um conceito dotado de três lugares. Há um passado a ser representado, a representação deste e, por fim, a apresentação de aspectos daquele passado representado na representação. A escrita histórica, portanto, teria correspondência ou paralelo com a metáfora, porque esta nos convida a enxergar um sujeito ou alguma coisa do real em termos de determinadas características. Ankersmit (2012, p. 184), portanto, cunha a noção de metáfora histórica a partir da qual o historiador convida seus leitores a compreender o fenômeno histórico conforme determinado prisma. O autor conclui que toda representação é uma representação como, ou seja, A como B. A representação teria em comum com a metáfora, portanto, o fato de ambasexigirem que o receptor tenha determinada atitude com relação aos sujeitos representados (ANKERSMIT, 2012, p. 195). Todo sistema de poder é propenso à produção de efeitos, os quais “se comparam às ilusões criadas pelas ilusões do teatro” (BALANDIER, 1982, p. 6). Nesse sentido, o princeps precisa lançar mão de uma série de dispositivos místicos, culturais ou religiosos para legitimar seu Principado, porque a aceitação de sua pessoa é produto, em grande medida, das ilusões da ótica social. Além dos atributos que se formam na pessoa do princeps, a territorialidade, a espacialidade e os monumentos também guardam significados. Para a perpetuação de determinadas memórias sobre um regime ou um governante, a edificação de espaços públicos se soma às estratégias de propaganda política e, consequentemente contribui para a teatralização do poder (BALANDIER, 1982, p. 10). 4A partir disto, consideramos o termo propaganda em seu sentido latino de propagare e propagatio. Utilizamos a definição do Oxford Latin Dictionary, em que propagatio corresponde à noção de transmissão de alguma mensagem às gerações futuras, de prorrogação. A definição de propagare abrange a propagação de determinada crença, valores ou tradição à posteridade (Oxford Latin Dictionary, 1968; SILVA, 2014, p.58). do bem-estar de todos aqueles que estavam ao redor do indivíduo, a sua comunidade. Além disso, Aristóteles chamou atenção para a importância de o orador se atentar a que audiência proferiria o seu elogio, pois é preciso compreender antes o que era caro ao seu público em particular. Tudo aquilo que fosse nobre poderia ser atrelado aos antepassados do elogiado, bem como a seus próprios feitos pretéritos. O louvor se baseava em ações e aquele que observava os preceitos morais era considerado digno. O elogio, portanto, se apresentava como uma linguagem que estabelecia a grandeza das ações virtuosas. O encômio abordava as realizações, as circunstâncias pelas quais aquelas foram propiciadas, como um nascimento cuja linhagem é nobre, ou poderia se referir a uma educação esmerada. Mesmo um indivíduo que não alcançou alguma realização poderia ser elogiado se se percebia que aquele poderia ter conseguido. Além disso, elogios e conselhos possuíam um aspecto em comum porque aquilo que se pretendia sugerir na forma de um aconselhamento, poderia, simplesmente, vir à tona na forma de um encomium. Assim, o orador, caso desejasse elogiar, precisaria antes reconhecer algo para sugerir, ao passo que, quando desejasse sugerir, aquele que elogia deveria atentar-se ao que se poderia elogiar (Arist. Rh. 1368a). Meios de amplificação deveriam ser empregados, por exemplo, para enfatizar o que o elogiado alcançou em termos de realizações ou de forma solitária, ou com o auxílio de poucos ou em primeiro porque isso convertia a ação praticada em causa nobre. Se o indivíduo fosse bem sucedido numa matéria repetidas vezes, essa proeza também era considerada nobre porque seria vista como uma ação fruto do desempenho do elogiado e não obra da fortuna. Caso o sujeito não fornecesse matéria, o orador poderia compará- lo a outros indivíduos, mas esses deveriam ser personagens ilustres porque ofereceriam mote para a amplificação. A amplificação, portanto, era uma das formas de louvor porque consistia na superioridade a partir dos atos de nobreza. Se o orador não dispusesse de personagens ilustres, deveria comparar seu elogiado a pessoas comuns para enfatizar sua superioridade em relação a elas (Arist. Rh. 1368a). No mundo romano, o elogio fez parte das relações de patronato e foi corporificado em obras poéticas como as de Estácio. O patronato foi considerado como um conjunto de relações que organizavam a dinâmica das elites políticas romanas do primeiro século. Dessa forma, durante o Principado o poder do imperador rivalizava em grau de importância com a distribuição de benesses pela domus caesaris. Esses beneficia seriam disputados pelas elites senatorial e equestre por meio das redes de relação de patronato e clientelismo que permitiam a manutenção do prestígio da pessoa do imperador em todas as partes do Império Romano5. Para Saller (1989, p. 59-66), a burocracia imperial não teria significado uma drástica mudança na lógica do patronato que existia desde os tempos republicanos. Cabia ao imperador a responsabilidade de delegar cargos públicos e essa escolha não era regida sob parâmetros fixos. O patronato era, portanto, um caminho pelo qual algum indivíduo que pretendesse alcançar alguma magistratura precisaria percorrer. Para ter acesso ao imperador, porém, os indivíduos deveriam estabelecer relações recíprocas com pessoas que eram próximas a ele. Temos aqui o conceito de amici caesaris, grupo composto por senadores, equestres e membros da corte (JOLY, 2007, p. 9). Esses amici poderiam ser divididos em, pelo menos, dois grupos: os amici de alto status social, que eram um grupo composto por senadores e cavaleiros, e os amici de baixo status social que, por sua vez, seria dividido em três subgrupos. Em primeiro lugar, há o subgrupo dos literatos e dos oradores, que por conta de suas habilidades com as práticas letradas teriam acesso à corte e, portanto, estavam próximos do imperador. Em segundo lugar, os professores e os médicos do monarca. Por fim, o subgrupo das mulheres e dos libertos imperiais, que possuíram grande importância, por exemplo, durante o governo de Nero (SALLER, 1989, p. 66; BELCHIOR, 2012, p. 89). Tal visão tradicionalista do patronato foi criticada e matizada por pesquisadores brasileiros. Ele [Saller] divide os agentes ora de acordo com as posições oficiais que possuem no governo, ora de acordo com o grau de proximidade que mantêm com o imperador. Nota-se que, em sua análise, acaba por predominar o primeiro critério, pois é este que define quem é de alto ou de baixo status. Assim os libertos são inferiores aos senadores, mas por outro lado, pelo segundo critério (proximidade com o imperador) um liberto imperial poderia estar situado na mesma posição que um influente senador. Ao descartar este dado, cujas próprias evidências documentais citadas apoiam, Saller passa a 5 De fato, a corte imperial se configurava como um locus no qual se daria a integração entre o princeps e as aristocracias, e essa integração era o que fornecia um modelo de organização de outras casas da nobreza romana (JOLY, 2007, p. 7). imagem de que as relações de patronato restringem-se à elite aristocrática, estando o restante da sociedade alheia a tal fenômeno (JOLY, 2007, p. 9). O papel dos atores sociais cujo estatuto era baixo, bem como a importância da atuação destes na dinâmica do poder no Império já foi matéria de reflexão de historiadores (FAVERSANI, 2003, p. 39-40; BELCHIOR, 2012, p. 89-140). Na visão de Joly (2007, p. 9), portanto, a concepção de Saller (1989, p. 66) transmite a imagem de uma aristocracia fechada em si própria, cujas relações sociais de poder somente são exercidas dentro daquele grupo, não havendo intercâmbio com outros grupos. No fim do século XX, no entanto, Wallace-Hadrill (1996, p. 291-305) defendeu que o princeps teria estabelecido um grupo formado por libertos imperiais para que exercessem a função de mediadores entre o monarca e os sujeitos interessados em beneficia. A domus caesaris ou a casa imperial situava-se, portanto, no centro de uma intrincada rede de outras casas que orbitavam ao seu redor. Nesse sentido, a casa imperial conseguia manter todas as demais casas sob a sua custódia, o que constituía centros de influência que atingiam todo o Império. No limite, cada casa aristocrática representava uma pequena corte imperial reprodutora da lógica imperial (WALLACE-HADRILL, 1996, p. 295). Por meio da lógica das relações sociais do patronato, podemos perceber que Estácioestava diretamente relacionado a Domiciano na condição de cliente da domus imperial. O patronato constituía-se como uma complexa rede de relações interpessoais na Roma Antiga, à qual os poetas estavam submetidos por meio de sua ars. Nessas complexas redes de relações, havia uma dependência de natureza econômica, política e social entre poetas e patronos. No limite, podemos conceituar o patronato como redes de complexas relações assimétricas dentro das quais deveria haver reciprocidade entre os atores sociais envolvidos. Os patronos detinham a posse de recursos financeiros e políticos. Os clientes estavam em busca de apoio, proteção, bens ou serviços. Nessa condição, Estácio empreendeu encômios à persona imperial de seu patrono, o imperador Domiciano, em suas obras poéticas. Esses elogios, que aparecem no corpus poético de Estácio direcionados a Domiciano, devem, portanto, ser lidos como respostas à essa lógica do patronato, da qual o poeta e sua ars fizeram parte6 (LEITE, 2003, p. 20-21; ROSATI, 2002, p. 244; BAPTISTA; LEITE, 2019, p. 128). O elogio deveria propagar uma imagem virtuosa da pessoa do imperador e, para isso, alguns aspectos deveriam ser amplificados. O caminho trilhado por Estácio, portanto, não poderia ser outro que não o da retórica epidítica. As Silvas, de Estácio, são um conjunto de poemas diversos do que havia sido produzido até então no mundo romano. Nesse texto, que desafiou as classificações de gênero, notamos a recuperação de uma tradição poética panegírica grega, motivo que nos levou a recorrer ao tratado aristotélico. Estácio, nas Silvas, destacou de modo experimental e variado diversos momentos, feitos, posses e qualidades de seus patronos, entre os quais está incluso o princeps Domiciano. A descrição do Equus Maximus Domitiani Imp. e a sua comparação com os outros monumentos que estão dispostos nos arredores fornecem o material necessário ao poeta para elogiar as virtudes e os feitos de Domiciano. Analisamos, pois, os seguintes versos7: O próprio guardião do local – cujo o abismo sagrado e o nome memorável do famoso tanque conservam– ao sentir os inúmeros ruídos do bronze e o Fórum ressoar sob o golpe severo, move a espantada face do lugar sagrado e a cabeça venerável pela merecida coroa de carvalho. A princípio, apavorou-se com o aspecto imenso e o esplendor brilhante do maior cavalo, trepidante três vezes afundou no tanque seu nobre pescoço; e tendo visto o que governa, logo, se alegrou (Stat. Silv. I. 1. 66-76). A partir do verso 66, o poeta, sem nomeá-lo diretamente, coloca em cena um personagem da tradição latina ao referir-se ao Lago Cúrcio, construído em homenagem 6 Agradecemos as ponderações feitas por Fábio Faversani durante o Simpósio Temático de História Antiga e Medieval deste evento. Ressaltamos que não compreendemos as relações de patronato sob a lógica da obrigação servil, mas a de que ao reconhecer os valores do elogiado, que neste caso é Domiciano, o poeta Estácio também constrói seu ethos discursivo. Tal ethos não é outro senão o de poeta douto nas tradições das práticas letradas romanas, nas histórias mitológicas e históricas da Urbs e nas virtudes tais como propagadas por Aristóteles e ecoadas em outros tratados retóricos latinos como no de Quintiliano. O conceito de ethos pode ser entendido como a construção junto da audiência, por meio do discurso do orador, de representações deste. O ethos representa um discurso no qual o conjunto de comportamentos socialmente subscritos podem ser reconhecidos (MAINGUENEAU, 2009, p. 271). Entendemos, portanto, que Estácio, ao elogiar Domiciano, o faz também para construir seu ethos discursivo. 7 Tradução de Natan Henrique Taveira Baptista (2020, no prelo). ipse loci custos, cuius sacrata vorago famosiquelacus nomen memorabile servant,innumerosaerissonitus et verbere crudoutsensitmugireForum, movethorridasanctoora situ meritaque caput venerabilequercu. ac primum ingentes habituslucemquecoruscamexpavitmaiorisequiterquearduamersitcollalacutrepidans; laetus mox praeside viso. ao herói republicano Quinto Cúrcio8 para celebrar sua coragem, abnegação e sacrifício. Ao evocar o Lago Cúrcio, Estácio coloca em cena a própria voz de Cúrcio, referido como guardião daquele monumento (loci custos v. 66). É ele próprio, um exemplo de virtude e heroísmo, quem se assombra com o brilho e a enormidade da estátua equestre de Domiciano, conforme Estácio. Temos uma representação proveniente do testemunho monetário da estátua a que Estácio se refere no poema: Fig. 01 – Sestércio em cobre cunhado em Roma entre 95 e 96 sob autoridade de Domiciano. Anverso: o busto de Domiciano laureado e voltado para a direita. Inscrições: IMP[erator] CAES[ar] DOMIT[ianvs] AVG[vstvs] GERM[anicvs] COS XVII CENS[or] PER[erpetvvs] P[ater] P[atriae], “Imperador César Domiciano Augusto Germânico, Cônsul pela 17ª vez, Censor Perpértuo e Pai da Pátria”. Reverso: estátua equestre de Domiciano inaugurada em 91. Abaixo a inscrição SC ou Senatus Consultum que revela que a produção da moeda foi autorizada por meio de uma consulta ao Senado. Domiciano está montado no cavalo com sua mão direita erguida para frente. RIC. 1021.5. A posição da estátua é relatada por Estácio na Silva I.1: o monumento estaria situado em frente ao Fórum de César, que foi muito danificado pelo incêndio de 80 e depois restaurado por Domiciano, tendo a estátua equestre de Júlio César9 recebido considerável atenção (TUCK, 2016, p. 117; Stat. Silv. I. 1. 32-36). A pata dianteira do cavalo da estátua de Domiciano está sobre a cabeça de um cativo que representa o rio Reno subjugado (Stat. Silv. I. 1. 50-51). Na mão esquerda do imperador, jaz uma miniatura da deusa Minerva; sobre os seus ombros pairava um manto militar ou paludamentum, enquanto na sua cintura repousava uma espada (Stat. Silv. I. 1. 37-40). 8 Lóio (2012, p. 168) indica que “era necessário sacrificar ‘a maior força do povo romano’ para apaziguar os deuses. Cúrcio entendeu que a expressão se referia ao valor dos guerreiros romanos; montado no seu cavalo, atira-se ao pântano, que se fecha à sua entrada, indicando a aceitação do sacrifício”. O Lago Cúrcio, portanto, corresponde, para os romanos, ao local em que o ato heróico foi consumado séculos antes da construção da estátua equestre de Domiciano. 9 A estátua equestre de Júlio César foi erigida no Fórum Iulium, próximo ao Templo de Vênus Genetrix (Plin. NH. 8.155; Suet. Iul. 61). Estácio é enfático quando relata que aquela estátua deveria ser perene e ficaria de pé enquanto a terra e o céu permanecessem invictos, e enquanto o sol de Roma durasse (Stat. Silv. I. 1. 99-105). O poema é concluído com a menção de que o monumento era um presente da população romana com o respaldo do Senado (Stat. Silv. I. 1. 106-107). Ao longo da Silva I.1, Cúrcio ganha espaço de fala e constata a superioridade de Domiciano em relação a si mesmo, pois enquanto ele apenas uma vez pôde salvar, por meio de suas ações, o povo romano, Domiciano o faria diversas vezes: o exemplo dado são as vitórias sobre os povos germânicos que motivaram a construção da estátua equestre. Mas, se Domiciano estivesse em seu lugar, conclui a voz de Cúrcio, teria se submetido aos mesmos sacrifícios e igualmente perecido no abismo. Assim, Domiciano não apenas o iguala como o supera. Estácio evoca, ainda, a estátua equestre do Fórum de César, cujo corpo, que antes fora de Alexandre, o Grande, sustentava, então, a cabeça de Júlio César, prática comum entre os romanos. O cavalo representado, portanto, era originalmente Bucéfalo, famoso corcel que pertencera a Alexandre. Estácio conclui novamente pela superioridade de Domiciano: “Quem poderia ser tão inculto que, ao ver ambos, não diria que os cavalos diferemtanto quanto seus cavaleiros?”. Ao marcar que tanto o cavalo como o cavaleiro de uma estátua não podem ser igualados aos da outra, o poeta põe em destaque não só a superioridade de Domiciano em relação a César, mas também a Alexandre, o Grande. Em uma sequência em que a referência a Ode 3.30 de Horácio se faz sentir, Estácio afirma que o monumento dedicado a Domiciano não será maculado nem pelas chuvas, pelos ventos ou pelos incêndios, pois durará, tal qual a fama do imperador, enquanto durar a era romana. A materialidade com que Horácio evoca a sua própria obra poética na Ode 3.30 torna a aproximação feita por Estácio ainda mais chamativa. Tendo em vista que Horácio caracteriza a sua própria obra poética como um monumento mais duradouro do que as pirâmides ou o bronze, evocá-lo no contexto de elogio a Domiciano nos leva a pensar que Estácio indica que a estátua equestre será duradoura justamente porque está representada em sua poesia. Não podemos deixar de notar a ironia tecida pelo tempo de que a estátua de Domiciano tenha sobrevivido através dos versos de Estácio, mas não materialmente. Concluímos, portanto, que para além da exaltação da figura de Domiciano em relação aos seus antecessores históricos – Júlio César e Alexandre –, a Silva 1.1 se coloca como um meio de eternizar a memória de Domiciano e suas virtudes, representadas concretamente pela estátua equestre. Enquanto Horácio materializa o abstrato – transformando metaforicamente a poesia em monumento –, Estácio transforma o concreto em abstrato ao utilizar a estátua equestre como um indício material das virtudes e grandeza do princeps. O elogio a Domiciano no proêmio da Aquileida A Aquileida é uma épica incompleta escrita por Estácio quando do seu regresso a Nápoles, sua cidade natal10. Abaixo, reproduzimos os dezenove primeiros versos do poema, que correspondem ao seu proêmio11: Conta, deusa, o magnânimo eácida [Aquiles] e a formidável raça, pelo Tonante, proibida de subir ao pátrio céu. Embora as ações do varão sejam muito famosas pelo canto meônio, mais ainda, porém, estão faltando: percorrermos toda a vida do herói ― assim é nosso desejo ― e narrarmos com trombeta [5] Duliquiaque ele em Ciros se ocultou em véus, e não pararmos em Heitor arrastado, mas despojarmos de Tróia inteira a juventude. Se nós terminamos o velho mito com digno fôlego, em medida adequada, tu, Apolo, conceda novas fontes a mim e amarre os cabelos com a segunda coroa: pois, de fato, nem chego estranho ao bosque aônio, [10] nem a glória 10 A obra conta a história do guerreiro grego Aquiles desde sua infância na ilha de Ciros (ilha grega de Cíclades, situada no mar Egeu, sudoeste de Atenas) até sua incursão à Guerra de Troia, como conhecido na epopeia homérica, a Ilíada. Porém, com a morte de Estácio, o texto nos foi legado com apenas dois livros. O enredo começa com Tétis que, após presságios sobre o destino de Aquiles na Guerra de Troia e temerosa pela morte do jovem, decide partir para a ilha de Ciros levando consigo o seu filho. Na ilha, Tétis resolve vesti-lo como donzela e o apresenta como sua filha, suposta irmã de Aquiles. Durante sua estadia, Aquiles se apaixona pela princesa Deidamia, filha do rei da ilha Licomedes. Aquiles violenta a princesa que logo após engravida. Diomedes e Ulisses são avisados pelo adivinho Calcas da farsa montada por Tétis e partem rumo a Ciros. Ulisses presenteia as filhas de Licomedes com artigos considerados femininos e no meio destes, esconde uma armadura, que agrada Aquiles. Com o fim do embuste, Aquiles parte no livro segundo juntamente com Diomedes e Ulisses rumo à guerra. A obra é interrompida neste exato ponto. 11 Tradução de Leni Ribeiro Leite (2019). MagnanimumAeacidenformidatamqueTonanti/progeniem et patriovetitamsuccederecaelo,/diva, refer. quamquam acta virimultuminclitacantu/ Maeonio (sedpluravacant), nos ire per omnem ―/ sic amor est ― heroavelisScyroquelatentem/ Dulichiaproferre tuba nec in Hectoretracto/ sistere, sedtotaiuvenemdeducereTróia./ tu modo, si veterem dignodeplevimushaustu,/ da fontes mihi, Phoebe, novos ac fronde secunda/ necte comas: nequeenimAoniumnemusadvena pulso/ necmea nunc primisaugescunttemporavittis./ scitDircaeusagermequeinter prisca parentum/ nomina cumque suo numerantAmphioneThebae./ At tu, quem longe primum stupetItalavirtus/ Graiaque, cuigeminaeflorentvatumqueducumque/ certatimlaurus ― olimdolet altera vinci ―,/ da veniam ac trepidumpatere hoc sudareparumper/ pulvere: te longo necdumfidenteparatu/ molimurmagnusquetibipraeluditAchilles. das minhas têmporas agora aumenta com a primeira coroa. A terra de Dirce conhece-me e Tebas me enumera entre os veneráveis nomes dos antepassados e com seu Anfião. Mas tu, [Domiciano], a quem primeiro as virtudes gregas e itálicas invejam há muito, em quem os gêmeos louros dos poetas e dos chefes florescem rivais ― já há tempos os primeiros sofreram o abandono ― dá vênia e permite a este temente trabalhar nestepó por um tempo: é o treino para teu tema, preparo longo e ainda não confiante. O grande Aquiles será teu prelúdio (Stat. Achil. I. 1-19). Na abertura da Aquileida, Estácio descreveu que Júpiter buscou impedir que seu neto Aquiles ascendesse ao Olimpo. Domiciano seria explicitamente equiparado a Aquiles neste símile. A alegoria jupiteriana significaria o fato de que Vespasiano, no passado, teria escolhido Tito e preterido Domiciano como seu sucessor no trono imperial, o que tornaria inviável a deificação do filho mais novo. Na visão de Konstan (2016, p. 380), a Aquileida constituiu-se como um texto subversivo dentro de um regime monárquico no qual as críticas deveriam ser feitas de forma cautelosa para evitar-se represálias por parte do imperador. Estácio teria utilizado de sua erudição em termos mitológicos para ocultar o detalhe da crítica a Domiciano. A história do embuste acerca da identidade de gênero de Aquiles pode ser vista por um viés político se a leitura considerar o enredo como uma referência negativa à juventude de Domiciano, como propagada por Suetônio (Dom. 1), mas Konstan (2016, p. 379) compreendeu que não há explicitamente nenhum ponto de comparação entre a história do mito e do homem. Aquiles, por sua vez, ainda é descrito como um vir guerreiro porque após a descoberta da mentira de Tétis, o herói ansiou para ir para a Guerra de Tróia. O autor, portanto, entendeu os primeiros versos da Aquileida como uma forma de crítica por metáfora às pretensões de Domiciano de se tornar um deus. Em sua análise dos três primeiros versos do Livro I da Aquileida, o autor concluiu que Aecides significaria neto de Aeacus. Júpiter teria sido avisado de que um filho de uma deusa estava destinado a ser maior que o pai. Isto significaria uma ameaça ao trono no Olimpo. Júpiter, depois de ter tomado ciência de que a mulher era a deusa Tétis, desposou-a com o mortal Peleu. Por isso, a paternidade de Aquiles na Aquileida é legada a Peleu e não a Júpiter. Isto significaria a passagem formidatamque Tonanti/ progeniem ou “temido como um filho de Júpiter” (KONSTAN, 2016, p. 380). Ainda na visão deste autor, a Aquileida não foi o poema esperado sobre as realizações militares de Domiciano – apesar de que na Tebaida Estácio tenha dito que iria abordar tal matéria em momento outro (Stat. Theb. I. 15-32). O proêmio termina com outro adiantamento deste feito (Stat. Achil. I. 14-19). Mesmo assim, Estácio reservou um lugar para o encômio imperial ao imperador e elogiou suas competências nas artes bélica e nas práticas letradas (I. 15-16). Na visão de Konstan (2016, p. 381), a educação de Domiciano está diretamente proporcional à educação de Aquiles dada por Quíron. Ao contrário do imperador, Aquiles é um herói a quem foi proibida qualquer tipo de deificação. Aeciden é tido pelo autor como um patronímicoe enfatizou a mortalidade do herói por meio de sua linhagem masculina, isto é, pela paternidade de Peleu. A conclusão do autor é a de que a subversão da Aquileida residiu no fato de que Estácio escolheu um mito que foi diferente do imperador e que cultivou de forma enérgica a ideia de sua própria divindade (KONSTAN, 2016, p. 381). Concordamos com o autor de que a expressão magnusque tibi praeludit Achilles representou tanto uma referência ao poema que é um prelúdio da epopeia de Domiciano que havia sido mais uma vez adiada bem como uma referência às qualidades do herói no campo bélico e no campo da música (KONSTAN, 2016, p. 382). No entanto, discordamos do mesmo no que tange à missiva lançada de que a Aquileida seria um texto subversivo. Ora, por quais motivos um poeta que se beneficiou durante a vida inteira das benesses oferecidas pelas relações de patronato e de clientelismo, no final de sua vida, iria redigir um poema que criticava o imperador que ainda estava vivo? A análise de Konstan foi bastante literal e subjugou o fazer poético a simples metaforização de uma realidade límpida e condizente com as narrativas de vitupério pós-assassinato de Domiciano ocorrido em setembro de 9612. A Aquileida fez parte da teatrocracia de Domiciano no que diz respeito à representação dele como superior em qualidades quando comparado a Aquiles13. Sobre os três primeiros versos do primeiro canto da Aquileida, o Penwill (2013, p. 46) diz que a primeira palavra “magnanimum”, que traduziu por “grande coração”, é um adjetivo de heróis épicos14 (DILKE, 1954, p. 79; PARKES, 2008, p. 382). Tal palavra 12 Reprovamos a ideia de que a história daquele poema seja uma cópia poética de uma realidade porque, na prática, nós não a alcançaremos nunca. 13 Essa hipótese está sendo desenvolvida de modo mais detalhado pela dissertação de Irlan de Sousa Cotrim, um dos autores deste trabalho. 14 Penwill (2013, p. 40) avaliou o proêmio e o encômio a Domiciano presentes na Aquileida da seguinte forma: ao avaliar a função e o impacto do encômio imperial nos proêmios da Tebaida e da Aquileida, na foi usada por Estácio para designar César no epílogo da Tebaida (XII. 814-815), que estabelece uma ligação entre essas duas personagens. Baptista e Leite (2019, p. 132) concluíram que, além de possuir uma importância central dentro daquelas obras, os proêmios de Estácio criaram a cenografia apta ao encômio imperial – este que era o objeto central da situação enunciativa – bem como a justificativa pela qual o poeta escolheu o tema mitológico para compor a épica: o tema mitológico era um exercício para a composição de um poema épico de tema histórico que seria mais grandioso, ou seja, uma épica sobre os feitos bélicos de Domiciano. Aqui temos novamente o fato do exemplum histórico como maior que o equivalente mitológico, o que em outras palavras significa que Domiciano é maior que Aquiles, cujos feitos foram considerados o prelúdio da obra na qual o Princeps seria o personagem principal. A partir do complexo categorial chegamos a algumas conclusões. Quadro 01 – Complexo categorial Estácio, Aquileida (c. 95/96), Achil. I. 1-19. Trata-se do proêmio do referido poema no qual. O autor tece uma dedicatória ao imperador Tito Flávio Domiciano nos últimos versos do poema (v. 14-19). PERSO NAGEM ATRIBUTOS FÍSICOS ATRIBUTOS MILITARES ATRIBUTOS RELIGIOSOS EPÍTETOS Aquiles (Achil. I. 1-13) Corpo ocultado por véus em Ciros (heroavelisScyr oquelatentem) v. 5 As ações do personagem são famosas pelos cantos homéricos, ou seja, a Ilíada narrou os feitos do semideus na Guerra de Tróia (quamquam acta virimultuminclitaca ntuMaeonio) v. 3-4 Formidável raça pelo Tonante (formidatamqueTonantiprogeniem et patriovetitamsuccederecaelo) v. 1-2 Magnânimo eácida (Magnanimum Aeaciden), v. 1 Domicia no (Achil. I. *** Domiciano logrou êxito tanto no campo literário A história de Aquiles é o prelúdio da história de Domiciano (da veniam ac trepidumpatere hoc Pronome tu substitui o nome do abertura do encômio vemos ítala uirtus graiaque o que significaria uma referência aos Jogos Capitolinos inaugurados em 86 que incluía competições de poesia grega e latina. Adiante, Estácio alude à reputação de Domiciano como poeta, o que, segundo o autor, era um tema bastante proeminente entre os escritores romanos nos anos 90. Aquiles é mostrado como alguém com plena habilidade nas artes (Achil. 1. 188- 194), que não perdeu mesmo depois de nove anos de batalhas em Troia (Hom. Il. 9. 186-191; Stat. Silv. 4.4.35-36). Domiciano teria suplantado uma habilidade (a das artes) por outra, dedicada à matéria belicosa. O autor traduz magnusque tibi praeludit Achilles como “Aquiles, grande embora ele seja, é apenas um prelúdio para si próprio” e persegue autores que defendem uma leitura na qual Domiciano é equiparado a Aquiles (ARICÒ, 1986, p. 2926-2931; DILKE, 1954, p. 81). No contexto imediato, a Aquileida é um tema preliminar e que preludia uma realidade ainda mais virtuosa. 14-19) quanto no campo militar, embora tenha há um tempo deixado o primeiro em proveito do segundo (cuigeminae florente vatumqueducumqu ecertatimlaurus) v. 15-16 sudareparumperpulvere: te longo necdumfidenteparatumolimurmag nusquetibipraeluditAchilles) v. 17-19 imperador Domiciano, descrito como aquele cujas virtudes os povos gregos e itálicos invejam há tempos (quem longe primum stupetItalavirt usGraiaque) v. 14-15 Em Achil. 1.5, o corpo de Aquiles encontrou-se ocultado por véus na ilha de Ciros, dado o embuste criado por sua mãe Tétis para proteger o jovem. Tétis, aqui, representa a contenção do corpo do vir militar que, no entanto, apenas pôde parecer ocultado (HESLIN, 2005, p. 137) uma vez que toda a educação militar que recebeu de Quíron não foi perdida15. No caso de Domiciano, no proêmio temos a sua menção por meio do pronome latino tu que, em nosso entendimento, representou uma discrepância entre as figuras mitológica (Aquiles) e outra histórica (Domiciano). A matéria de suas realizações é precedida pelos feitos da vida de Aquiles como prometido por Estácio. Nos versos décimo quarto e décimo quinto, temos que os povos gregos e romanos invejavam há muito tempo as virtudes do imperador. Na visão de Davis (2015, p. 159), o imperador é o terceiro destinatário do poema (atrás da Musa e do deus Apolo), pois foi invocado com o pronome tu e a quem foi dado o mesmo número de linhas que a Apolo. Apesar disso, dada a grandiosidade da matéria histórica e a recusatio do vate, que se sentia inapto para distender a lira, os atos bélicos de Domiciano são comparados aos de Aquiles e o resultado que obtemos é que mais uma vez o exemplum histórico sobressai ao mitológico. Desse modo, se na silva I.1 Domiciano ultrapassa exemplos republicanos como Cúrcio e Júlio César, no proêmio da Aquileida ele é maior que Aquiles e a história deste serve apenas como um prelúdio ou mesmo introdução para outra obra mais nobre e mais virtuosa tanto nos padrões de virtudes gregos quanto romanos. 15 Tal educação volta no Livro Segundo da Aquileida em um diálogo entre Aquiles e Ulisses: a caça de animais violentos (II.121-125), a do jovem à exposição a todos os tipos de armamentos das diversas tribos guerreiras (II.130-136) e o treino em habilidades de batalhas e em esportes violentos (II.140-143; 155- 156). Ao mesmo tempo que teve uma educação voltada para o campo militar, Aquiles também aprendeu com o centauro Quíron as artes musicais (I.118) e médicas(I.117). Referências ANKERSMIT, Franklin Rudolf. A escrita da história: a natureza da representação histórica. Londrina: Eduel, 2012. ARICÒ, Giuseppe. L’Achilleide di Stazio: tradizione letteraria e invenzione narrativa. ANRW II.32.5, 1986, p. 2926–2964. ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. 2 ed. Lisboa: Casa da Moeda, 2005 BALANDIER, Georges. O poder em cena: pensamento político. Tradução de Luiz Tupy Caldas de Moura. Brasília: Editora da UnB, 1982. BAPTISTA, Natan Henrique Taveira; LEITE, Leni Ribeiro. Recusatio e encômio a Domiciano nos proêmios épicos de Estácio. Ágora. Estudos Clássicos em Debate, Aveiro, n.21, p.117-135, 2019. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2004. BELCHIOR, Ygor Klain. Tácito e o principado de Nero. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Ouro Preto, 2012. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução: Fernando Tomaz, Lisboa: Difel, 1989. CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, São Paulo, n. 11, 1991, p. 173-191. DAVIS, Peter. Statius’ Achilleid: The paradoxical Epic. In: NEWLANDS, Carole; GERVAIS, Kyle; DOMINIK, William (orgs). Brill’s Companion to Statius. Boston: Brill, 2015. DILKE, Oswald Ashton Wentworth. Statius, Achilleid. Cambridge: Cambridge University Press, 1954. FAVERSANI, Fábio. As relações interpessoais sob o Império Romano: uma discussão da contribuição teórica da Escola de Cambridge para o estudo da sociedade romana. In: CARVALHO, Alexandre G.alvão (org). Interação social, reciprocidade e profetismo no mundo antigo. Vitória da Conquista: Uesb, 2003, p. 39-40. HESLIN, Peter. The transvestite Achilles: gender and genre in Statius’ Achilleid. Cambridge: University of Cambridge Press, 2005. HOMERO. Ilíada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. HORACIO. Odes e Epodos. Tradução de Bento Prado de Almeida Ferraz. São Paulo: Martins Fontes, 2003. JOLY, Fábio. A escravidão no centro do poder: observações acerca da familia Caesaris. Fênix (UFU. Online), v. 4, p. 1-11, 2007. KONSTAN, David. Doubting Domitian’s Divinity: Statius Achilleid 1.1–2. In: MITSIS, Phillip; ZIOGAS, IOANNIS. (eds) Wordplay and powerplay in latin poetry. Boston: De Gruyter, 2016, p. 377-386. LEITE, Leni Ribeiro. O patronato em Marcial. Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas). Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 2003. LÓIO, Ana Maria. Como homenagear um conterrâneo: o simbolismo do espaço e da paisagem na Silva 4.4. Revista Portuguesa de Humanidades. Estudos Literários. 21- 2, 2017, p. 13-22. LÓIO, Ana Maria. Uma cidade que fala. Vozes urbanas nas Siluas de Estácio. In: PIMENTEL, Cristiana; BRANDÃO, José Luís; FEDELI, Paolo (orgs) O poeta e a cidade no Mundo Romano. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2012. LÓIO, Ana Maria. Uma cidade que fala. Vozes urbanas nas Silvas de Estácio. In: PIMENTEL, Cristina; BRANDÃO, José Luís; FEDELI, Paulo (orgs.). O poeta e a cidade no mundo romano. Universidade de Coimbra, 2012, p. 163-174. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. Tradução de Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2009. OXFORD LATIN DICTIONARY. Oxford, Clarendon, 1968. PARKES, Ruth. The Return of the Seven: Allusion to the Thebaid in Statius’ Achilleid’, AJPh 129, 2008, p. 381–402. PENWILL, John. Imperial encomia in Flavian epic. In: MANUWALD, Gesine; VOIGT, Astrid. Flavian epic interactions. Boston: De Gruyter, 2013. PLINY. The Natural History. London. Taylor and Francis, Red Lion Court, Fleet Street. 1855. QUINTILIAN. Instituto oratoria. Edited by H. E. Butler. Londres: Harvard University, 1921. 4 v. (The Loeb Classical Library). ROSATI, Gianpiero. Muse and power in the poetry of Statius. In: SPENTZOU, Efrossini; FOWLER, Don Paul (ed.). Cultivating the Muse: struggles for power and inspiration in Classical Literature. Oxford: Oxford University, 2002, p. 229-251. SALLER, Richard. Patronage and friendhip in early Imperial Rome: drawing the distinction. In: WALLACE-HADRILL, Andrew (ed.). Patronage in ancient society. London: Routledge, 1989. SILVA, Camilla Ferreira Paulino da. A construção da imagem de Otávio, Cleópatra e Marco Antônio entre moedas e poemas (44 a 27 a.C.). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Vitória: Ufes, 2014. STATIUS. Achilleid. Translated by Stanley Lombardo. Indianapolis: Hackett Publishing Company, 2015. STATIUS. Siluae. Edited and translated by D.R. Shackleton Bailey. Cambridge, London: Harvard, 2003. STATIUS. Silvae. Translated by D.R. Shackleton Bailey. Cambrigde, London: Harvard University, 2003. STATIUS. Thebaid: a song of Thebes. Trans. J. W. JOYCE. Ithaca: Cornell University, 2008. SUETONIUS. The lives of the twelve Caesars. Translated by Catharine Edwards. Oxford: Oxford University, 2000. TUCK, Steven. Imperial image-Making. In: ZISSOS, Andrew. (org) A companion to the Flavian Age of Imperial Rome. Oxford: Wiley Blackwell, 2016, p. 109-128. WALLACE-HADRILL, Andrew. The imperial court. In: BOWMAN, Alan; CHAMPLIN, Edward; LINTOTT, Andrew. (Eds.). The Cambridge Ancient History – The Augustan Empire, 43 B.C. – A.D. 69. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, p. 285-302.
Compartilhar