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COTRIM e CASTRO_O elogio a Domiciano nos versos de Estácio

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O ELOGIO A DOMICIANO NOS VERSOS DE ESTÁCIO (ACHIL. I. 1-19; SILV. 
I. 1.66-107) 
 
Irlan de Sousa Cotrim 
Mestrando em História (Capes/DS) 
Universidade Federal do Espírito Santo 
irlancotrim@gmail.com 
 
Marihá Barbosa e Castro 
Doutora em Letras 
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo 
marihacastro@gmail.com 
 
RESUMO: Nosso propósito foi o de analisar a primeira silva de Estácio, em que o poeta 
descreve a estátua equestre de Domiciano, e o de estabelecer uma comparação deste 
com o que está presente em outra obra do mesmo autor, a Aquileida. Para tanto, 
utilizamos os pressupostos da retórica aristotélica no que diz respeito ao terceiro gênero 
discursivo a que o poeta poderia se dedicar, o epidítico. Em nosso entendimento, tanto 
na silva I.1 quanto nos dezenove primeiros versos da Aquileida, Estácio não somente 
Domiciano a Júlio César e Alexandre, o Grande, mas seus versos o elevam a um grau de 
superação daqueles modelos de comportamento (exempla) no campo das artes e em 
matéria militar, respectivamente. Na silva I.1, Domiciano supera César e Alexandre, o 
Grande, ao passo que na Aquileida ele supera Aquiles. Por meio da análise de conteúdo, 
estabelecemos cinco categorias analíticas para nosso corpus documental, a saber: a que 
personagem se refere, seus atributos físicos, seus atributos militares, seus atributos 
religiosos e o espaço em que a narrativa se passa. 
PALAVRAS-CHAVE: Elogio. Domiciano. Estácio. 
ABSTRACT: In this article we analyse Statius’ Silva 1.1, in which the poet describes 
the equestrian statue of Domitian, and that of establishing a comparison with what is 
present in another work by the same author, the Achilleid. We use the assumptions of 
Aristotelian rhetoric with regard to the third discursive genre to which the poet could 
dedicate himself, the epiditic. We argue both in Statius’ Silva 1.1 and in the Achilleid I. 
1-19, the poet not only equates Domitian with Julius Caesar and Alexander the Great, 
but his verses elevate him to a degree of overcoming those models of behavior 
(exempla) in the field of the arts and in military matters, respectively. In Silva 1.1, 
Domitian overcomes Caesar and Alexander the Great, while in Statius’ Achilleid he 
overcomes Achilles. We established five analytical categories for our corpus, namely: 
mailto:irlancotrim@gmail.com
 
 
to which character he refers, his physical attributes, his military attributes, his religious 
attributes and the space in which the narrative takes place. 
KEY-WORDS: Praise. Domitian. Statius. 
Públio Papínio Estácio (40-95), nascido em Nápoles, viveu durante a dinastia flaviana, 
segunda dinastia que governou o Império Romano1 (69-96). Após a morte de seu pai, 
Estácio se mudou para Roma, onde permaneceu até 96, quando retornou a Nápoles e 
faleceu. Observamos que a poesia estaciana buscou elogiar o último imperador da 
dinastia flaviana por conta das relações entre cliente e patrono que se configuraram sob 
Domiciano. Como buscamos defender ao longo do texto, tanto na silva 1.1 quanto no 
proêmio da Aquileida (Achil. I. 1-19), Estácio não somente equipara seu patrono 
Domiciano a figuras como Júlio César e Alexandre, o Grande, mas seus versos elevam 
o imperador a um grau de superação daqueles modelos de comportamento (exempla) no 
campo das artes e em matéria militar, respectivamente. Na silva 1.1, Domiciano supera 
César e Alexandre, ao passo que na Aquileida ele supera Aquiles. Por meio da análise 
de conteúdo (BARDIN, 2004), estabelecemos cinco categorias analíticas para nosso 
corpus documental, a saber: a que personagem se refere, seus atributos físicos, seus 
atributos militares, seus atributos religiosos e o espaço em que a narrativa se passa2. 
Além disso, decodificamos essas informações à luz de alguns conceitos como os de 
representação3 (CHARTIER, 1991; ANKERSMIT, 2012, p. 195) e o de teatralização do 
poder (BALANDIER, 1982). 
 
1 Vespasiano (69-79), Tito (79-81) e Domiciano (81-96). Todas as datas são d.C., salvo quando expresso 
o contrário. 
2 O método utilizado foi a análise categorial proposta por Laurence Bardin (2004) como aparato de leitura 
e codificação de informações contidas no corpus. A análise de conteúdo pode ser dividida em três fases. 
A pré-análise, que se trata de uma leitura inicial do documento e compreende três missões, a saber, a 
escolha das fontes, a formulação das hipóteses e, por último, a elaboração de subsídios para a confecção 
de uma interpretação final. A segunda fase é a exploração do material, na qual o pesquisador codifica os 
dados que a fonte oferece em função de diretrizes teóricas previamente formuladas conforme os objetivos. 
Por fim, a terceira fase consiste no tratamento dos resultados obtidos que gerarão a interpretação do 
pesquisador, que enfim estará apto a propor inferências (BARDIN, 2004, p. 95). 
3 Há pelo menos duas acepções da palavra “representação” que Roger Chartier nos apresenta. A primeira 
trata-se da representação enquanto a apresentação daquilo que é ausente. Trata-se de se fazer enxergar 
aquilo que se encontra ausente, “o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é 
representado” (CHARTIER, 1991, p. 184). Por outro lado, o conceito abrange a apresentação de 
personalidades ou de coisas ao público. Entretanto, essas representações não são produzidas em outro 
ambiente senão aquele em que diferentes concepções, contraditórias entre si, se confrontam. Nesses 
confrontos os “indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o deles” (CHARTIER, 1991, p. 177). 
 
 
A convergência dos conceitos de representação (CHARTIER, 1990; ANKERSMIT, 
2012) e de teatrocracia (BALANDIER, 1982) conflui para o sistema de representações 
políticas proposta por Pierre Bourdieu, que conceitua o poder simbólico como o 
conjunto de sistemas simbólicos – arte, religião, monumentos – cuja finalidade é o 
consenso social de uma determinada visão de ser e estar no mundo4. Essas visões de 
mundo nem sempre são harmônicas e culminam em embates sociais em que 
determinadas definições do mundo social entram em choque. O poder simbólico, 
ressalta o autor, permite àqueles que lançam mão dessas ferramentas discursivas a 
obtenção do “equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica)”, o que 
legitima determinada ordem ou visão de mundo (BOURDIEU, 1989, p. 14-15). A partir 
desse arcabouço teórico e conceitual passamos à análise de nosso corpus. 
 
O elogio a Domiciano na Silva I. 1. 66-107 
Para Aristóteles (Rh. 1366b), os componentes da virtude são a justiça, a coragem, o auto 
comedimento, a magnificência, a magnanimidade, a liberalidade, a mansidão e a 
sabedoria nas ações. As virtudes deveriam servir aos outros, na condição de ser a 
faculdade de concessão de benefícios à comunidade. O ápice da virtude era a promoção 
 
Numa representação histórica, a representação e a referência estão interligadas. A representação, portanto, 
se caracteriza como um conceito dotado de três lugares. Há um passado a ser representado, a 
representação deste e, por fim, a apresentação de aspectos daquele passado representado na representação. 
A escrita histórica, portanto, teria correspondência ou paralelo com a metáfora, porque esta nos convida a 
enxergar um sujeito ou alguma coisa do real em termos de determinadas características. Ankersmit (2012, 
p. 184), portanto, cunha a noção de metáfora histórica a partir da qual o historiador convida seus leitores a 
compreender o fenômeno histórico conforme determinado prisma. O autor conclui que toda representação 
é uma representação como, ou seja, A como B. A representação teria em comum com a metáfora, 
portanto, o fato de ambasexigirem que o receptor tenha determinada atitude com relação aos sujeitos 
representados (ANKERSMIT, 2012, p. 195). Todo sistema de poder é propenso à produção de efeitos, os 
quais “se comparam às ilusões criadas pelas ilusões do teatro” (BALANDIER, 1982, p. 6). Nesse sentido, 
o princeps precisa lançar mão de uma série de dispositivos místicos, culturais ou religiosos para legitimar 
seu Principado, porque a aceitação de sua pessoa é produto, em grande medida, das ilusões da ótica 
social. Além dos atributos que se formam na pessoa do princeps, a territorialidade, a espacialidade e os 
monumentos também guardam significados. Para a perpetuação de determinadas memórias sobre um 
regime ou um governante, a edificação de espaços públicos se soma às estratégias de propaganda política 
e, consequentemente contribui para a teatralização do poder (BALANDIER, 1982, p. 10). 
4A partir disto, consideramos o termo propaganda em seu sentido latino de propagare e propagatio. 
Utilizamos a definição do Oxford Latin Dictionary, em que propagatio corresponde à noção de 
transmissão de alguma mensagem às gerações futuras, de prorrogação. A definição de propagare abrange 
a propagação de determinada crença, valores ou tradição à posteridade (Oxford Latin Dictionary, 1968; 
SILVA, 2014, p.58). 
 
 
do bem-estar de todos aqueles que estavam ao redor do indivíduo, a sua comunidade. 
Além disso, Aristóteles chamou atenção para a importância de o orador se atentar a que 
audiência proferiria o seu elogio, pois é preciso compreender antes o que era caro ao seu 
público em particular. Tudo aquilo que fosse nobre poderia ser atrelado aos 
antepassados do elogiado, bem como a seus próprios feitos pretéritos. 
O louvor se baseava em ações e aquele que observava os preceitos morais era 
considerado digno. O elogio, portanto, se apresentava como uma linguagem que 
estabelecia a grandeza das ações virtuosas. O encômio abordava as realizações, as 
circunstâncias pelas quais aquelas foram propiciadas, como um nascimento cuja 
linhagem é nobre, ou poderia se referir a uma educação esmerada. Mesmo um indivíduo 
que não alcançou alguma realização poderia ser elogiado se se percebia que aquele 
poderia ter conseguido. Além disso, elogios e conselhos possuíam um aspecto em 
comum porque aquilo que se pretendia sugerir na forma de um aconselhamento, 
poderia, simplesmente, vir à tona na forma de um encomium. Assim, o orador, caso 
desejasse elogiar, precisaria antes reconhecer algo para sugerir, ao passo que, quando 
desejasse sugerir, aquele que elogia deveria atentar-se ao que se poderia elogiar (Arist. 
Rh. 1368a). 
Meios de amplificação deveriam ser empregados, por exemplo, para enfatizar o que o 
elogiado alcançou em termos de realizações ou de forma solitária, ou com o auxílio de 
poucos ou em primeiro porque isso convertia a ação praticada em causa nobre. Se o 
indivíduo fosse bem sucedido numa matéria repetidas vezes, essa proeza também era 
considerada nobre porque seria vista como uma ação fruto do desempenho do elogiado 
e não obra da fortuna. Caso o sujeito não fornecesse matéria, o orador poderia compará-
lo a outros indivíduos, mas esses deveriam ser personagens ilustres porque ofereceriam 
mote para a amplificação. A amplificação, portanto, era uma das formas de louvor 
porque consistia na superioridade a partir dos atos de nobreza. Se o orador não 
dispusesse de personagens ilustres, deveria comparar seu elogiado a pessoas comuns 
para enfatizar sua superioridade em relação a elas (Arist. Rh. 1368a). No mundo 
romano, o elogio fez parte das relações de patronato e foi corporificado em obras 
poéticas como as de Estácio. 
 
 
O patronato foi considerado como um conjunto de relações que organizavam a dinâmica 
das elites políticas romanas do primeiro século. Dessa forma, durante o Principado o 
poder do imperador rivalizava em grau de importância com a distribuição de benesses 
pela domus caesaris. Esses beneficia seriam disputados pelas elites senatorial e equestre 
por meio das redes de relação de patronato e clientelismo que permitiam a manutenção 
do prestígio da pessoa do imperador em todas as partes do Império Romano5. 
Para Saller (1989, p. 59-66), a burocracia imperial não teria significado uma drástica 
mudança na lógica do patronato que existia desde os tempos republicanos. Cabia ao 
imperador a responsabilidade de delegar cargos públicos e essa escolha não era regida 
sob parâmetros fixos. O patronato era, portanto, um caminho pelo qual algum indivíduo 
que pretendesse alcançar alguma magistratura precisaria percorrer. Para ter acesso ao 
imperador, porém, os indivíduos deveriam estabelecer relações recíprocas com pessoas 
que eram próximas a ele. Temos aqui o conceito de amici caesaris, grupo composto por 
senadores, equestres e membros da corte (JOLY, 2007, p. 9). Esses amici poderiam ser 
divididos em, pelo menos, dois grupos: os amici de alto status social, que eram um 
grupo composto por senadores e cavaleiros, e os amici de baixo status social que, por 
sua vez, seria dividido em três subgrupos. Em primeiro lugar, há o subgrupo dos 
literatos e dos oradores, que por conta de suas habilidades com as práticas letradas 
teriam acesso à corte e, portanto, estavam próximos do imperador. Em segundo lugar, 
os professores e os médicos do monarca. Por fim, o subgrupo das mulheres e dos 
libertos imperiais, que possuíram grande importância, por exemplo, durante o governo 
de Nero (SALLER, 1989, p. 66; BELCHIOR, 2012, p. 89). Tal visão tradicionalista do 
patronato foi criticada e matizada por pesquisadores brasileiros. 
Ele [Saller] divide os agentes ora de acordo com as posições oficiais que 
possuem no governo, ora de acordo com o grau de proximidade que mantêm 
com o imperador. Nota-se que, em sua análise, acaba por predominar o 
primeiro critério, pois é este que define quem é de alto ou de baixo status. 
Assim os libertos são inferiores aos senadores, mas por outro lado, pelo 
segundo critério (proximidade com o imperador) um liberto imperial poderia 
estar situado na mesma posição que um influente senador. Ao descartar este 
dado, cujas próprias evidências documentais citadas apoiam, Saller passa a 
 
5 De fato, a corte imperial se configurava como um locus no qual se daria a integração entre o princeps e 
as aristocracias, e essa integração era o que fornecia um modelo de organização de outras casas da 
nobreza romana (JOLY, 2007, p. 7). 
 
 
imagem de que as relações de patronato restringem-se à elite aristocrática, 
estando o restante da sociedade alheia a tal fenômeno (JOLY, 2007, p. 9). 
O papel dos atores sociais cujo estatuto era baixo, bem como a importância da atuação 
destes na dinâmica do poder no Império já foi matéria de reflexão de historiadores 
(FAVERSANI, 2003, p. 39-40; BELCHIOR, 2012, p. 89-140). Na visão de Joly (2007, 
p. 9), portanto, a concepção de Saller (1989, p. 66) transmite a imagem de uma 
aristocracia fechada em si própria, cujas relações sociais de poder somente são 
exercidas dentro daquele grupo, não havendo intercâmbio com outros grupos. No fim 
do século XX, no entanto, Wallace-Hadrill (1996, p. 291-305) defendeu que o princeps 
teria estabelecido um grupo formado por libertos imperiais para que exercessem a 
função de mediadores entre o monarca e os sujeitos interessados em beneficia. A domus 
caesaris ou a casa imperial situava-se, portanto, no centro de uma intrincada rede de 
outras casas que orbitavam ao seu redor. Nesse sentido, a casa imperial conseguia 
manter todas as demais casas sob a sua custódia, o que constituía centros de influência 
que atingiam todo o Império. No limite, cada casa aristocrática representava uma 
pequena corte imperial reprodutora da lógica imperial (WALLACE-HADRILL, 1996, 
p. 295). 
Por meio da lógica das relações sociais do patronato, podemos perceber que Estácioestava diretamente relacionado a Domiciano na condição de cliente da domus imperial. 
O patronato constituía-se como uma complexa rede de relações interpessoais na Roma 
Antiga, à qual os poetas estavam submetidos por meio de sua ars. Nessas complexas 
redes de relações, havia uma dependência de natureza econômica, política e social entre 
poetas e patronos. No limite, podemos conceituar o patronato como redes de complexas 
relações assimétricas dentro das quais deveria haver reciprocidade entre os atores 
sociais envolvidos. Os patronos detinham a posse de recursos financeiros e políticos. Os 
clientes estavam em busca de apoio, proteção, bens ou serviços. Nessa condição, 
Estácio empreendeu encômios à persona imperial de seu patrono, o imperador 
Domiciano, em suas obras poéticas. Esses elogios, que aparecem no corpus poético de 
Estácio direcionados a Domiciano, devem, portanto, ser lidos como respostas à essa 
 
 
lógica do patronato, da qual o poeta e sua ars fizeram parte6 (LEITE, 2003, p. 20-21; 
ROSATI, 2002, p. 244; BAPTISTA; LEITE, 2019, p. 128). O elogio deveria propagar 
uma imagem virtuosa da pessoa do imperador e, para isso, alguns aspectos deveriam ser 
amplificados. O caminho trilhado por Estácio, portanto, não poderia ser outro que não o 
da retórica epidítica. 
As Silvas, de Estácio, são um conjunto de poemas diversos do que havia sido produzido 
até então no mundo romano. Nesse texto, que desafiou as classificações de gênero, 
notamos a recuperação de uma tradição poética panegírica grega, motivo que nos levou 
a recorrer ao tratado aristotélico. Estácio, nas Silvas, destacou de modo experimental e 
variado diversos momentos, feitos, posses e qualidades de seus patronos, entre os quais 
está incluso o princeps Domiciano. A descrição do Equus Maximus Domitiani Imp. e a 
sua comparação com os outros monumentos que estão dispostos nos arredores fornecem 
o material necessário ao poeta para elogiar as virtudes e os feitos de Domiciano. 
Analisamos, pois, os seguintes versos7: 
O próprio guardião do local – cujo o abismo sagrado e o nome memorável do 
famoso tanque conservam– ao sentir os inúmeros ruídos do bronze e o Fórum 
ressoar sob o golpe severo, move a espantada face do lugar sagrado e a 
cabeça venerável pela merecida coroa de carvalho. 
A princípio, apavorou-se com o aspecto imenso e o esplendor brilhante do 
maior cavalo, trepidante três vezes afundou no tanque seu nobre pescoço; e 
tendo visto o que governa, logo, se alegrou (Stat. Silv. I. 1. 66-76). 
A partir do verso 66, o poeta, sem nomeá-lo diretamente, coloca em cena um 
personagem da tradição latina ao referir-se ao Lago Cúrcio, construído em homenagem 
 
6 Agradecemos as ponderações feitas por Fábio Faversani durante o Simpósio Temático de História 
Antiga e Medieval deste evento. Ressaltamos que não compreendemos as relações de patronato sob a 
lógica da obrigação servil, mas a de que ao reconhecer os valores do elogiado, que neste caso é 
Domiciano, o poeta Estácio também constrói seu ethos discursivo. Tal ethos não é outro senão o de poeta 
douto nas tradições das práticas letradas romanas, nas histórias mitológicas e históricas da Urbs e nas 
virtudes tais como propagadas por Aristóteles e ecoadas em outros tratados retóricos latinos como no de 
Quintiliano. O conceito de ethos pode ser entendido como a construção junto da audiência, por meio do 
discurso do orador, de representações deste. O ethos representa um discurso no qual o conjunto de 
comportamentos socialmente subscritos podem ser reconhecidos (MAINGUENEAU, 2009, p. 271). 
Entendemos, portanto, que Estácio, ao elogiar Domiciano, o faz também para construir seu ethos 
discursivo. 
7 Tradução de Natan Henrique Taveira Baptista (2020, no prelo). ipse loci custos, cuius sacrata vorago 
famosiquelacus nomen memorabile servant,innumerosaerissonitus et verbere crudoutsensitmugireForum, 
movethorridasanctoora situ meritaque caput venerabilequercu. ac primum ingentes 
habituslucemquecoruscamexpavitmaiorisequiterquearduamersitcollalacutrepidans; laetus mox praeside 
viso. 
 
 
ao herói republicano Quinto Cúrcio8 para celebrar sua coragem, abnegação e sacrifício. 
Ao evocar o Lago Cúrcio, Estácio coloca em cena a própria voz de Cúrcio, referido 
como guardião daquele monumento (loci custos v. 66). É ele próprio, um exemplo de 
virtude e heroísmo, quem se assombra com o brilho e a enormidade da estátua equestre 
de Domiciano, conforme Estácio. Temos uma representação proveniente do testemunho 
monetário da estátua a que Estácio se refere no poema: 
 
Fig. 01 – Sestércio em cobre cunhado em Roma entre 95 e 96 sob autoridade de Domiciano. Anverso: o 
busto de Domiciano laureado e voltado para a direita. Inscrições: IMP[erator] CAES[ar] DOMIT[ianvs] 
AVG[vstvs] GERM[anicvs] COS XVII CENS[or] PER[erpetvvs] P[ater] P[atriae], “Imperador César 
Domiciano Augusto Germânico, Cônsul pela 17ª vez, Censor Perpértuo e Pai da Pátria”. Reverso: estátua 
equestre de Domiciano inaugurada em 91. Abaixo a inscrição SC ou Senatus Consultum que revela que a 
produção da moeda foi autorizada por meio de uma consulta ao Senado. Domiciano está montado no 
cavalo com sua mão direita erguida para frente. RIC. 1021.5. 
 
A posição da estátua é relatada por Estácio na Silva I.1: o monumento estaria situado em 
frente ao Fórum de César, que foi muito danificado pelo incêndio de 80 e depois 
restaurado por Domiciano, tendo a estátua equestre de Júlio César9 recebido 
considerável atenção (TUCK, 2016, p. 117; Stat. Silv. I. 1. 32-36). A pata dianteira do 
cavalo da estátua de Domiciano está sobre a cabeça de um cativo que representa o rio 
Reno subjugado (Stat. Silv. I. 1. 50-51). Na mão esquerda do imperador, jaz uma 
miniatura da deusa Minerva; sobre os seus ombros pairava um manto militar ou 
paludamentum, enquanto na sua cintura repousava uma espada (Stat. Silv. I. 1. 37-40). 
 
8 Lóio (2012, p. 168) indica que “era necessário sacrificar ‘a maior força do povo romano’ para apaziguar 
os deuses. Cúrcio entendeu que a expressão se referia ao valor dos guerreiros romanos; montado no seu 
cavalo, atira-se ao pântano, que se fecha à sua entrada, indicando a aceitação do sacrifício”. O Lago 
Cúrcio, portanto, corresponde, para os romanos, ao local em que o ato heróico foi consumado séculos 
antes da construção da estátua equestre de Domiciano. 
9 A estátua equestre de Júlio César foi erigida no Fórum Iulium, próximo ao Templo de Vênus Genetrix 
(Plin. NH. 8.155; Suet. Iul. 61). 
 
 
Estácio é enfático quando relata que aquela estátua deveria ser perene e ficaria de pé 
enquanto a terra e o céu permanecessem invictos, e enquanto o sol de Roma durasse 
(Stat. Silv. I. 1. 99-105). O poema é concluído com a menção de que o monumento era 
um presente da população romana com o respaldo do Senado (Stat. Silv. I. 1. 106-107). 
Ao longo da Silva I.1, Cúrcio ganha espaço de fala e constata a superioridade de 
Domiciano em relação a si mesmo, pois enquanto ele apenas uma vez pôde salvar, por 
meio de suas ações, o povo romano, Domiciano o faria diversas vezes: o exemplo dado 
são as vitórias sobre os povos germânicos que motivaram a construção da estátua 
equestre. Mas, se Domiciano estivesse em seu lugar, conclui a voz de Cúrcio, teria se 
submetido aos mesmos sacrifícios e igualmente perecido no abismo. Assim, Domiciano 
não apenas o iguala como o supera. Estácio evoca, ainda, a estátua equestre do Fórum 
de César, cujo corpo, que antes fora de Alexandre, o Grande, sustentava, então, a cabeça 
de Júlio César, prática comum entre os romanos. O cavalo representado, portanto, era 
originalmente Bucéfalo, famoso corcel que pertencera a Alexandre. Estácio conclui 
novamente pela superioridade de Domiciano: “Quem poderia ser tão inculto que, ao ver 
ambos, não diria que os cavalos diferemtanto quanto seus cavaleiros?”. Ao marcar que 
tanto o cavalo como o cavaleiro de uma estátua não podem ser igualados aos da outra, o 
poeta põe em destaque não só a superioridade de Domiciano em relação a César, mas 
também a Alexandre, o Grande. 
Em uma sequência em que a referência a Ode 3.30 de Horácio se faz sentir, Estácio 
afirma que o monumento dedicado a Domiciano não será maculado nem pelas chuvas, 
pelos ventos ou pelos incêndios, pois durará, tal qual a fama do imperador, enquanto 
durar a era romana. A materialidade com que Horácio evoca a sua própria obra poética 
na Ode 3.30 torna a aproximação feita por Estácio ainda mais chamativa. Tendo em 
vista que Horácio caracteriza a sua própria obra poética como um monumento mais 
duradouro do que as pirâmides ou o bronze, evocá-lo no contexto de elogio a 
Domiciano nos leva a pensar que Estácio indica que a estátua equestre será duradoura 
justamente porque está representada em sua poesia. Não podemos deixar de notar a 
ironia tecida pelo tempo de que a estátua de Domiciano tenha sobrevivido através dos 
versos de Estácio, mas não materialmente. Concluímos, portanto, que para além da 
 
 
exaltação da figura de Domiciano em relação aos seus antecessores históricos – Júlio 
César e Alexandre –, a Silva 1.1 se coloca como um meio de eternizar a memória de 
Domiciano e suas virtudes, representadas concretamente pela estátua equestre. 
Enquanto Horácio materializa o abstrato – transformando metaforicamente a poesia em 
monumento –, Estácio transforma o concreto em abstrato ao utilizar a estátua equestre 
como um indício material das virtudes e grandeza do princeps. 
 
O elogio a Domiciano no proêmio da Aquileida 
A Aquileida é uma épica incompleta escrita por Estácio quando do seu regresso a 
Nápoles, sua cidade natal10. Abaixo, reproduzimos os dezenove primeiros versos do 
poema, que correspondem ao seu proêmio11: 
Conta, deusa, o magnânimo eácida [Aquiles] e a formidável raça, pelo 
Tonante, proibida de subir ao pátrio céu. Embora as ações do varão sejam 
muito famosas pelo canto meônio, mais ainda, porém, estão faltando: 
percorrermos toda a vida do herói ― assim é nosso desejo ― e narrarmos 
com trombeta [5] Duliquiaque ele em Ciros se ocultou em véus, e não 
pararmos em Heitor arrastado, mas despojarmos de Tróia inteira a juventude. 
Se nós terminamos o velho mito com digno fôlego, em medida adequada, tu, 
Apolo, conceda novas fontes a mim e amarre os cabelos com a segunda 
coroa: pois, de fato, nem chego estranho ao bosque aônio, [10] nem a glória 
 
10 A obra conta a história do guerreiro grego Aquiles desde sua infância na ilha de Ciros (ilha grega de 
Cíclades, situada no mar Egeu, sudoeste de Atenas) até sua incursão à Guerra de Troia, como conhecido 
na epopeia homérica, a Ilíada. Porém, com a morte de Estácio, o texto nos foi legado com apenas dois 
livros. O enredo começa com Tétis que, após presságios sobre o destino de Aquiles na Guerra de Troia e 
temerosa pela morte do jovem, decide partir para a ilha de Ciros levando consigo o seu filho. Na ilha, 
Tétis resolve vesti-lo como donzela e o apresenta como sua filha, suposta irmã de Aquiles. Durante sua 
estadia, Aquiles se apaixona pela princesa Deidamia, filha do rei da ilha Licomedes. Aquiles violenta a 
princesa que logo após engravida. Diomedes e Ulisses são avisados pelo adivinho Calcas da farsa 
montada por Tétis e partem rumo a Ciros. Ulisses presenteia as filhas de Licomedes com artigos 
considerados femininos e no meio destes, esconde uma armadura, que agrada Aquiles. Com o fim do 
embuste, Aquiles parte no livro segundo juntamente com Diomedes e Ulisses rumo à guerra. A obra é 
interrompida neste exato ponto. 
11 Tradução de Leni Ribeiro Leite (2019). MagnanimumAeacidenformidatamqueTonanti/progeniem et 
patriovetitamsuccederecaelo,/diva, refer. quamquam acta virimultuminclitacantu/ Maeonio 
(sedpluravacant), nos ire per omnem ―/ sic amor est ― heroavelisScyroquelatentem/ Dulichiaproferre 
tuba nec in Hectoretracto/ sistere, sedtotaiuvenemdeducereTróia./ tu modo, si veterem 
dignodeplevimushaustu,/ da fontes mihi, Phoebe, novos ac fronde secunda/ necte comas: 
nequeenimAoniumnemusadvena pulso/ necmea nunc primisaugescunttemporavittis./ 
scitDircaeusagermequeinter prisca parentum/ nomina cumque suo numerantAmphioneThebae./ At tu, 
quem longe primum stupetItalavirtus/ Graiaque, cuigeminaeflorentvatumqueducumque/ certatimlaurus 
― olimdolet altera vinci ―,/ da veniam ac trepidumpatere hoc sudareparumper/ pulvere: te longo 
necdumfidenteparatu/ molimurmagnusquetibipraeluditAchilles. 
 
 
das minhas têmporas agora aumenta com a primeira coroa. A terra de Dirce 
conhece-me e Tebas me enumera entre os veneráveis nomes dos 
antepassados e com seu Anfião. Mas tu, [Domiciano], a quem primeiro as 
virtudes gregas e itálicas invejam há muito, em quem os gêmeos louros dos 
poetas e dos chefes florescem rivais ― já há tempos os primeiros sofreram o 
abandono ― dá vênia e permite a este temente trabalhar nestepó por um 
tempo: é o treino para teu tema, preparo longo e ainda não confiante. O 
grande Aquiles será teu prelúdio (Stat. Achil. I. 1-19). 
Na abertura da Aquileida, Estácio descreveu que Júpiter buscou impedir que seu neto 
Aquiles ascendesse ao Olimpo. Domiciano seria explicitamente equiparado a Aquiles 
neste símile. A alegoria jupiteriana significaria o fato de que Vespasiano, no passado, 
teria escolhido Tito e preterido Domiciano como seu sucessor no trono imperial, o que 
tornaria inviável a deificação do filho mais novo. Na visão de Konstan (2016, p. 380), a 
Aquileida constituiu-se como um texto subversivo dentro de um regime monárquico no 
qual as críticas deveriam ser feitas de forma cautelosa para evitar-se represálias por 
parte do imperador. Estácio teria utilizado de sua erudição em termos mitológicos para 
ocultar o detalhe da crítica a Domiciano. A história do embuste acerca da identidade de 
gênero de Aquiles pode ser vista por um viés político se a leitura considerar o enredo 
como uma referência negativa à juventude de Domiciano, como propagada por Suetônio 
(Dom. 1), mas Konstan (2016, p. 379) compreendeu que não há explicitamente nenhum 
ponto de comparação entre a história do mito e do homem. Aquiles, por sua vez, ainda é 
descrito como um vir guerreiro porque após a descoberta da mentira de Tétis, o herói 
ansiou para ir para a Guerra de Tróia. O autor, portanto, entendeu os primeiros versos da 
Aquileida como uma forma de crítica por metáfora às pretensões de Domiciano de se 
tornar um deus. Em sua análise dos três primeiros versos do Livro I da Aquileida, o 
autor concluiu que Aecides significaria neto de Aeacus. Júpiter teria sido avisado de que 
um filho de uma deusa estava destinado a ser maior que o pai. Isto significaria uma 
ameaça ao trono no Olimpo. Júpiter, depois de ter tomado ciência de que a mulher era a 
deusa Tétis, desposou-a com o mortal Peleu. Por isso, a paternidade de Aquiles na 
Aquileida é legada a Peleu e não a Júpiter. Isto significaria a passagem formidatamque 
Tonanti/ progeniem ou “temido como um filho de Júpiter” (KONSTAN, 2016, p. 380). 
Ainda na visão deste autor, a Aquileida não foi o poema esperado sobre as realizações 
militares de Domiciano – apesar de que na Tebaida Estácio tenha dito que iria abordar 
tal matéria em momento outro (Stat. Theb. I. 15-32). O proêmio termina com outro 
 
 
adiantamento deste feito (Stat. Achil. I. 14-19). Mesmo assim, Estácio reservou um 
lugar para o encômio imperial ao imperador e elogiou suas competências nas artes 
bélica e nas práticas letradas (I. 15-16). Na visão de Konstan (2016, p. 381), a educação 
de Domiciano está diretamente proporcional à educação de Aquiles dada por Quíron. 
Ao contrário do imperador, Aquiles é um herói a quem foi proibida qualquer tipo de 
deificação. Aeciden é tido pelo autor como um patronímicoe enfatizou a mortalidade do 
herói por meio de sua linhagem masculina, isto é, pela paternidade de Peleu. A 
conclusão do autor é a de que a subversão da Aquileida residiu no fato de que Estácio 
escolheu um mito que foi diferente do imperador e que cultivou de forma enérgica a 
ideia de sua própria divindade (KONSTAN, 2016, p. 381). 
Concordamos com o autor de que a expressão magnusque tibi praeludit Achilles 
representou tanto uma referência ao poema que é um prelúdio da epopeia de Domiciano 
que havia sido mais uma vez adiada bem como uma referência às qualidades do herói 
no campo bélico e no campo da música (KONSTAN, 2016, p. 382). No entanto, 
discordamos do mesmo no que tange à missiva lançada de que a Aquileida seria um 
texto subversivo. Ora, por quais motivos um poeta que se beneficiou durante a vida 
inteira das benesses oferecidas pelas relações de patronato e de clientelismo, no final de 
sua vida, iria redigir um poema que criticava o imperador que ainda estava vivo? A 
análise de Konstan foi bastante literal e subjugou o fazer poético a simples 
metaforização de uma realidade límpida e condizente com as narrativas de vitupério 
pós-assassinato de Domiciano ocorrido em setembro de 9612. A Aquileida fez parte da 
teatrocracia de Domiciano no que diz respeito à representação dele como superior em 
qualidades quando comparado a Aquiles13. 
Sobre os três primeiros versos do primeiro canto da Aquileida, o Penwill (2013, p. 46) 
diz que a primeira palavra “magnanimum”, que traduziu por “grande coração”, é um 
adjetivo de heróis épicos14 (DILKE, 1954, p. 79; PARKES, 2008, p. 382). Tal palavra 
 
12 Reprovamos a ideia de que a história daquele poema seja uma cópia poética de uma realidade porque, 
na prática, nós não a alcançaremos nunca. 
13 Essa hipótese está sendo desenvolvida de modo mais detalhado pela dissertação de Irlan de Sousa 
Cotrim, um dos autores deste trabalho. 
14 Penwill (2013, p. 40) avaliou o proêmio e o encômio a Domiciano presentes na Aquileida da seguinte 
forma: ao avaliar a função e o impacto do encômio imperial nos proêmios da Tebaida e da Aquileida, na 
 
 
foi usada por Estácio para designar César no epílogo da Tebaida (XII. 814-815), que 
estabelece uma ligação entre essas duas personagens. Baptista e Leite (2019, p. 132) 
concluíram que, além de possuir uma importância central dentro daquelas obras, os 
proêmios de Estácio criaram a cenografia apta ao encômio imperial – este que era o 
objeto central da situação enunciativa – bem como a justificativa pela qual o poeta 
escolheu o tema mitológico para compor a épica: o tema mitológico era um exercício 
para a composição de um poema épico de tema histórico que seria mais grandioso, ou 
seja, uma épica sobre os feitos bélicos de Domiciano. Aqui temos novamente o fato do 
exemplum histórico como maior que o equivalente mitológico, o que em outras palavras 
significa que Domiciano é maior que Aquiles, cujos feitos foram considerados o 
prelúdio da obra na qual o Princeps seria o personagem principal. A partir do complexo 
categorial chegamos a algumas conclusões. 
Quadro 01 – Complexo categorial 
Estácio, Aquileida (c. 95/96), Achil. I. 1-19. Trata-se do proêmio do referido poema no qual. O autor tece 
uma dedicatória ao imperador Tito Flávio Domiciano nos últimos versos do poema (v. 14-19). 
 
PERSO
NAGEM 
ATRIBUTOS 
FÍSICOS 
ATRIBUTOS 
MILITARES 
ATRIBUTOS RELIGIOSOS EPÍTETOS 
Aquiles 
(Achil. I. 
1-13) 
Corpo ocultado 
por véus em 
Ciros 
(heroavelisScyr
oquelatentem) 
v. 5 
As ações do 
personagem são 
famosas pelos 
cantos homéricos, 
ou seja, a Ilíada 
narrou os feitos do 
semideus na 
Guerra de Tróia 
(quamquam acta 
virimultuminclitaca
ntuMaeonio) v. 3-4 
Formidável raça pelo Tonante 
(formidatamqueTonantiprogeniem 
et patriovetitamsuccederecaelo) v. 
1-2 
Magnânimo 
eácida 
(Magnanimum
Aeaciden), v. 
1 
 
 
Domicia
no 
(Achil. I. 
*** Domiciano logrou 
êxito tanto no 
campo literário 
A história de Aquiles é o prelúdio 
da história de Domiciano (da 
veniam ac trepidumpatere hoc 
Pronome tu 
substitui o 
nome do 
 
abertura do encômio vemos ítala uirtus graiaque o que significaria uma referência aos Jogos Capitolinos 
inaugurados em 86 que incluía competições de poesia grega e latina. Adiante, Estácio alude à reputação 
de Domiciano como poeta, o que, segundo o autor, era um tema bastante proeminente entre os escritores 
romanos nos anos 90. Aquiles é mostrado como alguém com plena habilidade nas artes (Achil. 1. 188-
194), que não perdeu mesmo depois de nove anos de batalhas em Troia (Hom. Il. 9. 186-191; Stat. Silv. 
4.4.35-36). Domiciano teria suplantado uma habilidade (a das artes) por outra, dedicada à matéria 
belicosa. O autor traduz magnusque tibi praeludit Achilles como “Aquiles, grande embora ele seja, é 
apenas um prelúdio para si próprio” e persegue autores que defendem uma leitura na qual Domiciano é 
equiparado a Aquiles (ARICÒ, 1986, p. 2926-2931; DILKE, 1954, p. 81). No contexto imediato, a 
Aquileida é um tema preliminar e que preludia uma realidade ainda mais virtuosa. 
 
 
14-19) quanto no campo 
militar, embora 
tenha há um tempo 
deixado o primeiro 
em proveito do 
segundo 
(cuigeminae 
florente 
vatumqueducumqu
ecertatimlaurus) v. 
15-16 
sudareparumperpulvere: te longo 
necdumfidenteparatumolimurmag
nusquetibipraeluditAchilles) v. 
17-19 
imperador 
Domiciano, 
descrito como 
aquele cujas 
virtudes os 
povos gregos 
e itálicos 
invejam há 
tempos (quem 
longe primum 
stupetItalavirt
usGraiaque) 
v. 14-15 
Em Achil. 1.5, o corpo de Aquiles encontrou-se ocultado por véus na ilha de Ciros, dado 
o embuste criado por sua mãe Tétis para proteger o jovem. Tétis, aqui, representa a 
contenção do corpo do vir militar que, no entanto, apenas pôde parecer ocultado 
(HESLIN, 2005, p. 137) uma vez que toda a educação militar que recebeu de Quíron 
não foi perdida15. No caso de Domiciano, no proêmio temos a sua menção por meio do 
pronome latino tu que, em nosso entendimento, representou uma discrepância entre as 
figuras mitológica (Aquiles) e outra histórica (Domiciano). A matéria de suas 
realizações é precedida pelos feitos da vida de Aquiles como prometido por Estácio. 
Nos versos décimo quarto e décimo quinto, temos que os povos gregos e romanos 
invejavam há muito tempo as virtudes do imperador. Na visão de Davis (2015, p. 159), 
o imperador é o terceiro destinatário do poema (atrás da Musa e do deus Apolo), pois 
foi invocado com o pronome tu e a quem foi dado o mesmo número de linhas que a 
Apolo. Apesar disso, dada a grandiosidade da matéria histórica e a recusatio do vate, 
que se sentia inapto para distender a lira, os atos bélicos de Domiciano são comparados 
aos de Aquiles e o resultado que obtemos é que mais uma vez o exemplum histórico 
sobressai ao mitológico. Desse modo, se na silva I.1 Domiciano ultrapassa exemplos 
republicanos como Cúrcio e Júlio César, no proêmio da Aquileida ele é maior que 
Aquiles e a história deste serve apenas como um prelúdio ou mesmo introdução para 
outra obra mais nobre e mais virtuosa tanto nos padrões de virtudes gregos quanto 
romanos. 
 
15 Tal educação volta no Livro Segundo da Aquileida em um diálogo entre Aquiles e Ulisses: a caça de 
animais violentos (II.121-125), a do jovem à exposição a todos os tipos de armamentos das diversas tribos 
guerreiras (II.130-136) e o treino em habilidades de batalhas e em esportes violentos (II.140-143; 155-
156). Ao mesmo tempo que teve uma educação voltada para o campo militar, Aquiles também aprendeu 
com o centauro Quíron as artes musicais (I.118) e médicas(I.117). 
 
 
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