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M INERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NA AM ÉRICA LATINA Leonardo Nem er Caldeira Brant Tiago de M attos Silva MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NA AMÉRICA LATINA DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE Leonardo Nemer Caldeira Brant Tiago de Mattos Silva Organizadores Autores: Ana Carolina Gusmão da Costa • Ana Luiza Garcia Campos • Jaime Tejada Gurmendi Laurent Sermet • Luis Bustos • Luis Fernando Bastidas Reyes Marcos Augusto Conca • Tiago de Mattos Silva MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NA AMÉRICA LATINA: DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE LEONARDO NEMER CALDEIRA BRANT TIAGO DE MATTOS SILVA Organizadores MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NA AMÉRICA LATINA: DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE Belo Horizonte 2021 © Konrad-Adenauer-Stiftung Organização Leonardo Nemer C. Brant Tiago de Matt os Silva Coordenação Executiva Paula Neves Tradução Paula Neves Emily C. Saraiva Design e Diagramação Walter Santos ISBN: 978-65-993303-0-8 Título: Mineração em terras indígenas na América Latina: Desenvolvimento e Meio Ambiente = Minería en tierras indígenas en Latinoamérica: Desarrollo y Medio Ambiente = Mining in indigenous lands in Latin America: Development and Environment. Mineração em terras indígenas na América Latina: Desenvolvimento e Meio Ambiente Belo Horizonte, EKLA - Programa Regional de Segurança Energética e Mudanças Climáticas – Konrad-Adenauer-Stiftung, 2020. Todos os direitos reservados a: EKLA Konrad-Adenauer-Stiftung e.V. Contato: Dra. Nicole Stopfer. Programa Regional Segurança Energética e Mudanças Climáticas na América Latina +51 13 20 28 70 Calle Cantuarias 160 Of. 202, Mirafl ores, Lima 18, Peru. htt ps://www.kas.de/es/web/energie-klima-lateinamerika/ Energie-Klima-La@kas.de. Diretora Nicole Stopfer Coordenadora de Projetos Anuska Soares As visões e opiniões expressas na presente coletânea de artigos e teses são de responsabilidade dos autores colaboradores e não representam necessariamente as visões e posições dos organizadores. B821m Brant, Leonardo Nemer Caldeira (Org.), 2020 - Mineração em terras indígenas na América Latina: Desenvolvimento e Meio Ambiente / Leonardo Nemer Caldeira Brant; Tiago de Matt os Silva (Org.) - Belo Horizonte, 2020 182 p.: il ISBN: 978-65-993303-0-8 1. Direito da Mineração. 2. América Latina. 3. Desenvolvimento. 4. Meio Ambiente. I. Título. II. Brant, Leonardo Nemer Caldeira. III. Silva, Tiago de Matt os CDD 342.124508 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Leonardo Nemer Caldeira Brant, Tiago de Mattos ............................................................................................................ 9 UMA ANÁLISE DE DIREITOS HUMANOS SOBRE A MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS Ana Carolina Gusmão da Costa .........................................................................................................................................................11 1. Introdução ..............................................................................................................................................................................................11 2. A proteção internacional dos direitos indígenas .................................................................................................13 2.1. A Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT ...............................................................................................................................................................................15 3. Da tratativa constitucional sobre o Direito Indígena e a mineração em terras indígenas .................................................................................................................................................................................................18 4. A realidade brasileira da mineração em terras indígenas e seus impactos socioambientais .................................................................................................................................................................................22 5 Conclusão ................................................................................................................................................................................................26 6. Referências bibliográficas .........................................................................................................................................................28 DESENVOLVIMENTO, MEIO AMBIENTE E MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS: UM ENSAIO SOBRE OS DESAFIOS REGULATÓRIOS Ana Luiza Garcia Campos ........................................................................................................................................................................31 Introdução ..............................................................................................................................................................................................32 1. Mineração e meio ambiente: contexto e evolução normativa ...................................................................33 2. Desenvolvimento e crise ambiental ...............................................................................................................................38 3. Regulação, desenvolvimento e mineração em terras indígenas ...........................................................45 Considerações finais ......................................................................................................................................................................50 Bibliografia .............................................................................................................................................................................................52 O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA DOS POVOS INDÍGENAS OU ORIGINÁRIOS: UMA REVISÃO DO QUADRO LEGAL APLICÁVEL NO PERU Jaime Tejada Gurmendi ..............................................................................................................................................................................55 Introdução ..............................................................................................................................................................................................55 1. A Convenção 169 da OIT e o direito à consulta.....................................................................................................56 2. O processo de formação da Lei 29785 ............................................................................................................................61 3. Perspectiva institucional da consulta prévia ..........................................................................................................63 4. Objeto de consulta: Medida administrativa ou legislativa .........................................................................65 5. Sujeitos de consulta: Povos indígenas ou originários .....................................................................................67 6. Processo de consulta .....................................................................................................................................................................70 7. A consulta prévia no subsetor de mineração peruano ...................................................................................75 Referências Bibliográficas .........................................................................................................................................................79 DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NO DIREITO INTERNATIONAL E REGIONAL DAS AMÉRICAS Laurent Sermet ....................................................................................................................................................................................................81 Introdução ..............................................................................................................................................................................................811. Perspectiva contemporânea sobre os Povos Indígenas ..................................................................................83 1.1. Diferença cultural como um “encantamento” .......................................................................................................83 1.2. A vida indígena em seu drama e resiliência ...........................................................................................................85 1.3. A crítica contemporânea ........................................................................................................................................................... 86 2. Povos Indígenas: Definição? ...................................................................................................................................................87 2.1. Nenhuma definição jurídica explícita e vocabulário indefinido ...........................................................87 2.2. Abordagem doutrinária: Martinez Cobo (1986) .................................................................................................. 88 2.3. Ausência de consenso internacional: parecer consultivo da AfCHPR .......................................... 88 3. Qual o papel do Direito Internacional no que tange os povos indígenas? Direito como uma linguagem em comum; Direito como proteção; Ambiguidade do Direito ............89 3.1. Problemática jurídica: como afirmar? Como fazer cumprir? ................................................................... 90 3.2. Quais normas de Direito Internacional? Quais são os mecanismos internacionais de proteção? ......................................................................................................................................................................................... 90 Direito Internacional: como funciona? ........................................................................................................................ 94 Considerações Finais ....................................................................................................................................................................97 DIREITO À CONSULTA PRÉVIA NA COLOMBIA - COMENTÁRIOS SOBRE O SETOR MINERÁRIO Luis Fernando Bastidas Reyes, Luis Bustos ............................................................................................................................99 1. Introdução ...........................................................................................................................................................................................100 2. Fundamentos da Consulta Prévia na Colômbia .............................................................................................. 102 2.1. Fontes do Direito à Consulta Prévia ............................................................................................................................ 103 2.2. Em que consiste a consulta prévia? ..............................................................................................................................106 2.3. Fundamento constitucional da consulta prévia ................................................................................................108 2.4. Finalidades de consulta prévia .........................................................................................................................................109 3. Etapas do processo de consulta prévia e algumas falhas que a tornam ineficiente. ........111 4. Números relacionados à consulta prévia na colômbia. ..............................................................................113 5. Alguns desafios da consulta prévia na Colômbia. ..........................................................................................117 5.1. Impossibilidade de identificar com precisão as comunidades étnicas e sua localização geográfica. ...............................................................................................................................................117 5.2. Natureza obrigatória do processo de consulta prévia para entidades públicas com competência em relação ao(s) Projeto(s), obra(s) ou atividade(s). .......................................... 123 5.3. Falta de definição dos deveres e obrigações aos quais o titular do direito de consulta prévia está sujeito e as consequências do não cumprimento dos mesmos. .....123 Conclusões .......................................................................................................................................................................................... 124 Bibliografia ..........................................................................................................................................................................................125 ATIVIDADE DE MINERAÇÃO EM TERRITÓRIOS INDÍGENAS: DIREITO DE CONSULTA E PARTICIPAÇÃO E A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS DE RESPEITAR OS DIREITOS HUMANOS Marcos Augusto Conca..............................................................................................................................................................................131 1. Introdução .......................................................................................................................................................................................... 131 2. O desenvolvimento Sustentável e as atividades extrativistas ............................................................... 133 3. Os povos indígenas no Direito Internacional e o direito à participação e à consulta ...... 138 4. Responsabilidade das empresas em matéria de Direitos Humanos .............................................. 149 5. Conclusão ............................................................................................................................................................................................. 159 Referências Bibliográficas ...................................................................................................................................................... 161 A REGULAÇÃO DA MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL: CONTRIBUIÇÕES JURÍDICAS E REGULATÓRIAS ÀS PROPOSTAS DE EFETIVAÇÃO DO COMANDO CONSTITUCIONAL – DO PROJETO DE LEI Nº 1.700/1989 AO PROJETO DE LEI Nº 191/2020 Tiago de Mattos Silva .................................................................................................................................................................................163 1. Introdução: relevância e sensibilidade temporal do tema ........................................................................163 2. Mineração em terras indígenas: bases constitucionais ..............................................................................166 3. As propostas de regulação do tema no Congresso Nacional: uma análise crítica dos modelos regulatórios sugeridos, do PL nº 1.700/1989 às vésperas do PL nº 191/2020 .......168 4. O Projeto de Lei nº 191/2020: análise regulatória e debate sobre sua harmonização com o regime jurídico da mineração brasileira ................................................................................................ 173 5. Conclusão: A necessidade de aprofundamento do debate jurídico para a construção de um modelo seguro.............................................................................................................................. 179 Referências bibliográficas ...................................................................................................................................................... 181 APRESENTAÇÃO Esta obra nasce da necessidade premente de discutir-se, de forma profunda, a mineração em terras indígenas na América Latina, levando-se em conta, ao mesmo tempo, a garantia dos direitos indígenas e o tão almejado desenvolvimento sustentável. Trata-se de um debate sensível e relevante nãoapenas regionalmente, mas em escala global. A mineração é atividade de grande importância para o desenvolvimento social e econômico de qualquer país. Na América Latina, devido à existência de reservas minerais pujantes e projetos que serão essenciais no fornecimento de matéria-prima para as mais diversas indústrias globais, o debate torna-se ainda mais estratégico. A comunidade indígena possui direitos internacionalmente reconhecidos, entre eles os direitos a autonomia, identidade, tradições e cultura, além dos direitos coletivos e individuais de possuir, controlar e usar as terras e territórios que tradicionalmente ocupam, como dispõe a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007. Daí a necessidade de discussão sobre modelos e cautelas para ampliação das fronteiras minerárias, aplicando-se uma política mineral inclusiva, que garanta a proteção dos interesses dos vários interessados, principalmente os indígenas. No Brasil, a mineração em terras indígenas, apesar de prevista na Cons- tituição, ainda não foi regulamentada. É providencial um debate amplo, que avalie as alternativas regulatórias e os instrumentos de participação indígena nessa construção. Nesse contexto, a experiência vivida em outros países torna-se ferramenta relevantíssima para o estudo de inciativas exitosas e práticas a se evitar, em razão de conflitos já observados. L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 10 É nesse cenário de possível antagonismo que a presente obra busca agregar diferentes perspectivas sobre o desenvolvimento sustentável, os direitos indígenas e o direito à consulta prévia, em busca da reconciliação entre avanços econômicos e proteção das comunidades tradicionais. O trabalho enfrentou o assunto, partindo de sua premissa multidisci- plinar. Para isso, foram convidados autores com sólida formação acadêmica e experiência relevante no assunto em seus países de origem, que buscaram realizar, de forma enriquecedora, uma pesquisa acadêmica sem precedentes. Além da realidade brasileira, os trabalhos refletem experiências na Argentina, Colômbia e Peru, sendo citados, ainda, casos em várias outras jurisdições. Aos autores que aceitaram o desafio de compor esta obra - que seja ao mesmo tempo clara e comprometida com o leitor - nosso agradecimento. Ao leitor, nosso desejo é de que este trabalho transcenda as questões já postas e indique possíveis caminhos para novas pesquisas – e novas soluções. Por fim cabe salientar que esta obra integra um amplo e muito bem su- cedido projeto de cooperação entre o Centro de Direito Internacional - CEDIN e o Programa Regional de Segurança Energética e Mudanças Climáticas na América Latina (EKLA) da Fundação Konrad Adenauer (KAS). Dentro deste panorama, o presente estudo traz dois elementos profundamente relevantes. Em primeiro lugar ele está em harmonia com o necessário dialogo suprarregional entre mineração, atividade de suma importância para o desenvolvimento social e econômico de qualquer país, e os direitos dos povos nativos e seu território. Em seguida, este estudo representa igualmente uma parceria que tem o ser humano como foco central e que pretende contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, livre, equilibrada e sustentável. Estes são em síntese os valores que partilham as entidades parceiras. Leonardo Nemer Caldeira Brant Tiago de Mattos 11 UMA ANÁLISE DE DIREITOS HUMANOS SOBRE A MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS Ana Carolina Gusmão da Costa 1 1. Introdução O processo de dominação e de discriminação contra os índios se inicia com a ocupação portuguesa do Brasil e se prolonga até os tempos atuais. A denominação “índio” foi designada aos povos originários pelos portu- gueses e espanhóis, os quais justificaram suas expedições marítimas na busca por um caminho para as Índias via Oceano Atlântico. A América foi inicialmente chamada de Índias Ocidentais. A denominação “índio” feita pelo colonizador generaliza povos diferentes, apagando as especificidades étnicas, linguísticas, culturais e religiosas. Como a expressão foi consolidada historicamente, ela ainda é largamente usada para denominar os povos originários da América do período pré-colombiano. 1 Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidora do Governo de Minas Gerais. Atualmente é Superintendente de Participação e Diálogo Social na Secretaria de Desenvolvimento Social- SEDESE. Possui pós-graduação em Direitos Humanos pelo Instituto Claretiano e pós-graduação em Estudos Diplomáticos pelo Centro de Estudos de Direito Internacional- CEDIN. É mestre pela PUC Minas na área de Direito Público, linha: Direitos Humanos, Processos de Integração e Constitucionalização do Direito Internacional. Professora da PUC Minas no curso de Pós-graduação Cidadania e Direitos Humanos no contexto das políticas públicas. Professora do Curso de Educação a Distância de Formação Prático-Aplicada Em Direitos Humanos No Contexto Brasileiro da Fundação Konrad Adenauer em parceria com o Centro de Direito Internacional e CEDIN. L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 12 O contato com os europeus trouxe uma grave consequência para os índios em toda a América, a contaminação de doenças com as quais as comunidades nunca haviam tido contato, não apresentando qualquer imunidade biológica. Os surtos de gripe, varíola, peste negra, tifo, sarampo, dentre outras epidemias, resultaram num considerável declínio populacional indígena. Com a ocupação portuguesa da colônia brasileira, os conflitos entre indí- genas e portugueses se intensificaram. Os indígenas passaram a se opor às pretensões dos colonos de utilizá-los como escravos nas atividades comerciais, em especial para a extração do pau brasil. A imposição da escravidão dos índios se dava por meio do uso da força e da subtração de suas terras originalmente ocupadas, ações realizadas com permissão legal da Coroa.2 Em 1604, Portugal proíbe o uso das terras indígenas por colonos. Entre- tanto, as invasões eram legitimadas pelas Câmaras Municipais que cediam terras indígenas a moradores que nelas se instalavam, contribuindo para o aumento da oferta de escravos indígenas. (SUCHANEK, 2012) As ordens missionárias, apoiadas inicialmente pelo Rei para a catequização dos índios na fé católica, aportaram no Brasil em meados do século XVI, dentre elas destaca-se a Companhias de Jesus, ordem jesuíta. Apesar de se manifestarem contrários à escravidão indígena, os missionários administravam as aldeias impondo um sistema de produção agrícola, com uso da mão de obra indígena, concomitante com a doutrinação católica dos índios. (BRANDÃO, 2002, pag.246). A escravidão indígena foi intensificada na segunda metade do século XVII com o fortalecimento das bandeiras, expedições independentes que exploravam o interior do Brasil em busca de riquezas, especialmente pedras preciosas. Era prática comum dos bandeirantes a ocupação das terras indígenas e a tomada dos índios como escravos, apesar da resistência das missões religiosas e da Coroa. Previsões reais do fim do século XVII, determinaram que os índios deveriam receber salários pelos seus serviços, porém a abolição da escravatura indígena ocorreu apenas em 17583. As legislações pró-índios eram ignoradas e a 2 Em 1570, a primeira Carta Régia, editada por Dom Sebastião, previa o direito dos portugueses escra- vizarem os índios desde que eles tenham sido aprisionados em “guerras justas”. Entendia-se por “guerras justas” aquelas em legítima defesa ou promovidas pela Coroa contra as comunidades que se recusassem a submissão real e à colonização. Segundo essa norma, também poderiam ser escravizados os índios que se opusessem a doutrinaçãocatólica, bem como aqueles que praticassem rituais religiosos ou a antropofagia. (BRANDÃO, 2002, pag 64) 3 A Carta Régia de 1798 emancipa os índios aldeados, mas, os índios continuavam a ser considerados incapazes de administrar seus bens, incluindo suas terras, ficando todo o patrimônio indígena sob custódia do Estado. (SUCHANEK, 2012) M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 13 exploração do trabalho escravo indígena prosseguia ocorrendo em larga escala. (BRANDÃO, 2002) O processo de violência contra os índios, de usurpação das terras indí- genas e da degradação ambiental de seus territórios para o desenvolvimento de atividades econômicas persiste na atualidade. As terras indígenas sofrem frequentes invasões por grileiros, madeireiros, garimpeiros e agropecuaristas. Segundo os dados do censo demográfico de 20104, a população indí gena brasileira é de 817.963 indígenas, dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas. Os povos indígenas estão presentes em todos os Estados da Federação, inclusive no Distrito Federal. Ainda segundo esse levantamento, há 305 diferentes etnias e foram registradas no país 274 línguas indígenas. (FUNAI, 2016) O Brasil assumiu compromissos internacionais para a garantia dos direitos indígenas, dentre as normas internacionais dessa matéria destaca-se a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT. Essa norma internacional determina a necessidade de consulta às comunidades indígenas quando medidas administrativas ou legislativas possam afetá-los. A Constituição de 1988 reconhece os direitos indígenas de viverem con- forme seus costumes e tradições, com respeito à sua cultura e às suas crenças, preconizando a autonomia e a dignidade humana dos povos indígenas. A Cons- tituição Federal também reconhece os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e define como competência do Estado demarcá-las, protegê-las e protege todos os seus bens. 2. A proteção internacional dos direitos indígenas O Brasil assumiu diversos compromissos internacionais para a garantia dos direitos indígenas, dentre as normas internacionais dessa matéria destaca-se a Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT. A Declaração Universal de Direitos Humanos do ONU (1948), recomen- dação dada a todos os Estados do planeta com ações e princípios basilares de Direitos Humanos, é aplicável em sua integra a esse público, posto o seu caráter universalista. No mesmo sentido aplicam-se o Pacto Internacional dos Direitos 4 Realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE, órgão vinculado ao Governo Federal. L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 14 Civis e Políticos5 e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais6. Importante marco do Direito Internacional para a proteção dos direitos indígenas foi a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indíge- nas que foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 13 de setembro de 2007. Essa declaração reitera que os povos indígenas são livres e iguais em dignidade e direitos. A Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas prevê, em suma: a) O direito à autodeterminação; b) O respeito à identidade, tradição e cultura; c) O direito às medidas estatais especiais para a melhoria do desenvolvimento econômico, social e cultural, respeitando a autonomia dos povos; d) O direito à consulta livre prévia e informada em caso de medidas admi nistrativas ou legislativas que possam afetá-los; e) O direito coletivo e individual de possuir, controlar e usar as terras e territórios tradicionalmente ocupados; f) O direito coletivo e individual de serem protegidos contra o geno cídio; g) os direitos individuais à vida, integridade física e mental, liberdade e segurança; dentre outros direitos. (ONU, 2008) Considerando que o debate do direito indígena perpassa pela discussão do patrimônio cultural, da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentá vel, também são normas internacionais aplicáveis: a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 19727; a Convenção sobre a Diversidade Biológica8 e o Acordo de Paris (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima)9. Verifica-se que o debate dos direitos das comunidades indígenas e do desenvolvimento sustentável está em consonância com a agenda interna cional dos Direitos Humanos. Em 2015, a ONU aprovou, na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (25-27 de setembro 2015), o documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Susten- tável”. A Agenda 2030 (também conhecida como Objetivos de Desen volvimento Sustentável- ODS) é fruto do trabalho conjunto de governos e sociedade civil para criar um novo modelo global para acabar com a pobreza, promover a pros- peridade e o bem-estar de todos, proteger o ambiente e combater as alterações climáticas; bem como o desenvolvimento sustentável nas esferas econômica, 5 Promulgado pelo Decreto n º 592 de 6 de julho de 1992. 6 Promulgado pelo Decreto n º 591 de 6 de julho de 1992. 7 Promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n.º 80.978, de 12 de dezembro de 1977. 8 Promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n.º 2.519, de 16 de março de 1998. 9 Promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 9.073, de 5 de junho de 2017. M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 15 social e ambiental, de forma equilibrada e integrada. Esse documento consiste em uma Declaração, conta com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas (PNUD, 2015). 2.1. A Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT A Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT sobre povos indígenas e tribais foi adotada na 76ª Conferência Internacional do Trabalho, em 1989. 10A Convenção 169 da OIT propõe a defesa dos direitos dos povos indígenas e tribais. Essa convenção prevê a promoção e proteção dos povos indígenas e tribais, que na realidade brasileira melhor seriam denominados “povos e comunidades tradicionais”. A Convenção 169 determina: a) a não discriminação; b) igualdade no acesso a direitos; c) diversidade cultural, social e religiosa; d) autonomia aos povos chamados indígenas e tribais. Dentre os temas tratados na Convenção, destacam-se: a) a posse e propriedade das terras e territórios tradicionalmente ocupados e gestão de seus recursos; b) contratação e condições de emprego; c) proteção das atividades tradicionais e das atividades relacionadas com a economia de subsistência dos povos interessados; d) seguridade social e saúde; e) educação e meios de comunicação; f) contatos e a cooperação entre povos indígenas e tribais através das fronteiras. Vale lembrar que a autodeterminação dos povos, princípio da Convenção 169 é também princípio fundamental do Direito Internacional Público. A Cons- tituição Federal elenca a autodeterminação dos povos como um dos princípios que regem suas relações internacionais (Art. 4º, inciso III). (BRASIL, 1988). Dentre outras obrigações, os países signatários da Convenção 169 se comprometem a consultar os povos interessados, mediante procedimentos apro- priados em caso de ações que poderão impactar as comunidades envolvidas, esse ato é denominado Consulta livre, prévia e informada. Essa consulta deverá ser realizada pelo Estado cada vez que sejam previs- tas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los direta mente, garantindo a efetiva participação dos “povos indígenas e tribais” na tomada 10 A Convenção foi ratificada em 2002 pelo Brasil, entrou em vigor em 2003 efoi incorporada ao direito pátrio por meio do Decreto nº 5.051 de 19 de abril de 2004. L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 16 de decisões. A consulta deve ocorrer mediante procedimentos adequados às circunstâncias e à boa-fé, e tem como objetivo final o consenso. Além desta cláusula geral, a Convenção estipula a obrigação de consulta em algumas situações específicas, são elas: a) quando se tratar de processo de desenvolvimento que afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual; b) decisões sobre questões afetas às terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e decisões seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural; c) na formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente. Por fim, a Convenção dispõe sobre a obrigação de participação direta e cooperação com os povos sempre que se trate do desenvolvimento de estudos sobre eles mesmos ou seus territórios; e que os governos deverão adotar medidas em co- operação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam. (BRASIL, 2004) Essa consulta é livre, pois deve ser isenta de qualquer pressão ou violência. É prévia porque deve anteceder o ato suscetível de causar impactos à comunidade e porque a consulta deverá possibilitar a revisão do projeto inicial ou mesmo sua não realização. A consulta é informada, pois a comunidade deve ter acesso a todas as informações pertinentes sobre a ação e seus possíveis impactos. A acessibilidade de informações deverá contemplar fatores geográficos, lin- guísticos e culturais garantindo a compreensão do projeto e todas as suas impli- cações. A consulta livre, prévia e informada deve ocorrer em todas as fases da medida administrativa ou legal que poderá impactar os povos e comunidades tradicionais, não se restringindo a ato isolado durante o processo. 11 Segundo os comentários12 do Relator Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, James Anaya, a consulta é obrigação do Estado e traduz-se como garantia desses povos “a participar na tomada de decisões públicas que pos- sam afetar seus direitos e interesses de forma diferenciada”.13 Caberá também 11 Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos também confirmam a necessidade de consultas às comunidades afetas, vide decisões dos casos Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, Caso Yatama Vs. Nicarágua; e Caso Saramaka vs. Suriname. 12 Comentários registrados no documento intitulado “Propuesta de gobierno para nueva normativa de consulta y participación indígena de conformidad a los artículos 6° y 7° del Convenio N° 169 de la Organización Internacional del Trabajo”. Esse relatório foi emitido por solicitação do Governo do Chile que submeteu sua “Proposta de Nova Normativa de Consulta” para apreciação da Relatoria Especial. (Anaya, 2012). 13 Comentário 29. M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 17 ao Estado o dever de fazer ajustes para adaptação dos atos para garantia dos direitos indígenas, mediante consulta.14 (ANAYA, 2012, tradução livre). Reiterando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Sarayaku, o relator cita que “os povos indígenas devem ser previamente consultado sobre todas as fases processo de produção normativa, e essas consul- tas não deve ser limitada às propostas”.15” No Caso Sarayaku vs. Equador, a Corte Interamericana previu que as formas de organização para a consulta indígena “tem que responder a processos internos tais povos”, e que a participação e condução dos assuntos deverá ocorrer “a partir de suas próprias instituições e de acordo com seus valores, usos, costumes e formas de organização”16. (ANAYA, 2012, tradução livre). Sobre o consenso, a Convenção 169 da OIT o exige em caso que impactem o uso do território, dispõe que “os povos interessados não deverão ser trans- ladados das terras que ocupam”. Logo em seguida estipula que “Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam conside- rados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa.”17 (BRASIL, 2004). Mesmo que o consentimento não seja estritamente necessário, o Estado tem sempre a obrigação de respeitar e proteger os direitos humanos dos povos indígenas. Nesses casos deverá o Estado aplicar medidas de salvaguarda, tais como medidas de alojamento, mitigação e/ou compensação de danos. E “qual- quer impacto que impõe uma restrição a direitos indígenas devem, pelo menos, cumprir as normas de necessidade e proporcionalidade em relação a uma fina- lidade pública válida” 18. (ANAYA, 2012, tradução livre). No mesmo sentido, a decisão da Corte Interamericana de Direitos Hu- manos- CIDH sobre o Caso Saramaka vs. Suriname traz à luz importante preceito sobre a necessidade do consentimento quando há riscos de perda de território, ou grave comprometimento para o acesso, uso e gozo dos recursos fundamentais à subsistência física e cultural do grupo. (OEA, 200719). 14 Comentário 34. 15 Comentário 38 16 Comentário 54 17 Artigo 16 da Convenção 169 da OIT 18 Comentário 70 19 OEA, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Saramaka vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007 L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 18 Há recomendações do Relator Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas que se proceda consulta aos povos destinatários da Convenção 169 da OIT para a construção de mecanismos de consulta. (ANAYA, 2012). Nesse sentido, tem-se estimulado a produção de Protocolo de Consulta, que dever ser construído pelos povos ou comunidades suscetíveis a serem afetadas. Nesse protocolo deverão ser indicadas as regras e metodologia considerando os costumes e tradições da comunidade, o Estado deverá seguir esse protocolo no processo de consulta. 3. Da tratativa constitucional sobre o Direito Indígena e a mineração em terras indígenas A Constituição de 1988 reconhece aos índios o direito à diversidade, isto é, direito de serem índios e de permanecerem com sua cultura e tradições indefinidamente ou até quando desejarem. O texto constitucional reconhece aos índios “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.20 Foram introduzidas três grandes inovações com a Constituição em relação aos direitos indígenas. A primeira inovação é a perspectiva de uma sociedade plural e o abandono de um modelo de assimilação, que entendia os índios como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento em uma lógica desenvolvimentista21. A segunda é que os direitos dos índios sobre suas terras são definidos enquanto direitos originários, isto é, anterior à criação do próprio Estado, posto que foram os primeiros ocupantes do Brasil. A última inovação é substituir a tutela de pessoas pela tutela de direitos, cabendo ao Estado a 20 Art. 231, “caput”, da Constituição Federal. 21 A Lei 6.001 de 1973, denominada por Estatuto do Índio é a normativa nacional vigente específica sobre a temática indígena, criada durante o regime militar brasileiro. Essa lei define o índio como “indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional”. Já as comunidades indígenas são definidas como “um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo emestado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados.” Não obstante, esse Estatuto classifica os índios enquanto “isolados”, “em vias de integração” e “integrados”. (BRASIL, 1973, art. 3º e 4º). Desde a promulgação da Constituição de 1988, verificou-se a necessidade de rever a Lei nº 6001/73 de forma a compatibilizá-la com o novo texto constitucional, há vários projetos de lei sobre a matéria no Congresso Federal. M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 19 proteção dos direitos indígenas e ao Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas. A Constituição reconhece as terras indígenas como aquelas: “tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.” (BRASIL, 1988, art. 231, § 1º). Incorporam-se não apenas as áreas de habitação permanente e de coleta, mas também todos os espaços necessários à manutenção das tradições do grupo. Assim, o território não é apenas fonte de subsistência material dos índios, mas também lugar onde os índios constroem sua realidade social, simbólica e cultural. Caberá a União, por meio da Fundação Nacional do Indío- FUNAI, de marcar e proteger as terras indígenas. As terras tradicionais dos índios são propriedade da União - Brasil. Os povos indígenas apenas têm direito à sua posse permanente, com o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.22 As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas são imprescritíveis. 23 (BRASIL, 1988) Os índios não poderão ser removidos de suas terras, a não ser em caso que a população indígena esteja sobre riscos (catástrofe ou epidemia) ou em razão de interesse da soberania do país. Essa remoção só poderá ocorrer após decisão do Congresso Nacional. Fica garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato da comunidade logo que cesse o risco. (BRASIL, 1988).24 Sobre a mineração em terras indígenas a Constituição trata o tema ex- pressamente: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (...) § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, 22 Constituição Federal, artigo 231, § 2º 23 Constituição Federal, artigo 231, § 4º 24 Constituição Federal, artigo 231, § 5º L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 20 a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. (BRASIL, 1988) Verifica-se no texto constitucional que a mineração em terras indígenas depende de autorização do Congresso Nacional e as comunidades devem ser ouvidas. A Convenção 169 da OIT especifica a forma de ouvir a comunidade por meio da Consulta livre, prévia e informada, nos termos apresentados neste trabalho. Ainda não há lei regulamentadora da matéria prevista no art. 231, § 3º da Constituição Federal, assim a mineração em terras indígena e a participação das comunidades nos resultados da lavra ficam sem definições jurídicas. Vários projetos de lei foram apresentados ao Congresso sobre essa temática25, o mais recente foi apresentado ao Congresso em fevereiro de 2020 e é de autoria do Governo Federal. Trata-se do Projeto de Lei- PL 191/2020 que estabelece “as con- dições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas”. O Governo Federal motiva o projeto de lei no incentivo ao desenvolvimento econômico e na geração de riquezas para os índios; porém o que se percebe é a defesa dos interesses das empresas mineradoras. Vê-se a total desconsideração das demandas indígenas. Esse projeto de lei prevê pagamentos relativos à par- ticipação nos resultados e às indenizações por restrição ao usufruto. Verifica-se um projeto governamental de incentivo da mineração nas terras indígenas e a proposta de uma perspectiva indenizatória pecuniária dos danos ambien- tais, desvalorizando a diversidade ambiental, que é bem infungível e de valor incalculável. O PL 191/2020 chama atenção pela sua notória contradição com a Con- venção 169 e com a Constituição Federal, quando propõe: Art. 14. Compete ao Presidente da República encaminhar ao Congresso Nacional pedido de autorização para a realização das atividades previstas nesta Lei em terras indígenas. 25 Dentre eles pode-se citar o PL nº 1.610/96 e o PL nº 2.057/91, e seus substitutivos. M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 21 § 1º O Presidente da República considerará a manifestação das comunidades indígenas afetadas para a realização das atividades de que trata o caput. § 2º O pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas afetadas, desde que motivado. (BRASIL, 2020, grifos meus) Verifica-se, portanto, a violação ao direito da Consulta livre, prévia e infor mada, tratando a escuta das comunidades como mero ato protocolar. Vale rememorar que nesses casos se exige o consentido, pois afeta o uso do território e envolve, na maioria dos casos, o deslocamento parcial ou total das comunidades indígenas de seus territórios. Além disso, o projeto de lei, por se tratar de ino- vação legislativa que afeta diretamente as comunidades indígenas, deveria ser objeto de consulta própria antes da sua proposição, o que não ocorreu. Acerca do descumprimento dos seus direitos, os povos indígenas emitiram documento denominado “Manifesto do Piaraçu”, que denuncia as graves violações de Di- reitos Humanos cometidos contra os índios pelo governo brasileiro e apresenta reivindicações. 26 A mineração em terras indígenas é também referenciada na Constituição Federal, em seu artigo 231, § 7º, que veda a aplicação do art. 174, § 3º e § 4º, CF. Ou seja, em terras não indígenas o Estado estimulará a organização da atividade garimpeira em cooperativas. Essas cooperativas terão “prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas”. (BRASIL, 1988, art. 174, § 4º, CF). Com a vedação constitucional, portanto, nos territórios indígenas, o Estado não poderá estimular a organização da atividade garimpeira em cooperativas, nem garantir direitos de prioridade para essas cooperativas. Melissa Volpato Curi, identifica nesse dispositivo constitucional uma proi- bição para a mineração realizada por não-índios: “Especificamente em relação ao garimpo, a Constituição prevê que os dispositivos em seu texto não se aplicam às terras indígenas (art. 231, § 7°), proibindo, portanto, sob qualquer hipótese, que a atividade seja realizada por não-índios nessas terras” (CURI, 2007, p. 222). O artigo 44 do Estatuto do índio estabelece que “As riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o exercício da garimpagem,faiscação e cata das áreas referidas.” (Brasil, 1973) 26 Disponível em: https://amazonialatitude.com/2020/01/20/manifesto-piaracu-exige-respeito-aos-direitos- indigenas/, consultado em 19 de agosto de 2020. L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 22 Há debate sobre os requerimentos para mineração protocolados antes da promulgação da Constituição Federal. Há época de seu protocolo já se tratava de mero requerimento, gerando apenas expectativa de direitos e não direito adquirido. Ainda que fosse emitida autorização para a atividade minerária, não seria ato válido, pois contraria dispositivo constitucional. Além disso, o direito ao território indígena é concebido enquanto direito originário, anterior ao pro cesso de colonização do Brasil. (CURI, 2007). A Constituição Federal é expres sa em seu artigo 231, § 6º que são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras in dígenas ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União. (Brasil, 1988) 4. A realidade brasileira da mineração em terras indígenas e seus impactos socioambientais Atualmente as comunidades indígenas sofrem com as pressões para instalações de empreendimento minerários em seus territórios e com a violência da mineração ilegal (garimpo). A mineração em terras indígenas é notória na Amazônia Legal27 Cabe apontar que a mineração resulta em: a) Impactos ambientais: desmatamento; poluição de rios e da pesca; assoreamentos e alterações de cursos d`água; perda da biodiversidade, com possibilidade de extinção de espécies da fauna e da flora. b) Impactos sociais: ameaças e violências contra indígenas; homicídios28; perda do território; exploração do trabalho sexual; violências contra mulheres, crianças e adolescentes; aumento do uso abusivo de álcool e outras drogas; perda das identidades culturais e das tradições. c) Impactos de saúde: contaminação por coronavírus e outras doenças infec tocontagiosas, contaminação com os rejeitos decorrentes da 27 “A região é composta por 52 municípios de Rondônia, 22 municípios do Acre, 62 do Amazonas, 15 de Roraima, 144 do Pará, 16 do Amapá, 139 do Tocantins, 141 do Mato Grosso, bem como, por 181 Municípios do Estado do Maranhão situados ao oeste do Meridiano 44º, dos quais, 21 deles, estão parcialmente integrados à Amazônia Legal. Possui uma superfície aproximada de 5.015.067,749 km², correspondente a cerca de 58,9% do território brasileiro.” (IBGE, 2020) 28 A Cartografia dos Ataques Contra Indígenas (Caci) contabilizou até o momento o assassinato de 1125 índios desde 1985, muitos deles foram mortos em razão dos conflitos com garimpeiros, madeireiros e pecuaristas. (CACI, 2020) M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 23 mineração (especialmente o mercúrio, utilizado na mineração do ouro), doenças sexualmente transmissíveis; desnutrição; aumento dos casos de malária, dengue e outras doenças. Importante levantamento realizado pela Agência Pública identifica os processo minerários em trâmite Agência Nacional de Mineração (ANM) que versam sobre áreas onde se localizam Terras indígenas- TI demarcadas ou em processo de demarcação. Foram cruzadas informações com base em dados da Funai e da Agência Nacional de Mineração (ANM). Foram identificados 656 processos minerários em terras indígenas na região da Amazônia Legal conforme demostra o mapa abaixo: (AGÊNCIA PÚBLICA, 2020) L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 24 Esse estudo também apontou que durante o Governo Bolsonaro (2019-2020) os processos de requerimento para a exploração minerária em TIs da Amazônia cresceram 91%, e que foi a primeira vez desde 2013 que os requerimentos re- gistraram aumento, antes a quantidade de pedidos era decrescente ano a ano. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2020) O Pará é o estado que possui o maior número de processos minerários, seguido por Mato Grosso e Roraima. O território Sawré Muybu do povo Mun- duruku (localizado no Pará) é o mais afetado por processos de mineração; são 97 processos visando às jazidas de ouro, cobre e diamante, bem como as jazidas de cassiterita e extração de cascalho, em menor quantidade. No período de 2019 a 2020 houve considerável crescimento de requerimentos minerários também na Terra Indígena Kayapó (Pará), que registrou nesse período 15 novos processos que incidem sobre território. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2020) Os processos requisitam licença para mineração dos seguintes minerais, nas proporções: Ouro (48,4%); Cobre (14,9%); Cassiterita (9,7%); Diamante (6,8%); Outros (19,9%). (AGÊNCIA PÚBLICA, 2020) Identificou-se que a ANM chegou a conceder títulos de mineração em terras indígenas homologadas pelo Governo Federal. É o caso da terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, que foi homologada em 2006, onde vivem nove povos. Em 2013 foi concedido título de lavra garimpeira de ouro que incide em parte do território indígena Uru-Eu-Wau-Wau e em 2016 foi concedida permissão para lavrar cassiterita em área sobreposta a esse território. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2020). A mineração ilegal nas terras indígenas, o garimpo, é uma ameaça às co munidades indígenas e ao meio ambiente. As terras indígenas são constan- temente invadidas29 por grileiros, madeireiros, garimpeiros e agropecuaristas; além dos desmatamentos30 e incêndios provocados na Amazônia Legal31 que atingem território indígena. 29 “Em nove meses de 2019 ocorreram 160 casos de invasão em 153 terras indígenas, em 19 estados; e no ano completo de 2018 ocorreram 111 casos em 76 terras indígenas, em 13 estados” (CIMI, 2019) 30 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apresenta dados que nos quatro primeiros meses de 2020 o desmatamento em terras indígenas da Amazônia brasileira aumentou 64%, em comparação ao mesmo período do ano passado. (GREENPEACE, 2020) 31 “Entre 20 de junho e 20 de agosto de 2019, foram 33.060 focos de calor na Amazônia Legal no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). (...). Ao todo foram 3.553 focos de calor em 148 Terras Indígenas da Amazônia brasileira.” (SOCIOAMBIENTAL, 2019) M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 25 Indígenas das terras Raposa Serra do Sol, em Roraima, Yanomami, entre Roraima e Amazonas, Aldeia Panorama, em Rondônia, e territórios Araweté, Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará, relataram a exposição a invasores como grileiros, garimpeiros e madeireiros, que se aproveitam da crise na saúde para avançar em áreas protegidas. (NEXO, 2020) Para exemplificar o conflito com o garimpo, cita-se o caso dos Yanomami, o seu território foi invadido por mais de 20 mil garimpeiros, que circulam livremente no território. O contexto de pandemia trouxe outro impacto para as comunidades, a contaminação com o novo coronavírus – COVID-1932, a partir do contato com os não-indíos. Sabe-se que os indígenas são especialmente propícios às complicações decorrentes do coronavírus, por razões imunológicas também, mas especialmente pela ineficiência das políticas públicas de saúde para essas comunidades que sejam voltadas à prevenção e ao combate do novo coronavírus. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou que o governo retire os garimpeiros da Terra Yanomami, em caráter emergencial para a contenção do coronavírus na região.33 Porém o Governo Federal não adotou nenhuma medida efetiva para cumprir essa determinação judicial. O Governo brasileiro adota uma política contrária ao direitoindígena e de omissão perante às graves violações de direitos humanos que sofrem os índios. O Presidente chegou a declarar nas transmissões de seus pronunciamentos em redes sociais que “Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós. Então, vamos fazer com que o índio se integre à sociedade e seja realmente dono da sua terra indígena, isso é o que a gente quer aqui” ( BOLSONARO in GLOBO, 2020). Revelando com sua fala a desconsideração da dignidade humana dos índios e sua visão assimilacionista, que considera o índio uma categoria transitória que deve se integrar à dita comunhão nacional. Em seu discurso de abertura da 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas- ONU, ele declarou: Hoje, 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena, mas é preciso entender que nossos nativos são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós. Eles querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós. 32 A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) realiza contagem dos casos de coronavírus nas comunidades indígenas, até dia 19 de julho de 2020 contabilizou-se 26443 indígenas contaminados com o novo coronavírus, 155 povos afetados e 690 mortes. (SOCIOAMBIENTAL, 2020). Disponível em https:// covid19.socioambiental.org/ 33 Autos do processo nº: 1013671-10.2020.4.01.0000 L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 26 Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse. O Brasil agora tem um presidente que se preocupa com aqueles que lá estavam antes da chegada dos portugueses. O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas. Especialmente das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol. Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras, entre outros. (BOLSONARO in BRASIL, 2019) Assim, o Governo Brasileiro incentiva a invasão das terras indígenas e o garimpo em terras indígenas, tanto por ações governamentais, quanto por um discurso público simbólico de incentivo para que a população a promova na esperança da regularização das invasões e da regularização do garimpo. Cita-se como exemplo de ação governamental nesse sentido a Medida Provisória 19034, que objetiva a regularização fundiária de terras ocupadas da União. Essa medida provisória prevê anistiar os ocupantes de terras públicas e regularizar a pro- priedade do imóvel por meio de preenchimento de cadastro de autodeclaração de posse do imóvel. Esse incentivo resulta em uma triste e explícita realidade o aumento da invasão de terras indígenas, das queimadas, do desmatamento e dos impactos socioambientais que afetam os índios no período de 2019 a 2020, conforme demonstram os dados apresentados. 5 Conclusão O texto constitucional determina que a mineração em terras indígenas dependa de autorização do Congresso Nacional e as comunidades devem ser ouvidas. Para a instalação dos empreendimentos de mineração de forma legal nas comunidades indígenas, deve-se realizar a Consulta livre, prévia e infor- mada. A consulta não pode ser mero ato protocolar, posto que a decisão da comunidade indígena deve vincular a decisão pública, especialmente nos casos que se exige o consenso. Como a mineração afeta o uso do território e envolve o deslocamento parcial ou total das comunidades indígenas de seus territórios; as licenças públicas ambientais só podem ser concedidas às mineradoras com o consentimento das comunidades indígenas que podem ser afetadas. 34 Transformada no PL 2633. M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 27 As comunidades indígenas sofrem com as pressões para instalações de empreendimento minerários em seus territórios e com a violência da mineração ilegal, o garimpo. A mineração afeta sobremaneira as vidas dos povos indígenas e sua relação com o território, resultando em impactos de ordem ambiental, social e de saúde. Deveria o Estado proteger os direitos indígenas, bem como seus territórios e os bens nele inseridos. O Governo Brasileiro, na contramão do seu dever constitucional, incentiva à mineração nas terras indígenas enquanto projeto de governo promovendo ações governamentais, tais como a proposição do Projeto de Lei- PL 191/2020 e a emissão da Medida Provisória 190. Não obstante o Estado é omisso perante as graves violações de direitos humanos às quais as comunidades indígenas são sujeitadas. Essa omissão se releva especialmente perante os danos socioambientais decorrentes do garimpo. Para a resolução da dicotomia Exploração econômica das terras indígenas versus Proteção ambiental, propõe-se a reflexão sobre atividades econômicas sustentáveis e o reconhecimento do patrimônio ambiental enquanto bem infun- gível e de valor incalculável. Para que os direitos indígenas sejam assegurados, as atividades econômicas devem ocorrer com a concordância das comunidades indígenas, preferencialmente com a participação direta dos povos indígenas e resultando na geração de renda para os índios. Citam-se como exemplo de atividades econômicas sustentáveis desenvolvidas pelas comunidades indígenas: a venda de produtos extraídos da natureza (ex: açaí, cacau, cupuaçu), o turismo de base comunitária, venda de produtos da agricultura familiar e venda de artesanatos e peças de arte. A humanidade não pode olvidar que a qualidade de vida desta e das futuras gerações, bem como e a existência da espécie humana é condicionada à preservação ambiental. O homem é parte integrante do meio ambiente, não podendo se portar como agente externo. As comunidades indígenas têm desem- penhado importante papel social como guardiões da natureza, pois a sua relação com o meio ambiente é de pertencimento espiritual, cultural e de identidade coletiva. Registra-se o apelo do Cacique Raoni Metuktire, Kayapó: Pedimos que você pare o que está fazendo, pare a destruição, pare o seu ataque aos espíritos da Terra. Quando você corta as árvores, agride os espíritos de nossos ancestrais. Quando você procura minerais, empala o coração da Terra. E quando você derrama venenos na terra e nos rios – produtos químicos da agricultura e mercúrio das minas de ouro – você enfraquece os espíritos, as plantas, os animais L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 28 e a própria terra. Quando você enfraquece a terra assim, ela começa a morrer. Se a terra morrer, se nossa Terra morrer, nenhum de nós será capaz de viver, e todos nós também morreremos. (METUKTIRE in MIDIA NINJA, 2019). 6. Referências bibliográficas AGÊNCIA PÚBLICA, 2020. Disponível em https://apublica.org/2020/02/a-mineracao-em-terra- indigena-com-nome-sobrenome-e-cnpj/, consultado em 19 de agosto de 2020. ANAYA, James, 2012. Disponível em: https://consultarapanui.wordpress.com/2012/11/30/carta- del-relator-james-anaya-presentando-informe-de-comentarios-sobre-propuesta-de-consulta/ , visitado em visitado em 19 de agosto de 2020. BRANDÃO, Adelino. 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Instrumentos integrados, focados no pla- nejamento, anteriores à tomada de decisão que congreguem os diversos atores envolvidos, bem como, que substituam a perspectiva setorial e fragmentária da legislação atual por um padrão de avaliação cíclico que parta de um modelo de desenvolvimento calcado na capacidade de suporte dos ecossistemas e na ampliação das liberdades substantivas das comunidades envolvidas são alguns pressupostos desta discussão. A questão se torna ainda mais relevante quando se leva em consideração a condução das atividades minerárias, que por certo, possuem atributos diferenciais e ainda são um dos setores estratégicos para o país, mas que por outro lado são significativamente impactantes do ponto de vista socioambiental. A possibilidade de se executar referida atividade em terras indígenas encerra uma questão bastante controversa que perpassa pela estruturação desse novo olhar para a regulamentação ambiental. O presente artigo analisa ainda alguns dos projetos de lei para a mineração em terras indígenas e descreve alguns dos seus principais desafios. Palavras- Chave: regulação ambiental, desenvolvimento, mineração em terras indígenas. 35 Professora de Direito Ambiental no curso de Direito e no Mestrado em Desenvolvimento Sustentável e Extensão da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Coordenadora do Núcleo de Estudos em Direto Ambiental (NEDAM). Doutora em Direito, subárea Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito, subárea Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). Foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo FAPES. L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 32 Introdução O Brasil devido à quantidade e à qualidade dos minérios existentes em seu subsolo, posiciona-se competitivamente no mercado internacional de mine ração. O setor mineral está presente em vários setores da economia desde o pri mário até o terciário, e apresenta diferentes estágios de desenvolvimento que vão desde a garimpagem até as mais avançadas técnicas de engenharia de mine ração e geologia. Paralelamente a atividade mineraria é altamente degrada dora e em muitos casos a condição socioeconômica da população local não acom panhou o desenvolvimento do setor mineral. Não obstante seja correto afirma-se que tenha ocorrido no Brasil nos últi- mos trinta anos, o crescimento e a evolução do Direito Ambiental, notadamente após a Constituição da República de 1988, introduzindo-se novos instrumentos jurídicos como o Licenciamento Ambiental e a necessidade de Estudos de Im- pacto Ambiental, não se pode olvidar que ainda existem óbices que precisam ser transpostos para a efetiva operacionalização desse sistema normativo, especialmente no que toca à mineração em espaços territoriais especialmente protegidos como as terras indígenas. Trata-se por certo de um setor econômico estratégico, que possui como característica recursos naturais nitidamente não renováveis e como distintivo intrínseco a rigidez locacional, por outro lado, é capaz de desencadear uma série de impactos seja de ordem ambiental seja social. Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é discutir a partir de um modelo de desenvolvimento que seja capaz de ampliar as capacidades dos agentes, alguns dos principais desafios para a implementação de um regramento normativo de utilização dos recursos naturais que seja socialmente justo e ambientalmente mais adequado. Para tanto, a fim de melhor abordar o objeto proposto e sistematizar as informações colhidas o artigo será organizado em três sessões: a primeira dire- cionada a contextualização da matéria e a evolução das normas ambientais, a segunda para as discussões sobre desenvolvimento e a terceira para a conjugação das duas primeiras com os aspectos específicos da mineração em terras indígenas. Ao final serão apresentadas as considerações derradeiras, sem, contudo, possuir a pretensão de se ter esgotado a temática, pelo contrário, o objetivo central do presente é traçar linhas iniciais da discussão. Nesse viés, trata-se de pesquisa exploratória e bibliográfica cujo intento é a construção de um arcabouço teórico que melhor permita a análise crítica da temática. M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 33 1. Mineração e meio ambiente: contexto e evolução normativa A História do Brasil tem íntima relação com a exploração de recursos minerais, de acordo com dados do IBRAM de 2018 o Brasil “exportou em 2017 um volume de mais de 403 milhões de toneladas de bens minerais, e gerou divisas de US$ 28,3 bilhões. Este valor representou 13% das exportações totais do Brasil e, 30,5% dosaldo comercial”, além disso, segundo a mesma fonte a “indústria extrativa mineral também tem participação no Produto Interno Bruto (PIB) e representa 1,4% de todo o PIB Brasil”36. O subsolo brasileiro possui importantes reservas minerais. Partes dessas reservas são consideradas expressivas quando relacionadas mundialmente. O país é o segundo produtor mundial de bauxita e alumina, segundo maior pro- dutor de minério de ferro e possui em razão dos grandes investimentos que tem sido feitos capacidade de ser um dos grandes produtores mundiais de alumínio37. Observa-se, contudo, que aliado aos benefícios econômicos advindos da exploração mineral e deste setor se apresentar como um ramo estratégico para o país, grandes impactos socioambientais também estão relacionados a esta atividade. No Brasil, os principais problemas ambientais oriundos da mineração podem ser englobados como poluição do ar, poluição da água, poluição sonora e poluição do solo, acrescentam-se a estes, os conflitos com as populações nota- damente quando esta é realizada nas proximidades de áreas urbanas e quando a atividade impacta povos e comunidades tradicionais, a falta de fiscalização satisfatória por parte dos órgãos públicos responsáveis e o abandono da ativi- dade sem que a devida recuperação da área seja feita. Diz-se desta forma que a mineração gera como consequência um conjunto de efeitos não desejados que podem ser denominados externalidades, vez que seus custos (impactos) são suportados por agentes externos à relação jurídica principal. Observa-se, todavia, que a busca pela internalização dessas externalida- des, bem como a preocupação com os impactos gerados ao meio ambiente e às comunidades afetadas tardou a aparecer no ordenamento pátrio. Como se sabe o Código de Mineração é anterior à legislação ambiental propriamente dita e na 36 IBRAM. Relatório Anual de Atividades – julho de 2017 a junho de 2018. Disponível em: https:// portaldamineracao.com.br/ibram/wpcontent/uploads/2018/07/Diagrama%C3%A7%C3%A3o_ Relat%C3%B3rioAnual_vers%C3%A3oweb.pdf. Acesso em: 20 de setembro de 2020. 37 Dados do Senado Federal. Subcomissão Temporária da Regulamentação dos Marcos Regulatórios. Comissão de Assuntos Econômicos. 2007. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/comissoes/cae/ ap/AP_20070910_IBRAM_Mineracao.pdf>. Acesso: 20 de setembro de 2020. L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T , T I A G O D E M A T T O S S I L V A ( O R G . ) 34 sua redação original não havia a disposição acerca de qualquer regra voltada diretamente para esses aspectos. A preocupação com os impactos da Mineração só ganhará um escopo mais abrangente com o art. 225,§ 2º da Constituição da República de 1998, que impõe àquele que explorar a atividade mineral a responsabilidade de recuperar os danos ambientais causados pela atividade de mineração, consistente na obrigação de recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. Além do dispositivo supra descrito a mineração por ser atividade de extra- ção e beneficiamento de recursos minerais e por isso, causadora de significativo impacto ambiental, está submetida às demais regras constantes e decorrentes do artigo 225, da Constituição da República de 1988. Assim, por disposição do artigo 10, da Lei n.º 6.938/81 e artigo 2º, IX, da Resolução n.º 001/86, do CONAMA, a atividade minerária também se sujeita ao regime do licenciamento ambiental. Este será realizado em observância a determinadas particularidades existentes na extração mineral e previstas na legislação concernente à mineração. Ao longo do tempo além de algumas normas mais específicas como a Lei nº. 7.805/198938 e diversos atos administrativos normativos39, foram criados dife- rentes instrumentos preventivos e repressivos de gestão ambiental, ocorre, que nenhum deles ganhou tanta notoriedade como o Licenciamento Ambiental. Em termos gerais o Licenciamento Ambiental é um dos Instrumentos da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), que consiste em um procedimento administrativo, que segue uma sucessão ordenada de atos de atos que resultam na licença ambiental propriamente dita. Entre os documentos mais importantes e necessários para a obtenção da licença, pode-se destacar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Paulo de Bessa Antunes, ao analisar os aspectos e objetivos do EIA, afirma que: “o Estudo de Impacto Ambiental tem por finalidade precípua auxiliar, 38 Art. 3º A outorga da permissão de lavra garimpeira depende de prévio licenciamento ambiental concedido pelo órgão ambiental competente. Art. 16. A concessão de lavras depende de prévio licenciamento do órgão ambiental competente. Art. 17. A realização de trabalhos de pesquisa e lavra em áreas de conservação dependerá de prévia autorização do órgão ambiental que as administre. Art. 18. Os trabalhos de pesquisa ou lavra que causarem danos ao meio ambiente são passíveis de suspensão temporária ou definitiva, de acordo com parecer do órgão ambiental competente. Art. 19. O titular de autorização de pesquisa, de permissão de lavra garimpeira, de concessão de lavra, de licenciamento ou de manifesto de mina responde pelos danos causados ao meio ambiente. 39 Por exemplo a Consolidação Normativa prevista na Portaria nº 155 de 12 de maio de 2016 do antigo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). M I N E R A Ç Ã O E M T E R R A S I N D Í G E N A S N A A M É R I C A L A T I N A – D E S E N V O L V I M E N T O E M E I O A M B I E N T E 35 dentro de seus limites específicos, a consecução plena e total dos objetivos fixados pela Política Nacional do Meio Ambiente, conforme fixado na Lei n.º 6.938/1981.”40 Discussões científicas e estudos empíricos têm exposto, contudo, que além dos impactos ambientais descritos a mineração gera impactos sociais e discussões sobre a sua própria viabilidade. Estes têm demonstrado que a mineração possui um forte componente geográfico, recheado de peculiaridades como o tipo de minério explorado e a rigidez locacional que pode ser aliado à componente histórico, se antes ou depois das exigências legais, que interfere diretamente na forma com que se lida com os impactos resultantes desta atividade. O custo-benefício de implementação real das disposições insertas no procedimento acaba por gerar uma postura reativa do setor minerário, o que contribui para que muitas vezes o licenciamento ambiental seja visto como um procedimento moroso e pouco atrativo para o setor. Verifica-se ainda que muitos municípios que recebem receitas advindas da atividade minerária não planejam seu uso, tampouco investem em outros setores da economia como forma de se preparem para a ausência destas quando a ativi- dade de mineração cessar em seu território41. Outrossim, algumas regiões têm crescido a margem de grandes empreendimentos minerários, sem qualquer tipo de planejamento urbanístico, carecendo de infraestrutura sanitária, sistema de esgoto, fornecimento de água e luz, formando verdadeiros bolsões de pobreza42. Além disso, há que se ressaltar o baixo engajamento da população e que em muitos casos as populações residentes nas áreas afetas pelos empreendi- mentos são alijadas do processo de tomada de decisão, não conhecendo de fato quais serão os benefícios, riscos e malefícios da implantação de atividades desta natureza em suas regiões. Sem que o poder público e os empreendedores criem mecanismos para essas discussões, demonstrando que o processo de 40 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 7ª. ed. revistada, ampliada e atualizada, 2012.p.364 41 Enríquez. Maria Amélia. Mineração: Maldição ou Dádiva? São Paulo: Signus. 2008. Ver também: GRANZIERA, Maria Luiza Machado. ANDRADE. Laura Nazaré Rocha. Proteção das Florestas, Mineração
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