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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 1 ÍNDICE Homicídio.................................................................................................................................02 Participação em Suicídio........................................................................................................40 Infanticídio...............................................................................................................................48 Aborto......................................................................................................................................54 Lesão Corporal........................................................................................................................73 Periclitação da Vida e da Saúde...........................................................................................102 Crimes contra Honra............................................................................................................120 Calúnia...................................................................................................................................124 Difamação..............................................................................................................................132 Injúria....................................................................................................................................136 Disposições finais..................................................................................................................150 Constrangimento ilegal........................................................................................................163 Ameaça..................................................................................................................................166 Sequestro e cárcere privado.................................................................................................168 Redução à condição análoga a de escravo..........................................................................175 Violação de domicílio............................................................................................................178 Violação de dispositivo informático.....................................................................................182 Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 2 HOMICÍDIO Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Introdução: de forma geral, o homicídio é o ato de destruição da vida de um homem por outro homem. De forma objetiva, é o ato cometido ou omitido que resulta na eliminação da vida do ser humano. Conceito: eliminação da vida extrauterina praticada por outra pessoa. Se praticada pela mesma pessoa haveria suicídio e se ação for intrauterina ocorrerá aborto. Homicídio simples: é a conduta típica limitada a “matar alguém”. Esta espécie de homicídio não possui características de qualificação, privilégio ou atenuação. É o simples ato da prática descrita na interpretação da lei, ou seja, o ato de trazer a morte a uma pessoa. Objeto material: O tipo penal prevê como crime de homicídio o ato de suprimir a vida humana, não definindo o modo empregado para tanto. Assim, a norma admite criminosa qualquer conduta voltada ao término da vida da vítima: disparar arma de fogo, desferir golpes de faca, golpeá-la com pedras ou pedaços de pau, eletrocutá-la, provocar ou libertar animal para que a ataque etc. São incontáveis as maneiras que o autor do fato pode usar para matar alguém. Deve restar caracterizado, entretanto, o nexo causal entre a conduta e o resultado morte. O crime também pode restar caracterizado pela omissão do autor, nas hipóteses de crime omissivo impróprio (também designado comissivo-omissivo ou comissivo por omissão), que ocorre quando a norma impõe ao autor obrigação de impedir a ocorrência crime (fala-se também em impedir o resultado), previstas no artigo 13, §2.º, do Código Penal. A conduta também admite a colaboração de terceiros: a coautoria e/ou a participação. Sujeito passivo: Qualquer um (ser humano) pode ser vítima de homicídio, basta ter sido concebido a partir do ventre materno (ter nascido de mulher) e ter vida. Observação: também são vítimas de homicídio: o deformado, o moribundo, o paciente terminal etc., pois, mesmo quando severamente debilitados e acometidos de sofrimento imensurável, são titulares do bem jurídico tutelado (a vida humana). Elemento subjetivo: Constitui-se no animus necandi, no animus occidendi, que se traduzem a intenção de tirar a vida do ser humano. O que configura o dolo do homicida é o agir consciente na prática de ato cujo resultado será a morte de terceiro. Também é possível o dolo Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 3 eventual, em que o autor age admitindo o óbito, no máximo, como possível, sem pretendê-lo diretamente. Vamos ver algumas repercussões práticas: CASUÍSTICA Diferença da tentativa de homicídio com lesão corporal: reside no elemento subjetivo do agente. Teoricamente a questão é de simples solução, contudo, na prática provoca calorosos debates do júri. Diferença da lesão seguida de morte: na lesão qualificada a morte é culposa e antecedida de um dolo de lesão, o agente não quis o resultado morte e nem assumiu o risco de produzi- lo. Tentativa branca: a vítima não sofre lesões com a conduta, por exemplo, disparo de arma que não atinge o alvo. Na tentativa cruenta a vítima sofre lesões. Desistência voluntária: neste caso o agente desiste quando ainda tem possibilidade de continuar no inter criminis. Por exemplo, disparou e não matou a vítima e ainda tendo mais projéteis na arma, e sem nenhum fator exterior a impedir que continue sua conduta, cessa a atividade criminosa. Caso atinja a vítima responde por lesões corporais e não por tentativa. Agora, se cessou a atividade por que achou que a vítima estava morta ou porque a polícia se aproximava não há desistência voluntária e sim tentativa. Autoria colateral: duas pessoas querem praticar um crime e agem ao mesmo tempo sem que uma tenha conhecimento da ação da outra. Como exemplo, podemos citar a casuística de duas pessoas (A e B), uma em cada lado da estrada, aguardando um sujeito passar. Quando este passa ambos atiram causando o óbito da vítima. Identificado que o tiro que causou a morte partiu da arma de A este responde por homicídio e B responderá por tentativa, uma vez que não causou a morte. Não há concurso de agentes pelo fato de que não houve liame subjetivo entre os agentes. Autoria Incerta: ocorre na autoria colateral quando não se consegue identificar qual dos dois disparos matou a vítima. Neste caso há três correntes: a. Ambos por crime consumado. b. O fato é atípico para ambos. c. Os dois por tentativa. Espécies de homicídio: culposo, simples, privilegiado e qualificado. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 4 QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA a. Comum/próprio: comum: praticado por qualquer pessoa. b. Simples/complexo: simples: apenas um bem jurídico. c. Dano/perigo: dano: há lesão ao bem jurídico vida (oposto de perigo). d. Ação Livre/de ação vinculada: ação livre: pode ser praticado por qualquer modo (diferente dos crimes vinculados em que o tipo prevê o modo específico de ação como nos casos de omissão de socorro, maus tratos). e. Instantâneo/permanente: instantâneo: consuma-se com a morte da vítima (cessação da atividade encefálica Lei 9434/97). f. Material/formal/mera conduta: material: consuma-se com a ocorrência do resultado, ao contrário dos crimes formais em que o tipo descreve uma ação e um resultado, mas dispensa a ocorrência deste paraa consumação (extorsão mediante seqüestro), e dos crimes de mera conduta em que há a descrição de uma ação sem menção a qualquer resultado naturalístico (violação de domicílio, ato obsceno). CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Comentários: o crime se consuma quando a conduta do autor resulta na morte da vítima, pois nesse caso o fato contém “... todos os elementos de sua definição legal.” (artigo 14, inciso I, do código Penal). A tentativa ocorre quando, não obstante praticados os atos de execução para a ocorrência da morte, ela não advém “... por circunstâncias alheias à vontade do agente.” (artigo 14, inciso II, do Código Penal). Um simples exemplo disso é o da vítima que sobrevive depois de alvejada por disparos de arma de fogo. O evento morte não ocorreu apesar do esforço do autor em tentar obtê-lo. Quando a vítima sobreviver da tentativa e restar lesionada, contudo, não se pode reconhecer o enquadramento da conduta do autor como sendo crime de lesão corporal, como dito em tópico acima, justamente porque o dolo (o animus necandi) dele foi muito além da mera intenção de ofender a integridade física. O elemento subjetivo, nessas hipóteses, será, então, o que difere o homicídio frustrado (tentado) de algum outro delito menos grave e (ao menos materialmente) consumado, como pode ser a lesão corporal. Conclusão: consuma-se com a morte da vítima atestada em laudo necroscópico, ou melhor, cessação da atividade encefálica. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 5 HOMICÍDIO PRIVILEGIADO Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Análise do tipo: é uma causa de diminuição de pena pelo fato de que o legislador entendeu que nos casos ali previstos a conduta homicida é menos danosa à sociedade. Embora no artigo conste a expressão “o juiz pode” a doutrina entende que é obrigatório, uma vez que o privilegio é votado pelos jurados. Comentários: a doutrina fraciona o estudo do homicídio privilegiado em razão dos motivos determinantes do crime. Num primeiro momento, considera o relevante valor social ou moral. A seguir, considera privilegiado aquele homicídio impelido por violenta emoção, seguida a injusta provocação da vítima. Vamos às hipóteses: MOTIVO DE RELEVANTE VALOR SOCIAL Comentários: diz respeito a interesses da sociedade, coletivos, como por exemplo, matar marginal que apavora a comunidade ou um estuprador que assolava o bairro. VALOR MORAL Comentários: são os aprovados pela moralidade média, como por exemplo, eutanásia. O relevante valor moral é aquele que toca o espírito de moralidade do autor (sua compaixão, piedade etc.), citando a doutrina como clássico exemplo a possibilidade da eutanásia, pela qual o autor encerra a vida da vítima em razão de um sofrimento interminável e incurável. Caiu em prova (oral MP/SP 2015): Qual a diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia? Eutanásia: hodiernamente é entendida como morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre. Em vez de deixar a morte acontecer, a eutanásia age sobre a morte, antecipando-a. Assim, a eutanásia só ocorrerá quando a morte for provocada em pessoa com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal e movida pela compaixão ou piedade. Portanto, se a doença for curável não será eutanásia, mas sim o homicídio tipificado no art. 121 do CP, pois a busca pela morte sem a motivação humanística não pode ser considerada eutanásia. Não há, em nosso ordenamento jurídico previsão legal para a eutanásia, contudo, se a pessoa estiver com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal dependendo da conduta, podemos classificá-la como homicídio privilegiado, Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 6 no qual se aplica a diminuição de pena do parágrafo 1º do artigo 121 do CP. Pode também se adequar ao crime de auxílio ao suicídio, desde que o paciente solicite ajuda para morrer, disposto no art. 122 do mesmo diploma legal. Distanásia: é o prolongamento artificial do processo de morte e por consequência prorroga também o sofrimento da pessoa. Muitas vezes o desejo de recuperação do doente a todo custo, ao invés de ajudar ou permitir uma morte natural, acaba prolongando sua agonia. Conforme Maria Helena Diniz, "trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte" (DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001). Aqui não há crime, não há a provocação da morte e sim o prolongamento da vida. Ortotanásia: significa morte correta, ou seja, a morte pelo seu processo natural. Neste caso o doente já está em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso natural. Assim, ao invés de se prolongar artificialmente o processo de morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia). Somente o médico pode realizar a ortotanásia, e ainda não está obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste e muito menos aprazar sua dor. Para parte da doutrina a ortotanásia é conduta atípica frente ao código penal, pois não é causa de morte da pessoa, uma vez que o processo de morte já está instalado. Desta forma, diante de dores intensas sofridas pelo paciente terminal, consideradas por ele como intoleráveis e inúteis, o médico deve agir para amenizá-las, mesmo que a consequência venha a ser, indiretamente, a morte do paciente (VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999, p. 90.) Nucci entende que a ortotanásia é crime, já que o médico, na posição de garantidor, não pode deixar de buscar os recursos para salvar a vida do paciente. Observação: há posições em sentido contrário: A ortotanásia, por sua vez, não caracteriza homicídio, pois, resumindo-se apenas à aplicação de paliativos para a dor e o sofrimento, até a morte natural do doente terminal, disso não advirá nexo causal entre terapia ministrada e o resultado fatal. Tampouco se pode reconhecer na hipótese o crime comissivo por omissão, pois, não havendo cura para a doença, não haverá omissão médica, em razão da falta de tratamento à espécie. VIOLENTA EMOÇÃO APÓS INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA Comentários: esta privilegiadora compõe-se de três elementos: a emoção violenta, a injusta provocação da vítima e a reação imediata em razão da provocação. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 7 a. Sob o domínio de violenta emoção: caracterizada por forte perturbação mental capaz de tirar o agente de seu estado normal. A emoção violenta para fins deste parágrafo é aquela que domina o autor, provocando-lhe um choque emocional, já que a lei fala “... sob o domínio...”. Neste caso há uma diferença com a atenuante genérica (art. 65, III, c), pois a atenuante diz influência e o homicídio privilegiado diz domínio. b. Injusta provocação: (xingos, adultério, bastando a vítima se sentir provocada, não há necessidade de intenção em irritar a vitima por parte do provocador). Injustiça da provocação é a relação de contrariedade deste ato com a lei, a atitude legítima da vítima não configura o homicídio privilegiado. c. “Logo após”, neste caso a doutrina entende que não há um tempo determinado, porém não pode haver interrupção entre a emoção e o ato homicida. Logo, a reação do autor deve ser imediata, sem premeditações ou intervalos de tempo que permitam compreender a situação ou depois de cessado o violento estado emotivo que o dominou. Subjetivas: Todos os privilégios são de caráter subjetivo, portanto se comunicam aos partícipese aos coautores, desde que não tenham agido por outro motivo. JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ Decidiram: o porte ilegal de arma de fogo deve ser absorvido pelo crime de homicídio? Se o agente, utilizando arma de fogo, atira e mata alguém, haverá homicídio e porte de arma de fogo ou apenas homicídio? Se uma pessoa pratica homicídio com arma de fogo, a acusação por porte deverá ser absorvida? Aplica-se o princípio da consunção? Depende da situação: Situação 01: NÃO. O crime de porte não será absorvido se ficar provado nos autos que o agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes ou depois do homicídio e que ele não se utilizou da arma tão somente para praticar o assassinato. Ex: a instrução demonstrou que João adquiriu a arma de fogo três meses antes de matar Pedro e não a comprou com a exclusiva finalidade de ceifar a vida da vítima. Situação 02: SIM. Se não houver provas de que o réu já portava a arma antes do homicídio ou se ficar provado que ele a utilizou somente para matar a vítima. Ex: o agente compra a arma de fogo e, em seguida, dirige-se até a casa da vítima, e contra ela desfere dois tiros, matando-a. No caso concreto julgado pelo STF, ficou provado que o réu havia comprado a arma 03 meses antes da morte da vítima. Além disso, também se demonstrou pelas testemunhas que o acusado, várias vezes antes do crime, passou na frente da casa da Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 8 vítima, mostrando ostensivamente o revólver utilizado no crime. Desse modo, restou provado que os tipos penais consumaram-se em momentos distintos e que tinham desígnios autônomos, razão pela qual não se pode reconhecer o princípio da consunção entre o homicídio e o porte ilegal de arma de fogo. STF. 1ª Turma. HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 24/2/2015 (Info 775). HOMICIDIO QUALIFICADO Análise do tipo: há três divisões das qualificadoras do homicídio que nos auxiliam a compreender melhor o assunto. Ocorrendo uma qualificadora a pena passa a ser de 30 anos além de ser considerado crime hediondo. MOTIVO (INCISO I) 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Paga (anterior) ou promessa de recompensa (posterior): é o chamado homicídio mercenário, aquele que ocorre por conta de um pagamento feito pelo mandante e cumprido geralmente por “pistoleiros”. Parte da doutrina entende que a vantagem não precisa ser de caráter econômico (Damasio), contudo, há entendimento em sentido contrário, afirmando que se não for vantagem econômica (vantagem sexual, por exemplo) incidiria na parte final do artigo (motivo torpe) (Hungria e Noronha). É um crime de concurso necessário que exige a participação de dois agentes. Aplicação da qualificadora: duas correntes: A. 1º Corrente: aplica-se ao mandante e ao executor, uma vez que a paga e a promessa de recompensa SÃO ELEMENTARES DO CRIME, logo, se comunicam (art. 30 do CP). B. 2º Corrente: aplica-se somente ao executor, uma vez que paga e a promessa de recompensa não são elementares, MAS CIRCUNSTÂNCIAS, logo, somente o executor age por conta do lucro, portanto, não há a comunicação da qualificadora, já que quem mata o faz por seus próprios motivos. Os tribunais superiores adotam a primeira corrente. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 9 OU OUTRO MOTIVO TORPE Torpe: motivo abjeto vil que causa repugnância como matar a mãe para ficar com a herança, por rivalidade profissional, inveja ou por a vítima ser homossexual (ou qualquer outra forma de preconceito), rituais macabros e vampirismo (beber o sangue da vítima), morte de policial por facção criminosa, Canibalismo, matar por prazer, etc. Observação: vingança e ciúmes: vingança por si só não qualifica é preciso analisar as razões, uma vez que a vingança pode até servir como privilégio. Ciúme não é fútil e nem torpe, é preciso analisar o caso concreto, aquilo que ocasionou o ciúme. JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ Decidiram: Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar. Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem OBJETIVA - vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito. STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625) FÚTIL (INCISO II) II - por motivo fútil; Pena - reclusão, de doze a trinta anos. É o motivo de pouca importância, desproporcional, de pouca monta, como exemplo, matar o dono do bar que não serviu bebida, ou a mulher que não fez o jantar. Observação: não devemos confundir futilidade com não se descobrir do motivo do crime. Matar sem motivo é hipótese diversa de não se descobrir o motivo do homicídio. Desse modo há duas situações distintas: 1º Situação: matar sem motivo, para a tese de acusação, consiste na qualificadora do motivo torpe, uma vez que matou pelo prazer de tirar a vida, o que é diferente de não se descobrir o motivo. 2º Situação: há decisões do STJ aplicando o homicídio simples quando o homicídio foi praticado por ausências de motivos ou quando não se descobre o motivo do crime. Essas são as teses de defesa que parecem prevalecer no STJ, conforme julgado abaixo. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 10 JURISPRUDÊNCIA STF e STJ Decidiram: na hipótese em apreço, a incidência da qualificadora prevista no art. 121, § 2º, inciso II, do Código Penal, é manifestamente descabida, porquanto motivo fútil não se confunde com ausência de motivos, de tal sorte que se o crime for praticado sem nenhuma razão, o agente somente poderá ser denunciado por homicídio simples (STJ, HC 152.548/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em 22/02/2011, DJe 25/04/2011). Observação II: uma forte discussão por motivo fútil afasta a qualificadora, já que o motivo da morte foi a discussão e não a futilidade que a originou. Há decisões recentes do STJ nesse sentido. JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ Decidiram: motivo fútil. Se o fato surgiu por conta de uma bobagem, mas depois ocorreu uma briga e, no contexto desta, houve o homicídio, tal circunstância pode vir a descaracterizar o motivo fútil. Vale ressaltar, no entanto, que a discussão anterior entre vítima e autor do homicídio, por si só, não afasta a qualificadora do motivo fútil. Assim, é preciso verificar a situação no caso concreto. Processo STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.113.364-PE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 21/8/2013. Comentários ao julgado acima: uma das hipóteses de homicídio qualificado ocorre quando o agente pratica o crime em razão de um motivo fútil: Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: II - por motivo fútil; O que é motivo fútil? Ocorre quando a pessoa pratica o homicídio por causa de um motivo bobo, insignificante, pequeno, mesquinho. Ex: João matou Pedro pelo fato de a vítima não ter querido dar um cigarro para o homicida. Todo motivo fútil é injusto, mas nem sempre o motivo injusto pode ser considerado fútil. Exemplo: Maria anuncia que vai se separar de Abel após 10 anos de casamento em razão de ter se apaixonado por Pedro, vizinho do casal. Inconformado, Abel mata Maria. O motivo é injusto, considerando que não há justificativa para ceifar a vida de uma pessoa por conta do fim de um relacionamento. Por outro lado, não se pode dizer que a razão que motivou o agente sejainsignificante (desprezível). Nesse sentido: STJ HC 77.309/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 06/05/2008. Se, no caso concreto, o réu, aparentemente, não tinha motivo para matar a vítima, pode-se dizer que houve homicídio qualificado por motivo fútil? A ausência de motivo pode ser equiparada a motivo fútil? NÃO (posição majoritária). A lei pune mais gravemente o motivo fútil e não a ausência de motivo. Houve uma falha da lei. Equiparar “ausência de motivo” a “motivo fútil” é fazer uma analogia in mallan partem. Nesse sentido: Cezar Roberto Bitencourt. Se o agente pratica o crime por Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 11 causa de ciúmes, haverá homicídio qualificado por motivo fútil? NÃO (posição majoritária). Um homicídio pode ser fútil (inciso II) e torpe (inciso I) ao mesmo tempo? NÃO. Um homicídio nunca poderá ser fútil e torpe ao mesmo tempo. Se for fútil (bobo), não pode ser torpe (repugnante). Se o fato surgiu por conta de uma bobagem, mas depois ocorreu uma briga e, no contexto desta, houve o homicídio, tal circunstância pode vir a descaracterizar o motivo fútil Cleber Masson fornece um exemplo: “Depois de discutirem futebol, “A” e “B” passam a proferir diversos palavrões, um contra o outro. Em seguida, “A” cospe na face de “B”, que, de imediato, saca um revólver e contra ele atira, matando-o. Nada obstante o início do problema seja fútil (discussão sobre futebol), a razão que levou à prática da conduta homicida não apresenta essa característica.” (Direito Penal esquematizado. 3ª ed., São Paulo: Método, 2011, p. 31). Vale ressaltar, no entanto, que “a discussão anterior entre vítima e autor do homicídio, por si só, não afasta a qualificadora do motivo fútil” (AgRg no REsp 1113364/PE, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 06/08/2013). Assim, é preciso verificar a situação no caso concreto. Caiu em prova: é possível que uma pessoa pratique homicídio qualificado por motivo fútil agindo com dolo eventual? SIM. Nesse sentido: STF. 2ª Turma. HC 111442/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28/8/2012. É possível que o homicídio seja qualificado por motivo fútil (art. 121, § 2º, II) e, ao mesmo tempo, privilegiado (art. 121, § 1º)? NÃO. A jurisprudência somente admite que um homicídio seja qualificado e privilegiado ao mesmo tempo se esta qualificadora for de natureza objetiva (ex: meio cruel, surpresa). Se a qualificadora for subjetiva, entende-se que ela é incompatível com o privilégio. Veja essa afirmativa correta: “a presença de qualificadoras não impede necessariamente o reconhecimento do homicídio privilegiado (MP/SE – 2010)”. Observação: o homicídio não pode ser “duplamente qualificado” (expressão incorreta) por motivo torpe e fútil, uma vez que um exclui o outro, se é fútil não é torpe e vice-versa. QUANTOS AOS MEIOS EMPREGADOS (INCISO III) Meio Cruel Comentários: a qualificadora é a seguinte: § 2º - Se o homicídio é cometido: III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; Observação: é claro que não vou ficar explicando todo o inciso III, já que ele é auto explicativo. Vou me concentrar nos temas mais complexos que é o que cai em prova. Qual é o Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 12 recurso utilizado no inciso I, neste inciso e no inciso IV pelo legislador? Interpretação analógica. Ele dá exemplos de meios cruéis, insidiosos, ele dá exemplos de execuções que possam executar perigo comum. Depois que fez isso, encerra de maneira genérica, permitindo ao aplicador encontrar outros casos. Como no inciso I, o inciso III, trabalha com interpretação analógica. É o legislador dizendo que não tem como prever todos os meios insidiosos, cruéis, e que possam resultar em perigo comum: “Juiz, encontre outros!”. VENENO Comentários: eu quero explicar o emprego de veneno. O homicídio quando é praticado com essa qualificadora é chamado venefício. Vamos conceituar veneno (estou conceituando meio de execução, veneno): “Veneno: substância, biológica ou química, animal, mineral ou vegetal, capaz de perturbar ou destruir as funções vitais do organismo humano.” Quando eu falo em veneno o aluno tem mania de veneno de matar rato. Não. Eu não cataloguei como proibida. É qualquer substância capaz de perturbar o organismo humano. Açúcar para o diabético é um exemplo porque é um veneno. Aquele que introduz no diabético uma quantidade de açúcar, querendo, com isso, destruir ou perturbar as suas funções vitais, praticou crime. Observação: detalhe importantíssimo: “Para incidir a qualificadora, é imprescindível que a vítima desconheça estar ingerindo a substância venenosa (ignora que está sendo envenenada).” Presta atenção: Isso significa que se a vítima sabe, não incide esta qualificadora. Se ela sabe que está sendo envenenada, não incide esta qualificadora. Caiu no MP/MG: a vítima estava um bar, o agente colocou uma arma em sua cabeça e a mandou beber o veneno. Ou você morre com o veneno ou você morre com tiro na cabeça. O examinador perguntou: homicídio simples ou qualificado? Entenderam a sacanagem? Pelo emprego de veneno não seria qualificado porque a vítima sabia que estava ingerindo veneno. Mas isso não significa que o homicídio será simples. Haverá a qualificadora que dificultou a defesa do ofendido. Quando ele sabe que está sendo envenenado pode não estar presente esta qualificadora, mas pode estar presente outra e o homicídio não será simples. Desaparece a qualificadora do emprego de veneno, mas permanece a do recurso que dificultou a defesa do ofendido. Teve candidato que sacou a do veneno e classificou como homicídio simples, mas errou porque continua qualificado, só que por outro motivo. TORTURA Comentários: agora prestem atenção. É importante o que vou falar. “Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura.” Cuidado! Esse crime do código penal não se confunde com a tortura qualificada pela morte na lei de tortura. O art. 121, § 2º, III não se confunde com o art. 1º, § 3º da Lei 9.455/97. No Código Penal eu tenho tortura como meio Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 13 e a morte como um fim doloso. Já na tortura, eu tenho a tortura como um fim e a morte como resultado culposo. Resultado qualificador culposo. Na verdade, no art. 121, § 2º, III, o crime é doloso. No art. 1º, § 3º, da Lei de Tortura, eu tenho um crime preterdoloso. Pronto. Você nunca mais erra. Se o agente, com o seu comportamento, quis a morte e usou a tortura como meio, art. 121, § 2º, III. Se o agente queria torturar e a morte foi um resultado não querido, a lei é especial (tortura qualificada pela morte culposa). Então, no seu problema, o que você tem que perquirir? Se a tortura era meio ou se era fim. FOGO E EXPLOSIVO Comentários: nesta hipótese é comum, haja vista o alto potencial destrutivo desse meio empregado, que o agente cause dano a propriedade alheia ao utilizar fogo ou explosivo. Neste caso, o crime de dano fica absorvido, já que há menção expressa de subsidiariedade no artigo 163 do CP. ASFIXIA Comentários: impedimento da função respiratória (esganadura, estrangulamento, enforcamento, sufocação, afogamento, soterramento etc.). Há também a asfixia tóxica que se dá por meio de gás asfixiante. Confinamento: a vítima é colocada em um local onde não consiga respirar (enterrar a vitima viva, por exemplo). MEIO INSIDIOSO Comentários: emprego de uma armadilha ou fraude que impede a vítima de perceber que está ocorrendo um crime (sabotagem do freio do veículo ou do motor do avião). JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ Decidiram: homicídio qualificado pelo meio cruel e reiteração de golpes na vítima. O juiz, na decisão de pronúncia, só podefazer o decote (retirada) da qualificadora imputada se ela for manifestamente improcedente, ou seja, se estiver completamente destituída de amparo nos elementos cognitivos dos autos. Isso porque o verdadeiro julgador dos crimes dolosos contra a vida são os jurados. O juiz togado somente deve atuar em casos excepcionais em que a pretensão estatal estiver claramente destituída de base empírica idônea. O fato de o agente ter praticado o crime com reiteração de golpes na vítima, ao menos em princípio e para fins de pronúncia, é circunstância indiciária do “meio cruel”, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP. STJ. 6ª Turma. REsp 1.241.987-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/2/2014. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 14 POSSA PROVOCAR PERIGO COMUM Comentários: Além da vítima a conduta do agente causa risco a um número elevado e indeterminado de pessoas (inundação, desabamento ou disparo contra multidão). A doutrina diz que a mera possibilidade de risco já qualifica o crime, dispensando o risco concreto. Por exemplo, agente que corta a energia da UTI para matar paciente, ignorando que o hospital está vazio (exemplo de Damasio). Se utilizar fogo e explosivo e com isso causar perigo comum, não se aplica esta qualificadora, já que há qualificadora específica para este caso. Quanto ao concurso de crimes formaram-se duas correntes: a. 1º Corrente: entende que o agente responde em concurso com crime de perigo comum (art. 250 e seguintes do CP). b. 2º Corrente: defende que não se aplica o concurso, pois neste caso haveria bis in iden. MODO SURPRESA (ART. 121, § 2º, IV) § 2º - Se o homicídio é cometido: IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; Análise do tipo: pergunto: qual o recurso de que se vale o legislador no inciso IV? Também interpretação analógica. Ele dá exemplo de recursos que tornam impossível ou mais difícil a defesa do ofendido e termina de maneira genérica, permitindo ao juiz encontrar outros casos. Os incisos I, III e IV trabalham com interpretação analógica: “juiz encontre outros casos que com esses se aproximam.” Traição: o agente se aproveita de uma prévia confiança (já existente) que a vítima nele deposita (esposa em relação ao marido, pai em relação ao filho). Se não houver confiança prévia passa a ser dissimulação. É uma qualificadora objetiva que surge no modo como o crime é executado e não com base na situação que gera confiança. Emboscada: agente aguarda a passagem da vítima em determinado local (assassinato do presidente Kennedy). A palavra emboscada vem de esperar no bosque. Dissimulação recurso que engana a vítima e permite a aproximação do agente para realizar a conduta. Pode ser material (disfarce) moral (simula amizade ou admiração). Neste caso, podemos citar como exemplo o conhecido caso do maníaco do parque. Neste inciso dispensa-se a confiança prévia da vítima. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 15 Qualquer outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima Comentários: neste caso usa-se uma forma genérica que permite interpretação analógica (tiro pelas costas, pessoa dormindo, em coma, presa, linchamentos), ou seja, quando a conduta não se encaixa nas hipóteses anteriores deste inciso. Caiu em prova: MP/MG: A premeditação qualifica o crime? Homicídio premeditado é qualificado? “A premeditação não constitui circunstância qualificadora do homicídio (deve ser considerada pelo juiz na fixação da pena-base).” Cuidado! Homicídio premeditado não é qualificado. A premeditação, por si só, não gera qualificadora. Caiu em prova II: MP/MG e Magistratura/PR (caiu em um seguido do outro): vocês acham que a idade da vítima pode qualificar o crime nos termos do inciso IV? Vamos imaginar uma vítima de idade avançada. É algo que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido? Ainda que seja uma baita de uma idosa. Ou jogar uma menina de 06 anos do 10º andar do edifício. O inciso IV fala de “outro recurso”. Recurso é o que o agente utiliza. Idade não é recurso. Não é algo de que ele se valha. “A idade da vítima, por si só, não possibilita a aplicação da qualificadora do inciso IV, porquanto constitui característica do ofendido, e não recurso procurado pelo agente.” Esta foi exatamente a resposta do MP/MG seguindo jurisprudência majoritária. Mãe espancou o seu filho de 05 anos até a morte. O que importa é o seguinte: no júri o promotor defendeu essa tese. Com 05 anos, como ela ia se defender? O fato é que o tribunal reformou: “o fato de ela ter 05 anos de idade não pode qualificar o crime”. FIM ESPECIAL (ART. 121, § 2º, V) § 2º - Se o homicídio é cometido: V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Homicídio por Conexão: é a última qualificadora. Aqui, eu tenho o homicídio ligado a outro crime. Ou anterior ou posterior. Por isso o inciso V traz o que chamamos de conexão. Traz duas espécies de conexão: 1. Conexão teleológica – Aqui, o agente mata para assegurar a execução de outro crime futuro (detalhe importante). 2. Conexão conseqüencial – Na conexão conseqüencial, o agente mata para assegurar a impunidade, vantagem ou ocultação de outro crime, sendo que este outro crime, na conexão conseqüencial é um crime passado, pretérito. Observação: então, você matou, pensando no crime de amanhã, conexão teleológica. Você matou, pensando no crime de ontem, conexão conseqüencial. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 16 Exemplo: olha o exemplo: matei o segurança da Debora Secco para estuprá-la. Eu dou esse exemplo desde 1999. Extremamente atualizado. Eu matei para assegurar a execução de um crime futuro. Conexão teleológica. Agora, eu matei uma pessoa que me reconheceu como estuprador da Debora Secco. Matei para assegurar e impunidade ou ocultação de um crime passado. Conexão temporal? Isso caiu no MP/MG. A conexão temporal, também conhecida como conexão ocasional, gera qualificadora? Neste caso, o agente mata por ocasião de outro crime, sem vínculo finalístico. Qualifica o crime? Não. A conexão ocasional não está abrangida pelo § 2º. Cuidado! Ele só se refere à conexão teleológica e conseqüencial. Tem que ter um vínculo finalístico entre o crime e o homicídio, seja esse crime passado ou futuro. Caiu em prova: olha o que vou perguntar agora: na conexão teleológica, mata-se para assegurar a execução de outro crime. Na conseqüencial, a gente mata para assegurar impunidade, vantagem ou ocultação de outro crime. Esse outro crime tem que ter sido praticado pelo próprio agente ou pode ter sido praticado por outra pessoa? Entenderam a pergunta? Eu mato para assegurar a execução de outro crime a ser cometido pelo meu irmão. Incide a qualificadora? Ou o agente do homicídio tem que ser o próprio agente do crime futuro e pretérito. Pessoal, não precisa haver coincidência de agentes. Esse outro crime não precisa ter sido praticado pelo homicida. Pode ter sido praticado por outra pessoa. Então, não se exige coincidência de sujeitos ativos. Caiu em prova II: na conexão teleológica o agente mata para assegurar a execução de outro crime. Pergunto: para incidir a qualificadora tem que ocorrer esse outro crime ou não? Eu matei o segurança da Debora Secco para estuprá-la. Eu não estuprei. Vai incidir a qualificadora mesmo assim? Sim. Basta matar com esta finalidade. Ocorrendo outro crime, haverá concurso de delitos. Ocorrendo ou não o outro crime, haverá a qualificadora. Caiu em prova III: se o homicida agiu para assegurar a ocultação de uma contravenção penal? Incide essa qualificadora? Analogia in malam partem. Agora, cuidado com a resposta.Se eu matei para assegurar a impunidade de uma contravenção penal, não é o homicídio dessa qualificadora porque ela fala em crime. Querer abranger contravenção é analogia in malam partem. Porém, não estou dizendo que o crime será de homicídio simples. Pode ser uma hipótese de futilidade ou mesmo torpeza. Então, qualificado pelo inciso V não pode porque fala em crime e não abrange contravenção. Mas pode ser que esse homicídio não seja simples, pode ser que esteja qualificado pela torpeza ou pela futilidade. Ou torpeza ou futilidade. Parágrafo 6º do artigo 121: a pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. Tal parágrafo foi inserido pela 12.720/2012. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 17 Observações: o que vem a ser grupo de extermínio já que a lei dispõe: “Praticado em atividade típica de grupo de extermínio (chacina)”. Esse dispositivo é extremamente criticado. Primeiro porque, o que significa atividade de extermínio? Reparem que é um conceito extremamente poroso. Atividade de extermínio, a doutrina acaba dizendo: É a famosa chacina. Caiu em prova (MP/SP 2013): quantas pessoas devem integrar este grupo? Atividade típica de grupo de extermínio. Reparem que o legislador fala em 'grupo ainda que praticado por um só agente'. O Brasil tem grupo de uma pessoa só? Não. Na verdade, ele está querendo dizer, 'ainda que o crime seja cometido por uma só pessoa daquele grupo'. Então, tem que haver um grupo. Quantas pessoas formam um grupo? Duas formam um grupo ou formam um par? Conclusão: Diz que concorda que grupo não sem confunde com par, mas essa expressão grupo precisa de um tipo penal próximo e o tipo penal mais próximo e o tipo penal mais próximo de grupo é o de associação criminosa. Se associação precisa de três, também o grupo precisa de três. A interpretação tem que ser feita de acordo com o que existe e o que existe mais próximo do grupo criminoso é associação criminosa que exige apenas três elementos). E se são três para formar uma associação, serão três para formar um grupo. Por causa de uma pessoa só, mas vejam que uma pessoa só pode diferenciar o crime de hediondo para não hediondo. Observação: uma coisa é certa: Este homicídio é hediondo, mesmo que simples. Ele não precisa ser qualificado. Vejam que o homicídio simples pode ser hediondo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Esse homicídio é hediondo, ainda que simples. Se te perguntarem: o homicídio simples é hediondo? Pode ser, desde que praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Como chama esse homicídio simples que depende desta condição (ser praticado por grupo de extermínio) para ser hediondo? Homicídio condicionado: Já caiu isso em concurso: MP/PR. O que é homicídio condicionado? É o homicídio simples, hediondo porque praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Caiu em prova IV: por fim, eu pergunto: vocês acham possível no mesmo fato coexistirem várias qualificadoras, que é o que o William Bonner, o Ratinho, O Datena ou sua vizinha chamam de homicídio duplamente ou triplamente qualificado? Vocês acham que existe isso? Não existe. Não existe isso de duplamente ou triplamente qualificado. Ou o homicídio é simples ou ele é qualificado. O que pode acontecer é de ele ser qualificado por várias circunstâncias. Vamos supor que ele praticou um crime por motivo torpe e meio cruel. É possível ou não? Perfeitamente possível a coexistência dessas duas qualificadoras? Perfeitamente possível. E aí, o que o juiz faz? Ele vai usar, por exemplo, o inciso I como Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 18 qualificadora. A partir desse momento, o inciso III não precisa mais qualificar porque o crime já está qualificado. O crime do inciso III morre? Não! 1ª Corrente – Diz que a circunstância do inciso III tem que ser usada na fixação da pena-base como circunstancia judicial desfavorável. 2ª Corrente – Diz que essa outra circunstância deve servir como agravante, pois todas estão previstas também no art. 61. Observação: eu, até algum tempo afirmava com toda convicção: a primeira corrente é do Supremo. Mas recentemente o STF e o STJ adotaram a segunda corrente. Não digo que mudou de posição, mas há julgados recentes dizendo que a circunstância não utilizada deve servir como agravante. É POSSÍVEL HOMICÍDIO QUALIFICADO PRIVILEGIADO? Comentários: sim. Quando? Isso já foi pergunta para defensor público no TO, no ES, magistratura/SP. O § 1º traz as privilegiadoras: 1. Motivo de relevante valor social, 2. Motivo de relevante valor moral e a 3. Emoção. O § 2º traz qualificadoras e prevê cinco qualificadoras: 1. Motivo torpe – subjetiva (ligada ao motivo) 2. Motivo fútil – subjetiva (ligada ao motivo) 3. Meio cruel – objetiva (ligada ao modo de execução) 4. Modo surpresa – objetiva (ligada ao modo de execução) 5. Fim especial (conexão) – subjetiva (ligada ao motivo) Vimos que o que está grifado é objetivo e o resto é subjetivo. E vocês vão aplicar a lei da física que diz que os iguais se repelem. Os opostos se atraem. Então, só é possível homicídio qualificado privilegiado se a qualificadora for de natureza objetiva. Qualificadora de natureza subjetiva não coexiste com privilégio. Conclusão: professor, você está me dizendo que eu nunca terei um privilégio com qualificadora subjetiva (nunca! Você só terá privilégio convivendo com qualificadora objetiva). Então, por que quando eu tenho privilégio subjetivo e eu tenho qualificadora subjetiva desaparece a qualificadora subjetiva e não desaparece o privilégio? Por que prepondera o privilégio sobre a qualificadora, já que os dois não podem conviver? “Sendo assim, que desapareça o privilégio e fique a qualificadora.” Eu já expliquei isso. É que os jurados respondem primeiro o privilégio. A partir do momento que os jurados reconhecem o privilégio, está prejudicada a quesitação da qualificadora subjetiva. A Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 19 partir do momento em que o jurado reconheceu o privilégio, o juiz já julga prejudicado qualquer quesito referente à qualificadora subjetiva. Então, o privilégio prepondera, não porque é mais importante, mas porque ele é reconhecido em primeiro lugar. JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ Decidiram: Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar. Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem OBJETIVA - vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito. STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625) Esse homicídio qualificado privilegiado continua hediondo? 1ª Corrente: o homicídio qualificado privilegiado permanece hediondo, pois a lei 8.072/90 não excepciona esta figura. 2ª Corrente: o homicídio qualificado privilegiado deixa de ser hediondo, pois o privilégio prepondera sobre a qualificadora. STF e STJ (é pra usar essa corrente em prova). Observação: como é que a segunda corrente chegou à conclusão de que o privilégio prepondera sobre a qualificadora? Qual foi o contorcionismo que fez a segunda corrente para chegar nessa conclusão? Eu já falei sobre isso. Essa segunda corrente trabalha fazendo uma analogia in bonam partem com o art. 67, do CP, que vocês já conhecem. Concurso de Circunstâncias Agravantes e Atenuantes Art. 67 - No concurso de agravantese atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime (ou seja, as circunstâncias subjetivas), da personalidade do agente e da reincidência. Eu vou explicar como ela faz essa analogia. O art. 67, do Código Penal trabalha com agravantes e atenuantes. E diz: prepondera a agravante subjetiva. Vamos fazer uma analogia: ao invés de agravantes, vamos colocar qualificadora. Ao invés de atenuantes, vamos colocar privilégios. E se diz que prepondera a subjetiva é porque prepondera o privilégio, que é o único subjetivo. A qualificadora, nesse caso, tem que ser objetiva, senão não existe coexistência. Então é uma analogia in bonam partem. Se o homicídio é qualificado e privilegiado é porque a qualificadora é, necessariamente, objetiva. O privilégio é sempre subjetivo. Se o art. 67 está dizendo que prepondera o que é subjetivo, prepondera o privilégio. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 20 Conclusão: considerando que a lei de crimes hediondos dispõe que somente o homicídio qualificado é hediondo surge o questionamento: o homicídio qualificado-privilegiado é hediondo? Damásio diz que NÃO fundamentando sua posição no artigo 67 do CP que diz que no concurso entre agravantes e atenuantes prevalece as de caráter subjetivo. Outra corrente afirma que SIM ao afastar o artigo 67 por entender que qualificadora e privilégio são aplicados em momentos distintos da pena, não são da mesma espécie como a agravante e a atenuante. HOMICÍDIO CULPOSO – Art. 121, § 3º Homicídio Culposo § 3º - Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos. Conceito: Ocorre o homicídio culposo quando o agente, com manifesta imprudência, negligencia e imperícia, deixa de empregar a atenção ou diligência de que era capaz, provocando o resultado morte, previsto (culpa consciente) ou previsível (culpa inconsciente), jamais querido ou aceito. Observação: reparem que nesse conceito eu já estou mostrando para o examinador que eu sei que existe uma culpa, chamada culpa consciente (culpa com previsão), e sei que existe uma culpa chamada culpa inconsciente (culpa sem previsão, mas com previsibilidade). Mas seja uma, seja outra, jamais o resultado morte é querido ou aceito na hipótese de dolo direto ou eventual. Violação do dever de cuidado: negligencia, imprudência e imperícia são hipóteses de violação do dever de cuidado. Eu vou explicar isso bem rápido (é matéria da parte geral). Vocês sabem que há três formas de violação do dever de cuidado: a) Negligencia – Ausência de cautela. b) Imprudência - Afoiteza c) Imperícia – Falta de aptidão técnica para o exercício de arte, ofício ou profissão. Culpa concorrente da vítima: a culpa concorrente da vítima não isenta o agente de responsabilidade. O direito penal não trabalha com compensação de culpas. Porém a culpa concorrente da vítima pode atenuar a responsabilidade do agente, nos termos do art. 59, do CP: Artigo 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 21 Observação: isso é muito comum em processo por crime culposo o agente querer colocar também a culpa na vítima. Se ela teve culpa concorrente, não vai elidir a sua responsabilidade. Pode atenuar. Diferente se a culpa é exclusiva da vítima. Aí não tem culpa, óbvio. Homicídio culposo na direção de veículo automotor Análise do tipo: homicídio culposo na direção de veículo automotor não se ajusta mais ao art. 121, § 3º. Agora é o art. 302, do CTB. Isso é de 1997. CTB - Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Exemplos: eu aplico o CTB se o agente estiver na direção do veículo automotor. Não basta o veículo ser o instrumento do crime. Ele tem que estar dando direção ao veículo, mesmo que motor esteja desligado. Eu peguei um caso de um rapaz que empurrava o seu carro, porque acabou a gasolina. Depois ele viu que tinha uma ladeira e o carro deslizou e matou uma pessoa. Ele respondeu pelo CTB, porque estava dando movimento e direção ao carro, mesmo com o motor desligado. Outro caso que o delegado colocou no CTB: a pessoa colocou o carro na ladeira, não acionou corretamente o freio de mão, voltou da padaria, não encontrou o carro. O carro parou na cabeça de um mendigo que morreu. O delegado indiciou no art. 302, do CTB. Está certo? Não! Ele não estava dando direção ao carro. Ele mal acionou o freio de mão. É o art. 121, do Código Penal. Observação: olha por que é importante fazer essa diferença. O art. 121, § 3º, do Código Penal (homicídio culposo) tem uma pena que varia de 01 a 03 anos. Reparem que permite até suspensão condicional do processo. Agora, o art. 302, do CTB que pune igualmente o homicídio culposo, porém na direção de veículo automotor, tem uma pena que varia de 02 a 04 anos. Não admite mais suspensão condicional do processo. O delegado, quando falou que aquele senhor que mal acionou o freio de mão praticou o art. 302 estava retirando a possibilidade de suspensão condicional do processo. Por isso, corrige-se no momento do oferecimento da denúncia. Agora, pergunto: dois crimes idênticos, com o mesmo resultado, justificam uma pena mais severa no CTB? Isso é inconstitucional ou não é? Tem uma minoria que defende a inconstitucionalidade por falta de proporcionalidade. Para essa minoria, que diz que as penas são proporcionais, o desvalor do resultado no Código Penal tem o mesmo desvalor do CTB. O desvalor do resultado é o mesmo. Sendo assim, por que tem conseqüências tão diferentes? Logo, inconstitucional, fere o princípio da proporcionalidade. Se você olhar o crime só sob esta ótica, você vai concordar com isso. Mas não é a ótica correta porque o crime não é constituído só de resultado. Antes de ter resultado, ele tem Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 22 conduta. Se você olhar o desvalor da conduta, logo perceberá que o desvalor da conduta é diferente. A conduta é muito mais perigosa no trânsito do que fora dele, merecendo uma pena maior. A conduta é potencialmente mais lesiva do que fora do trânsito. Assim, o que justifica a diferença de pena não é o desvalor do resultado, mas o desvalor da conduta. E isso é o que prevalece. Se você olhar só o desvalor do resultado, vai ser obrigado a concordar com a inconstitucionalidade por falta de proporcionalidade. Se você se lembrar do desvalor da conduta, encontra a razão para a diferença de penas. MAJORANTES DO HOMICÍDIO Análise do tipo: o art. 121, § 4º, tem que ser dividido em duas partes: a primeira parte diz respeito às majorantes do homicídio culposo, a segunda, do homicídio doloso. § 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. São quatro majorantes para o homicídio culposo: INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DE PROFISSÃO, ARTE OU OFÍCIO. Comentários: isso está lembrando o quê? Imperícia. Qual é a diferença desta majorante para imperícia? Não se confunde com imperícia porque na imperícia falta a aptidão técnica. Ele não está preparado ou gabaritado para o ato que vai executar. Nesse parágrafo, ele temaptidão técnica, mas não observa. Então, na verdade, estou diante de uma negligência profissional. É aqui que você inclui o erro médico. O médico domina a técnica. Ele só não observa aquilo que ele domina. É aqui que entra o erro profissional. Depois de muita discussão doutrinária, temos dois julgados dos tribunais superiores. E pasmem, decidiram pela pior das hipóteses: o erro do médico serve como negligência para configurar culpa e o mesmo erro serve como majorante. Isso é bis in idem. Um ser normal, que não tem capacidade para o ato, responde por homicídio culposo porque o erro serve para gerar a negligência. O profissional habilitado para o ato e que comete o erro, além dele já servir para configurar a negligencia, serve também para gerar o aumento. Será que ele não está sendo punido duas vezes pelo mesmo erro, em bis in idem? Duas correntes quanto ao homicídio culposo e erro profissional: 1ª Corrente: Ocorrência do bis in idem (STF: HC 95078, julgado em 10/03/09); 2ª Corrente: Não ocorrência do bis in idem. STJ: HC 63929, julgado em 13/03/07. Observação: até 2007/2008, o STF e o STJ estavam falando a mesma língua. Em 2009, Cezar Peluso já discordou. São dois julgados importantes. Ocorre que recentemente o STJ manteve sua posição: Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 23 JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ Decidiram: homicídio culposo cometido por médico e causa de aumento do art. 121, § 4º do CP É possível a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP no caso de homicídio culposo cometido por médico e decorrente do descumprimento de regra técnica no exercício da profissão. Nessa situação, não há que se falar em bis in idem. Processo STJ. 5ª Turma. HC 181.847-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. para acórdão Min. Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR), julgado em 4/4/2013. Comentários ao julgado acima: imagine a seguinte situação hipotética (adaptada em relação ao caso concreto): Dr. M, médico, estava realizando uma cirurgia, no entanto, agiu com desídia (negligência) ao deixar de observar um procedimento médico indispensável ao caso. Em virtude disso, o paciente veio a óbito. Acusação: Dr. M foi denunciado pela prática de homicídio culposo (§ 3º do art. 121 do CP), tendo o Ministério Público imputado também uma causa de aumento prevista no § 4º do art. 121: Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Defesa: a defesa argumentou que não se pode utilizar a alegação de que o médico foi negligente para enquadrar sua conduta como homicídio culposo (art. 121, § 3º) e valer-se da mesma alegação (negligência) para dizer que ele não observou regra técnica de profissão, aplicando a causa de aumento do § 4º. Para a defesa, houve bis in idem, tendo em vista que um mesmo fato (“deixar de observar determinado procedimento médico”) foi utilizado para enquadrar a conduta como homicídio culposo e também para fazer incidir a causa de aumento. Em um caso análogo a este, o que decidiu o STJ? A 5ª Turma do STJ, por maioria, decidiu que é possível a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP no caso de homicídio culposo cometido por médico e decorrente do descumprimento de regra técnica no exercício da profissão. Nessa situação, não há que se falar em bis in idem. Isso porque o legislador, ao estabelecer a circunstância especial de aumento de pena prevista no referido dispositivo legal, pretendeu reconhecer maior reprovabilidade à conduta do profissional que, EMBORA TENHA O NECESSÁRIO CONHECIMENTO PARA O EXERCÍCIO DE SUA OCUPAÇÃO, não o utilize adequadamente, produzindo o evento criminoso de forma culposa, sem a devida observância das regras técnicas de sua profissão. De fato, caso se entendesse caracterizado o bis in idem na situação, ter-se-ia que concluir que essa majorante somente poderia ser aplicada se o agente, ao cometer a infração, incidisse em pelo menos duas ações ou omissões imprudentes ou negligentes, uma para configurar a culpa e a outra para a Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 24 majorante, o que não seria condizente com a pretensão legal. Portanto, resumindo as duas teses do acórdão: 1º Tese (Acusação): Dr. M foi denunciado pela prática de homicídio culposo (§ 3º do art. 121 do CP), tendo o Ministério Público imputado também a causa de aumento prevista no § 4º do art. 121: Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. 2º Tese: (Defesa) A defesa argumentou que não se pode utilizar a alegação de que o médico foi negligente para enquadrar sua conduta como homicídio culposo (art. 121, § 3º) e valer-se da mesma alegação (negligência) para dizer que ele não observou regra técnica de profissão, aplicando a causa de aumento do § 4º. Para a defesa, houve bis in idem, tendo em vista que um mesmo fato (“deixar de observar determinado procedimento médico”) foi utilizado para enquadrar a conduta como homicídio culposo e também para fazer incidir a causa de aumento. O que decidiu o STJ? A 5ª Turma do STJ, por maioria, decidiu que é possível a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP no caso de homicídio culposo cometido por médico e decorrente do descumprimento de regra técnica no exercício da profissão. Nessa situação, não há que se falar em bis in idem. Isso porque o legislador, ao estabelecer a circunstância especial de aumento de pena prevista no referido dispositivo legal, pretendeu reconhecer maior reprovabilidade à conduta do profissional que, embora tenha o necessário conhecimento para o exercício de sua ocupação, não o utilize adequadamente, produzindo o evento criminoso de forma culposa, sem a devida observância das regras técnicas de sua profissão. De fato, caso se entendesse caracterizado o bis in idem na situação, ter-se-ia que concluir que essa majorante somente poderia ser aplicada se o agente, ao cometer a infração, incidisse em pelo menos duas ações ou omissões imprudentes ou negligentes, uma para configurar a culpa e a outra para a majorante, o que não seria condizente com a pretensão legal. Vai prestar defensoria pública? Primeira corrente. Vai prestar MP? Segunda corrente. OMISSÃO DE SOCORRO ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima Comentários: repare que no homicídio culposo a omissão de socorro não configura o art. 135. Só gera o aumento para evitar bis in idem, naturalmente. Então, é o crime culposo majorado por omissão dolosa. Preste atenção nos dois detalhes: Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 25 • Não incide o aumento quando a vítima é imediatamente socorrida por terceiros. Se terceiros se antecipam ao agente e socorre a vítima, é claro que o agente não vai responder pelo crime. Se ele disparou culposamente a arma, não vai responder pelo crime. • Também não incide (salvo no CTB) o aumento no caso de morte instantânea. Por quê? É hipótese de socorre inviável. Vai socorrer o quê? Observação: nenhuma dessas duas hipóteses autoriza a fazer o seguinte: vamos imaginar que você atropelou alguém, saiu do carro e disse: “nossa, que estrago!” A pessoa está viva, mas você acha que não vai durar, e só reza por ele. Se você não socorreu porque ia ser inócuo, se você acha que é perda de tempo, respondepelo crime com a pena majorada. Anote aí: “Se o autor do crime, apesar de reunir condições de socorrer a vítima (ainda com vida), não o faz, concluindo pela inutilidade da ajuda, sofrerá o aumento (STF)”. AGENTE NÃO PROCURA DIMINUIR AS CONSEQÜÊNCIAS DO SEU ATO Não procura diminuir as consequências do seu ato, Comentários: reparem como houve uma redundância. Se ele omite socorro, é porque ele não procurou diminuir as conseqüências do seu ato. Fragoso já diz isso: redundância. Eu não vou nem perder tempo com isso. Foge para evitar o flagrante: por que o legislador resolveu majorar a pena quando o agente foge para evitar o flagrante? Porque o agente demonstra insensibilidade de espírito e moral e prejudica as investigações. Melhor ficar ali no flagrante cuidando do calor dos acontecimentos. A maioria da doutrina entende perfeitamente aplicável. Eu, particularmente, acho que fere algumas garantias constitucionais, como a de não produzir prova contra si mesmo. Você, ao majorar a pena porque o agente está prejudicando a investigação, você está obrigando o sujeito a produzir prova contra si mesmo. É o que a AGU não percebeu quando mandou aquele esplêndido parecer ao afirmar que não participar do bafômetro é desobediência. Tem cabimento isso? Se cair, para AGU, não soprar o bafômetro é desobediência. Ela diz que a garantia de não produzir prova contra si não é absoluta. Um absurdo, isso ficar ao sabor de um parecer da AGU. A Polícia Rodoviária não está dando bola para esse parecer. Não quer soprar, não sopra. Quem diz que eu tenho que confiar no bafômetro? MAJORANTE DO HOMICÍDIO DOLOSO – Art. 121, § 4º, in fine § 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 26 terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. Observação: para incidir a majorante do homicídio doloso, é imprescindível que o homicida conheça a idade da vítima, sob pena de responsabilidade penal objetiva. Se ele não conhece, é um erro de tipo que desaparece na majorante. Caiu em prova: MP/MG: Quando eu dei o tiro, a vítima era menor de 14 anos. Quando morre, já era maior de 14 anos. Incide o aumento? Ou então, quando dei o tiro, a vítima era menor de 60 anos e quando morre é maior de 60 anos. Incide o aumento? Eu sublinhei “se o crime é praticado” e nos termos do art. 4º, do CP, considera-se praticado o crime no momento da conduta. Então, é no momento da conduta que eu tenho que analisar a idade da vítima. Se no momento da conduta ela era menor de 14 ou maior de 60, incide o aumento. PERDÃO JUDICIAL § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Conceito: o que é o perdão judicial (já estudamos isso na parte geral): É o instituto pelo qual o juiz, não obstante a prática de um fato típico e antijurídico, por um sujeito comprovadamente culpado, deixa de lhe aplicar a pena nas hipóteses taxativamente previstas em lei, levando em consideração determinadas circunstâncias que concorrem para o evento. O Estado perde o interesse de punir. O perdão judicial é causa extintiva da punibilidade. Está também no art. 107, IX, do CP. Essa causa extintiva da punibilidade, diferentemente do perdão do ofendido não precisa ser aceito. O perdão do ofendido, vocês sabem, precisa ser aceito. Ou seja, é uma causa bilateral. Já o perdão judicial não precisa ser aceito. Dispensa aceitação. Logo, é um ato unilateral. Não é uma faculdade do juiz. É direito subjetivo do réu. Preenchidos os requisitos, o juiz tem que perdoar. Natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial: a. 1ª Corrente: Diz que a natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial é condenatória. b. 2ª Corrente: Diz que a natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial é declaratória extintiva da punibilidade. Ah, professor essa é uma discussão puramente acadêmica! Isso não importa, não traz repercussão prática! Mas traz. Se você entende que é condenatória, ela interrompe a prescrição. Se o promotor não concordar com a decisão do juiz, ele vai recorrer sabendo que a prescrição foi interrompida. Agora, se você entende que é declaratória extintiva da Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 27 punibilidade, não interrompe a prescrição. Significa o quê? Se o promotor não concordar com o perdão concedido pelo juiz, ele vai recorrer sabendo que a prescrição corre desde o recebimento da denúncia. Quer dizer, a chance de prescrever é enorme. Se você entende que é condenatória, serve como título Executivo. Esse perdão judicial pode ser executado no cível. Se você entende que é meramente declaratória extintiva, não serve como título executivo. Precisa do processo de conhecimento. Capez encontra uma terceira repercussão prática. Qual é? Ele diz o seguinte: se você entende que é condenatória, depende do devido processo legal. Se você entende que é declaratória extintiva da punibilidade, cabe na fase de inquérito policial porque o juiz pode reconhecer a extinção da punibilidade a qualquer tempo. Você pode arquivar IPL com base no perdão judicial. Você pode rejeitar denúncia com base no perdão judicial. Vocês concordam com o Capez? Vocês já anotaram uma expressão que demonstra que essa tese do Capez não pode prevalecer. Sim, porque perdão judicial reconhece culpa. Como reconhece culpa, sempre depende do devido processo legal, seja condenatória, seja declaratória extintiva da punibilidade. É só vocês pensarem no que estamos falando: perdão! Você só perdoa quem tem culpa. Como é que você pode perdoar alguém dizendo que ele tem culpa na fase de inquérito e não dando a oportunidade dele tentar fazer valer a sua inocência? Qual das duas correntes prevalece? A segunda corrente. É a Sumula 18, do STJ: STJ Súmula nº 18 – DJ 28.11.1990 – A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório. FEMINICÍDIO Introdução: foi publicada em 10/03/2015 a Lei n.° 13.104/2015, que prevê o FEMINICÍDIO como qualificadora do crime de homicídio, incluindo-o no rol dos crimes hediondos. Vejamos algumas impressões iniciais a respeito da novidade legislativa. O que é feminicídio? Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino. Caiu em prova (oral magistratura RS): existe diferença entre feminicídio e femicídio? Femicídio: significa praticar homicídio contra mulher (matar mulher); Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 28 Feminicídio: significa praticar homicídio contra mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero). A nova Lei trata sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta a vítima ser mulher. Observação: como era a punição do feminicídio? Antes da Lei n.° 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio (art.121 do CP). A depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero. A Lei n.° 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado. Observação II: a Lei Maria da Penha já não punia isso? NÃO. A Lei Maria da Penha não traz um rol de crimes em seu texto. Esse não foi seu objetivo. A Lei n.° 11.340/2006 trouxe regras processuais instituídas para proteger a mulher vítima de violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas, salvo uma pequena alteração feita no art. 129 do CP. Desse modo, o chamado feminicídio não era previsto na Lei n.° 11.340/2006, apesar de a Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à Lei, ter sido vítima de feminicídio duas vezes (tentado). Vale ressaltar que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha poderão ser aplicadas à vítima do feminicídio (obviamente, desde que na modalidade tentada). Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa (trata-se de crime comum). O sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser mulher. Sujeito passivo: obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do sexo feminino). Questões de concurso: mulher que mata sua companheira homoafetiva? Pode haver feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino. Homem que mata seu companheiro homoafetivo? Não haverá feminicídio porque a vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo, obviamente, homicídio. Transexual, homossexual e travesti. Diferenças Transexual: é o indivíduo que possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a transexualiade é um Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 29 transtorno de identidade de gênero. A identidade de gênero é o gênero como a pessoa se enxerga (como homem ou mulher). Assim, em simples palavras, o transexual tem uma identidade de gênero (sexo psicológico) diferente do sexo físico, o que lhe causa intenso sofrimento. Existem algumas formas de acompanhamento médico oferecidas ao transexual, dentre elas a cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização), que pode ocorrer tanto para redesignação do sexo masculino em feminino, como o inverso. A cirurgia para a transformação do sexo masculino em feminino é chamada de “neocolpovulvoplastia” e consiste, na maioria dos casos, na retirada dos testículos e a construção de uma vagina (neovagina), utilizando-se a pele do pênis ou de parte da mucosa do intestino grosso. O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1652/2002-CFM regulamentando os requisitos e protocolos médicos necessários para a realização da cirurgia de transgenitalização. Homossexualidade: importante, ainda, esclarecer que transexual não é o mesmo que homossexual ou travesti. A definição de cada uma dessas terminologias ainda está em construção, sendo ponto polêmico, mas em simples palavras, a homossexualidade (não se fala homossexualismo) está ligada à orientação sexual, ou seja, a pessoa tem atração emocional, afetiva ou sexual por pessoas do mesmo gênero. O homossexual não possui nenhuma incongruência de identidade de gênero. Travestis: a travesti (sempre se utiliza o artigo no feminino), por sua vez, possui identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, mas, diferentemente dos transexuais, não deseja realizar a cirurgia de redesignação sexual. Conclusão: Vítima homossexual (sexo biológico masculino): não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo masculino. Vítima travesti (sexo biológico masculino): não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo masculino. Observação: Transexual que realizou cirurgia de transgenitalização (neovagina) pode ser vítima de feminicídio se já obteve a alteração do registro civil, passando a ser considerada mulher para todos os fins de direito? NÃO. A transexual, sob o ponto de vista estritamente genético, continua sendo pessoa do sexo masculino, mesmo após a cirurgia. Não se discute que a ela devem ser assegurados todos os direitos como mulher, eis que esta é a expressão de sua personalidade. É assim que ela se sente e, por isso, tem direito, inclusive de alterar seu nome e documentos, considerando que sua identidade sexual é feminina. Trata-se de um direito seu fundamental e inquestionável. No entanto, tão fundamental como o direito à expressão de sua própria sexualidade, é o direito à liberdade e às garantias contra o poder Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 30 punitivo do Estado. O legislador tinha a opção de, legitimamente, equiparar a transexual à vítima do sexo feminino, até porque são plenamente equiparáveis. Porém, não o fez. Não pode o intérprete, a pretexto de respeitar a livre expressão sexual do transexual, valer-se de analogia para punir o agente. Enfim, a transexual que realizou a cirurgia e passou a ter identidade sexual feminina é equiparada à mulher para todos os fins de direito, menos para agravar a situação do réu. Isso porque, em direito penal, somente se admitem equiparações que sejam feitas pela lei, em obediência ao princípio da estrita legalidade. Deve- se salientar, contudo, que, em sentido contrário, a Professora Alice Bianchini, maior especialista do Brasil sobre o tema, defende, em palestra disponível no Youtube, que a transexual que realizou a cirurgia pode sim ser vítima de feminicídio. Observação II: há inúmeros julgados aplicando a Lei Maria da Penha aos transexuais com efetivaram alteração no registro de nascimento, contudo, cumpre ressaltar que não se trata da mesma situação explicitada no parágrafo acima, já que a Lei Maria da Penha não é uma lei penal. Razões de condição de sexo feminino Comentários: “Razões de gênero”, essa expressão foi substituída no Congresso. A expressão escolhida é péssima. A redação é confusa, truncada e não explica nada. No projeto de lei, a locução prevista para o tipo era: se o homicídio é praticado “contra a mulher por razões de gênero”. Ocorre que, durante os debates, a bancada de parlamentares evangélicos pressionou para que a “gênero” da proposta inicial fosse substituída por “sexo feminino”, com objetivo de afastar a possibilidade de que transexuais fossem abarcados pela lei. A bancada feminina acabou aceitando a mudança para viabilizar a aprovação do projeto. Melhor seria se tivesse sido mantida a redação original, que, aliás, é utilizada na Lei Maria da Penha: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero” (art. 5º) e nas legislações internacionais. Caiu em prova: mas, afinal, o que são “razões de condição de sexo feminino”? O legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o significado dessa expressão. § 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik 31 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR (INCISO I) Comentários: haverá feminicídio quando o homicídio for praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar. Ao afirmar isso, o legislador ampliou bastante o conceito de feminicídio, já que, pela redação literal do inciso I não seria necessário discutir os motivos que
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