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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS INSTITUTO DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS GLOBALIZAÇÃO E PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL LAURA CAVION WOLFF RESUMO CRÍTICO I BIBLIOGRAFIA: IANNI, Octavio. Metáforas da Globalização. In: IANNI, Octavio Teorias da Globalização. São Paulo, Civilização Brasileira, 2ª Ed., 1999. Em meio ao grande diálogo que cerca o tema da globalização e em uma tentativa de mapear as principais teorias sobre o assunto, Octavio Ianni escreve “Teorias da Globalização”, publicado em 1995. No primeiro capítulo (objeto de estudo desse resumo) o autor trabalha o conceito de metáforas, exemplificando e explicando algumas das principais metáforas criadas em torno da globalização e como elas se relacionam e ajudam a compreendê-la. As metáforas surgem pela reflexão e imaginação trazidas pelo fenômeno da globalização. A Terra deixa de ser um apenas um globo astronômico, um conjunto de nações e indivíduos hegemônicos e passa a se tornar uma “sociedade global”. Essa transformação suscita questionamentos sobre nosso modo de ser e pensar, criando as bases perfeitas para o surgimento de metáforas, imagens, parábolas e alegorias para buscar compreender esse cenário. Diante disso, surgem, então, termos e expressões emblemáticos para descrever essas transformações ocorridas no final do século XX - como “aldeia global”, “fábrica global”, “nave espacial”, “nova Babel”. Esses termos, entre diversos outros, contemplam mais ângulos de análise, aspectos sociais, econômicos, políticos, etc do que outros menos amplos e por isso serão os termos escolhidos para uma abordagem mais profunda pelo autor. Aborda-se então a primeira metáfora, “aldeia global”. O termo enfoca principalmente as mudanças sociais e a globalização recorrentes da “tecnização” e dos avanços eletrônicos. As informações, tais como mercadorias, passam a serem fabricadas e comercializadas e a imagem torna-se principal forma de comunicação. A tecnologia tende a encurtar as distâncias e interligar a todos, como ocorre em uma aldeia. Todos podem se comunicar com todos, fazendo com que até o menor dos rumores possa adquirir dimensões globais e envolvendo o globo em uma espécie de grande teia ou rede. No entanto, as noções de sentido se perdem e as ideias se locomovem em direções caóticas podendo, na verdade, prejudicar a sociedade com a desinformação. A metáfora da “fábrica global” trabalha a questão do mercado, das forças produtivas e da nova divisão internacional do trabalho desenvolvidas em escala global, superando todas fronteiras. As economias nacionais tornam-se obrigatoriamente parte da economia global, até mesmo de países em desenvolvimento, por três principais fatores: vasta oferta de mão de obra, pouca necessidade de qualificação profissional e grandes avanços das técnicas de transporte e comunicações, permitindo a produção de mercadorias em qualquer lugar do mundo. Dessa forma, articula-se o capital, a força de trabalho, tecnologia e também a indústria cultural, pois para instalar-se a fábrica global, é necessário generalizar o consumo e agilizar mercados através de livros, jornais, emissões de televisão, entre outros, dissolvendo fronteiras e redimensionando espaços e tempos. A fábrica global, acima de sua dimensão poética, tem grandes dimensões reais diante do fato que os processos de reprodução, concentração e centralização do capital determinam fortemente a sociedade global, vinculando empresas e mercados, forças de produção e agentes decisórios e moldando nações e continentes. Já o conceito de “nave espacial” trabalha com as dicotomias do conhecido e desconhecido, da utopia e da nostalgia, da razão e da irracionalidade. As mudanças provocadas pela globalização geram uma mistura de deslumbre pelas mudanças, mas também uma tensão diante da incerteza. A metáfora também traz em si a dimensão pessimista da modernidade: o indivíduo deixa de ser sujeito da razão e desaparece. Isso por que ele mesmo reproduz as condições para sua subordinação e dissolução: todos os grupos e relações sociais generalizam-se, a fim de promover e desenvolver o capitalismo, transformando a sociedade em um espaço de trocas onde o individuo é um mero subalterno. Escondida na metáfora da nave espacial se encontra outra metáfora, a da “torre de Babel” - os indivíduos da nave, confusos no caos, não compreendem que estão sujeitos a esse declínio e dissolução. A Torre de Babel é um mito usado para explicar o surgimento de diferentes línguas no mundo. Com a intenção de alcançar o céu, os babilônios começaram a construir uma Torre. Isso provocou a ira de Deus que, para castiga-los confundiu-lhes as línguas para que não se entendessem e os espalhou pela Terra. No entanto, ao contrário do mito Torre de Babel, no contexto da globalização, todos se entendem. O inglês foi adotado como uma espécie de língua comum independentemente de diferenças culturais, religiosas, históricas, etc. No começo da construção da Torre, todos empenhavam-se em atingir um único objetivo: construir uma torre que alcançasse o céu. O restante era ficava em segundo plano. No entanto, cada um queria o melhor lugar na Torre e por isso estavam dispostos a disputar e travar sangrentas e incessáveis lutas. Em meio às lutas, passaram a dedicar-se ao embelezamento da cidade, o que gerava inveja e novas lutas. Presos em um ciclo vicioso, as próximas gerações já não viam mais sentido na construção da Torre, mas já estavam tão interligados que ficaram impossibilitados de abandonarem a cidade. Consequentemente, nessa nave espacial babélica, estamos destinados a seguir pelas incertezas. Não é possível emancipar-se dessa viagem sem fim, pois a luta por essa utopia emancipatória individual e coletiva é devolvida com a globalização alienatória, mercantil e consumista. Compreende-se, então, que as metáforas são resultado de uma tentativa de desvendar o real através da poesia e da imaginação. Ainda que não expliquem tudo, elas captam o essencial. Elas representam possibilidade, compreendem o passado, presente e futuro, dialogam entre si, se desafiam e se enriquecem. Juntas reencantam o mundo, produzindo as utopias e as nostalgias. A utopia é a imaginação do futuro, a nostalgia, do passado. Elas florescem em tempos adversos, quando as condições econômicas e políticas favorecerem a reflexão e a imaginação como forma de protesto ao presente. Se transformam em referência e podem se recriar com as novas configurações da sociedade global. Diante disso, o texto instiga nossa própria imaginação a refletir sobre as metáforas expostas e a criar as nossas próprias. Analisando a metáfora da Aldeia Global, fui levada a pensar sobre a sociedade global do século XXI e como o conceito se aplica ou não à situação atual. Apesar de interessante o fato de o conceito de Aldeia Global ter sido criado antes mesmo do surgimento da internet, principal veículo de propagação de informações, discordo do fato de a globalização criar um “modo único” de vivência por três motivos: mesmo indivíduos que não possuem acesso à esses meios tecnológicos aproveitam os benefícios e sofrem com as consequências da globalização; as relações globais na realidade são limitadas à um grupo seleto da sociedade, como Estados, grandes bancos, empresas transnacionais e grandes organizações internacionais; a globalização não uniu todos em um “grande teia democrática”, mas sim acentuou as desigualdades econômicas e sociais. Além disso, o conceito de “aldeia global” reforça a ilusão de que a difusão imediata de notícias informa, de fato, as pessoas, quando sabemos que esse imediatismo na verdade facilita a propagação de notícias falsas e a desinformação. No entanto, a metáfora da “fábrica global” está muito mais alinhada a minha percepção de mundo. Vivemos em uma sociedade destinada a produção e acumulação de capital, onde as relações de trabalho ditam nosso modo de vivere de pensar. A nova divisão internacional do trabalho de fato supera as fronteiras geográficas e afeta diretamente a todos, sem exclusão, e mantêm as desigualdades entre países produtores e consumidores de tecnologia, entre países desenvolvidos e periféricos. Sobre os conceitos de “nave espacial” e “torre de Babel”, concordo e discordo de alguns pontos. Primeiramente, achei os conceitos vagos demais para darem conta de explicar de fato a sociedade global. Apesar de trabalharem bem com a dicotomia inerente à globalização, como o conhecido e o desconhecido, a razão e a irracionalidade, a utopia e a nostalgia, os conceitos falham em abordar alguns aspectos mais importantes como, por exemplo, o trabalho como potência motriz articuladora da sociedade, conceito mais bem trabalho pela metáfora da fábrica global. Segundamente, achei que o autor falhou em trabalhar mais o conceito da Torre de Babel e sua relação com a globalização, principalmente ao abordar a questão o inglês como língua comum universal de forma tão superficial (principalmente se considerarmos a essência do mito da Torre de Babel). Contudo, concordo com a noção do declínio da individualidade e a substituição da razão pela funcionalidade: todos se adaptam ao modo de operação do mercado e do capital, trabalhando e mantendo a própria estrutura que nos levam à dissolução. Dessa forma, acho que metáfora da nave espacial e da fábrica global se complementam e interligam. Diante disso, podemos concluir que de fato as metáforas dialogam entre si e se enriquecem. São artifícios e alegorias que cumprem a função de explicar (ou melhor, tentar explicar) de forma poética, o mundo. Elas atravessam o tempo e o espaço deixando marcas na história, articulando e transformando as bases sociais. Elas permanecem no imaginário social e tornam-se pontos de referência.
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