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Módulo 1 - cidadania, direito e democracia
A Democracia - Darcy Azambuja
Entende-se por cidadão o indivíduo que tem capacidade legal para votar e ser votado
Democracia é o regime em que o governo é exercido pelos cidadãos, quer diretamente, quer por meio de representantes eleitos por esses mesmos cidadãos.
Mais compreensivamente, pode se dizer que democracia é a forma de governo em que o povo toma parte efetiva no estabelecimento das leis e na designação dos funcionários que têm de executá-la e administrar a coisa pública.
A democracia deve também assegurar os direitos sociais; não somente deve defender o direito do homem à vida e a liberdade, mas também saúde, à educação, ao trabalho.
O que é justo e possível é que, assim como a vontade geral, através da Constituição e das leis, limita o poder político de modo que ninguém dele use para oprimir a sociedade, também seja limitada a propriedade, para que ninguém use dela como instrumento de exploração e predomínio. 
A democracia. como disse Cuy-Gramd é um equilíbrio entre os direitos da pessoa e os direitos da sociedade, entre a liberdade e a soberania. Esse equilíbrio, porém, só se pode realizar nos períodos de paz interna e externa. Nos períodos de guerra ou revolução, ou de ameaça de uma ou de outra. o equilíbrio se rompe, a liberdade é suplantada pela soberania, pela suprema lex da salvação pública. É o que se verificou em todo o mundo após a guerra europeia de 1914-1918, e na ameaça e a vigência da última conflagração.
A democracia é, pois, o regime em que o povo se governa a si mesmo, quer diretamente, quer por meio de funcionários eleitos por ele para administrar os negócios públicos e fazer as leis de acordo com a opinião geral. 
Baseia-se em certas ideias, cujo reconhecimento e realização foi demorado e difícil, em reivindicações que foram a causa, e ainda são, de lutas prolongadas, quase sempre sangrentas, entre o povo e os indivíduos que lhe queriam impor pela força sua autoridade e sua vontade. 
Poder-se- ia responder que a democracia é o único regime que assegura a liberdade do maior número possível, e só com isso já seria o melhor e o mais livre dos regimes. Mas a verdade é que, não sendo a democracia um regime utópico, um Sistemas de abstrações. ela não pretende dar a cada um a liberdade absoluta, o poder de fazer tudo e só o que bem entendesse. Nem isso seria liberdade. mas anarquia. O que ela dá é a liberdade social, o direito de cada um fazer tudo o que não prejudique a liberdade dos outros, a coexistência e a ordem sociais. Essa é a única liberdade possível ao homem, que vive. em sociedade e não pode viver senão em sociedade. Ê a liberdade constituída pelos direitos individuais.
A Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, em 1789, contém uma definição lapidar da igualdade democrática: "A lei deve ser a mesma para todos, quer quando protege, quer quando pune. Todos os cidadãos são iguais perante ela e são igualmente admissíveis a todas as dignidades, cargos e funções públicas. conforme a sua capacidade, e sem outras distinções senão as de suas virtudes e talentos."
Podemos chegar a estas certas conclusões certas e confortadoras: a educação modifica o caráter dos indivíduos e dos povos, e influi decisivamente na organização social e política.
É a democracia. Nela a autoridade é forte porque se baseia na vontade popular, e a liberdade é respeitada porque o poder é limitado pelas leis, em cuja elaboração o povo intervém direta ou indiretamente.
A finalidade do governo ou do poder é, em resumo, manter a ordem Interna e assegurar a defesa, externa, administrar Justiça e dar assistência social através dos serviços públicos. Ordem. Justiça, assistência, são alguns elementos apenas da felicidade social, porém não são todos. Por isso mesmo, o governo é apenas um dos fatores, o importante Talvez, da felicidade social, porém não é o seu criador.
Do Princípio Democrático e Garantia dos Direitos Fundamentais – José Afonso da Silva
Regime político
Jiménez de Parga concebe-o como a solução que se dá, de fato, aos problemas políticos de um povo, acrescentando que: (a) como solução efetiva, o regime pode coincidir ou não com o sistema de soluções estabelecidas pela Constituição; (b) como solução política, um regime poderá valorar-se sempre com normas jurídicas e com critérios morais. 
"O regime político é a realização de uma concepção política fundamental nas instituições jurídicas constitucionais de um Estado". Segundo essa ideia, a característica de determinado regime político encontra-se principalmente na solução do problema da justificação do poder e, portanto, das relações entre governantes e governados. 
Democracia
A democracia não ê um mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história.
Podemos aceitar a concepção de Lincoln de que a democracia, como regime político, é governo do povo, pelo povo e para o povo. Podemos, assim, admitir que a democracia seja um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou, indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. 
A Constituição estrutura um regime democrático consubstanciando esses objetivos de igualização por via dos direitos sociais e da universalização de prestações sociais (seguridade, saúde, previdência e assistência sociais, educação e cultura). A democratização dessas prestações, ou seja, a estrutura de modos democráticos (universalização e participação popular) constitui fundamento do Estado Democrático de Direito, instituído no art. 1º. Resta, evidentemente, esperar que essa normatividade constitucional se realize na prática. 
A doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade.
Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia-consiste na liberdade., sendo todos iguais.
A igualdade, diz, é o primeiro atributo que os democratas põem como fundamento e fim da democracia. E assim ele acaba concluindo que toda democracia se funda no direito de igualdade, e tanto mais pronunciada será a democracia quanto mais se avança na igualdade.
Assim, preferimos dizer que a democracia é o regime de garantia geral para a realização dos direitos fundamentais do homem.
Teoria dos direitos Fundamentais do homem – José Afonso da Silva
A doutrina francesa indica o pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais como as principais fontes de inspiração das declarações de direitos. abstrato. Mas não é uma observação correta está de atribuir, ao surgimento de uma nova ideia de direito, tão profundamente revolucionária, inspiração de natureza basicamente ideal, sem levar em conta as condições históricas objetivas, que, na verdade, constituem a sua fundamentação primeira. As doutrinas e concepções filosóficas têm relevância enorme no processo. Mas elas próprias são condicionadas por aquelas condições materiais. Surgem precisamente para ordená-Ias numa compreensão ideológica coerente, interpretando-as, para definir lhes as leis a elas imanentes, já que, em tais momentos agudos da evolução social, se percebe a superação de situações caducas pelo despontar de algo novo.
Pelo que se vê, não há propriamente uma inspiração das declarações de direitos. Houve reivindicações e lutas para conquistar os direitos nelas consubstanciados. E quando as condições materiais da sociedade propiciaram, elas surgiram, conjugando-se, pois, condições objetivas e subjetivas para sua formulação.
O pensamento cristão, como fonte remota, porque, na verdade, a interpretação do cristianismo que vigorava no século XVIII era favorável ao status quo vigente, uma vez que o clero, especialmente o alto clero, apoiava a monarquia absoluta, e até oferecia a ideologia que a sustentava com a tese da origem divina do poder; o pensamento cristão vigente, portanto, não favorecia o surgimento de umadeclaração de direitos do homem; o cristianismo primitivo, sim, continha uma mensagem de libertação do homem, na sua afirmação da dignidade eminente da pessoa humana, porque o homem é uma criatura formada à:imagem de Deus, e esta dignidade pertence a todos os homens sem distinção, o que indica uma igualdade fundamental de natureza entre eles; há, no entanto, "quem afirme que o cristianismo não supôs uma mensagem de liberdade, mas, especialmente, uma aceitação conformista do fato da escravidão humana";
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· Direitos naturais diziam-se por se entender que se tratava de direitos inerentes à natureza do homem; direitos inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem. Não se aceita mais com tanta facilidade a tese de que tais direitos sejam naturais, provenientes da razão humana ou da natureza das coisas. 
· São direitos positivos, que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada momento histórico. Sua historicidade repele, por outro lado, a tese de que nascem pura e simplesmente da vontade do Estado, para situá-los no terreno político da soberania popular, que lhes confere o sentido apropriado na dialética do processo produtivo.
· Direitos humanos é expressão preferida nos documentos internacionais. Contra ela, assim, como contra a terminologia direitos do homem, objeta-se que não há direito que não seja humano ou do homem, afirmando-se que só o ser humano pode ser titular de direitos. Talvez já não mais assim, porque, aos poucos, se vai formando um direito especial de proteção dos animais.
· Direitos individuais dizem-se os direitos do indivíduo isolado. Ressumbra individualismo que fundamentou o aparecimento das declarações do século XVIII. É terminologia que a doutrina tende a desprezar cada vez mais. Contudo, é ainda empregada para denotar um grupo dos direitos fundamentais, correspondente ao que se tem denominados direitos civis ou liberdades civis. É usada na Constituição para exprimir o conjunto dos direitos fundamentais concernentes à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade.
· Direitos públicos subjetivos constituem um conceito técnico-jurídico do Estado liberal, preso, como a expressão "direitos individuais", à concepção individualista do homem; por isso também se tomara insuficiente para caracterizar os direitos fundamentais. 
· Direito subjetivo conceitua-se como prerrogativas estabelecidas de conformidade com regras de Direito objetivo. Nesse sentido, seu exercício, ou não, depende da simples vontade do titular, que deles pode dispor como melhor lhe parecer, até mesmo renunciá-los ou transferi-los, além de serem prescritíveis, situações essas incompatíveis com os direitos fundamentais do homem. Cunhou-se! depois, a expressão direitos público subjetivos' para exprimir a situação jurídica subjetiva do indivíduo em relação ao Estado, visando colocar os direitos fundamentais no campo do Direito Positivo.
· Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se. a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a Ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível, do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre igual de todas as pessoas
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Caracteres dos direitos fundamentais
Esse tema desenvolveu-se à sombra das concepções jusnaturalistas dos direitos fundamentais do homem, de onde promana a tese de que tais direitos são inatos, absolutos, invioláveis (intransferíveis) e imprescritíveis. Expurgando-se a conotação jusnaturalista que informara a matéria , ainda é possível reconhecer certos caracteres desses direitos. E o que discutiremos sinteticamente em seguida, para denotar neles os seguintes
(1) Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução burguesa e evoluem, ampliam-se, com o correr dos tempos. Sua historicidade rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas
(2) Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis;
(3) Imprescritibilidade. O exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, tomo é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição;
(4) Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados.
Pontes de Miranda, contudo, sustenta que há direitos fundamentais absolutos e relativos. Os primeiros são os que existem não conforme os cria ou regula a lei, mas a despeito das leis que os pretendam modificar ou conceituar (assim: a liberdade pessoal, a inviolabilidade do domicílio ou da correspondência), enquanto os relativos existem, mas valem conforme a lei (assim: os direitos de contrato, de comércio e indústria e o direito de propriedade).
O certo é que a Constituição assumiu, na sua essência, a doutrina segundo a qual há de verificar-se a integração harmônica entre todas as categorias dos direitos fundamentais do homem sob o influxo precisamente dos direitos sociais, que não mais poderiam ser tidos como urna categoria contingentes.
As garantias dos direitos fundamentais, em dois grupos:
1. Garantias gerais, destinadas a assegurar a existência e a efetividade (eficácia social) daqueles direitos, as quais "se referem à organização da comunidade política, e que poderíamos chamar condições econômico-sociais, culturais e políticas que favorecem o exercício dos direitos fundamentais"; o "conjunto dessas garantias gerais formará a estrutura social que permitirá a existência real dos direitos fundamentais"; trata-se da estrutura de uma sociedade democrática, que conflui para a concepção do Estado Democrático de Direito, consagrada agora no art. 1°.
2. Garantias constitucionais, que consistem nas instituições, determinações e procedimentos mediante os quais a própria Constituição tutela a observância ou, em caso de inobservância, a reintegração dos direitos fundamentais. São, por seu lado, de dois tipos: 
a. Garantias constitucionais gerais, que são instituições constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e contrapesos dos poderes e, assim, impedem o arbítrio com o que constituem, ao mesmo tempo, técnicas de garantia e respeito aos direitos fundamentais; são garantias gerais precisamente porque consubstanciam salvaguardas de um regime de respeito à pessoa humana em toda a sua dimensão; 
b. Garantias constitucionais especiais, que são prescrições constitucionais estatuindo técnicas e mecanismos que, limitando a atuação dos órgãos estatais ou de particulares, protegem a eficácia, a aplicabilidade e a inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo especial; são técnicas preordenadas com o objetivo de assegurar a observância desses direitos considerados em sua manifestação isolada ou em grupos. São destas que cuidaremos de modo mais pormenorizado no Título VI.
O conjunto das garantias dos direitos fundamentais forma o sistema de proteção deles: proteção social, proteção política e proteção jurídica.
As garantias constitucionais em conjunto caracterizam-se como imposições, positivas ou negativas, aos órgãos do Poder Público, limitativasde sua conduta, para assegurar a observância ou, no caso de violação, a reintegração dos direitos fundamentais.
Fundamentos constitucionais – José Afonso da Silva
Conceito de direito individual
O art. 5º da Constituição começa enunciando o direito de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Embora seja uma declaração formal, não deixa de ter sentido especial essa primazia ao direito de igualdade, que, por isso, servirá de orientação ao intérprete, que necessitará de ter sempre presente o princípio da igualdade na consideração dos direitos fundamentais do homem. Em sequência, o dispositivo assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos dos incisos que integram o artigo.
Nesse artigo que a Constituição assegura aos brasileiros os direitos ali indicados, ela é feita para o Brasil e para os brasileiros, E limitativa, em relação aos estrangeiros residentes no País, como se a eles apenas fossem reconhecidos os direitos arrolados no art. 5º, corno se, por exemplo, a eles fosse sonegado o gozo dos direitos sociais, que não constam deste artigo.
O artigo assegura “a inviolabilidade do direito à vida nos termos seguintes [...]", mas, nos termos seguintes, constantes dos incisos e parágrafos, nada mais se diz sobre a vida, a não ser da inviolabilidade da vida privada, que não é direito à vida, mas direito à privacidade.
Destinatários dos direitos e garantias individuais
O estrangeiro residente não tem só os direitos arrolados no art. 5º, apesar de somente ali aparecer como destinatário de direitos constitucionais. Cabem-lhe os direitos sociais, especialmente os trabalhistas.
Isso não quer dizer que os estrangeiros não residentes, quando regularmente se encontrem no território nacional, possam sofrer o arbítrio, e não disponham de qualquer meio, incluindo os jurisdicionais, para tutelar situações subjetivas. Para protegê-los, há outras normas jurídicas, inclusive de Direito Internacional, que o Brasil e suas autoridades têm que respeitar e observar, assim como existem normas legais, traduzidas em legislação especial, que definem os direitos e a condição jurídica do estrangeiro não residente, que tenha ingressado regularmente no território brasileiro.
Classificação dos direitos individuais
1. Direitos individuais expressos, aqueles explicitamente enunciados nos incisos do art. 52;
2. Direitos individuais implícitos, aqueles que estão subentendidos nas regras de garantias, como o direito à identidade pessoal, certos desdobramentos do direito à vida, o direito à atuação geral (art. 5º, lI); 
3. Direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo Brasil, aqueles que não são nem explícita nem implicitamente enumerados, mas provêm ou podem vir a provir do regime adotado, como o direito de resistência, entre outros de difícil caracterização a priori. 
Podemos classificar os direitos individuais nos grupos seguintes: (1) direito à vida; (2) direito à intimidade; (3) direito de igualdade; (4) direito de liberdade; (5) direito de propriedade.
Módulo 2 - os direitos humanos
A constituição brasileira de 1988 e os Tratados internacionais de proteção dos Direitos humanos – Flavia Piovesan
A incorporação efetiva das normas destes tratados no plano nacional é de crucial importância para que os seus propósitos sejam alcançados. A comunidade internacional tenta, atualmente, através do uso de tratados — o maior instrumento em seu aparato legal — obrigar os Estados a melhorar a condição dos indivíduos e a garantir a eles direitos fundamentais.
Perceber-se-á que, em face das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional passou a reconhecer que a proteção dos direitos humanos constitui questão de legítimo interesse e preocupação internacional.
Ao constituir tema de legítimo interesse internacional, os direitos humanos transcendem e extrapolam o domínio reservado do Estado ou a competência nacional exclusiva. São criados parâmetros globais de ação estatal, que compõem um código comum de ação, ao qual os Estados devem se conformar, no que diz respeito à promoção e proteção dos direitos humanos.
Richard B. Bilder: “O movimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de normas, procedimentos e instituições internacionais desenvolvidos para implementar esta concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial. (...) Embora a ideia de que os seres humanos tenham direitos e liberdades fundamentais, que lhes são inerentes, há muito tempo tenha surgido no pensamento humano, a concepção de que os direitos humanos constituem objeto próprio de uma regulação internacional, por sua vez, é bastante recente. (...) Muitos dos direitos que hoje constam do ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’ emergiram apenas em 1945, quando, com as implicações do holocausto e de outras violações de direitos humanos cometidas pelo Nazismo, as nações do mundo decidiram que a promoção de direitos humanos e liberdades fundamentais deveria ser um dos principais propósitos da Organização das Nações Unidas”
A constituição brasileira de 1988 e o processo de Democratização no Brasil — a institucionalização Dos direitos e garantias fundamentais
Após o longo período de vinte e um anos de regime militar ditatorial que perdurou de 1964 a 1985 no País, deflagrou-se o processo de democratização no Brasil. Ainda que esse processo tenha se iniciado, originariamente, pela liberalização política do próprio regime autoritário — em face de dificuldades em solucionar problemas internos —, as forças de oposição da sociedade civil se beneficiaram do processo de abertura, fortalecendo-se mediante formas de organização, mobilização e articulação, que permitiram importantes conquistas sociais e políticas.
A transição democrática, lenta e gradual, permitiu a formação de um controle civil sobre as forças militares. Exigiu ainda a elaboração de um novo código, que refizesse o pacto político-social. Tal processo culminou, juridicamente, na promulgação de uma nova ordem constitucional — nascia assim a Constituição de outubro de 1988.
A constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos
O termo ‘tratado’ é geralmente usado para se referir aos acordos obrigatórios celebrados entre sujeitos de Direito Internacional, que são regulados pelo Direito Internacional. Além do termo ‘tratado’, diversas outras denominações são usadas para se referir aos acordos internacionais.
A primeira regra a ser fixada é a de que os tratados internacionais só se aplicam aos Estados-partes, ou seja, aos Estados que expressamente consentiram em sua adoção. Os tratados não podem criar obrigações para os Estados que neles não consentiram, ao menos que preceitos constantes do tratado tenham sido incorporados pelo costume internacional.
Como dispõe a Convenção de Viena: “Todo tratado em vigor é obrigatório em relação às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”.
Acrescenta o art. 27 da Convenção: “Uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento do tratado”. Consagra-se, assim, o princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir plena observância ao tratado de que é parte, na medida em que, no livre exercício de sua soberania, o Estado contraiu obrigações jurídicas no plano internacional.
A Declaração dos Direitos Humanos na Pós-Modernidade
Herdeira do Iluminismo, assim como a própria ONU, a Declaração de 1948 explicita, no preâmbulo, sua doutrina. Esta se baseia no reconhecimento da "dignidade inerente a todos osmembros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis" como "fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo". Para que os Estados, a título individual e em cooperação com as Nações Unidas, cumpram plenamente o compromisso de promover o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais, assumido ao assinarem a Carta de São Francisco e recordado no preâmbulo da Declaração, "uma compreensão comum desses direitos e liberdades" é reputada "da mais alta importância".
Ao preâmbulo se seguem trinta artigos. Nem todos são propriamente dispositivos. O artigo 1º, também doutrinário, afirma: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade". O artigo 2º começa por entronizar axiologicamente o princípio da não-discriminação de qualquer espécie (em função de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza ou qualquer outra condição), acrescentando: "Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração". Passando da afirmação à linguagem imperativa, o mesmo artigo 2º determina adiante que "não será feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania". 
Essencial a um documento destinado a todos os seres humanos, num período em que dois-terços da humanidade ainda viviam em regime colonial, foi essa determinação do segundo parágrafo do artigo 2º – na verdade, uma auto restrição do Ocidente sobre sua atuação nas colônias, tantas vezes brutal – que permitiu à Declaração de 1948 ser denominada Universal, e não apenas Internacional, como seria de esperar.
Os direitos estabelecidos na Declaração, embora frequentemente violados, são hoje em dia amplamente conhecidos: à vida, à liberdade, à segurança pessoal; de não ser torturado nem escravizado; de não ser detido ou exilado arbitrariamente; à igualdade jurídica e à proteção contra a discriminação; a julgamento justo; às liberdades de pensamento, expressão, religião, locomoção e reunião; à participação na política e na vida cultural da comunidade; à educação, ao trabalho e ao repouso; a um nível adequado de vida, e a uma série de outras necessidades naturais, sentidas por todos e intuídas como direitos próprios por qualquer cidadão consciente. Controvertido, na qualidade de direito humano fundamental, o direito à propriedade, "só ou em sociedade com outros", registrado no artigo 17, desagradava sobretudo aos países socialistas, enquanto os direitos econômicos e sociais não se adequavam à ortodoxia liberal capitalista. A igualdade de direitos entre homens e mulheres, sobretudo no casamento (art. 16), assim como a proibição de castigo cruel (art. 5º) causavam, por sua vez, dificuldades a países muçulmanos de legislação não-secular. Nenhum dos dispositivos chegava, contudo, a ofender as tradições de qualquer cultura ou sistema sociopolítico. Ainda assim a Declaração dos Direitos Humanos foi submetida a voto, na Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, e aprovada por quarenta e seis a zero, mas com oito abstenções (África do Sul, Arábia Saudita e os países do bloco socialista).
Uma das contradições evidentes de nossa época consiste no vigor com que os direitos humanos entraram no discurso contemporâneo como contrapartida natural da globalização, enquanto a realidade se revela tão diferente. Não é necessário ser "de esquerda" para observar o quanto as tendências econômicas e as inovações tecnológicas têm custado em matéria de instabilidade, desemprego e exclusão social. Inelutável ou não, nos termos em que está posta, e independentemente dos juízos de valor que se lhe possa atribuir, a globalização dos anos 90, centrada no mercado, na informação e na tecnologia, conquanto atingindo (quase) todos os países, abarca diretamente pouco mais de um terço da população mundial. Os dois-terços restantes, em todos os continentes, dela apenas sentem, quando tanto, os reflexos negativos.

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