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141 TEORIA DA COMUNICAÇÃO Unidade III 7 A COMUNICAÇÃO COMO FENÔMENO SOCIAL Caro aluno, chegamos à última parte deste livro‑texto, e deu para perceber que falar sobre comunicação é um caminho longo e complexo e percorremos somente uma parte dele. A comunicação como ato está em todas as nossas interações interpessoais; ela nos permite nos relacionar e compartilhar ideias, experiências e sentimentos, transformando‑nos mutuamente e a realidade ao nosso redor. Na síntese de Bordenave (2006, p. 36): “Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo”. Cada um de nós não se comunica no vazio, mas dentro de um ambiente, parte de uma situação, ou, em termos da linguística, de uma enunciação, marcada por um tempo histórico, uma cultura, uma tradição. Observação O linguista Charaudeau (2008) faz uma distinção entre contexto e situação. Para esse estudioso, contexto faz parte da linguagem e configura‑se em texto verbal, imagem, grafismo etc. Situação, por sua vez, é externa à linguagem e constitui as condições de realização do ato da linguagem. Além disso, há a comunicação por causa do nosso desejo em partilhar uma parte do nosso eu: informações, conhecimentos, emoções. A comunicação é marcada pelas intersubjetividades, cujos saberes são compartilhados nas interações. Podemos adaptar a síntese do linguista Charaudeau (2008) no seguinte esquema: Gênese do saber Imaginários Saberes de conhecimento Verificável Saberes de crença Subjetividade Mundo → homem Mundo → mundo Saber científico Saber experiência Saber de revelação Saber de opinião Sistemas de organização do pensamento Teoria Empiria Doutrinas Opinião comum Opinião relativa Opinião coletiva Figura 59 – Saberes compartilhados na comunicação 142 Unidade III Somente o conhecimento (sem contar informações, sentimentos e outros) já constitui vários mundos, desde o compartilhamento de saberes científicos até opiniões comuns. Por isso, quando os meios de comunicação se intensificaram em suas inovações em meios eletrônicos, difusão e penetração durante o século XX, estudiosos da área das teorias da comunicação e da linguística preocuparam‑se com o impacto e a interferência dos meios nas nossas vidas. Em teorias da comunicação, a vertente teoria da mídia ou teoria do meio desenvolveu‑se diversamente em diferentes países, entre eles o Canadá, onde os notórios estudos de Marshall McLuhan (1969) foram realizados entre 1950 e 1960. Na década de 1980, despontaram os estudos especiais – para o nosso contexto – de Martín‑Barbero, cujas reflexões são voltadas para a situação social de minorias e de hegemonia política. Saiba mais O pesquisador brasileiro Norval Baitello Jr. faz uma reflexão crítica sobre as definições da teoria da mídia, como um elemento fluido que ocupa os espaços. BAITELLO JR., N. A serpente, a maçã e o holograma: esboços para uma teoria da mídia. São Paulo: Paulus, 2010. As ideias de Martín‑Barbero (1993; 2014) refletem sua preocupação com a realidade da América Latina, que marca um espaço geopolítico, em que os receptores e os processos sociais de dominação se interligam na comunicação. Assim, fundamentado nos postulados da teologia da libertação, de Gustavo Gutiérrez, e da educação libertadora, de Paulo Freire, Martín‑Barbero propõe instaurar uma alfabetização em comunicação para o desvelamento do impacto das mídias (meios) e para a apropriação e inserção dos sujeitos nas mídias, instaurando o próprio espaço da comunicação e de novos sentidos. Causaria, então, uma reversão do processo comunicativo baseado nos meios midiáticos: dos meios à mediação. Afinal, o quadro social da comunicação não possui um lado. Existe a ação e/ou reação dos grupos sociais que usam a mídia como mediadora para assumir sua voz. A comunicação pode, então, se tornar um sistema de uso para as vozes de pós‑colonização da América Latina, de grupos sociais oprimidos, como no caso das mulheres, da própria imprensa jornalística e das mídias que lutam pelo direito de expressão. Nessa perspectiva, o silêncio faz parte da comunicação. De um lado, o silêncio pode ser positivo ao dar espaço/tempo para organizar tantas informações existentes, para ser usado como ócio criativo, entre outras vantagens. Por outro lado, no entanto, o silêncio pode ser negativo, quando há opressão e cala tantas vozes sociais. O linguista Charaudeau (2013) também assume um posicionamento crítico sobre a relação das mídias com a sociedade. O autor assevera a importância da verdade e da inteligibilidade da informação ao ser transmitida ao público, uma vez que, nas instâncias da comunicação, instauram‑se a produção 143 TEORIA DA COMUNICAÇÃO (mídia) e a recepção (público), sendo que “a primeira é detentora do conhecimento e a segunda é a parte interessada em obter esse conhecimento, que sem a mídia isso não seria possível” (CHARAUDEAU, 2013, p. 72). 7.1 Comunicação: dos meios às mediações Martino (2015), de modo interessante, compara três gerações de sua família ao tratar da teoria do meio. Ele faz referência à infância do avô, que morava na cidade de São Paulo, brincava nas ruas sem asfalto e tinha brinquedos de madeira feitos em casa. Na década de 1930, as ruas não tinham luz elétrica, o cinema era para momentos raros e o rádio era para famílias ricas. A infância do autor Martino foi décadas depois, em 1980, quando as crianças tinham brinquedos de plástico e a televisão fazia parte do cotidiano, levando‑o a imitar personagens de série e animação. O filho de Martino, em 2012, com 8 meses de idade era atraído pela imagem digital da televisão, estendia a mão para pegar o celular ou tablet e queria brincar com o teclado do computador. Com essa comparação, o autor reforça que a partir do século XX cada geração teve um tipo de contato com uma mídia, que altera o modo de viver e entender a realidade. Devido a essa interferência, a mídia passou a ser foco de atenção de estudiosos das teorias da comunicação. A teoria do meio ou teoria das mídias procura, justamente, entender as interferências da mídia na vida cotidiana. Nessa perspectiva, o interesse dos estudiosos recai sobre os meios, e não sobre a informação (mensagem) em si. Diante desse interesse, primeiramente, é preciso discutir sobre o significado dos termos mídia e meio. No esquema de comunicação de Jakobson (2000), o elemento canal é o meio físico pelo qual a mensagem é enviada. O canal pode ser o suporte físico livro, gibi, folheto, jornal, televisão, rádio, celular, entre tantos outros. Lembrete No esquema de comunicação da linguística estrutural, canal é um dos elementos de comunicação, além do emissor, receptor, mensagem, referente e código. Deparamo‑nos com os termos meio, canal e suporte que, de forma geral, são termos empregados em diferentes áreas de estudo da comunicação e das ciências da linguagem, mas que servem para se referir ao mesmo fenômeno. Há várias formas de explicarmos o que é a palavra meio, pois depende do contexto no qual a palavra está inserida, podendo ter diversos sentidos, tais como geométrico, cronológico, qualitativo, entre outros. Em contexto topológico, o sentido da palavra meio pode ser “um meio entre dois pontos”; em contexto cronológico, seu sentido está relacionado a intervalo, como na expressão “meio‑dia”; em sentido quantitativo, em situação de notas escolares, por exemplo, temos a famosa preocupação dos 144 Unidade III alunos, a “média”; e, em um sentido qualitativo, a palavra meio dá origem ao adjetivo “mediano”. Enfim, a palavra meio carrega a concepção de relação, porque, segundo Liesen (2020, p. 189), qualquer relação só pode ocorrer se seus elementos estão ao mesmo tempo afastados e postos em contato por outra coisa que não eles mesmos. Dito de outra maneira: o que está em relação, o que se dá, o que aparece, o que se transmite, o que se anuncia só pode ocorrer através ou por meio de outra coisa que não ele mesmo. O termo meio vem do latim medium (complural media) e é uma tradução (feita por Tomás de Aquino na Idade Média) do grego μεταξύ (metaxú), que designa o advérbio “entre”. Na acepção do filósofo grego Aristóteles (LIESEN, 2020), a palavra meio era relacionada aos sentidos humanos, e cada sentido teria seu respectivo medium: a pele do corpo é designada pelo toque; a luz, pela cor; o ar ou água, pelos sons e cheiros. Nesse contexto grego, o olho existe como um órgão que serve como “meio” para a imagem percebida; o olho não é um instrumento de percepção e formação de imagem. Depois da tradução por Tomás de Aquino, a palavra passou a ser empregada pela física (a mecânica, a acústica e a óptica) e mudou de sentido no século XVIII devido à influência das correntes místicas da época. Por consequência, quando a palavra foi adotada pelos falantes de língua inglesa, o termo latino medium passou a designar, além das características dos fenômenos físicos em ciências naturais, pessoas que recebem mensagens de pessoas mortas ou entidades míticas. No caso da língua portuguesa, ocorreu um aportuguesamento do termo, não do latim, mas do inglês. No pós‑Guerra do século XX, os Estados Unidos passaram a ter muita influência na formação político‑cultural por causa das tecnologias de informação e entretenimento. Assim, em vez do termo latino medium, houve um aportuguesamento do uso em inglês para mídia (plural, mídias). Como resultado, em língua portuguesa, temos a palavra meio nos sentidos já apontados (topológico, cronológico etc.), como advérbio “entre” e como um dos elementos da comunicação; também temos a palavra “médium” empregada por determinadas religiões praticadas no Brasil; e também passamos a ter a palavra “mídia”, referente, principalmente, à imprensa jornalística e aos meios eletrônicos, como rádio e televisão. Na área da comunicação, a palavra meio está relacionada à palavra canal, que também tem origem na língua latina – canna, que significa cano pequeno, lugar para escoar água. Assim, o meio é um canal, ou seja, ferramenta de armazenamento e transporte. Quando falamos meios de comunicação, referimo‑nos a um suporte físico em que a mensagem já foi codificada para ser transmitida, conforme o esquema de comunicação de Jakobson. Nesse contexto, então, o meio não é considerado importante, mas a informação. O meio somente se destacou com McLuhan (1969). Com a proliferação da tecnologia da informação e do entretenimento, o meio passou a ser mais relevante, economicamente, do que a mensagem em si. Esse estudioso da área das teorias da comunicação percebeu que “o meio é a mensagem”, ou seja, os meios de comunicação tornaram‑se o próprio conteúdo da informação. Liesen (2020) esclarece que o termo meio empregado 145 TEORIA DA COMUNICAÇÃO por McLuhan tem o conceito de “qualquer extensão técnica dos sentidos humanos”, como se o meio fosse uma prótese. Ainda segundo Liesen (2000, p. 194), McLuhan faz alusão ao mito de Narciso e defende que o homem não reconhece o meio como extensão de si, assim como o Narciso narcotizado não se reconhecia em seu próprio reflexo. Os meios, por atuarem diretamente em nossos sentidos, alteram nossa própria percepção e consciência. Exemplo de aplicação 1) Os meios de comunicação tornaram‑se poderosos na sociedade do século XX e, na visão de McLuhan (1969), “o meio é a mensagem”. Não apenas na língua portuguesa, mas em outras também, os falantes empregam metonímias. No caso da leitura, por exemplo: “Vou ler o jornal”. A palavra “jornal” substitui a palavra “texto” em seus diversos gêneros. Assim: A) Leia o jornal no sentido de texto. Escolha um texto do jornal do dia e faça uma síntese de duas linhas. B) Leia o jornal. Tenha em mãos um jornal impresso e faça uma leitura sensorial das folhas e da diagramação. Relate a experiência: os processos de leitura e os resultados. 2) “O meio é a mensagem” significa ascensão social da mídia. Para provar essa afirmação, faça um levantamento com as pessoas próximas: A) Entre dois nomes de canais de TV, qual a pessoa escolhe para assistir? B) Entre dois nomes de jornal, qual a pessoa escolhe para ler? C) Que motivo a pessoa oferece para a escolha? 3) Compare a tela de uma televisão de 43 polegadas (altura e largura correspondem a 94 cm × 53 cm), uma tela de um notebook de 15 polegadas, ideal para ser carregado em uma pasta ou em uma mochila, e uma tela de celular. De que forma cada meio interfere na sua maneira de perceber uma realidade? Resolução 1) Os meios de comunicação adquiriram tanta relevância que nos levaram a criar certas expressões: “Vou ler o jornal”, “Gosto muito de TV”, “Não vivo mais sem o celular” etc. Não percebemos mais que ler o jornal (meio físico, o suporte) é diferente de ler os textos contidos nele. 2) Os meios suscitam uma reação emotiva e impacto sensorial nas pessoas, levando‑as a ter uma preferência em detrimento de outras. 146 Unidade III 3) O impacto de uma imagem, por exemplo, é diferente na tela de um celular e de uma televisão. O tamanho da tela, o fato de maior proximidade com o próprio aparelho, os recursos de linguagem utilizados em cada mídia interferem na percepção do que a pessoa vê. Na área da linguística, em especial do fim do século XX em diante, em vez dos termos meio ou canal, os estudiosos da área empregam o termo suporte por considerar que a comunicação envolve interação, troca entre enunciador e enunciatário, lugar e momento. O termo canal tornou‑se específico, empregado no contexto científico que segue a linha estruturalista, em especial, dos estudos desenvolvidos por Jakobson. Para o linguista Maingueneau (2001), o lugar em que o texto está faz muita diferença na situação comunicacional. Ele exemplifica ao diferenciar um anúncio publicitário em um cartaz na plataforma metroviária e em uma revista. Enquanto o anúncio é visto rapidamente na plataforma e seu público é indeterminado, podendo ser homens, crianças, pessoas de qualquer profissão etc., na revista, o anúncio é itinerante, pois a revista pode ser levada e lida em qualquer lugar e disponibilizada por tempo indeterminado e seu público é específico. O meio, o canal, o suporte são, enfim, termos concebidos como uma materialidade. O termo materialidade é irônico, porque a sociedade é adjetivada como “líquida”, e perdemos a referência à concretude. Nas palavras de Liesen (2020, p. 196), a perfeição de um meio está na sua capacidade de ser esquecido durante sua operação, isto é, enquanto meio nenhum meio consegue comediar sua materialidade. Nós observamos através dos meios, mas eles não podem observar a si próprios. Para darmos um exemplo, durante a leitura de um livro, elementos como a impressão das letras, formatação, cor das páginas, peso etc. devem ser esquecidos para que a leitura de fato ocorra. À parte a opinião sobre o meio ser perfeito, a materialidade torna‑se relevante no contexto sociocomunicativo. Afinal, o avanço tecnológico é algo socialmente determinado. Não é a televisão ou o computador que criam uma sociedade nova, é a sociedade que precisa de processo de convívio próprio que faz a tecnologia, já existente, começar a ser usada também para outros propósitos. Para a teoria da comunicação, o rádio possibilitou que os ouvintes recriassem performances musicais. Antes do rádio, a música de concerto estava disponível exclusivamente a uma pequena elite. Como discute McLuhan (1969), há sempre um processo cumulativo de complexidade, e uma nova formação comunicativa e cultural vai se integrando na anterior, provocando nela reajustamentos e novas funcionalidades. Alguns elementos sempre desaparecem, por exemplo, um tipo de suporte é substituído por outro, como no caso do papiro, ou um aparelho que é substituído por outro mais eficiente, o caso do telégrafo. Paralelamente, tanto a linguagem quanto os meios de comunicação evoluem. 147 TEORIA DA COMUNICAÇÃO Computador A revolução da linguagem A revolução da escrita A revolução da imprensa A revolução do computador Informação linguísticaInformação escrita Informação escrita Informação escrita Informação tipográfica Informação tipográfica Informação eletrônica Sujeito Sujeito Sujeito Sujeito Instrumentos (caneta, papel) Instrumentos Instrumentos Prelo Prelo Figura 60 – A revolução da linguagem e suas mídias Fonte: Pugliese (2010, p. 6). A figura anterior mostra as revoluções dos meios, os quais justamente estão no centro das práticas comunicativas e disponíveis para o estabelecimento das relações sociais. De acordo com a tecnologia da mídia do momento, ocorrem alterações sociais, mudando a maneira como as pessoas se comunicam. Diante disso, a teoria da mídia de McLuhan busca compreender como os meios interferem na sensibilidade das pessoas. O autor já previa que na aldeia global, estabelecida pela interdependência dos meios eletrônicos, as pessoas seriam alfabetizadas pelos signos audiovisuais, e não mais pelos signos da escrita. Os meios mudam a maneira de aprender, amplificando os sentidos humanos em contato com a realidade. Nesse contexto, o autor sintetiza que “os meios de comunicação são extensões do homem” e, devido ao fato de que os meios alteram a produção e a recepção da mensagem, afirma que “o meio é a mensagem”. Como os meios conseguem alterar nossa percepção da realidade? O brasileiro Clóvis de Barros Filho (HOHLFELDT, 2014), da área da comunicação, distingue determinados conceitos básicos referentes à mídia. Entre eles, estão: • acumulação; • consonância; • onipresença; • relevância; • frame temporal; 148 Unidade III • time lag; • centralidade; • tematização; • saliência; • focalização. Esses conceitos são explicados no trecho a seguir. A acumulação pode ser descrita como o poder que a mídia possui para destacar determinados temas. Um exemplo desta característica seria citar a pauta que tem a maior fonte na capa de um jornal que é um veículo que apresenta seu destaque de forma mais objetiva. Já na televisão, podemos citar a matéria que recebeu mais acumulação a que é caracterizada por ter mais tempo que as demais e é apresentada com mais ênfase pelo apresentador. A consonância pode ser descrita como as semelhanças que podem ser visualizadas entre os veículos de comunicação, no momento em que estes e seus profissionais atuam no processo de apuração, produção e disseminação de reportagens. Um exemplo disso, a forma como as assessorias de comunicação produzem releases, utilizando o critério da hierarquização da informação e da pirâmide deitada. Já a onipresença pode ser descrita como a característica que algumas reportagens jornalísticas possuem de serem pauta que pode ser enquadrada em mais de uma editoria. A relevância pode ser descrita como a importância que a pauta possui, se o assunto foi pautado por diversos veículos de comunicação mesmo que de angulações diferentes. Frame temporal se refere à apuração de informações que são efetuadas que podem vir a agregar para o entendimento do receptor em relação a determinada pauta. Um exemplo disso seriam as matérias que são efetuadas em época de eleições, na maioria das vezes, elas trazem consigo dados relevantes, como o histórico do candidato e suas impressões sobre temas que são frequentemente pautados pela sociedade – saúde, educação, segurança pública. Time lag pode ser explicado como o tempo que o público que acompanha a mídia passa para ser influenciado, persuadido pelas informações as quais prestigiou, ou seja, é o intervalo no qual o público reflete e absorve o que acompanha sobre a mídia. 149 TEORIA DA COMUNICAÇÃO A centralidade pode ser descrita como as estratégias que os meios de comunicação utilizam para abordar pautas agregando significado, mostrando alguns pontos que podem mudar a perspectiva do leitor. A tematização é uma característica agregada à centralidade, pois esta mostra o acompanhamento de determinada pauta, que é divulgado a partir da criação de novas reportagens com informações atualizadas. A saliência pode ser definida como a percepção positiva do receptor sobre determinada pauta, este feedback sobre o assunto pode ser percebido no momento em que o indivíduo expressa sua opinião com o restante da sociedade. Por fim, a focalização pode ser descrita como a angulação escolhida pelo jornalista para a abordagem de determinado assunto. Além da exploração do ponto de abordagem, um detalhe que contribui efetivamente para avaliar a focalização são as formas que o jornalista desenvolve sua matéria. Fonte: Soares e Ribeiro (2017, p. 3‑4). De acordo com Stasiak (2010), trata‑se da midiatização, que é um processo contínuo em que as mídias alteram a sociedade e a cultura, e vem acompanhado de uma atividade humana desde o início do uso da escrita e leitura. Os processos da midiatização se esforçam principalmente com o aumento das tecnologias digitais na internet. O conceito da sociedade midiatizada ou midiática surge da ideia de ação da mídia sobre a sociedade, sendo a influência da mídia o principal fator de moldura contemporânea. A mídia tem o poder de destruir os aspectos sociais que o mundo hoje observa, são frutos do resultado permanente e constante de igualar ideias que ela tem colocado. A mídia hoje em dia tem padrões de beleza, consumo, escolaridade, de felicidade. O meio de comunicação tem parte sobre os papéis sociais, no sentido de que o acesso ao meio em si e aos modos da interação que ele disponibiliza para se comunicar e agir começa a funcionar na sociedade midiatizada. A midiatização não acontece apenas quando se está produzindo ou recebendo informações; acontece também quando se fala com os amigos sobre um vídeo da internet ou curso on‑line, por exemplo. Nesse contexto, podemos juntar aqui as ideias de Martín‑Barbero (1993), para quem a informação se tornou mercadoria e, para compreender melhor a sociedade, é preciso ultrapassar a teoria da informação. Segundo o autor, “o problema não era que faltava lógica ou coerência a uma teoria pensada em termos de emissor, mensagem, receptor, códigos, fonte… O problema era que tipos de processos comunicativos eram pensados desde ali” (MARTÍN‑BARBERO, 1993, p. 71). O autor dá um exemplo: em situação comunicativa em evento com bastante gente (festa, sacramento religioso etc.), identificar emissor, receptor, mensagem é muito difícil. O ato comunicacional vai além das explicações de um esquema de comunicação. 150 Unidade III Lembrete O esquema de comunicação de Jakobson tornou‑se tão notório que passou a ser predominante nos estudos sobre comunicação. No entanto, esse esquema faz parte da linguística estrutural e a análise torna‑se muito mecânica, sem levar em consideração, por exemplo, fatores sociais dos falantes. Na visão de Martín‑Barbero (1993), a comunicação é uma prática social, e passa a haver a necessidade, frente ao fenômeno da midiatização, de discutir que tipo de sociedade esse fenômeno está criando. Uma sociedade designada pós‑moderna. Exemplo de aplicação Acompanhe as imagens a seguir, que mostram a mão nua (sem luva) e com luva como ferramenta de interface. mão nua mão com luva palma para baixo palma para baixopalma para cima palma para cima Figura 61 Adaptada de: Wang e Popovic (2009). Com base nas imagens vistas, responda: até que ponto a mídia digital interfere na percepção que o ser humano tem da realidade? Resolução A relevância do suporte é indiscutível. Com o toque da mão aberta, informações são coletadas. A mídia digital causa problema como a mídia tradicional. Sua interferência no nosso cotidiano é muito mais assombrosa, pois os sistemas digitais são de vigilância. Podem identificar, por exemplo, práticas de negócios que se baseiam em recursos eletrônicos de redes e nos serviços da internet. A vigilância, sustentada pelos algoritmos da linguagem computacional, é nada mais que uma maneira sofisticada e refinada da economia política no capitalismo digital regulado pela biopolítica ocupando espaço sobre o globo. 151 TEORIA DA COMUNICAÇÃO 7.2 Comunicaçãoe a linguagem do silêncio O silêncio causa interesse, tornando‑se objeto de estudo ou objeto temático, como lemos no poema a seguir. O fotógrafo Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: Madrugada minha aldeia estava morta não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã. Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era o carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador. Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul‑perdão no olho de um mendigo. 152 Unidade III Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça. Representou para mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski – seu criador. Fotografei a Nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua noiva. A foto saiu legal. Fonte: Barros (2000, p. 11). No poema de Manoel de Barros, o silêncio é como uma coisa, perceptível, tendo uma presença. Como presença, o silêncio é figurativizado pelas imagens e pelas ações criadas por ele: “O silêncio era o carregador?”. Afinal, o poema é como uma fotografia, carregado de imagens, mas também é como música, constituído de ritmo; nesse caso, não há ritmo sem silêncio. O silêncio é também objeto das ciências da linguagem, uma vez que ele faz parte da comunicação, podendo ter mais de um significado, como submissão, resistência, omissão, entre tantos outros. Em um processo comunicativo, manter‑se em silêncio é um respeito pelo outro, que fala, mas os ambientes enunciativos podem nos levar a compreender outras razões para o silêncio, como se o pronunciamento não fosse importante ou a pessoa precisasse da permissão do outro. Ou, ao contrário, sua opinião é importante, mas o silêncio indica que se concorda com o outro. Nesse sentido, descobrir o significado de cada um dos silêncios faz com que a forma de comunicação se torne enriquecedora. Urpí (2001) apresenta uma classificação do silêncio, em que são citadas algumas polifonias do silêncio: • O silêncio cauteloso consiste em saber calar, considerando a hora e o lugar onde estão os interlocutores e que tipo de pessoa está na nossa convivência. 153 TEORIA DA COMUNICAÇÃO • O silêncio artificial é quando nos calamos para surpreender, desnortear quem declara seus sentimentos para nós, sem que esse outro saiba dos nossos, ou para tirar vantagem do que ouvimos e observar o outro de maneira sutil ou enganosa. • O silêncio complacente consiste não só em ouvir sem contradizer quem é, mas também em lhe mostrar o prazer que sentimos com sua conversa ou seu comportamento, como gestos, olhos, sorrisos etc. O silêncio, no caso, ocupa o lugar da palavra e de aplausos. • O silêncio zombeteiro é caracterizado por ser uma reserva irônica, maliciosa e afetada por não interromper coisas sem sentido ou de pouco interesse. • O silêncio inteligente é quando o rosto de uma pessoa é percebido como uma expressão de espírito, de ênfase agradável e adequado para refletir as ideias ou sentimentos que se deseja tornar conhecidos sem a ajuda da palavra. • O silêncio estúpido é de quem imobiliza a língua e dessensibiliza o espírito; com esse tipo de silêncio, a pessoa parece mergulhada em uma profunda taciturnidade que nada significa. • O silêncio de aprovação consiste no consentimento que concedemos ao que ouvimos, como um sinal de estarmos felizes com o que o outro disse. Damos importância ao discurso e atentamos como um testemunho de aprovação. • O silêncio desdenhoso ocorre quando fazemos sinal de desprezo e não nos dignamos a responder a quem nos fala. • O silêncio de humor é aquele cujo interesse ou paixão só é realizado de acordo com a disposição ou a agitação do humor que domina a pessoa que fala e depende da situação do espírito, do contexto comunicativo e do funcionamento dos sentidos; por exemplo, quando alguém conta uma piada ou qualifica uma piada no discurso. • O silêncio diplomático vem daquela pessoa prudente que é reservada e se comporta com cautela e inteligência, que nunca se abre para tudo, que não diz tudo que pensa nem sempre explica sua conduta plena ou seus desígnios e que, sem trair os direitos da verdade, nem sempre responde a tudo para não se deixar descobrir. Como bem afirma Carvalho (2009, p. 2318): O silêncio é uma linguagem muito mais complexa que a expressão da face ou do olhar, pois nele oculta‑se o silenciado. O silêncio não é um mero complemento da linguagem, ele tem significação própria. Por não termos conhecimento do que nele se esconde, podemos atribuir‑lhe diferentes sentidos. 154 Unidade III A complexidade do silêncio leva igualmente às abordagens complexas de seu estudo. Um deles está ligado à sociedade contemporânea que tem muito ruído e não veda as diversas vozes sociais. A seguir, a entrevista do pesquisador português Alberto Filipe Ribeiro de Abreu Araújo. “Imperializante”, sociedade da comunicação não deixa o silêncio existir e fragiliza a democracia A sociedade da comunicação se transformou em uma “sociedade do ruído”, que está matando a competência humana de pensar de forma complexa e comprometendo dramaticamente a produção de conhecimento. A análise é do professor Alberto Filipe Ribeiro de Abreu Araújo, da Universidade do Minho (Portugal), que, em curta estada na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], participa de reuniões para estruturar um grupo internacional de pesquisa. Sua reflexão se baseia no valor do silêncio, que, por sua vez, é desprezado pela sociedade contemporânea. “A comunicação praticamente não deixa o silêncio existir porque se tornou demasiado invasiva e imperializante”, afirma o professor, que vê no fenômeno uma ameaça à democracia, uma vez que “o barulho do mundo atual gera uma nova forma de ignorância”. […] Em sua visão, o que é silêncio? A noção de silêncio é polissêmica; ela encerra em si uma multitude de sentidos. Quando se fala em silêncio, a maioria das pessoas pensa em uma relação binômica e antinômica, como uma noção oposta ao barulho, ao som, à fala, à conversação, ao ruído. Porém, na tradição filosófica, sabemos que pensar a realidade em pares binômicos ou antinômicos é reducionista e simplifica o que é por natureza complexo. Dito isso, começaria por afirmar de forma veemente que o silêncio, como tema humano universal, representa uma força antropológica, ontológica, ética e educacional de longo alcance. E esse alcance implica uma responsabilidade reflexiva para aqueles que se dedicam ao tema. Aparentemente, o silêncio é a privação do som e da palavra, ou seja, ele é vazio: uma desfiguração carnal e espiritual da vocação do humano para se exprimir mediante a linguagem. Mas só aparentemente. Na essência, o silêncio é esperança: ele transfigura o sentido, quer no plano pessoal, individual ou subjetivo, quer no plano mais universal e cultural. Há, portanto, mais de um tipo de silêncio? São dois tipos básicos: o exterior e o interior. Não exalto aqui o silêncio exterior, que aparentemente é – mas só aparentemente – uma falta, uma ausência, um vazio, mas, sim, o interior, voluntário, que não apostasia a linguagem: antes, usa‑a para valorizar o sentido humano, a liberdade do espírito. Em certa medida, esse silêncio se apresenta como pertencente à esfera do sagrado, por ser fascinante e tremendo e por despertar naquele que o vivencia um sentimento ora de terror, ora de espanto; e de meditação, tranquilidade, 155 TEORIA DA COMUNICAÇÃO reflexão, quietude, discernimento. Vive‑se o silêncio como uma experiência multifacetada que ora surpreende, ora assusta. Daí podermos dizer que ele não é merofenômeno mental assaz complexo, mas também estranhamente emocional, profundamente íntimo. Se, por um lado, a experiência do silêncio está mais intimamente ligada à cultura, por outro, ela é pessoal e intransmissível por aquele que a vive. Sara Maitland, em O livro do silêncio, escreve que é “possível sentir o silêncio exterior sem qualquer noção do silêncio interior e, em alguns casos, o inverso”. Ela diz: “O silêncio é multifacetado, um tecido densamente entrelaçado de muitos cordões e fios diferentes”. O silêncio é um momento de consciência, de responsabilidade e, por excelência, de atenção ao outro. Por isso, deve ser privilegiado. O senhor parece considerar o silêncio uma grande força… A força do silêncio transborda a sua mera dimensão intelectual para se afirmar mais como um silêncio íntimo e de pudor. Trato aqui de um tipo de silêncio que nunca pode ser obrigatório ou imposto, senão seria o silêncio da vítima; antes, ele tem de ser desejado e merecido. Melhor: aquele que se dedica ao silêncio não o elege; eu diria que é eleito por ele. O silêncio escolhe aquele que a ele se dedica, e este tem de conquistar o silêncio, abrindo‑se voluntariamente a ele e insurgindo‑se contra a ditadura do ruído. A temática do silêncio é exigente, arriscada, complexa, profunda e cheia de meandros que precisam ser enfrentados por aquele que deseja melhor compreendê‑lo. A que exatamente o senhor se refere quando fala em “silêncio da vítima”? Falo do silêncio imposto, sempre terrível, até mesmo letal; um silêncio oposto ao silêncio desejado, do qual falava antes. Refiro‑me ao silêncio da opressão, das ditaduras, o silêncio a que as ditaduras obrigam. Falo mesmo de certo tipo de silêncio a que o populismo presente na Europa e fora da Europa também convida. O silêncio como opção pode ser criativo e gerar autoconhecimento, integração e profunda alegria. Ser silenciado, em contrapartida, pode levar uma pessoa à loucura. Esse é o silêncio da vítima, um silêncio que nos é imposto. […] O silêncio pode ser considerado um discurso? Em hipótese mais radical: uma linguagem? O silêncio é uma linguagem não verbal, que comunica autrement, ou seja, de outro modo, e muitas vezes de modo até mais significacional que a linguagem verbal tout court. A comunicação é da ordem do interativo, enquanto o silêncio é da ordem do não interativo, embora tenha em si uma espécie de interação. Na sociedade da comunicação e da informação, que muitas vezes é também uma sociedade do ruído, pensamos que só pela comunicação podemos significar e nos exprimir e que só comunicamos bem e com sentido se falamos. Assim, a comunicação, que se pretende 156 Unidade III utilitária, eficaz, urgente e saturante, tornou‑se onipresente: o ambiente natural do mundo atual. Nesse sentido, ela surge assim como aquosa, numa “sociedade líquida”, como diria Zygmunt Bauman. Portanto, não é de se estranhar que essa mesma sociedade da comunicação odeie o silêncio e até a própria Palavra [com maiúscula, quando o entrevistado a emprega exclusivamente como conceito], que é do domínio do tempo longo, da atenção ao outro, da alegria da troca e da reciprocidade, da paciência e da escuta. Esse tipo de comunicação, como salienta [o sociólogo e antropólogo] David Le Breton, põe o silêncio na posição de bode expiatório por todos os males da terra dos homens, na medida em que consagra a interioridade plena e critica toda uma comunicação desabrida e invasiva. Aqui parece haver uma tensão entre a sociedade que valoriza o silêncio e a sociedade da comunicação… O que está em causa aqui é a dimensão técnica da comunicação. Não a recusamos totalmente, mas somos fortemente críticos dela, em razão dessa sua dimensão técnica que implica uma vontade de controlar e de esmagar a esperança, quer seja a esperança do silêncio, quer seja a esperança da Palavra. Essa questão parece‑me importante: deixarmos lugar para a esperança. E a esperança, a meu ver, sem procurar fazer divisões dicotômicas, está mais reconfortada, mais aconchegada no campo do silêncio. Na obra Le silence et la parole contre les excès de la communication [O silêncio e a palavra contra os excessos da comunicação], o próprio David Le Breton e Philippe Breton tratam dessa questão assim: “a tagarelice frenética da ideologia da comunicação é uma tecnização do sentido que nos aprisiona num mundo limitado, sem horizonte, no qual nos tornamos utensílios, figuras intercambiáveis, descartáveis, sem rosto nem voz”. O silêncio é o gerador da Palavra como espaço de troca, de argumentação, de debates e da própria ação. O silêncio e a Palavra convivem muito mal com o ruído comunicacional e tecnológico. Nas suas reflexões, qual é a diferença entre “palavra” e “Palavra”? Com minúscula, “palavra” faz parte da comunicação tout court; com maiúscula, “Palavra” remete ao sentido de “proclamar”; é algo mais ligado ao sagrado, ou seja, àquilo que é ruminado até a exaustão para só depois ser dito. Por que o silêncio perdeu o protagonismo no decorrer das últimas décadas como recurso das relações humanas? O silêncio, com exceção de alguns meios filosóficos e religiosos, nunca teve grande protagonismo no seio da comunicação humana. Ele esteve sempre marginalizado. Foi sempre alvo de poucos. A sociedade da comunicação e da informação é o corolário disso tudo: nela, o sujeito pós‑moderno está tão enfeitiçado pela onipotência da linguagem, da comunicação, que devota a ela um culto diário – culto que antes era reservado às divindades, 157 TEORIA DA COMUNICAÇÃO no plural ou no singular. Nesse sentido, há aqui uma transferência da esfera do religioso, do sagrado para a esfera do profano. Uma das razões de o silêncio perder protagonismo é justamente esta: a sociedade atual é secular, profana e consagrou o uso da comunicação em detrimento do silêncio e da Palavra que proclama e institui um código de conduta, por exemplo. Sabemos que, em uma sociedade líquida, há certo horror à instituição de normas e regras, pois nela tudo é relativo. Assim, o silêncio faz‑se raro e indizível, e isso nos lembra aquele pássaro que, acossado por seu predador, refugia‑se nos altos cumes inacessíveis. A comunicação praticamente não deixa o silêncio existir em nossa sociedade atual porque se tornou demasiada invasiva e imperializante. Ela [a comunicação], que é meio, tornou‑se, em muitos aspectos, uma antítese do silêncio e da Palavra, que é e deveria ser a finalidade. […] O silêncio é esse pássaro que precisa fugir da sociedade que se criou ao seu redor… O mesmo que ocorre a esse pássaro ocorre ao silêncio, que é intimamente solidário da Palavra porque ambos se alimentam mutuamente. Acossados pelo barulho e pelo desprezo à comunicação sacrossanta dos séculos XX e XXI e, sobretudo, a partir das tecnologias de comunicação, o silêncio e a Palavra se tornaram mais raros, mais inacessíveis, mas nem por isso menos importantes na vida espiritual. A ideologia da comunicação, estabelecida em nome do mito da convivialidade, do mito da transparência, tornou‑se uma espécie de Frankenstein, sem rosto e à solta, e segue arrebatando com muito sucesso os sujeitos que fazem das palavras a sua forma privilegiada de existir. Hoje, substituímos o “penso, logo existo”, de Descartes, pelo “falo, logo existo”. Contudo, falar não é, como se sabe, sempre um sinônimo de existir. Como o silêncio pode ser instrumento de construção de saber? O silêncio serve à construção do saber pela simples razão de que não há reflexão que possa nascer fora da esfera do silêncio interior consagrado [para o pesquisador, esse “silêncio interior” diz respeito a uma espécie de experiência espiritual – que pode ou não ser do tipo mística – desejada pelo sujeito na sua condição de aprendiz]. Dificilmente se pode pensar, refletir, criar e gerar autoconhecimento no seio do burburinho, no ambiente cacofônico em que as pessoas acham que sabem o que está sendo dito, enquanto cada uma delas, a propósito do que está sendo dito, estáa pensar diferentemente. Isso é cacofonia. Eu poderia dizer que, quando expurga o silêncio, a sociedade da comunicação fica praticamente impossibilitada de construir o saber, de instituí‑lo. O senhor fala em certo valor pedagógico do silêncio. Do que se trata? O silêncio adquire valor pedagógico quando aquele que o faz usa‑o, à semelhança do Mestre, para que o Outro, mesmo o seu próximo, aprenda e compreenda certa 158 Unidade III mensagem falada. Essa mensagem, que prefiro chamar de proclamada, tende a adquirir maior pregnância quando é precedida ou seguida de um silêncio voluntário e refletido. É assim que se compreende que a Palavra iniciática brota de um pensar silencioso reflexivo e tende a regressar a ele, na medida em que se tem uma necessidade de meditar sobre cada Palavra proclamada. O silêncio vital e a Palavra absoluta alimentam‑se entre si. O silêncio também é fundamental para o processo educativo… É de um valor imenso, e basta recordar a “Lição de silêncio”, da [pedagoga italiana] Maria Montessori, para nos apercebermos que, mesmo as crianças da educação infantil têm o dom, quase natural, de compreender a sua importância nos seus trabalhos manuais e/ou de aprendizagem. As crianças devem aprender a ficar em silêncio para interiorizar o que foi construído e aprendido. Em silêncio, elas escutam músicas de relaxamento, o assobio dos passarinhos e o barulho das outras crianças no pátio. Em razão disso, ficam mais tranquilas e despertas para aquilo que é essencial. Aqui, o silêncio aparece como uma disciplina espiritual, que as deixa mais despertas para aprenderem as lições propriamente ditas. Não é possível educar sem o pensamento, sem a reflexão, e ambos carecem de um silêncio pedagógico para serem produtivos, penetrantes e atuantes. Veja‑se, por exemplo, que, no quadro da educação tradicional e religiosa, é por meio do olhar silencioso do Mestre que o discípulo adquire intuitivamente uma espécie de sabedoria, que o ajuda na sua formação. Somente no – e pelo – silêncio pode haver reflexão e o trabalho das ideias que brotam dessa mesma reflexão, que, por sua vez, conduz ao desenvolvimento do espírito crítico e à tomada de uma consciência social que urge e se impõe. O que ganharíamos ao evocar novamente o silêncio em nosso atual regime de historicidade, que temos começado a denominar como contemporâneo? Na “sociedade do ruído”, em que todos falam e ninguém se escuta, e o sujeito está quase sempre submerso em uma avalanche de informação e de dados que não controla e que o alienam, impõe‑se parar pedagogicamente para dar lugar ao questionamento. Isso implica necessariamente a experiência do silêncio ativo e interrogante. No fundo, é pelo pensamento crítico propiciado pelo silêncio atuante que se pode, certamente, chegar àquilo que o grande educador brasileiro e do mundo Paulo Freire chamou de “educação problematizadora” (leia‑se, a da criatividade) por oposição à “educação bancária” (leia‑se, a da repetição), no livro A pedagogia do oprimido. Contudo, o silêncio incomoda. Nós não gostamos daqueles que são silenciosos durante um debate. O silencioso muitas vezes aparece como sinônimo de taciturno, de alguém esquisito, difícil, que não respeita as regras sociais. As regras sociais dizem que um conjunto de pessoas juntas devem falar, devem se comunicar, e não estar em silêncio. A sociedade atual escolheu se tornar uma sociedade da comunicação e da informação por excelência, evacuando o silêncio como algo prejudicial, não produtivo, nefasto, que deveria ser mantido 159 TEORIA DA COMUNICAÇÃO longe da prática cotidiana da convivialidade e dos processos de construção de saber. Demasiada orgulhosa de suas conquistas, a sociedade contemporânea se julga a grande vencedora do seu tempo, quando, sendo uma sociedade da comunicação, da informação, faz do barulho o grande vencedor. A sociedade da comunicação deveria integrar o valor pedagógico, construtivo e terapêutico do silêncio, em vez de proceder com o intuito de expulsá‑lo da sua prática. Comunicar sem privilegiar o silêncio implica comprometer o sentido dessa mesma comunicação e, por conseguinte, estilhaçá‑lo numa cacofonia estéril e prejudicial a uma compreensão partilhada. Sobre isso, Philippe Breton e David Le Breton dizem: “O silêncio é necessário à palavra, ele introduz um espaço de respiração, de meditação. Ele é a respiração das conversas e o seu tempo.” […] As redes sociais exercem protagonismo negativo nesse cenário? A sociedade contemporânea fez das redes sociais que a medeiam o seu deus de adoração. A sociedade do nosso século muito fala, pouco acerta e quase nada escuta, daí toda a necessidade de se refletir sobre uma pedagogia do silêncio que implica necessariamente um saber ouvir [em silêncio], como que contemplando a palavra dita, para depois “ruminá‑la”. Só uma palavra “ruminada”, purificada num silêncio redentor, vale a pena ser pronunciada, e, por conseguinte, esgotada. A sociedade do século XXI pensa pouco, ou não pensa de todo, naquilo que diz. Consequentemente, tem um déficit muito grande de escuta, porque implica toda uma pedagogia que parece desconhecer ou secundarizar. Por isso, não admira que o ruído incessante esconda a banalidade e a [fina] espessura das relações interpessoais, da mesma maneira que o “fazer silêncio” siga parecendo uma atitude perigosa, ameaçadora e excêntrica. Quais as principais implicações de se aceitar passivamente o estabelecimento dessa “sociedade do ruído”? Se entendermos por “sociedade do ruído” aquela em que o sentido da compreensão, da explicação e da interpretação é estilhaçado pela cacofonia do excesso da comunicação, as implicações são de várias ordens. Recentemente, um importante estudo realizado por pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon demonstrou que o aumento no uso da internet coincide com um aumento da solidão, problema acentuado na era do uso constante de redes como o Facebook e o Instagram e que pode fazer mal à saúde física e emocional das pessoas. Na prática, as redes sociais aumentam a sensação de angústia, ansiedade, inveja e frustração. O ser humano, alienado pela revolução digital, tornou‑se cada vez mais isolado e individualista, embora esteja convencido do contrário. É esse convencimento que importa urgentemente desmitificar. O uso desmesurado das novas tecnologias torna os indivíduos escravos do celular, dos videogames ou do computador e, de um modo mais amplo, das 160 Unidade III redes sociais, impossibilitando‑os de estabelecer o necessário distanciamento crítico para o trabalho reflexivo. Há uma espécie de mimetismo nesse pingue‑pongue virtual, em que as pessoas acabam por se viciar. Essa “interação” que as redes sociais proporcionariam não pode ser considerada tão dialógica quanto o diálogo que travamos ao longo desta entrevista? Há uma diferença. Na relação virtual há a ausência de algo principal para que a palavra brote no seu fundo mais original: o rosto do outro. O olhar do outro, o gesto do outro, a presença do outro fazem a minha palavra se instituir de forma mais profunda e mais prolongada no tempo. Isso não condiz com a relação causal de pingue‑pongue que estabelecemos, por exemplo, quando estamos numa relação de Skype. A ilusão de ter o mundo na mão conduz a um esvaziamento do nosso espírito crítico e a uma submissão da opinião ministrada pelos meios de comunicação. Com isso, a juventude perde a capacidade de se expressar e se torna mais conformista e frágil, sem defesas face aos populismos crescentes. O ruído organizado e a distração afastam os momentos de silêncio e não possibilitam o desenvolvimento da nossa capacidade de pensar, de organizar as nossas ideias e de construir o próprio discurso. Isso consagra inelutavelmente a ascensão de uma nova ignorância, e, por conseguinte, fragiliza a democracia. A democracia fica mais frágil em razão de ignorâncias, seja do tipo antigo, seja essa nova ignorância, que advém dos meios digitais. Ironicamente,a revolução digital forma mais analfabetos funcionais do que propriamente sujeitos críticos e ativos, no sentido político do termo. A ignorância contemporânea, mais do que qualquer outra, se ignora. Exatamente! Isso ocorre porque a antiga ignorância se sabia ignorante. Já a atual, presa da soberba, se diz “conhecimento”. Na sociedade do ruído, há uma avalanche de informações, uma proliferação de sons. Contudo, se tudo for espremido, pouco fica, como numa borra de café. Em razão da alienação promovida por essa sociedade, o sujeito sempre ligado à rede passa a ter muita dificuldade (devido à ausência de espírito crítico) de separar o joio do trigo. Mas a questão aqui não é diabolizar a revolução digital. Ela é importante quando analisada como meio. O problema surge quando ela se torna um fim em si mesma. Ela se torna um Frankenstein à solta. […] Fonte: Ribeiro (2017). Para os estudos das ciências da linguagem, o silêncio é uma linguagem, desde que conexo a um contexto de comunicação e, nesse caso, o silêncio relaciona‑se a uma história e a uma ideologia, conforme Orlandi (2002). 161 TEORIA DA COMUNICAÇÃO O papel do silêncio é ser marcado entre as palavras (faladas, escritas), sendo segmentado e distinguido no tempo, com múltiplos efeitos de sentidos. As marcas formais do silêncio são difíceis de ser perceptíveis no discurso. O que pode ser percebido e verificado no silêncio é seu aspecto cultural, inscrito em uma determinada história e política. São dois, portanto, os critérios para análise do silêncio como linguagem ou, pelo menos, parte da linguagem: o “silêncio fundante”, ou seja, aquele que alicerça os processos de significação, uma vez que eles têm uma relação necessária com o silêncio e a “política do silêncio”, o silenciamento, segundo a qual o sujeito, ao dizer, estará necessariamente omitindo outros sentidos, desde que eles são produzidos de um determinado lugar, a partir de uma posição do sujeito. Nessa última categoria, situam‑se: o silêncio constitutivo, essencial à linguagem, desde que a escolha de uma palavra apaga necessariamente outras palavras; e o silêncio local, relativo à censura, ao proibido de se dizer em certa conjuntura (CARVALHO, 2009, p. 2318). Expressões como “tomar a palavra”, “tirar a palavra”, “obrigar a dizer”, “fazer calar”, “silenciar” etc. fazem parte da história do silêncio. Tanto o silêncio pode fazer parte de uma opressão, quanto do oprimido. O silêncio, enfim, tem uma única materialidade (ausência de som da fala e de outro signo), mas não possui uma só interpretação. Ele pode se manifestar consciente ou inconscientemente, dependendo do indivíduo. Por exemplo, o silêncio das mulheres faz parte do imaginário de diversas culturas e, em geral, no sentido de submissão. A subversão, quando ocorre, é de forma consciente, criando, então, um significado novo. Lutar contra o silêncio evoca uma ação entre, no mínimo, duas ou mais pessoas, em um confronto de alguém que oprime contra um oponente, alguém que se opõe. Concordamos com Carvalho (2009, p. 2321), quando ela afirma “que o silêncio é resistência porque se torna linguagem, quando, por exemplo, na necessidade de uma opção, é a resposta diferente das desejadas ou permitidas”. Como exemplo de luta contra o silêncio repressor, há o movimento de circulação pública contra a violência doméstica e contra o abuso sexual. Um desses movimentos é a criação da cartilha elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), cuja capa está na figura a seguir. 162 Unidade III Figura 62 – Capa da cartilha Sinal vermelho contra a violência doméstica Fonte: CNJ; AMB (2021). A cartilha foi elaborada para divulgar a campanha Sinal Vermelho contra a violência doméstica em enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher durante o afastamento social devido ao novo coronavírus e aos efeitos da pandemia de covid‑19. Como forma de denúncia e de solicitação de medidas protetivas, o programa lança a campanha de uma denúncia silenciosa: “Basta um ‘x’ vermelho, feito com batom ou qualquer outro material acessível, na palma da mão e a notícia da violência na farmácia ou drogaria cadastrada na campanha. A polícia será acionada” (CNJ; AMB, 2021, p. 2). A imagem da figura anterior retrata o corpo da mulher, dando destaque à mão com um X pintado de vermelho, em primeiro plano da fotografia. Os elementos sígnicos contextualizam uma representação do medo e da violência, neste caso, violência contra a mulher. A cor vermelha, que simboliza a violência, a agressividade, o poder e a superioridade sobre o outro, na mão feminina da capa da cartilha sobrepõe o significado desse símbolo ao potencializar a força da mulher para denunciar e lutar contra a violência. O X serve de interação com o outro e constrói um significado, adquirindo, então, grande relevância na comunicação. O X em vermelho e a mão levantada com a palma virada para nós, leitores, causam impacto tanto sensorial quanto emocional, devido, respectivamente, à cor e à projeção da mão e ao forte apelo para deter a violência doméstica. Devido ao confinamento por causa da pandemia de covid‑19, somente local com serviço essencial manteve‑se aberto para o público. Por isso, conforme a cartilha, a denúncia poderia ser feita em uma 163 TEORIA DA COMUNICAÇÃO farmácia ou drogaria. Nesse novo contexto social, ocorrem transformações no conceito de espaço que trazem à tona a concepção de não lugar, um espaço que, por exemplo, passa a ter uma outra função. Uma outra maneira de romper o silêncio – este negativo, opressor – foi tomada pelo governo do estado de São Paulo, que sancionou a Lei n. 17.406, de 15 de setembro de 2021 (SÃO PAULO, 2021), que obriga condomínios a notificar casos de violência doméstica ocorridos em famílias moradoras. No mesmo mês, o Jornal do Ônibus, da cidade de São Paulo, divulgou em ônibus e terminais atitudes contra o abuso sexual. Figura 63 – Capa do Jornal do Ônibus, com o tema sororidade Fonte: SPTrans (2021). O texto do jornal também solicita à leitora a denúncia, mas por meio de uma interferência com base em sororidade. Além da palavra sororidade, a imagem de três figuras femininas reforça a quem o texto se dirige: à mulher. A mulher pode ser vítima, mas ela é também forte para lutar contra a violência. Ambos os textos – cartilha e jornal – são exemplos de ruptura do silêncio. Há um terceiro texto, a própria lei, que ajuda nessa ruptura; mais, torna legal a voz contra o silêncio. 164 Unidade III Exemplo de aplicação 1) Faça um levantamento de movimentos artísticos e/ou de artistas – exposição de arte, encontros para arrecadação etc. – para promoção da luta contra o silêncio, seja da mulher, dos grupos LGBTQ+, das crianças em situação de risco, entre outras situações sociais. Como se constituiu o movimento pesquisado em relação à situação de comunicação? 2) Exemplifique um evento de manifestação de protesto ou de solidariedade ocorrido em seu bairro e/ou cidade. Descreva como foi a situação comunicativa: debates, festividades, bingo para arrecadação etc. 3) A internet virou um espaço a que muitos usuários recorrem para protestos, lutas contra injustiças, chamamento para ações de solidariedade, compartilhamento de pedidos de ajuda ou de denúncia. Abra a sua página do Facebook ou de uma outra rede social e verifique as postagens do dia que correspondam a essa situação comunicativa. Resolução São vários os movimentos culturais que se transformam em denúncia de uma situação social, como uma maneira de romper o silêncio. Tais movimentos ocorrem em contextos comunicacionais diferentes e por suportes (midiáticos e digitais) diversos. Já discutimos sobre a linguagem ser a grande mediadora entre nós – espécie humana – e o mundo. A linguagem concretiza a comunicação, a qual, por sua vez, possibilita a interação social. Contudo, a linguagem também forma a nossa identidade, uma vez que não desvinculamos a identidadedos atos de linguagem. A identidade deve ser marcada repetidas vezes para que sustentemos o eu e o nós. Saiba mais Convidamos você a ler um livro infantil, em que a história se constrói em um ambiente carente, com desigualdade econômica e marcado pela violência. Com ilustrações impressionantes, o personagem principal é apresentado, criando suspense. SOUZA JR., O. C. O chefão lá do Morro. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. 165 TEORIA DA COMUNICAÇÃO Para encerrar esta parte, recorremos às palavras de McLuhan (1969, p. 85): As vítimas que sofreram o impacto da nova tecnologia invariavelmente costumam tartamudear lugares‑comuns sobre a falta de senso prático dos artistas e sobre seus gostos fantasiosos. Mas é do reconhecimento geral que, no século passado – e para usar as palavras de Wyndham Lewis – “o artista está sempre empenhado em escrever a minuciosa história do futuro, porque ele é a única pessoa consciente da natureza do presente!”. 8 A COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA Charaudeau (2008), assim como McLuhan e tantos outros da área da comunicação, analisa criticamente os meios de comunicação. Ele relaciona o uso da linguagem às situações comunicativas. 8.1 Formação e estratégias midiáticas O ato de enviar informação está diretamente ligado à interação social, uma vez que a informação carrega um determinado saber, atinge o outro, que não retém esse conhecimento. Como esclarece Charaudeau (2013), é necessário levar em consideração o meio em que essa informação é construída e difundida e como ela pode afetar o discurso, tendo uma relação direta com locutor e interlocutor na produção de sentido. O meio social em que a informação é gerada é essencial, pois neste identificamos suas ideias, valores e, sobretudo, a ideologia que o caracteriza, refletindo diretamente em seu produto final, ou intencionalmente na informação, dando uma característica que marca o meio em que está inserido. São esperadas dos interlocutores habilidades de extração, em que haja absorção daquilo que convém; ao saber disso, a mídia trabalha por seus meios introduzindo informações estrategicamente formuladas, para atingir seus objetivos, usando fatores influenciadores na hora de produzir seu conteúdo massivo, para atingir o máximo de pessoas possível. O ato da comunicação exige um canal, ou seja, o meio por onde esta é dada. Os meios são extensos, tendo diversos suportes, como meio televisivo, radiofônico, meio escrito e atualmente os mais variados meios de difusão via internet. Para que haja interação entre os dois lados, é necessária a presença de um locutor e um interlocutor; ao primeiro compete encaminhar a mensagem, e, ao segundo, recebê‑la. Ao produzir um discurso, de teor jornalístico ou literário, o locutor tem consigo informações que seu interlocutor não possuiu. Ao introduzir informações, o primeiro tem o propósito de informar ou transmitir algo, ao passo que o interlocutor as recebe. Porém, o resultado dependerá da troca em que outros fatores também contam. Nenhuma mensagem está livre de intencionalidade, podendo‑se dizer que ela não é pura. Todo e qualquer ato de comunicação tem por trás uma carga ideológica de sentido. A interpretação é um ponto‑chave para falarmos de comunicação, pois a mensagem produzida nem sempre é reproduzida e interpretada da maneira que seu emissor a destinou, sendo de extrema relevância o meio cultural em que está inserido, e qual é o conhecimento de mundo do interlocutor. 166 Unidade III Se existe um fenômeno humano e social que dependa principalmente da linguagem, é o da informação. A informação é, em uma definição empírica mínima, a transmissão de um saber, com a ajuda de uma determinada linguagem, por alguém que possui o saber a alguém que se presume não possuí‑lo (CHARAUDEAU, 2013, p. 54). A mídia é um dispositivo que formata a mensagem para quem irá consumi‑la. Esse consumo de informações facilitadas é normalmente utilizado de forma massiva por indivíduos que geralmente se baseiam por um senso comum. Os indivíduos consomem a informação à disposição sem a reflexão necessária, somente para suprir uma necessidade de informações, que também é direcionada, de forma prática e rápida. No processo de produção de enunciado ocorre a preparação, estando a mensagem em seu produto final, um produto que carrega uma variedade múltipla de conceitos do locutor. Esse processo está diretamente relacionado ao público‑alvo, para o qual a mensagem chegará, ou seja, há certa orientação da maneira na qual a mensagem será transformada e encaminhada. Esta pode atingir públicos especificados, de forma seletiva; quando a mensagem é encaminhada, necessita responder questões como qual faixa etária, em qual meio será transmitida, qual será o canal que o emissor utilizará, qual será o código, entre outros questionamentos para que haja transmissão do conteúdo, e as informações cheguem através do canal ao público desejado. Tem‑se a intencionalidade na hora da formatação do texto, para que o emissor alcance seu alvo. Assim: Como em todo ato de comunicação, a comunicação midiática põe em relação duas instâncias: uma de produção e a outra de recepção. A instância de produção teria, então, um duplo papel: de fornecedor de informação, pois deve fazer saber, e de propulsor do desejo de consumir as informações, pois deve captar seu público. A instância de recepção por seu turno deveria manifestar seu interesse e seu prazer em consumir tais informações (CHARAUDEAU, 2013, p. 62). Ao tratar de mídia, temos a noção da amplitude e variedade, que nos dias atuais vem tornando‑se cada vez mais vasta. O termo mídia engloba uma teia de sentidos. Temos como vertentes midiáticas a mídia televisiva, mídia digital, mídia escrita, entre outras tantas. Com o avanço da tecnologia temos um leque de possibilidades, quando se trata de obter informações. Na palma da mão temos acesso aos smartphones, que são meios de acesso rápido aos conteúdos on‑line, e, dessa forma, as mídias digitais de fácil acesso tornaram‑se também facilmente manipuláveis. Com a quantidade de mídias presentes, temos opções, mas ainda assim a mídia televisionada é uma das mais populares. Sendo uma ferramenta, que dá acesso ao visual e auditivo, trazendo a mensagem para seu receptor, de uma forma mais aproximada, transmitindo uma sensação de contato e simultaneidade. Ao pensar na mídia televisiva, deparamo‑nos com a questão de imagem e som, uma interligada ao outro. O efeito visual e auditivo conecta‑se, sendo um dependente do outro, porém com suas próprias organizações internas, ou seja, com um mecanismo e estruturas próprias. Esse recurso utilizado simultaneamente produz nível de proximidade marcante e massivo tornando‑se uma grande ferramenta de manipulação. A imagem tem em si a carga ideológica representativa e se torna mais sensível, o efeito auditivo se introduz na invocação. Nesse sentido: 167 TEORIA DA COMUNICAÇÃO A televisão é imagem e fala, fala e imagem. Não somente imagem, como se diz algumas vezes quando se trata de denunciar seus efeitos manipuladores, mas imagem e fala em solidariedade tal, que não se saberia dizer de qual das duas depende a estrutura do sentido (CHARAUDEAU, 2013, p. 65). A imagem televisiva tem no seu discurso múltiplos sentidos. Entre tantos discursos, sendo variáveis, encontramos o traço marcante da oralidade e imagem presente nos discursos televisionados. A imagem televisiva traz consigo a ideia do real e o irreal, o referencial e o ficcional, como diz Charaudeau (2013, p. 65): “A imagem televisionada tem uma origem enunciativa múltipla com finalidades de construção de um discurso ao mesmo tempo referencial e ficcional”, podendo causar efeitos como uma sensação de ficcional, do que está à volta, um efeito de reconstrução, levando à sensação de verdade e um efeito de realidade. A notícia tem em seu enredo características de um texto informativo, capaz de trazer ao seu receptor a sensação de locomoção. Ao tratar a notícia, em primeira instânciaficam em evidência os seus pontos principais, em que o locutor irá introduzir a sensação de interação. Esses efeitos levam ao telespectador a sensação de ser relatado de toda informação que ocorre, despertando a sensação de verdade e de simultaneidade. Em relação ao tempo, concluímos que na verdade essa sensação é ilusória. O tempo e o acontecimento da informação não serão coincidentemente relativos, pois para a mensagem chegar ao seu destino final é necessário um processo. Nesse processo perde‑se a autonomia da mensagem, que passa a ser moldada conforme informações e intenções acrescentadas. Ao analisar a questão do espaço, ela nos traz a concepção de encurtamento, levando‑nos para próximo. Dependendo da forma que um jornalista dá uma notícia, por exemplo a maneira de ele olhar para a câmera, de se posicionar diante do enquadramento dela, isso afeta a sua aproximação com seu espectador. O meio midiático legível não carrega consigo a proximidade que a televisão traz ao retratar um fato ou um ato informativo. Sua forma transporta um rigor mais direto, ainda assim cheio de intencionalidades. Esse meio é formado por um texto informativo, em que os principais fatos são encaixados no primeiro parágrafo, chamando a atenção do leitor ao enredo da notícia. A menção de acontecimentos e até a forma da fonte em que a letra se enquadra é uma estratégia do redator, jornalista que compõe esse material escrito. Ele utiliza uma estética propriamente selecionada para chamar a atenção, ou trazer a atenção do leitor para a notícia em destaque. A mídia escrita é tradicional, em aspectos como a fixação de uma imagem que acompanha o texto informativo, junto a um título de impacto. Há certa distância física, nesse formato de mídia, entre o leitor e seu interlocutor. Entre esses dois pontos existem variações de interpretação do referente, e estas ocorrem devido ao distanciamento da característica de instância da emissão para instância de recepção, deixando assim um espaço entre a mensagem informada e a recebida. Um espaço de amplas formas de percepção do referencial. A mesma mensagem pode não ser visualizada e entendida da mesma forma que é produzida. A ênfase dada em uma determinada notícia é uma característica importante. Trata‑se de uma função referencial, pois ela define a relevância do texto apresentado. Normalmente essa ênfase se dá ao destaque do título, a notícia na primeira parte do jornal, seu enquadramento, qual tipo de fonte, as palavras selecionadas, onde se posicionam etc. É nesse contexto que: 168 Unidade III A exigência de visibilidade obriga a imprensa a compor as páginas de seu jornal de maneira que as notícias possam ser facilmente encontradas e apreendidas pelo leitor. Assim sendo, a instância midiática deve ter um cuidado particular com a maneira de anunciar e apresentar as notícias. Isso é feito através da paginação (primeira página, rubricas, fotos, desenhos, gráficos, tabelas, tipos de colunas, molduras etc.) e da titulagem (títulos, pré‑títulos, subtítulos, leads). Tais elementos constituem formas textuais em si e têm uma tripla função: fática, de tomada de contato com o leitor, epifania, de anúncio da notícia, e sinóptica, de orientação ao percurso visual do leitor no espaço informativo do jornal (CHARAUDEAU, 2013, p. 233). A forma midiática escrita não consegue coincidir tempo e acontecimento. Afinal, temos uma ruptura ao considerar o tempo da notícia o real, o tempo da produção, o tempo de leitura e interpretação do produto final. Esse mesmo tempo encontra‑se defasado, devido à não simultaneidade dos acontecimentos, dos fatos. A produção escrita não é efêmera, podendo ser recuperada, diferentemente da oralidade em que não se tem essa facilidade de releitura e compreensão de novas percepções. Ao ser realizada, a notícia passa por um processo, de coleta de informações, de pesquisa e filtragem. Passa‑se de um processo de notícia construída e reconstruída, por seus interpretadores, tanto no processo inicial quanto no final, chamado assim de transação entre a matéria bruta e a matéria final, a qual chegará ao seu alvo. Outro aspecto importante é o discurso estar inteiramente ligado ao jogo de poder e, dependendo do nível de estratégia, o discurso pode ser manipulado para atingir tal interesse. O seu receptor se torna manipulável, através da diversidade de possibilidade do mesmo discurso, ou seja, dependendo do interesse jornalístico, tal discurso atingirá um determinado grupo. Há certa facilidade na introdução de ideologias por meio da mídia, devido à sua grande variedade, sua grande produção discursiva e seu grande poder de inserção social. O ser humano cria discursos, tanto para justificar como para se comunicar. O discurso é a peça‑chave para a interação social. Encontramos essas duas grandes ferramentas do discurso predominantemente no discurso jornalístico, sendo base deste meio. Para que haja manipulação é necessário um agente, um meio, em que possa haver um contato, planejado entre quem produz o discurso e o seu receptor. A manipulação nunca virá de uma forma objetiva, ou seja, sempre será dispersa por diferentes formatos, nunca estará evidenciada. Geralmente, a intenção de quem produz o texto nem sempre é clara. Para haver a interação é necessário um alvo específico, isto é, que haja um alvo a ser manipulado. As mídias têm como preocupação central a quantidade de telespectadores, sua audiência. Ao perceber que está perdendo a audiência, muda o foco. Não existe uma preocupação com o conteúdo; dessa forma, pode alterá‑lo, tornando‑o massivo e muitas vezes sensacionalista e, se necessário, extremamente repetitivo. São deixados de lado as bases da informação e o objetivo interno presente no discurso e o que este pode trazer. Isso traz uma problemática, pois a mídia não transpassa os reais problemas sociais, é extremamente seletiva com o conteúdo que será transmitido, construindo dessa forma o que compõe o espaço público, e consequentemente a opinião pública, ou seja, tudo que é introduzido no meio social através dos meios de comunicação está relacionado com o que é selecionado por esses meios para a massa, para este público‑alvo. 169 TEORIA DA COMUNICAÇÃO Observação A mídia jornalística tem papel fundamental na formação de informação e opinião, mas ela também é um campo de autonomia incompleta, subordinado e constituído conforme as estratégias do campo econômico. Quanto ao assunto verossimilhança ou ao que está relacionado com o que é verdadeiro dentro de uma informação, temos que ter atenção ao teor ideológico que é apresentado, dando enfoque à intencionalidade que a notícia tem, qual é o seu teor informativo, o que ela representa, e o quanto ela afeta o meio. Ao dizer que uma informação é concreta e totalmente verdadeira, corremos o risco de ferir a autenticidade dos fatos. São esses questionamentos que o receptor deve se fazer ao se posicionar diante da mensagem transmitida, o quão verossímil é a mensagem, qual é a necessidade da transmissão dessa informação, porque está sendo retratada dessa maneira. Quando uma notícia passa pelo seu processo de transformação, para chegar ao seu receptor, ela passa por diversas reduções. Tem‑se uma seleção do material primeiramente coletado, retirando alguns fatos, e assim transformando‑a em uma informação não completa, mas reduzida, trazendo pontos intencionalmente escolhidos. Essa seleção é feita com critérios de importância e prioridade, transformando a mensagem através do que deve ser informado, o que realmente é relevante, quem está se beneficiando ao produzir e qual o efeito em quem recebe a notícia. Ao ser criado o discurso, são relevados todos esses critérios, pois o discurso intencional precisa cumprir o seu objetivo final, sendo na sua maior parte o beneficiário seu emissor, aquele que desenvolve a mensagem, e produz seus pontos primordiais. O produtor do texto é responsável não pelos acontecimentos descritos, mas sim pelas escolhas, a forma comoretrata essa mensagem. Como fala, e o que fala, traz no conjunto o que o emissor quer reportar. A carga ideológica da informação e o que ela transmitirá está relacionada com o que seu locutor introduz e o que opta em informar. Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolha de estratégias discursivas (CHARAUDEAU, 2013, p. 236). A maior razão da mídia é informar, e entre suas premissas estaria supostamente fazê‑lo de forma clara e assegurando veracidade dos fatos. No entanto, ao transmitir uma mensagem, corre‑se o risco de contaminação dessas informações por um elevado grau de carga ideológica, ou seja, traços intencionais da ideologia dominante que as reproduz. Normalmente notícias sensacionalistas são mais chamativas e exercem um poder de persuasão maior ao público insciente, sendo um tipo de informação de fácil absorção e compreensão. O sensacionalismo da informação é um ato arriscado, pois pode comprometer o produto, e até mesmo banalizá‑lo, dependendo do nível de interferência 170 Unidade III ou propósito de seu emitente. Esse tipo de suporte pode trazer dados incompletos, fragmentando a mensagem e tornando‑a inconclusiva. O ato de chocar traz ao público sensações, emoções, que lhe prendem e dominam. Por isso, ao tratar de uma história real e optar pela utilização de apelo emocional, estaremos caracterizando a notícia, transformando‑a em um drama para prender o público‑alvo. Esse ato é deveras arriscado, pondo assim o princípio de informar em último plano, e o de entretenimento em primeiro. Exemplo de aplicação 1) Compare dois telejornais – um mais sério e formal e outro mais sensacionalista. A) Anote o comportamento dos apresentadores: corporal, tratamento dado aos entrevistados etc. B) Verifique se os apresentadores assumem ou não uma opinião. C) Anote as linguagens recorrentes no programa (cenário, iluminação, movimento de cores e de corpo, sons etc.) que criam um ambiente mais formal e sério e o outro ambiente mais sensacionalista. 2) Leia o mesmo fato em dois ou três jornais impressos diferentes e verifique as categorias apresentadas por Clóvis de Barros Filho: acumulação, consonância e focalização. Resolução 1) Nesta atividade, a mensagem, ou seja, o fato noticiado, não é relevante, mas sim como o suporte (meio da comunicação) se caracteriza para influenciar o telespectador. 2) Cada empresa jornalística possui uma política interna, que determina os assuntos a serem noticiados (não é qualquer assunto), a perspectiva em que o fato será noticiado (social, econômica, de esquerda ou direita, uma visão mais humanista, entre tantas outras), quem é o público visado, o registro de linguagem (mais culta e formal ou mais popular) etc. Ao debatermos sobre esse gênero, é impossível não frisar a importância da mensagem do outro nesse meio. O outro e o eu, a marca do outro nesse caso, torna‑se uma grande impulsionadora na formação de ideais, e na formação de outros discursos. Um discurso nunca será pioneiro, ou sem qualquer tipo de influência, principalmente no meio jornalístico. Por isso, os discursos que nos rodeiam são sim formadores de opinião. É preciso nos atentar ao lermos um enunciado. Questionarmos quem é o sujeito, qual é a sua mensagem introduzida por meio do código, qual é a sua ocupação social e quem esse sujeito quer atingir por meio do seu discurso. Aprofundando‑nos ao ler, encontraremos claramente traços ideológicos no seu discurso. É importante dar atenção ao contexto de produção. 171 TEORIA DA COMUNICAÇÃO A informação tornou‑se um produto de fácil alcance, literalmente temos acesso e alcance quase ilimitado de informações por meio da internet. O método on‑line utiliza uma atração maior, que envolve o leitor, tendo mais recursos, sendo possível analisar e ler o artigo, ou vários artigos ao mesmo tempo. A internet traz consigo amplitude de possibilidade, deixando um formato diferenciado, mais dinâmico. No entanto, torna‑se também uma ferramenta facilmente manipulável, sendo tão acessível, que informações podem ser distorcidas e consequentemente mal interpretadas, e dessa forma induzirem a percepções equivocadas. Nesse ponto, faz com que esse tipo de mídia gere dúvidas ao contrário de elucidá‑las. Por mais que fontes sejam verdadeiras e os fatos tenham acontecido, corre‑se o risco de uma ruptura ou perda de legitimidade dessas informações. A mídia é um mecanismo que pode tratar de problemas sociais, econômicos, entretenimentos, notícias, mas também pode ser utilizada como forma de difusão de sensacionalismo e manipulação. Em nossa sociedade pós‑moderna, estamos atrelados e completamente ligados às imagens, o que somos e produzimos torna‑se produção e referencial. O que reproduzimos também está ligado automaticamente à associação da imagem que fazemos de tudo ao nosso redor. Ao assistir a um telejornal, novela, ou futebol, estaremos expostos aos seus conteúdos e a todo e qualquer tipo de propaganda, somos influenciados sobre o que iremos comprar. Essa exposição torna‑se essencial em nossas vidas, não porque assim queremos, mas porque a exposição massiva tem um poder de persuasão extraordinário ao qual somos submetidos, sucumbimos, e os tomamos como modelos. Ao consumir algo sem nenhuma necessidade, apenas pelo desejo do impulso, reforçamos a ideologia das propagandas, que nos influencia e padroniza comportamentos, cria modelos, e tudo se torna um grande espetáculo. Encontramos um padrão, um forte estereótipo, sendo tudo imposto e associável. Ao assistir a uma tragédia, a vítima torna‑se imagem, alvo do espetáculo, produto, em que sua vida está totalmente interpelada aos espectadores. Suas emoções e atitudes são sentidas e tomadas também por aqueles que acompanham. Ou seja, a imagem é o ponto principal da associação. O público massivo tem uma necessidade, de um conteúdo facilitado, que é trazido através de pequenos trechos de um informativo em um jornal, ou até mesmo em uma foto em alguma propaganda. 8.2 Um exemplo de ficcionalidade O caso Eloá ocorreu em 2008 e teve uma massiva exposição de uma garota de 15 anos que foi mantida refém, em sua própria casa, por seu ex‑namorado. O caso foi exaustivamente noticiado por mais de 100 horas e a vítima acabou sendo executada. Na notícia a seguir, são reportados pelo jornal Agora São Paulo os primeiros acontecimentos do sequestro ocorrido no ABC, no ano de 2008. 172 Unidade III Figura 64 – Primeira notícia sobre o caso Eloá Fonte: Agora São Paulo (2008a, p. 7). A manchete é o que chama a atenção do público para ler as informações presentes no campo de um texto jornalístico. Na chamada é que se destaca a mensagem mais importante, como apontam Ferreira Jr. et al. (2018). No caso dessa notícia, percebemos que ao retratar o caso, o locutor é sucinto. Não utiliza nomes para se referir a Lindemberg e à vítima Eloá. O primeiro é retratado apenas como um jovem, e a segunda apenas como uma ex‑namorada, havendo um distanciamento entre quem são, e quais papéis sociais ocupam, além do enunciado no texto. Além do título principal, o locutor da notícia trata Lindemberg, no início da matéria, como auxiliar de produção, e Eloá como uma adolescente. A primeira notícia do caso Eloá toma a página inteira do jornal, sendo apenas retratado tudo o que ocorre no sequestro, como se o leitor estivesse presente em todos os acontecimentos. A informação é retratada de uma forma com que o leitor se prenda e possa acompanhar todos os fatos, sendo esta a intenção do sujeito informador. Um texto tem como principal intuito informar, com credibilidade, porém o sujeito redator dessas informações tem a opção de tratar a mensagem de uma forma na qual esta fique de acordo com seu intuito. A mensagem chega ao interlocutor introduzida de intencionalidades,
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