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Aluna: Aline Carvalho da Silva Análise do poema “Perdidos, desnorteados” de Odete Semedo Mamanguape 2020 Considerações iniciais O presente trabalho tem como objetivo analisar o poema Perdidos, desnorteados, que está presente na obra da escritora guineense Odete Semedo, intitulada como “No fundo do canto”. Diante do exposto, inicialmente será apresentado um breve resumo sobre a poesia produzida na Guiné-Bissau. Além disso, será apresentado um pouco sobre a autora e sua representatividade na poesia guineense. Por fim, será desenvolvida a análise do poema identificando as características e aspectos que condizem com a poesia produzida em Guiné- Bissau com o intuito de interpretar as metáforas de desabafo presentes na obra. Poesia Guineense A poesia demorou a ser produzida na Guiné-Bissau devido à falta de infraestrutura do país, pois, sendo o quinto país mais pobre do mundo, detinha uma educação precária, ocasionando um alto nível de analfabetismo, com a ausência de poetas e de a publicações de obras literárias. Em 1977, com a publicação de Mantenha para quem Luta, é dado o marco da poesia guineense, começando a produção literária com características próprias. "E deste modo se definem algumas das linhas essenciais que nesta jovem poesia guineense se contêm. Por um lado, os poetas reencontram-se como cidadãos verdadeiramente africanos, por outro a Revolução está em marcha e a poesia (a arte), <<arma dos oprimidos!>>, <<voz do povo>> vai assumir-se como parte integrante da Revolução". (FERREIRA, 1977, p.88) Desse modo, as poesias produzidas refletiam a voz do povo guineense, evidenciando a identidade daquele povo que lutou contra os colonizadores e que sofreram durante anos. Logo, as obras denunciavam o colonialismo, mostrando os sofrimentos do povo guineense que tiveram sua terra invadida sendo explorados. Cabe ressaltar que a poesia produzida em Guiné- Bissau nasce durante o período de luta armada, portanto, o poeta trazendo os conflitos vividos em suas nações, o desespero da morte, a dor da guerra e escravidão, em uma luta pela libertação de sua terra, evidencia a vontade de revolucionar. Odete Semedo Maria Odete da Costa Semedo, é uma escritora de destaque na Guiné Bissau. Uma de suas principais obras é No fundo do Canto, publicada em 2003, em que a escritora retrata a trágica experiência vivida no conflito armado ocorrido em Guiné Bissau no ano de 1998, assim, narra a guerra, descrevendo os fatos, mostrando e denunciando o sofrimento do povo guineense no conflito. Análise do Corpus literário Em relação ao aspecto gráfico, o poema é constituído por quatro estrofes, sendo a última constituída por um verso, não havendo um padrão na estruturação. O título do poema, é constituído por dois adjetivos que têm o mesmo significado, dessa maneira, podemos relacionar a repetição como um uma característica que tem o intuito de intensificar o significado. Desse modo, podemos pressupor que o poema vai falar sobre algo ou alguém que está perdido e sem rumo. Logo, relacionamos ao estado do povo guineense, que estavam totalmente perdidos e sem rumo, por terem passado por muito sofrimento, ocasionado pela colonização e pela guerra que foi um conflito trágico em que muitas pessoas morreram. Assim, podemos prever que o eu lírico ao se referir a um coletivo, sendo a sua nação, denuncia o sofrimento e a dor daquele povo. Perdidos, desnorteados decapitado o meu corpo rola e deambula pelo mundo os meus membros se entrelaçaram buscando protecção fora do tempo Na primeira estrofe, o eu lírico fala de seu corpo, fazendo uma metáfora que é recorrente em todo o poema, pois o corpo mencionado se refere ao povo guineense. Desse modo, o eu poético utiliza a metáfora para desabafar sobre a realidade e os fatos ocorridos que provocaram tragédias naquele país, que provocaram o sofrimento dos guineenses. Como também, após retratar o desnorteamento do país e do povo, o eu lírico ao falar sobre a religião destaca a força de seu povo, que sempre lutaram e resistiram contra os opressores. Nos versos “Perdidos, desnorteados/ decapitado/ o meu corpo rola/e deambula pelo mundo”, inicialmente, o eu poético utiliza dois adjetivos no plural e um adjetivo no singular, estes primeiros podemos relacionar ao coletivo, sendo um aspecto que podemos relacionar ao povo guineense. Há também o adjetivo "decapitado" que se refere ao estado do corpo do eu lírico, que metaforicamente é a nação guineense. Assim, o eu poético se refere a um povo que está perdido, com partes espalhadas pelo mundo. Assim, podemos relacionar ao seu povo, que teve suas terras invadidas, sendo escravizados, e ainda passaram por uma guerra em que ocasionou muita dor e sofrimento. Nesses versos, podemos relacionar tanto ao sofrimento na guerra, quando ao sofrimento da escravidão. Outro aspecto relevante, é na quarta estrofe, quando o eu poético fala “deambula pelo mundo”, podemos relacionar a escravidão que os africanos sofreram, pois, o povo guineenses foram obrigados a saírem de suas terras indo para outros países, sendo maltratados pelos colonizadores. Dessa maneira, estavam perdidos no mundo, misturados e separados de seu povo e sua cultura. Nos versos “os meus membros se entrelaçaram/buscando protecção fora do tempo”, é perceptível a referência a religiosidade do povo africano, que unem suas crenças construindo uma só religião, sendo algo que une aquele povo fazendo-os mais fortes e resistentes em meio à guerra e ao sofrimento, pois é da cultura, identidade, e pertencimento deles. O meu tronco sangrando quieto prostrado numa terra sem chão lembra uma res abatida Na segunda estrofe, o eu lírico, ainda utiliza a metáfora para se referir ao povo guineense, retratando a dor sofrida pelo povo. Nos versos “O meu tronco sangrando quieto/ prostrado/numa terra sem chão”, o eu poético fala de uma pessoa que sangra sem reação, abatida em uma terra sem chão, assim, podemos relacionar ao momento em que ocorreu a guerra, onde diversas pessoas morreram ou foram feridas em uma terra que era deles, mas que foi invadida e roubada por estranho. Podemos também relacionar a escravidão, em que os africanos eram agredidos pelos colonizadores. Quando o eu poético fala “O meu tronco”, essa parte do corpo pode ser pode ser a cultura, a identidade, religião, do povo guineense, que ao ser invadido, sangrava metaforicamente, pois muitas vezes apesar de resistirem as pessoas não poderiam fazer nada para resistir ou mudar aquela realidade naquele momento. A minha cabeça o meu corpo desbaratado os meus membros entrelaçados minha Guiné minha terra porra... rolam... rolam e deambulam Na terceira estrofe, especificamente do 1° verso até o 5°, o eu lírico ao falar de sua terra e de seu povo, utiliza a figura de linguagem anáfora, caracterizada pela repetição da estrutura gramatical “a minha; o meu; os meus”, evidencia o pertencimento à nação guineense, mostrando a resistência daquele povo. Nos versos “ porra.../rolam...rolam e deambulam/, é perceptível a revolta e a angústia do eu lírico por saber que seu povo está sem rumo no mundo e que após sofrer muito precisa se reconstruir em busca de sua identidade. em movimentos incertos Por fim, na quarta e última estrofe que é constituída por um verso, o eu lírico relata que seu povo está sem rumo perambulando pelo mundo em movimentos indefinido. Assim, podemos compreender que o povo guineense após sofrer com os conflitos principalmente durante da guerra precisa se reconstruir, mas é algo que vai ser demorado por ainda haver a incerteza e desnorteamento da nação. Um aspecto relevante é a ligação da primeira estrofe "Perdidos, desnorteados", com a última estrofe "em movimentosincertos", em que uma complementa a outra intensificando a voz do eu lírico que denuncia a realidade mostrando o que aquele povo viveu, destacando a real situação da nação guineense. Considerações Finais O poema relata o sofrimento do povo guineense ocasionado pela guerra e pelos colonizadores na escravidão. Dessa maneira, o eu lírico utiliza a metáfora denunciar a realidade, angústia e revolta, pois no poema o eu lírico ao se referir a seus membros do corpo, está se referindo ao povo guineense, a sua cultura, identidade, religião, que foram tiradas pelos colonizadores e que foram destruídas. Logo, escrito por alguém que vivenciou os acontecimentos, é um poema que relata memórias e cenas fortes que evidenciam o sentimento de angústia, dor, revolta e vontade de revolucionar. Referências Bibliográficas FONSECA, M. N. S.; MOREIRA, T. T. PANORAMA DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA. Cadernos CESPUC de Pesquisa Série Ensaios, n. 16, p. 13-72, 11 maio 2017. FERREIRA, Manuel. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I. Biblioteca Breve - Volume 6. Ed. 1. 1977