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JORNALISMO ESPECIALIZADO Rafael Sbeghen Hoff Jornalismo esportivo Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o jornalismo esportivo e suas modalidades. Analisar a pauta jornalística do futebol. Discutir a pauta jornalística olímpica em diferentes modalidades. Introdução As especialidades jornalísticas têm origem na divisão temática dos conteú- dos no jornalismo impresso, tanto como forma de organizar os conteúdos produzidos quanto para identificar nichos de interesses informativos e comerciais. No país, o jornalismo especializado em esportes inicia jun- tamente com a introdução de uma modalidade esportiva que ganharia notoriedade a ponto de ser apelidada de “paixão nacional” — o futebol. Neste capítulo, você vai estudar sobre a origem do jornalismo espor- tivo como uma especialidade, a partir de sua história, com o objetivo de conceituá-lo para, então, discutir sobre os desafios e as particularidades dessa prática na cobertura de eventos esportivos, como partidas de futebol ou campeonatos olímpicos. 1 Jornalismo esportivo para além do entretenimento A história do jornalismo esportivo no mundo é recente, datando da segunda metade do século XIX, com o relato de esportes elitistas, como turfe e caça. Ainda que as notícias das equipes e disputas não interferissem diretamente nos aspectos econômicos ou políticos de um país, elas interessavam à classe dominante e infl uente, a quem a imprensa tinha interesse de se aproximar. O futebol foi uma dessas modalidades que, a princípio, mostravam-se elitistas. Por conta disso, ele também fazia parte da cobertura midiática esportiva. As primeiras coberturas datam de 1852, com o diário Sportsman, da Inglaterra, seguido da revista francesa Le Sport, de 1854, por meio de crônicas esportivas. Além desses veículos, também desempenhavam o papel de registrar e noticiar acontecimentos esportivos os jornais “[...] Gazzetta delo Sport (Itália, 1896) e El Mundo Deportivo (Espanha, 1906); e as revistas El Cazador (1856) e El Sport Español (1869) [...]” (NEVES, 2018, documento on-line). No Brasil, o início do jornalismo esportivo é datado da mesma época, segunda metade do século XIX, com foco nos esportes elitistas, em que o futebol ainda não figurava: […] em 1885, circularam O Sport e O Sportsman. Em 1881, surgiu em São Paulo A Platea Sportiva, um suplemento de A Platea, criado em 1888. Dez anos depois, em 1898, também em São Paulo, surgiram a revista O Sport e o jornal Gazeta Sportiva (que não tem nada a ver com o jornal que seria criado futuramente), periódico de distribuição gratuita que circulava somente aos domingos. Em nenhuma das publicações o futebol era prioridade: apenas notícias de turfe, regatas e ciclismo (RIBEIRO, 2007, p. 26–27). Vale ressaltar que, nessa época, as notícias esportivas nos periódicos eram misturadas, sem a divisão por editorias como ocorre hoje. Talvez, uma primeira iniciativa em destacar o esporte como editoria tenha aparecido no Jornal do Brasil, que, em 10 de abril de 1891, publicou uma coluna intitulada “Sport”. “Os primeiros registros nas publicações brasileiras eram as escassas notas sobre as práticas desportivas inerentes ao cotidiano das elites sociais do final do século XIX — caça, turfe e remo. O futebol, em si, só viria a ser oficialmente noticiado no ano de 1901” (NEVES, 2018, documento on-line). O jornal Correio da manhã teria publicado, pela primeira vez no país, em 22 de setembro de 1901, uma notícia sobre uma partida de futebol realizada entre Paysandu Cricket Club e Rio Cricket and Athletic Association, as duas únicas equipes existentes no Rio de Janeiro à época. Ainda que o jornalismo esportivo começasse a despontar como uma catego- ria noticiosa nos periódicos, ainda gozava, nesse período, de uma discriminação associada ao teor das notícias, já que era visto e tratado como entretenimento. Assim, dificilmente figuraria entre as manchetes de capa da época, dirigidas a temas como economia e política. Ao longo do jornalismo esportivo nacional, destacam-se, como publicações pioneiras, a Gazeta esportiva, suplemento do jornal paulistano A gazeta, de 1906, e o carioca Jornal dos sports, de 1931. Dentre os fatores que favoreceram o sucesso do Jornal dos Sports estão o mo- vimento de profissionalização e unificação das ligas de futebol, que fortaleceu ainda mais o esporte a nível institucional e consolidou seu protagonismo no Jornalismo esportivo2 cenário nacional como esporte de massas, com os torcedores acompanhando regularmente os campeonatos e ligas cujo alcance se expandiria ainda mais, envolvendo outras regiões do país, com o advento do rádio; o contexto político centralizador que alinhou-se à crescente oferta e demanda de espetáculos esportivos e culturais, os quais Mario Filho promoveria com grande sucesso, desde campeonatos de futebol, torneios esportivos para a juventude, até desfile das escola de samba no Rio de Janeiro, além da modernização da imprensa nos anos 1930, tanto em nível administrativo (com uma gestão mais empresarial e menos familiar), quanto em formato e conteúdo, transformado por uma nova relação entre imagem e texto de modo a alcançar um universo maior de aficionados (MACHADO, 2014, p. 447–448). É no Jornal dos Sports que nomes como Mário Filho, Álvaro Nascimento, Everardo e Isaías Lopes e o do dramaturgo, cronista e escritor Nelson Rodri- gues ganham destaque no jornalismo esportivo. A década de 1930 assiste à profissionalização do futebol, com incentivo direto dos meios de comunicação. Foi nesse contexto que o futebol, a partir da década de 1930, desponta como grande modalidade esportiva no Brasil, rompendo com seu passado elitizado e ganhando entre todas as classes sociais. O papel do rádio nesse processo é inquestionável, já que ele permitiu a uniformização da informação, em um país com alto nível de analfabetismo, a começar pela Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, que levava a paixão pelos clubes cariocas aos mais profundos rincões do Brasil. Ainda hoje percebemos a marca dos meios de comunicação na propagação do futebol pelo país: o fato de clubes como Flamengo e Vasco da Gama ter projeção e torcida em âmbito nacional dialoga diretamente com as estratégias de veiculação dos jogos ainda na primeira metade do Século XX (CAMPOS; FELERICO, 2017, p. 8). No Rio Grande do Sul, o destaque é a Folha da Tarde Esportiva, que cir- culou semanalmente a partir de 12 de abril de 1937 e diariamente a partir de 15 de setembro de 1949, exclusivamente com pautas esportivas, profissionais e amadoras. Em 1969, ela foi incorporada e encartada no jornal Folha da Manhã, que circulou até 1980. A revista Manchete esportiva (1955–1959 e 1977–1979), do grupo Bloch, destacou-se por sua linha editorial, que privilegiava a imagem e o fotojor- nalismo, muitas vezes, substituindo a informação textual em suas páginas. [...] a busca por um Brasil moderno e urbanizado ia ao encontro da mais nova criação do grupo liderado por Adolpho Bloch, a Manchete Esportiva, cuja cobertura dos esportes era marcada pelo forte trabalho jornalístico com as fotografias, a fim de retratar o mundo esportivo a partir de imagens que, mais 3Jornalismo esportivo do que ilustrar os textos, produziam representações de identidade nacional principalmente a partir do tratamento dado à seleção brasileira de futebol, sua vilania e heroísmo nas competições disputadas. O foco das notícias era mesmo a cidade do Rio de Janeiro, os grandes clubes cariocas e seus craques, ainda que, posteriormente, uma capa para São Paulo começasse a ser publi- cada para cobertura dos principais clubes e jogadores que atuavam na capital bandeirante. De todo modo, a abrangência da Revista pode ser medida por seus correspondentes em outros estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia) e outros países (Argentina, Uruguai, Peru, Paraguai, França, Portugal e Tchecoslováquia,a última tendo em vista os esportes no Leste Europeu num contexto de Guerra Fria) (MACHADO, 2014, p. 450–451). Em 1970, surge a revista Placar, da editora Abril, sendo a mais antiga publicação esportiva em atividade no país. Além da cobertura esportiva, ela também fez parte da história do futebol nacional fora dos campos, tal como descreve Saldanha (2009, p. 22): Apesar de ser apresentada pelo site de sua editora como “O registro mais confiável do futebol brasileiro” (EDITORA ABRIL, 2008b), em seus 39 anos de existência, Placar fez mais do que isso. Além de registrar os principais acontecimentos do futebol nacional – cobrindo os eventos e competições mais importantes e acompanhando a trajetória de equipes e jogadores — ela ainda foi, muitas vezes, protagonista dessa história – denunciando esquemas de corrupção (como a Máfia da Loteria Esportiva, em 1982, ou o caso Ivens Mendes, em 1997), propondo mudanças (como na campanha pelo fim da violência entre as torcidas, em 1996, e pela modernização dos nossos está- dios, em 1998) e criando premiações (como a Bola de Prata/Ouro, troféu que homenageia anualmente os melhores jogadores do campeonato brasileiro). Assim, pode-se perceber que o jornalismo esportivo trata de questões mais amplas do que o simples registro de partidas e competições. Como afirmam Tubino, Tubino e Garrido (2007, p. 719), o jornalismo esportivo: […] é uma atividade especializada de Jornalismo na qual são transmitidas informações, opiniões (interpretações e críticas) e análises do esporte em qualquer aspecto de sua abrangência sociocultural. O jornalismo esportivo é exercido por jornalistas com conhecimento em esportes em geral ou em aspectos esportivos. […] A cobertura jornalística esportiva, na sua maioria, é setorizada, podendo incidir sobre clubes, modalidades, entidades dirigentes ou outros aspectos esportivos importantes. Jornalismo esportivo4 Ainda que o seu surgimento tenha coincidido com o processo de profis- sionalização do futebol e sua popularização, o jornalismo esportivo nasceu a partir da cobertura de esportes mais elitistas, como canoagem e cricket. Mesmo com esse histórico, a especialidade tem se consolidado em periódicos de cobertura exclusiva ou, no mínimo, encartada nos maiores jornais em circulação no país como uma editoria imprescindível. Seu maior desafio, no entanto, continua sendo a superação do estigma de entretenimento, como critica Messa (2005, p. 3–4): O jornalismo esportivo diário é, na realidade, um jornalismo de variedades, amenidades, cujo tema não é o esporte em si, mas os seus conglomerados e actantes (personagens) que compõem essa rede mercadológica. Não existe, no jornalismo factual, informação sobre os esportes, existe propaganda so- bre o esporte, publicidade de marcas e logos, propaganda ideológica sobre as suas relações de poder. Sensacionalismo e merchandising. As pautas das editorias de esportes tentam se constituir a partir de uma “busca” de infor- mação, dentro de um contexto monótono dos jogos e treinos. A informação buscada restringe-se à identificação de um furo jornalístico, geralmente para escandalizar, produzir material efêmero e dispensável. É só construção de imagens. Imagem dos atletas, das grifes e patrocínios, imagens da torcida. Segundo o pesquisador e professor de jornalismo, essa prática nas editorias de esportes poderia ser superada por um viés mais científico e diversificado, abrangendo outras modalidades para além do futebol e dando ênfase às regras, aos dados científicos e às particularidades das outras modalidades exercidas no país, mas sem grande visibilidade midiática. O cunho educativo de atletas e torcidas poderia ampliar significativamente o mercado, segundo o autor, além de representar uma democratização dos espaços midiáticos dedicados ao tema (MESSA, 2005). A prática do jornalismo esportivo exige dedicação, empenho, disciplina e caráter. Como destaca o jornalista e escritor Paulo Vinícius Coelho (2004, p. 15–16): […] um bom jornalista de esportes é, antes de tudo, um bom jornalista. A tarefa não é simples. Exige rigor na informação, cuidado na apuração, che- cagem exaustiva. Implica passar horas ao telefone. Engana-se quem pensa ver o telefone substituído pelo computador. Um completa o outro, mas não há jornalista sem conversa diária com a fonte. Assim como não existe pro- fissional que se torne escravo dela. Jornalista não é amigo, nem confidente. 5Jornalismo esportivo Informação apurada vira informação publicada, depois de checada. A cara feia de quem pensava ser amigo pode ser fome, que você só não vai passar se trabalhar direito e publicar tudo o que deve ser publicado. Não é diferente o trabalho numa editoria de Política, Cidades, Variedades, Economia. Diferente, às vezes, é o tratamento dedicado a quem vive numa redação esportiva por quem trabalha com informação distante do caderno de esportes. A editoria esportiva é vista como porta de entrada por quem pretende chegar mais longe. Verdade apenas do ponto de vista das feras formadas nessa editoria. Gente como Armando Nogueira, Milton Coelho da Graça, Alberico de Souza Cruz. Por que o esporte forma tanta gente para outras editorias? Porque escrever sobre esporte implica falar sobre a crise política ou econômica de um clube, contar o drama pessoal de um atleta, explicar a trajetória de um herói. No esporte, se faz matéria de Política, Economia, Variedades, todos os dias. Assim, pode-se perceber a complexidade das pautas esportivas pelo viés de quem trabalha em redações periodísticas. Para entender mais sobre a complexidade do universo futebolístico, sugerimos a pesquisa na internet com os termos: Fifa; Conmebol; CBF; STJD; Campeonato Brasileiro; Copa do Brasil; Liga dos Campeões; Libertadores da América; Mundial de Clubes. Mais do que apenas entretenimento, a pauta esportiva envolve questões simbólicas, econômicas e políticas. A relação entre mídia e esportes, de maneira recíproca, alimenta-se mutuamente da audiência e do aspecto financeiro do mercado publicitário que movimentam. Se no início do processo de midiatização e mercadorização do esporte ele se configurou mais como um potente meio de exposição publicitária para marcas de diferentes produtos que buscavam visibilidade, agora o esporte é o próprio produto. Através da negociação e concessão dos direitos de trans- missão aos conglomerados midiáticos, o esporte se tornou um dos produtos de entretenimento preferidos da mídia, porque “[...] oferece, em contrapartida, o show já pronto, pois o cenário, o roteiro, os atores, os espectadores e até os (tele) consumidores estão antecipadamente garantidos, o que facilita a sua transformação em produto facilmente comercializado/consumido em escala global” (PIRES, 2002, p. 90). Inevitável, aqui, pensarmos em exemplos tais como a Copa do Mundo de Futebol masculino, os Jogos Olímpicos, a NFL e a NBA nos Estados Unidos e as competições de futebol masculino no Brasil, Jornalismo esportivo6 na América do Sul e em países europeus, como Alemanha, Espanha, Itália e Inglaterra. [...] O campo midiático sobrepõe as suas características ao campo esportivo, fazendo imperar a sua linguagem textual e audiovisual, as suas lógicas de tempo e espaço, e consequentemente, os seus diferentes interesses, sobretudo os comerciais (SANTOS; MEZZAROBA; SOUZA, 2017, p. 94). O jornalismo esportivo se constituiu, histórica e mercadologicamente, como espaço privilegiado do entrelaçamento entre a informação e o entretenimento, aliando o interesse público com o interesse do público (associado ao inusi- tado, curioso, insólito), que é tomado por aquilo que a bibliografia científica sobre o jornalismo chama de “infotenimento”. A crítica, nesse caso, se volta à linguagem simplória empregada no jornalismo esportivo contemporâneo, que apela para o sensacional e para o fetichismo da proeza heroica, para o suspense ou a ansiedade do resultado como estratégias narrativas que limitam a percepçãomais ampla e complexa do esporte em suas múltiplas modalidades. Além de toda a crítica, há quem defenda o “infotenimento” como um recurso necessário para tornar a informação mais palatável, já que o consumo se dá em momentos de lazer, no intervalo do período de trabalho (DEJAVITE, 2003). Entre uma perspectiva e outra, cabe aos profissionais e veículos de co- municação a busca por tratamentos sobre o esporte para além das agendas de eventos e enquadramentos heroicos dos atletas, superando o binarismo entre vitória e derrota, ampliando a abordagem para aspectos como saúde promovida pela atividade física, inclusão social de pessoas com deficiência ou em situação de vulnerabilidade social, entre tantos outros. 2 Brasil: o país do futebol e muito mais Os atletas brasileiros enfrentam dois universos distintos quanto à profi ssiona- lização da atividade: os esportes já consolidados, como o futebol, com regras e disputas internas já institucionalizadas e visibilidade midiática e aporte fi nanceiro consolidados; e os esportes menos populares, que ganham espaço midiático apenas em situações extremas ou inusitadas, que ainda disputam o apoio popular e fi nanceiro para emergirem da condição de amadorismo. Essa situação é perceptível quando se compara a trajetória de um jogador de futebol, enquadrado no primeiro quesito, com um atleta de outra modalidade, como no caso do tênis de mesa ou das artes marciais. Assim, o movimento circular de visibilidade dado às marcas patrocinadoras pelos veículos de comunicação alimenta o mercado publicitário, que, por sua vez, mantém a sustentação fi nanceira desses veículos e dos clubes por eles noticiados. Sem 7Jornalismo esportivo tanta visibilidade, algumas modalidades esportivas sobrevivem do incentivo individual de entusiastas e atletas, que mesmo sem patrocínio, investem em rotinas pesadas de treinamento e participação em competições nacionais e internacionais, angariando algumas notas de rodapé em espaços midiáticos voltados à cobertura esportiva de modalidades já consagradas, porém, sem grandes refl exões sobre a situação da modalidade ou a canalização de recursos, incluindo dinheiro público. Aos jornalistas, cabe o papel de identificar essas dificuldades para a promo- ção, via conteúdo informativo, e contribuir com o papel educativo e promotor da cidadania por meio da cobertura de atletas e modalidades menos “da moda”. Esse poderia ser, também, um diferencial em termos de conteúdo, elemento tão valorizado em tempos de concorrência e do imediatismo agendado pelos eventos e pelas pautas dos esportes já consagrados. Excepcionalmente, tais atletas ganham destaque em competições nacionais ou, principalmente, internacionais, em que a cobertura jornalística é pautada. A partir destes, torna-se, consequentemente, inevitável falar de jovens que conquistam resultados e marcas esportivas de destaque, ainda que sem contar com o apoio de patrocinadores. Casos como esses pipocam a cada Olimpíada, Jogos de Inverno ou outras competições. É o caso da judoca Rafaela Silva — mulher, negra e pobre — primeira medalhista brasileira a conquistar medalha de ouro na competição Rio 2016 — preparatória para as Olimpíadas — na categoria peso-leve. O judô, ao lado do vôlei, foi a modalidade que mais pódios deu ao país em Jogos Olímpicos. A judoca contou com o apoio financeiro da instituição beneficente em que treinou na periferia do Rio de Janeiro durante a adolescência e dos próprios professores para participar de competições. Hoje, Rafaela Silva é Terceiro-Sargento da Marinha e faz parte do Programa de Alto Rendimento do Ministério da Defesa. Dar visibilidade a essas trajetórias é garimpar no esporte amador as po- tencialidades desportivas nacionais, bem como incentivar que entusiastas dos esportes continuem seus trabalhos, oferecendo treinamento e condições aos jovens de periferia para uma alternativa de trabalho digno e profissionalização em detrimento da marginalidade e da bandidagem. Tais iniciativas precisam de visibilidade para sensibilização das comunidades em que estão inseridas em prol do serviço prestado, assim como diante de potenciais patrocinadores. Sem recursos financeiros, muitas iniciativas nascem e sucumbem às dificul- dades de manutenção dos equipamentos, aluguel de espaços apropriados às práticas, entre outras. Também cabe ao poder público a promoção do esporte por meio da imple- mentação de espaços adequados às práticas desportivas, oferta de equipamentos Jornalismo esportivo8 públicos para o treino dos atletas e, se possível, capacitação em diferentes modalidades, além do patrocínio direto por meio de editais e da promoção de competições em diferentes categorias. É dessas práticas e oportunidades que podem surgir os futuros atletas de alto rendimento esportivo. 3 Cobertura de eventos esportivos na prática jornalística As competições e os campeonatos se tornaram os principais produtos mi- diáticos da editoria de esportes. Ainda que não sejam as únicas pautas, são as que rendem a maior quantidade de conteúdo, além de ocuparem maior espaço e tempo nos noticiários. Por isso, cabe aos jornalistas acompanharem as agendas competitivas, em diferentes modalidades, com o intuito de dar ampla cobertura aos atletas, às equipes e torcidas. Em geral, esses calendários são defi nidos anualmente, podendo sofrer alterações de acordo com fatores externos às competições. Em 2020, as Olimpíadas e Paralimpíadas foram adiadas por conta da pandemia de coronavírus. Desde 1896, data da primeira edição dos Jogos Olímpicos, a competição já foi adiada outras três vezes: a primeira, em 1916, por conta da Primeira Guerra Mundial, quando seria sediada em Berlim; em 1940, por causa da guerra entre Japão (sede daquela edição) e China; em 1944, por conta da Segunda Guerra Mundial, quando aconteceria em Londres. Historicamente, a cobertura de eventos esportivos ganha impulso com a televisão e os jogos de âmbito mundial, tal como descrevem Campos e Felerico (2017, p. 9): […] a primeira transmissão esportiva integral foi realizada em 1948 nos Jogos Olímpicos de Londres. De certa maneira, após a Segunda Guerra Mundial, a realização dos grandes eventos esportivos agenda a divulgação de novas e decisivas tecnologias de telecomunicações. A evolução tecnológica também permite a complexificação da rede criada nos meios de comunicação de massa amplificando o poder de influência do jornalismo no mundo esportivo. Como já citado, um caso célebre é o da Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil. 9Jornalismo esportivo Na década de 1950, Mário Filho, editor do Jornal dos sports, desenvolve uma campanha para que o então governador do Rio de Janeiro construa um estádio na região da Tijuca — o resultado é o Maracanã, que passou a ser o maior estádio do mundo. É com essa ampliação da cobertura jornalística de eventos esportivos que a editoria passa a contar com grandes patrocínios, alimentando, cada vez mais, o círculo formado pela visibilidade midiática aos apoiadores e pelo consumo espetacular dos eventos midiatizados, incluindo outras categorias para além do futebol. Na esteira da cobertura midiática sobre os jogos, pode-se assistir ao cres- cente número de pautas a respeito de doping ou manipulação genética, escân- dalos da vida privada dos atletas, esquemas de corrupção envolvendo agentes e entidades representativas das modalidades esportivas, entre outras. Contudo, as narrativas heroicas e míticas sobre a performance de atletas parecem ter se consolidado na forma como os meios de comunicação, em especial, a televisão, abordam as competições esportivas e seus agentes. Além do interesse das grandes empresas que viam no esporte o grande mercado para a venda de seus produtos, contribui para a transformação desse cenário a entrada da televisão para a transmissão das competições olímpicas a partir dos Jogos de Roma, em 1960. [...] Uma nova ordem comercial se estabelece com a entrada da televisão no mundo olímpico.A visibilidade que os atletas ganharam estimulou empresas comerciais a terem suas marcas associadas àqueles seres sobre-humanos capazes de realizações incomuns (RUBIO, 2013, p. 75–76). Exceções para esse contexto parecem ser construídas a partir dos anos 1990, quando os canais por assinatura expandem seu número de assinantes e os conteúdos jornalísticos sobre esportes passam a rechear 24 horas de programação de diferentes canais. Também contribuem para esse cenário de ampliação e diversificação os serviços de pay-per-view, em que assinantes pagam para acessar a transmissão de campeonatos ou partidas alternativas aos espetáculos de maior visibilidade, normalmente, veiculados pelos canais abertos, como os campeonatos das séries C e D ou a cobertura de competições esportivas de nicho, como Jogos de Inverno, por exemplo. Com a Carta Internacional de Educação Física e Esporte da Unesco, as- sinada em 21 de novembro de 1978, o direito à prática desportiva passa a ser exercido por todas as pessoas, independentemente de idade, raça, estado físico ou outras situações humanas. Isso contribui para dar maior visibilidade ao esporte como ferramenta de inclusão social das pessoas com deficiências, como no caso da cobertura dos Jogos Paralímpicos. Jornalismo esportivo10 Para conhecer mais sobre a Carta Internacional de Educação Física e Esporte da Unesco, sugerimos a leitura do documento na íntegra, o qual está disponível no site da Unesco. Os Jogos Paralímpicos foram idealizados pelo neurologista alemão Ludwig Guttemannem, em 1948, como forma de tratamento das pessoas com lesões graves na medula espinhal, unindo o esporte à fisioterapia. Essa data, inclusive, é tomada como referência quando se trata de esportes adaptados. Desde 1960, os Jogos Paralímpicos são realizados nas mesmas sedes dos Jogos Olímpicos, de quatro em quatro anos, reunindo atletas de todas as nações do mundo com deficiências físicas, sensoriais ou mentais. Fazem parte das modalidades esportivas adaptadas: atletismo, basquetebol em cadeiras de rodas, bocha, judô, ciclismo, halterofilismo, esgrima, futebol de 5, futebol de 7, goalball, hipismo, natação, remo, rúgbi em cadeiras de rodas e tênis de mesa. A Figura 1 ilustra a participação de atletas paralímpicos em competição realizada no Rio de Janeiro, em 2016. Figura 1. Atleta paralímpico na competição realizada no Rio de Janeiro em 2016. Fonte: Pexels/Pixabay.com. 11Jornalismo esportivo Em coberturas esportivas de grandes eventos, normalmente, os jorna- listas são credenciados previamente, seja pela organização ou por órgãos representativos. Um exemplo é o credenciamento prévio na Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio Grande do Sul como condição para fotógrafos e cinegrafistas acessarem o campo em partidas de futebol realizadas no Estado. Sem a carteira de identificação da entidade, os profissionais ficam limitados à cobertura fora do campo (arquibancada, estacionamento, bilheterias, etc.). Em Jogos Olímpicos, Copa do Mundo e outros eventos similares, o cre- denciamento prévio acontece por meio da comissão organizadora, em prazos preestabelecidos, por vezes, com número limitado de credenciais por veículo. Assim, a comissão organizadora tem maior controle sobre quem são as pessoas autorizadas a circularem em áreas restritas, além de facilitar a comunicação com os veículos por conta de mudanças de agenda, local ou fonte para uma determinada pauta. Nessas oportunidades, também é costume que haja reunião prévia com a imprensa para explanação sobre áreas reservadas à imprensa, procedimentos em coletivas (primeiro, os veículos de mídia eletrônica, que têm oportunidade de entradas ao vivo, depois, os da mídia impressa, que não necessitam de tanta urgência, etc.), distribuição de press kit com mapas e biografias dos coordenadores, procedimentos de segurança adotados em casos de sinistro ou atentado, entre outras questões. Essas precauções são tomadas para que haja maior fluidez na tomada de decisão e na própria cobertura do evento esportivo. A partir das definições de equipes de cobertura, escalas e eventos que serão registrados, os veículos de comunicação passam a pautar os jornalistas com informações que partem da pesquisa (produtores das pautas) para o factual. Dessa pesquisa, surgem as reportagens sobre os preparativos, as apostas e a possibilidade de acompanhamento daqueles atletas que despon- tam como novidade em suas modalidades. Ao mesmo tempo, é possível ao jornalista se inteirar sobre os demais competidores, seus históricos e suas performances, dando ao público e aos demais atletas uma noção sobre o grau de dificuldade que irão enfrentar. Mas o passeio entre os corredores, as conversas informais e a interação com os atletas permitem ao jornalista a busca do diferencial, da história exclusiva, da informação extraoficial que servirá para o início de uma investigação, podendo ou não se transformar em uma grande reportagem. Como afirmam Sardinha, Cunha e Favacho (2018, p. 121): “Muitas vezes é preciso fugir do previsível, e, por isso, o nexo e as Jornalismo esportivo12 teias que permeiam o fato esportivo requerem especialização na abordagem, capaz de superar a vertente da pura e simples segmentação”. As coletivas de imprensa, durante as competições esportivas, podem acon- tecer em lugares previamente marcados, em geral, para dar visibilidade às marcas patrocinadoras, que dispõem de elementos visuais, como planos de fundo para as entrevistas concedidas. Porém, elas também podem acontecer na quadra ou pista, como no caso do futebol e do atletismo, em que os atletas são abordados “no calor do momento” em que a disputa encerra. Nesse caso, cabe ao repórter buscar o melhor aproveitamento dessa abordagem, sem atrapalhar o fluxo dos competidores na entrada e saída do vestiário. Alguns cuidados são necessários, não no intuito de autocensura ao repór- ter, mas de sinalizar sobre a responsabilidade que este carrega ao publicar ou não uma informação. Atletas são, antes de tudo, pessoas com famílias, sonhos, personalidades e, eventualmente, falhas passíveis de correção. A informação a ser divulgada deve sempre passar pelo filtro do interesse público, ou seja, do serviço prestado pelo jornalista com a divulgação daquele dado. É tênue a linha que divide a vida pública de um atleta de sua privacidade, ainda mais pela visibilidade midiática e pelo exemplo (involuntário) que esse competidor passa a desempenhar para as gerações futuras. Nesse sentido, o trabalho jornalístico pode comprometer a autoestima e a credibilidade de um atleta diante da sociedade, ou ajudá-lo a superar situações difíceis em busca do aperfeiçoamento físico e moral. Por outro lado, assiste-se, na cobertura jornalística de eventos futebolísticos ou de outras modalidades, expressões racistas, misóginas, homofóbicas e violentas, tanto por parte de atletas quanto por parte de torcedores e, em alguns casos, até de profissionais do jornalismo. A reação do público nem sempre é imediata, mas cabe ao profissional e aos órgãos reguladores da mídia exigirem que os veículos e seus profissionais atentem para os valores morais, para as boas práticas e para a preservação dos direitos e da cidadania. Atletas do mundo todo unem forças contra o racismo e o sexismo no futebol. Saiba mais sobre esse movimento e os exemplos de racismo vividos por atletas, na reportagem “Atletas fazem de 2019 o ano da luta contra o preconceito”, do jornal El país (PIRES, 2019). 13Jornalismo esportivo CAMPOS, A. G.; FELERICO, S. Passado e futuro do jornalismo esportivo. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 11., 2017, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: Alcar, 2017. 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