Buscar

DESAFIOS CONTEMPORANEOS CAP 1

Prévia do material em texto

- -1
DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
SOMOS TODOS 
CIDADÃOS?
Autoria: Dra. Luísa Maria Silva Dantas - Revisão 
técnica: Dr. Marcelo Flório
- -2
Introdução
Ao ouvir as palavras cidadão e cidadania, é comum nos remetermos às ideias de cidade e de participação dos
indivíduos em sua sociedade. Além disso, cidadania também está associada à concepção de direitos que
conformam uma vida digna, ou seja, o cidadão vive em uma coletividade, a sociedade, participa dela e possui
direitos e deveres que lhe garantem uma vida digna. Essa poderia ser uma maneira de definir o que é
cidadania, ligada à um coletivo de pessoas que atuam na sociedade de forma democrática e igualitária.
Contudo, ao olhar ao nosso redor, será mesmo que todos os indivíduos de nossa sociedade participam
ativamente das decisões que envolvem suas cidades, estados e a nação brasileira? Ou ainda, todas essas
pessoas, que poderiam ser consideradas cidadãos, exercem de fato a cidadania? Em outras palavras, possuem
as condições necessárias a uma vida digna? A igualdade, tão clamada e defendida pela sociedade moderna está
de fato sendo defendida e praticada em nossa sociedade?
Neste capítulo, vamos estudar as origens dessas ideias que parecem tão naturalizadas em nosso dia a dia,
entender como foram instituídas e quais são os principais desafios para uma sociedade justa e igualitária na
contemporaneidade. Acompanhe esse capítulo com atenção.
Bons estudos!
51 minutos.Tempo estimado de leitura: 
1.1 Construção da cidadania
A palavra cidadania ou o que ela representa, nem sempre existiu ou teve o mesmo significado em diferentes
lugares e ao longo do tempo. A concepção de cidadania a qual nos referimos é localizada no mundo ocidental
e teve sua consolidação com o surgimento do mundo moderno, pautado nos ideais da razão, da ciência e da
ampliação da participação política, que motivaram importantes revoluções, inicialmente, no contexto europeu,
nos séculos XVIII, XIX e XX.
Outra ideia e valor importante, também surgido na modernidade, é o próprio conceito de indivíduo, entendido
enquanto um sujeito de direitos e envolto aos ideais de igualdade e liberdade que configuraram os Estados
democráticos e capitalistas, com a formação da sociedade civil e a proteção da propriedade privada. O
antropólogo francês Louis Dumont (1911-1998) identifica o individualismo como a ideologia da modernidade,
ou seja, o conjunto de ideias em que o indivíduo é colocado como um valor central, posto que a ideologia é o
modo como diferentes grupos sociais atribuem sentido às suas experiências no mundo. Vamos, a seguir,
apresentar uma breve história da cidadania no contexto mundial.
- -3
1.1.1 Breve história da cidadania
As possíveis origens da cidadania remetem à antiguidade e aos contextos de Roma e Grécia, posto que nas
cidades-estados desses países foram identificadas as primeiras formas de participação da população nas
decisões da cidade. Apesar de cada integrante ter direito de voz e voto, apenas os considerados como cidadãos
tinham este privilégio. Cidadãos eram apenas os homens, livres e com propriedades. Mulheres, escravos,
artesãos e comerciantes estavam excluídos dessa classificação.
Contudo, um conjunto de transformações ocorridas desde o século XV com a Expansão Marítima, Reforma
Protestante no século XVI, além da Revolução Científica (século XVII), Independência dos Estados Unidos
(1776), Revolução Francesa (1789), Revolução Industrial (final do século XVIII) e urbanização do mundo
ocidental, provocaram mudanças profundas que promoveram o fim da Idade Média e o advento da
Modernidade.
Figura 1 - Revolução Francesa, quando burgueses e camponeses uniram-se para depor o Estado Absolutista Fonte: Oleg Golovnev, 
Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma pintura retratando uma mulher segurando uma bandeira e 
uma arma. Há homens caídos no chão, enquanto outros estão ao redor, também armados. Trata-se de uma cena 
de guerra e conquista.
O momento que instaura a modernidade pode ser caracterizado pela consolidação da burguesia enquanto
grupo central, pois além do poder econômico acumulado com a expansão marítima e a posterior compra de
fábricas, este grupo também conquistou o poder político, antes concentrado na aristocracia rural e na igreja
católica. A mudança de gestão e organização política trouxe o surgimento do Estado Moderno, que concentrou
o aparato administrativo, jurídico e de segurança das novas Nações. E também os ideais de liberdade e
igualdade para todos os indivíduos inseridos em cada território.
- -4
Então, desde a noção de cidadania que apenas abarcava homens abastados em Roma e Grécia, passando por
quase nenhuma incidência no período feudal, é na modernidade, principalmente com a elaboração da
Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão (1789), elaborada na França, que a cidadania, na forma como é pensada e vivenciada por nós
atualmente, foi inaugurada.
Juntamente às transformações políticas, a sociedade e a economia também foram bastante abaladas com a
possibilidade de participação nas decisões que envolviam estados, regiões e países e com a industrialização e
urbanização que o mundo ocidental experimentava a partir do século XVIII. O modo de produção capitalista,
pautado pela formação de um grupo que vendia a sua mão de obra para os donos das máquinas e fábricas em
troca de um salário, gerou a classe trabalhadora, primeiro grupo que passou a organizar-se coletivamente para
a conquista de direitos visando melhorar suas condições de vida e trabalho. Portanto, praticando uma das
dimensões da cidadania, que é a luta por direitos civis, políticos e sociais.
O sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall (1893-1981), em sua obra “Cidadania, classe social e
status”, de 1950, (ARAÚJO, BRIDI e MOTIM, 2013), focada no contexto industrial inglês, defendia que a
busca pela efetivação dos direitos era a condição principal para a cidadania, e os classificou em três grupos:
Direitos civis
Relacionados à liberdade de expressão, de prática religiosa e direito de propriedade.
Direitos políticos
Relacionados à possibilidade de opinar e de ocupar cargos políticos.
Direitos sociais
Você o conhece?
Os filósofos ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), e o 
franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) são conhecidos como contratualistas 
por defenderem que o surgimento do Estado Moderno é resultado de um contrato social, 
em que os homens viveriam em um estado de natureza e decidiram abrir mão de sua 
total liberdade para a constituição da sociedade civil. Contudo, estes filósofos divergiam 
quanto ao estado de natureza e a função do Estado. Para Hobbes, esta instituição viria 
para evitar uma guerra de todos contra todos; para Locke, atuaria como um juiz, já para 
Rousseau foi a instituição da propriedade privada que provocou o surgimento do Estado, 
posto que o estado de natureza seria o Éden, da felicidade plena.
- -5
Voltados para a garantia de dignidade de cidadãos à margem da sociedade.
Com isso, temos uma pequena contextualização da cidadania de modo global, mas e quanto ao Brasil?
Acompanhe no próximo tópico.
1.1.2 Cidadania no Brasil
A cidadania no Brasil é um assunto bastante delicado, mas como em qualquer outro contexto, é importante
saber a história de nosso país e os caminhos que foram e continuam sendo traçados a favor ou contrários à
ampliação da cidadania dos brasileiros. Diferentemente do contexto europeu, em que as revoluções burguesas,
a valorização da ciência e da razão e os movimentos operários contribuíram para a consolidação da igualdade
e participação política de sua população desde o século XVIII, por aqui o percurso se deu posteriormente,
influenciado pelos acontecimentos do além-mar, ou seja, pela expansão marítima europeia.
Se a cidadania diz respeito à participação popular na vida política de um Estado- Nação e o exercício
dedireitos civis, políticos e sociais, nosso país esteve bastante aquém de alcançá-la. Primeiro, porque
africanos e indígenas foram escravizados durante pelo menos três séculos, tendo a escravidão abolida
apenas um ano antes da Proclamação da República, em 1888. Além disso, para ficarmos apenas no
exemplo de direitos políticos, no Brasil, apenas em 1934 foi permitido às mulheres votar e somente
com a Constituição de 1988 os analfabetos conquistaram este direito.
Desde a primeira Constituição (1891) até a atual (1988), o Estado brasileiro assumiu várias feições, de
ser sustentado e ocupado apenas por ruralistas, quando o voto era aberto e vigiado (“voto de
cabresto”), passando pela Era Vargas (1930-1945), uma iniciante democracia, 20 anos de ditatura
militar (1964-1984), até alcançarmos o retorno ao regime democrático de direito (1985). Nesse
percurso, os direitos políticos foram conquistados por grande parte da sociedade, mas os direitos civis
e sociais ainda se manifestam como um grande desafio para os movimentos sociais e os indivíduos que
defendem uma ampla cidadania como condição para um mundo mais justo e igualitário.
Vamos tomar como exemplo a população negra. Apesar da liberdade de culto religioso ser um direito civil
garantido pela Constituição de 1988, é comum as mídias registram casos de assassinatos e violências a líderes
e casas de religião de matriz africana. Quanto aos direitos sociais, institutos de pesquisa, como o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgam dados que comprovam o assassinato de grande parte da
juventude, o encarceramento da população negra e a violência contra as mulheres, principalmente negras.
- -6
Na resistência a favor da vida e da dignidade da população excluída dos meios de subsistência e integração
social, o Brasil conta com extenso número de movimentos sociais, sindicatos, associações e organizações não
governamentais, que atuam questionando e pressionando projetos e leis aprovados e postos em prática pelos
poderes legislativo, executivo e também judiciário, visando a efetivação de políticas públicas e sociais que de
fato reconheçam a cidadania da maioria da população brasileira.
Figura 2 - Exemplo de ocupação irregular muito comum no Brasil devido à falta de moradia em melhores condições Fonte: De Visu, 
Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um lugar precário. Trata-se de uma casa construída de maneira 
arranjada com cortinas e toalhas forrando o telhado. Há lixo ao redor e um varal com roupas estendidas. Um 
homem está agachado na entrada do local. Ao fundo, pode-se observar vegetação.
Ao longo do tempo, os movimentos sociais também foram mudando sua organização e forma de atuação. Se
na metade do século XX se proliferou grande número de sindicatos representativos da classe trabalhadora,
com forte estrutura hierárquica e práticas de panfletagem para a organização de passeatas e greves,
atualmente, com o desenvolvimento de novas tecnologias, os movimentos encontram-se cada vez mais
horizontais e abarcando maiores escalas via mídias digitais que tem capacidade para conectar pessoas nos
mais distantes lugares do globo. As manifestações de junho de 2013, bem como outras da contemporaneidade,
foram articuladas e disseminadas de tal modo. Vamos continuar nossos estudos com o tema direitos humanos.
Você sabia?
Educação, saúde, moradia, trabalho, lazer, esporte e segurança são direitos garantidos a 
todos os cidadãos brasileiros pela Constituição Federal de 1988. Ainda que na teoria isso 
seja de conhecimento, na prática, esses direitos estão longe de serem garantidos pelo 
Estado, fazendo com que uma parcela da população recorra aos serviços privados, e a 
maioria simplesmente viva cotidianamente sem acessá-los, ainda que a existência dos 
impostos seja justificada para garanti-los.
- -7
1.2 Os Direitos Humanos
Para entender o que são e como surgiu os direitos humanos, precisamos contextualizar historicamente de qual
momento e local estamos falando. Vimos que o conceito de cidadão foi se transformando, pois nem sempre
abarcou todas as pessoas que compunham determinada sociedade, já que durante muito tempo apenas eram
considerados cidadãos os homens, livres e com propriedades.
A concepção de direitos humanos, que nos referimos com tanta naturalidade, foi desenvolvida na
modernidade, quando as revoluções burguesas depuseram os regimes absolutistas e a democracia,
caracterizada pela soberania popular, foi estabelecida. O surgimento dos Estados Democráticos, a partir do
século XVII no contexto europeu, institucionalizou a sociedade civil e impulsionou o surgimento de direitos e
deveres para a manutenção e organização da sociedade. A ideia de cidadania está atrelada a este cenário de
ampliação da participação política e da conquista de direitos: “na sua acepção mais ampla, cidadania é a
expressão concreta do exercício da democracia” (PINSKY; PINSKY, 2010, p.10).
Historicamente, os direitos foram associados e restritos aos grupos dominantes e a ampliação para o conjunto
maior da sociedade está ligada à modernidade e suas transformações políticas, sociais e econômicas. Os
direitos humanos da contemporaneidade se pretendem universais, indivisíveis, interdependentes e inter-
relacionados.
A seguir, vamos apresentar e discutir alguns aspectos históricos e sociológicos dos direitos humanos.
1.2.1 Aspectos históricos e sociológicos dos Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada originalmente em 10 de dezembro de 1948, pela
Organização das Nações Unidas (ONU, 2009), é considerada o marco regulatório decisivo para a
implementação e fiscalização dos direitos humanos no mundo ocidental moderno. A ONU surgiu em 1945,
ano em que terminou a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de incentivar o diálogo entre as nações e evitar
novas catástrofes mundiais. Nesse sentido, a declaração dos direitos humanos foi um documento importante
para enfatizar o caráter universal dos direitos, levando em consideração a pluralidade dos povos, bem como a
sub- representatividade de determinados grupos nas esferas de poder e prestígio.
A defesa pela igualdade e liberdade dos indivíduos foi uma das principais bandeiras ainda nas revoluções
liberais-burguesas nos séculos XVII e XVIII. Àquela época, o grupo que conseguiu acumular renda, mas que
ainda era desprovido de poder e participação política, uniu-se ao povo, os desprovidos de privilégios, mas
obrigados a pagar altos impostos para os nobres, para o rei e para a igreja, para ter mais forças e conseguir
- -8
realizar tais revoluções. Ao garantirem sua vitória, a burguesia aos poucos foi agindo contrariamente à
consolidação de direitos para o povo, posto que não mais precisava de seu apoio, mas agora da exploração de
suas vidas e trabalho para desenvolver o sistema capitalista.
Nesse período, começaram a ser disseminadas as correntes do socialismo e do comunismo entre a classe
trabalhadora, que passou a organizar-se na forma de partidos e sindicatos e lutar por melhores condições de
trabalho A primeira metade do século XX foi marcada então pela divisão do globo entre países capitalistas e
socialistas, culminando no surgimento de estados fascistas e totalitários e na Segunda Guerra Mundial.
Nas práticas de colonização promovidas pela Europa na América Latina, África e Ásia também podemos
identificar a desumanização dos povos dominados, que tiveram sua cultura, língua, economia e religião
negligenciados e combatidos em prol da ocidentalização do mundo. Outro exemplo de violência contra a
universalidade da humanidade pôde ser observada no regime nazista alemão que, baseado em uma ideia de
supremacia racial, também dizimou milhões de pessoas e implementou os campos de concentração.
Outro desafio a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos é de que todos os indivíduos “são iguais
perante a lei”, além de livres para expressarem suas opiniões e cultuarem a religião que escolherem.Bom,
basta olharmos qualquer reportagem e/ou relato do cotidiano para percebermos que a justiça não se aplica de
maneira igualitária, independente da cor/etnia, classe social, gênero, nacionalidade, orientação sexual, opção
política-ideológica etc. Também temos os casos de “prisioneiros da consciência”, ou seja, pessoas que foram
Você quer ver?
No filme (FRANK JR; RAVETCH, 1979), a protagonista vem de uma Norma Rae
família com gerações de trabalhadores da indústria têxtil e a partir do contato com um 
ativista passa a questionar as condições de trabalho e propor a organização de um 
sindicato.
Você sabia?
No Brasil foi instituída uma Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2011, durante o 
governo de Dilma Rousse, para investigar violações aos direitos humanos cometidos 
entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, abarcando o primeiro período 
democrático do país (1946-1964), a ditadura militar (1964-1984), o retorno à 
democracia (1985) e a instituição da atual Constituição Federal (1988).
- -9
presas por se manifestarem contrariamente a governos totalitários, como durante a ditadura militar no Brasil. E
quanto à religião, casos de repressão às suas manifestações, como o uso no véu na França por muçulmanas,
que foi repreendido, ou os casos de depredação de casas de religião de matriz africana no Brasil.
Figura 3 - Praticante de religião de matriz africana, que apesar de estar garantida pela constituição brasileira, continuam sofrendo 
violência Fonte: Vitoriano Junior, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma mulher de vestido volumoso branco e turbante, também 
branco. Ela está de costas, à direita. Ao fundo, pode-se observar uma construção de madeira, com um pano 
florido pendurado e uma bandeira com um anjo pintado.
Então, é pertinente nos determos na afirmação de John Dewey que o historiador Marco Mondaini (2009, p.
159) nos traz à tona: “Se você quer estabelecer a concepção de uma sociedade, descubra quem está na prisão”.
Essa afirmação é importante para que possamos avaliar se os ideais de justiça social, paz, diversidade cultural
e respeito aos direitos humanos estão sendo exercidos nos diferentes países.
No próximo tópico, vamos discutir as assimetrias entre o Brasil de direito, caracterizado pelas leis, e o de fato,
fundamentado na prática cotidiana.
1.2.2 Brasil Legal x Brasil Real
O caminho percorrido pelos Estados Unidos, Inglaterra e França, é de conquista de direitos civis – as
liberdades individuais (século XVII e XVIII), depois direitos políticos – igualdade política (século XIX), e
direitos sociais – igualdade social (século XX). No Brasil, houve inicialmente, alguns ganhos sociais, como a
consolidação das leis trabalhistas (CLT), em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, para que
posteriormente fossem conquistados direitos civis e políticos, principalmente após a ditadora militar, em 1984,
quando foi (re)instituído no Brasil o Estado Democrático de Direito.
- -10
Em termos legais, o Brasil se coloca como um dos países com legislação mais avançada da América Latina,
contudo percebemos grande contradição entre o campo “legal” e o “real”, ou seja, apesar de uma constituição
e leis que garantem a igualdade, liberdade e dignidade de todos os cidadãos, os direitos fundamentais como
saúde, moradia, segurança, transporte, lazer e educação são escassos a ampla parcela da população.
A dinâmica social contemporânea, ainda que imbuída em um cenário de direitos e normas jurídicas
estabelecidas, se passa como se ainda vivêssemos na idade média, quando o poder econômico e político eram
determinados pelo nascimento, já que mesmo com a igualdade presente nas leis, não há meios adequados para
que pessoas de diferentes estratos sociais alcancem os lugares mais prestigiados da sociedade. Mesmo que a
justificativa não seja mais os “desígnios de deus”, a estratificação ou desigualdade social é uma das
características mais evidentes de nosso país.
Pessoas são tratadas de forma distinta conforme os marcadores de diferença, classe, cor e gênero, por
exemplo. O aparato público é utilizado com fins privados e o coronelismo ainda se apresenta como uma das
principais práticas políticas. Esse clientelismo que deveria ter acabado com a instituição da democracia e
ampliação da cidadania ainda não foi exterminado, já que os políticos atuais são os mesmos ou, então,
descendentes dos antigos coronéis. Assim, os direitos humanos ainda não conseguiram garantir a emancipação
real da maioria da população brasileira.
É inegável que desde a abertura política já tivemos inúmeros avanços, mas infelizmente estes também chegam
acompanhados por retrocessos. A reforma agrária que possibilitaria a permanência dos agricultores no campo,
a manutenção de identidade e cultura de quilombolas e indígenas ainda não foi realizada. Ao mesmo tempo
Você quer ler?
Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada (JESUS, 2014) é um livro em que são 
editados os diários de Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra, migrante de Minas 
Gerais, papeleira e moradora de uma favela em São Paulo, na década de 1950. O livro 
retrata o cotidiano de miséria, privações e a sociabilidade da escritora, sua família e 
vizinhos, explicitando as trajetórias de pessoas à margem da cidadania e dos direitos 
fundamentais no Brasil.
Você quer ver?
No filme (BIANCHI; BENAIM; CANITTO, 2005) é Quanto Vale ou é por Quilo?
retratado os trâmites entre política e filantropia, além de fazer uma analogia entre o 
comércio de escravos e a atual exploração da miséria por vários agentes sociais.
- -11
em que houve a universalização de crianças nas escolas, também enfrentamos uma taxa de mais de 10 milhões
de brasileiros desempregados (GOMES, 2018). Vivemos, então, em um Brasil em que uns são mais humanos
do que outros? Enfrentar essas disparidades se constitui como um desafio urgente para construirmos um lugar
realmente plural e digno para todos, onde a paz, a segurança coletiva, o desenvolvimento e os direitos
humanos sejam indissociáveis.
Agora, vamos apresentar a situação de grupos que permanecem à margem de parte ou integralmente dos
direitos humanos.
1.3 Mulheres e minorias
Este tópico diz respeito aos avanços, desafios e entraves para o exercício da cidadania e do respeito aos
direitos humanos de grupos subalternizados, também chamados de minorias. O primeiro ponto que precisamos
elucidar se relaciona justamente a palavra minorias. Quando a ouvimos, a primeira ideia que nos vem a cabeça
tem a ver com um número reduzido, ou seja, com quantidade. No entanto, essa imagem pode gerar equívocos
quando a palavra minorias está associada a políticas públicas ou direitos humanos. Isso porque grupos
compostos por milhões de pessoas – que, muitas vezes, podem constituir a maioria em termos numéricos da
população de determinada sociedade -, mas que, contrariamente à sua presença numérica, estão sub-
representados em espaços de poder, prestígio, educação, renda, saúde e lazer. Além disso, são hiper-
representados entre o grupo com menor poder aquisitivo, ocupando os empregos menos valorizados e
prestigiados, deficitários de saúde, educação, moradia, segurança, lazer e respeito aos direitos humanos.
Nesse sentido, as mulheres e outros grupos como homossexuais, transexuais e transgêneros, deficientes,
idosos, jovens e crianças, são estratos da sociedade considerados minorias justamente por estarem mais
vulneráveis a violências e carentes de respeito aos seus direitos humanos mais fundamentais. Em contraponto
às minorias, está o grupo hegemônico, provido de privilégios e vantagens historicamente perpetuadas. Esse
lugar é ocupado por homens, brancos, heterossexuais, que moram nos lugares mais caros das cidades, ocupam
profissões bem remuneradas e respeitadas e estão menos sujeitos às violências criminosas e institucionais,
fazendo com que pessoas que não correspondem a este perfil sejam vistas e tratadas como não tão “humanas”
assim.
Será quediferenças são o mesmo que desigualdades? É o que vamos abordar no próximo tópico.
1.3.1 (Des)naturalização das desigualdades
- -12
Enquanto seres coletivos, vivendo em sociedade, nossa socialização desde a infância se dá por meio de
instituições sociais, como família, escola, igreja e Estado, que, frequentemente, disseminam o modelo
hegemônico sobre o que é normal ou anormal para a contribuição da ordem social. Entretanto, nesta “ordem”,
normalmente alguns grupos são privilegiados, enquanto outros são inferiorizados.
Portanto quem detêm o poder político e econômico não pretende perder seus privilégios e, para isso, faze uso
do aparato ideológico para manter a estrutura social no modelo que mantém sua posição de dominação sobre
outros.
Isso acontece, por exemplo, em relação ao conceito, características e significados de mulher e homem em
nossa sociedade. Somos ensinados que quem nasce com uma vagina é do sexo feminino e devem ser
socializados como mulheres, enquanto quem nasce com pênis, devem aprender a ser homem. Essa associação,
que durante tanto tempo foi vista como natural e disseminada pelas instituições sociais, atualmente começa a
ser tensionada por estudiosos que irão defender que a própria biologia é uma construção cultural (MARILYN
STRATHERN, 1992 apud CARVALHO, 2012), portanto não é natural ou imutável.
Seguindo o modelo sexo-gênero (GAYLE RUBIN, 1975 apud CARVALHO, 2012), tão difundido ao longo
dos tempos, a genitália determinaria o comportamento social das pessoas e também o papel que estas
deveriam desempenhar nos seus contextos sociais. Podemos perceber que essa estrutura binária contribuiu
para a dominação masculina e a opressão das mulheres.
Alguns autores vão justificar que as mulheres estariam ligadas à natureza e à reprodução da família e do lar,
enquanto os homens estariam atrelados à cultura, ao espaço público e ao sustento de suas famílias e lares,
como se homens e mulheres estivessem limitados a apenas um destino estabelecido pela natureza.
Várias pesquisas em diferentes sociedades (MARGARETH MEAD, 2000 apud CARVALHO, 2012)
contrapuseram este quadro, demonstrando que existem vários modelos sobre o que é ser homem ou mulher e
nem sempre ligados à constituição biológica dos seres. Além disso, hoje se sabe que a maneira dicotômica de
classificar o mundo em macho/fêmea, alto/baixo, mente/corpo, é apenas uma das possibilidades de
entendimento, dentre várias outras, cada vez mais múltiplas.
Em relação especificamente às mulheres, que se constitui como uma minoria por não gozar de plena cidadania
e respeito aos direitos humanos, foi justamente durante as revoluções liberais, que elas passaram a questionar
sua ausência no grupo dos cidadãos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, por exemplo, não
incluía as mulheres. Desde o início da modernidade, as mulheres passaram a lutar por sua efetiva inserção na
sociedade civil, reclamando seu direito de voto e também de poderem assumir cargos políticos.
Você sabia?
- -13
A luta pelo direito do voto, quando da consolidação dos Estados democráticos no ocidente, se constituiu como
a “primeira onda” na história oficial do feminismo – movimento acadêmico e ativista que atua em prol das
mulheres. Posteriormente, com a industrialização e urbanização, as mulheres também passaram a se organizar
para exercerem direitos iguais aos dos homens como o de ocupar o emprego que lhes desse vontade e ter a
mesma remuneração que seus pares masculinos. Além disso, também passaram a questionar seus papéis
sexuais enquanto apenas esposas, mães e responsáveis pelos afazeres domésticos, e a reivindicar por liberdade
sexual, o que foi facilitado com a invenção da pílula anticoncepcional na década de 1950, a prática sexual não
mais estaria atrelada somente à reprodução.
Figura 4 - Dilma Rousse foi, até o momento, a primeira e única mulher presidente do Brasil (2011 a 2016) Fonte: Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de Dilma Rousse. Ela está sorrindo para a câmera, vestindo terno 
claro e a faixa da presidência. Esta é verde nas laterais e amarela no centro, com um emblema no meio.
A Arábia Saudita é um país em que as diferenças entre os direitos e papéis de homens e 
mulheres é bastante desigual, visto sob o contexto dos direitos humanos. As mulheres 
precisam da autorização de um parente masculino para viajarem, trabalharem ou 
casarem. Foi o último país no mundo a negar as mulheres o direito de voto, conquistado 
apenas em 2015, e ainda assim, a representatividade das mulheres é irrisória, apenas 1 
em cada 10 eleitores.
- -14
Enquanto ferramenta de produção de conhecimento científico, após o conceito de papéis sexuais, na década de
1980, a feminista estadunidense Joan Scott (1985) introduziu o conceito de gênero para estudar o caráter
cultural dos papéis de homens e mulheres. Partindo dessa ferramenta analítica, muitas pesquisas foram
desenvolvidas, mas inicialmente apenas chamando atenção para as trajetórias sociais e dificuldades que as
mulheres enfrentavam/enfrentam em seus cotidianos.
Depois, houve o entendimento de que a categoria gênero seria relacional, se trataria das relações sociais
constituídas por homens e mulheres e suas peculiaridades. Nesse momento, surgem trabalhos que também
interpelam e manifestam a existência de masculinidades e feminilidades no plural.
Isso significa que de categorias que antes foram determinadas biologicamente, homens e mulheres passaram a
ser constructos sociais e, portanto, passíveis de mudanças, já que a cultura está em contínua transformação.
Além das recentes discussões sobre o caráter cultural da natureza, as perspectivas de feministas afro-
estadunidenses, desenvolvidas pelos menos desde os anos 1960, juntamente com as abordagens de mulheres
do “terceiro mundo”, passaram a ter maior visibilidade a partir dos anos 1990. Autoras como Angela Davis,
Bel Hooks, Kimberlé Crenshaw, Chandra Mohanty e Lélia Gonzalez chamaram atenção para a
heterogeneidade da categoria mulher, defendendo que as experiências e opressões variam de acordo com o
lugar que determinada mulher ocupa e da sociedade em que está inserida. Desse modo, salientam que classe
social, cor, orientação sexual e religião não podem ser entendidas de forma separada ou hierarquizada, pois,
muitas vezes, atuam de forma simultânea nas trajetórias de diferentes mulheres. Então, levantaram críticas a
respeito de apenas um discurso feminista, pautado nas experiências de mulheres, brancas, heterossexuais,
norte-americanas e europeias.
Você quer ler?
O livro (ATWOOD, 2017), em inglês The Handmaid’s Tale, é um O Conto da Aia
romance da canadense Margaret Atwood lançado originalmente em 1985. A partir de 
uma cidade fictícia dos Estados Unidos, a história retrata um golpe em que um grupo 
conservador toma o poder, destruindo o país e impondo papéis sexuais para diferentes 
grupos de mulheres, que remetem às ideias de natureza e submissão.
- -15
Figura 5 - Mulher protestando em ato público pela garantia de direitos civis, políticos e sociais Fonte: arindambanerjee, Shutterstock, 
2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma mulher com um lenço preto na cabeça e uma bandeira 
amarrada ao pescoço falando em um megafone. Ao fundo, pode-se observar uma multidão, como em um 
movimento. Todos estão ao ar livre. Ao redor, há prédios.
Para enfrentar as desigualdades e violências que diferentes mulheres ainda enfrentam, os movimentos sociais,
organizações não governamentais e partidos sensibilizam a opinião pública por meio de campanhas e
protestos, visando o estabelecimento de leis de proteção e políticas afirmativas para que as mulheres possam
ser respeitadas em seus direitos humanos e ocupem diferentes espaços sociais.
No Brasil, em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha - Lei 11.340 (BRASIL, 2006) que
visa criminalizar e punir a violência contra as mulheres. Há também a Lei do Feminicídio – Lei 13.104
(BRASIL,2015) – que classifica como crime os assassinatos cometidos em razão de serem mulheres.
Qual seria o outro seguimento social que também permanece em desigualdade em nossa sociedade? Veja a
resposta no tópico a seguir.
1.4 A questão étnica racial
Para justificar a colonização, exploração e dominação de povos e países, os europeus ancoraram-se em teorias
pseudocientíficas que abalizavam diferenças étnico-raciais enquanto desigualdades intelectuais e morais. Isto
é, utilizaram a teoria da evolução das espécies desenvolvida por Charles Darwin (1809-1882) para explicar a
manutenção e proliferação de certos tipos de animais e vegetais, e construíram a teoria da evolução social,
pautando-se pelo argumento de que povos também deveriam passar por estágios evolutivos para progredirem.
Iriam da selvageria, passando pela barbárie, até chegar na civilização, que seria a cultura ocidental europeia.
Assim, o argumento moralmente defendido para a colonização era de que os europeus iriam “civilizar” o novo
mundo, enquanto uma “missão de ajuda humanitária”. Não é preciso adivinhar que para tal intento, no caso
brasileiro, trataram como selvagens e bárbaros indígenas, africanos e seus descendentes. Era preciso tornar
- -16
inferior estes grupos, juntamente às suas culturas e religiões, para que o projeto “civilizatório” desse certo.
Com isso, foram aplicadas na sociedade brasileira teorias raciais que surgiram na Europa desde o século XIX,
e pregavam a ideia de supremacia e pureza raciais. Então, além do genocídio da população indígena e a
escravização de africanos, também foram postos em práticas políticas públicas para o embranquecimento da
população, sob o argumento que o desenvolvimento da nação estaria diretamente relacionado com o fim da
população negra e indígena.
Como você pode subentender, durante muitos séculos o conceito de cidadão brasileiro não incluía a população
negra ou indígena. Por serem considerados “menos humanos” que os brancos, não eram reconhecidos como
sujeitos dos direitos humanos, logo, o país vem perpetuando uma dívida com esses grupos, que podem ser
considerados minorias, e que, infelizmente, apesar de alguns direitos já reconhecidos, continuam tendo que
resistir aos efeitos da discriminação racial que estrutura a sociedade brasileira.
Surge, então, a pergunta: como consolidar a cidadania e a democracia plena em um país fundado na
desigualdade social e no preconceito racial? A resposta passa por uma grande revolução em todas as esferas da
vida social, com a prioridade dos direitos humanos universais. Com isso, poderemos pensar em nos
desenvolvermos e constituirmos em um povo harmônico e miscigenado de fato, enquanto isso, ainda temos
muita estrada pela frente.
Já no próximo tópico, vamos estudar a sociedade brasileira, posto que a partir da identificação, é possível
buscar soluções para os problemas.
1.4.1 Enxergando a sociedade brasileira
A década de 1930 ficou conhecida como o período em que surge a sociologia no Brasil. O início foi marcado
por perguntas que buscavam entender a sociedade e a cultura brasileira, “afinal, o que faz o Brasil, Brasil?”.
Nesse momento, surgiram obras importantes com o intuito de responder tal questionamento como “Casa
Grande e Senzala” (FREYRE, 1992 [1933]), do pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), em que podemos
perceber uma crítica à supremacia racial das teorias raciais do século XIX. O autor aborda a miscigenação
entre europeus, africanos e indígenas como o traço central da sociedade brasileira, mas defende o que ficou
conhecido como o “mito da democracia racial”, como se no Brasil não existisse conflitos raciais e todos os
Você o conhece?
Opsiquiatraefilósofomartinicano,deascendênciafrancesaeafricana,FranzFanon(1925-1961),
escreveusobreosefeitosdoracismonasubjetividadedehomensracializadoselutoupelaindependênciadaArgélia.
Suasobras“Pelenegra,máscarasbrancas”(1952)e“Oscondenadosdaterra”(1961)
sãoreferênciasdosestudosculturaisepós-coloniais.
- -17
povos vivessem com respeito, igualdade e harmonia. Desse modo, o mito da democracia racial corresponde à
ideia de que no Brasil não existem conflitos raciais e todos os segmentos sociais tem a mesma oportunidade de
acesso a direitos, bens e serviços, ou seja, uma falácia.
Figura 6 - A capoeira é uma arte marcial brasileira, desenvolvida por africanos e brasileiros escravizados e durante muito tempo sua 
prática foi proibida Fonte: Val Thoermer, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um grupo de pessoas formando um círculo ao ar livre. Há duas 
pessoas no centro, jogando capoeira. Atrás, há outras pessoas tocando instrumentos, como o berimbau. Ao 
redor, pode-se observar prédios e outras construções.
Por décadas e mesmo nos dias atuais, o mito de que no Brasil não existem conflitos raciais ainda é
disseminado quando se deseja discorrer sobre a sociedade brasileira. O problema é que ele mascara e
invisibiliza a realidade de grupos brasileiros (negros e indígenas), contribuindo assim para a perpetuação de
violências, desigualdades e segregações.
No Brasil, metade da população é negra ou não branca (SARAIVA, 2017), mas estes estão sub-representados
nos locais de prestígio e poder da sociedade e hiper- representados nas profissões de menor valorização e
remuneração, como o trabalho doméstico, de portaria e segurança. Ocupam os bairros menos valorizados,
distantes do centro das cidades, muitas vezes, com falta de saneamento básico e serviços. Assim como as
mulheres, a população negra ou não branca, sobretudo, mulheres negras, ganham menos que os homens
brancos ao realizarem o mesmo serviço.
Você quer ler?
O livro (GONÇALVES, 2006), escrito por Ana Maria Gonçalves, é Um Defeito de Cor 
a história de uma africana trazida à força para ser escravizada no Brasil, seus 
antepassados e os eventos que vivencia no “novo mundo”. É uma obra prima que reflete 
o horror da escravidão e do racismo na sociedade brasileira, mas também um documento 
histórico sobre resistência, solidariedade e espiritualidade.
- -18
Os indígenas são os povos originários de nossas terras e bastantes heterogêneos, organizados em diferentes
etnias, com língua e cultura próprias. De acordo com o censo de 2010 (BRASIL, 2012) do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), existem aproximadamente 817.963 indígenas, falando 274 línguas distintas
e divididos em torno de 305 povos.
É comum achar que eles fazem parte do passado, de uma cultura selvagem e que vivem apenas na Floresta
Amazônica. Essas ideias etnocêntricas foram disseminadas durante a colonização justamente para colaborar
com a exploração e dizimação dos povos indígenas e, atualmente, são usadas por empresários que visam o uso
ilimitado das terras para fins privados e comerciais.
Como o número do censo em relação à diversidade nos mostra, os índios persistem e estão cada vez mais
ocupando diferentes lugares na sociedade sem perderem suas identidades.
As culturas indígenas são parte constitutiva da sociedade brasileira, seja no vocabulário, nas práticas
alimentares ou medicinais, e suas influências estão presentes no cotidiano de qualquer cidadão, bem como a
influência das culturas africanas, europeias e, em menor medida, asiáticas.
Estudo de Caso
No Brasil, existem aproximadamente 6 milhões de trabalhadores domésticos. Destes, 
mais de 95% são mulheres, e em torno de 70% mulheres negras. Apenas 30% destas 
trabalhadoras possuem a carteira de trabalho registrada e contribuem para a previdência 
social. Isso quer dizer que durante décadas essas mulheres trabalharam sem a garantia de 
um salário mínimo, uma jornada de trabalho estabelecida e a garantia de aposentadoria. 
Somente em 2015, foi regulamentada a “lei das domésticas”, LCP 150 (BRASIL, 2015), 
que visa equiparar os direitos das trabalhadoras domésticas aos demais trabalhadores. A 
lei abarca somente trabalhadoras mensalistas, enquanto cresce o número de diaristas, que 
trabalham várias vezes porsemana. Algumas trabalhadoras preferem o trabalho na 
forma de diaristas, pois podem flexibilizar seus horários, porém com isso apenas 
recebem quando estão trabalhando, além de que os danos para a saúde a longo prazo 
podem ser bem maiores.
Atualmente, o Ministério do Trabalho busca fiscalizar e punir os empregadores que não 
estão obedecendo a lei 150/15. Os movimentos sociais continuam se organizando para 
conseguirem mais direitos para as diaristas, que já representam aproximadamente 30% 
do grupo.
- -19
Figura 7 - Exemplo do sincretismo que forma a sociedade brasileira, mulher negra performatiza uma dança com influências indígenas 
Fonte: ostill, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma mulher negra vestida com uma fantasia de carnaval. Esta 
traz penas pretas, vermelhas, amarelas e roxas. Ela também está de cocal, este com penas das mesmas cores.
Como mecanismo para promover a igualdade de segmentos sociais historicamente discriminados, políticas
públicas diferenciadas começaram a ser desenvolvidas, de ações afirmativas, com intuito de implantar
mecanismo de cotas para que os grupos minoritários possam alcançar de maneira mais rápida igualdade de
oportunidades nas sociedades.
De acordo com a antropóloga Ana Paula Comin de Carvalho (2012), citando o etnólogo Carlos Moore
Wedderburn (2005), diferentemente da ideia de que as políticas de ação afirmativa surgiram nos
Estados Unidos, na década de 1960, no contexto da luta pelos direitos civis de afro-americanos, as
ações afirmativas teriam sido originadas na Índia, já no pós-Primeira Guerra Mundial, quando as
castas inferiores começaram a clamar por mais representatividade nas esferas de poder.
Esse movimento teria se intensificado após a Segunda Guerra Mundial, com as lutas de independência
dos países da África e Ásia, para então servirem como forte instrumento em busca de igualdade pelas
mulheres norte-americanas e europeias, pelas populações negras diaspóricas (populações oriundas da
África que se estabeleceram em outros lugares do globo), e também na América Latina.
Em especial no Brasil, as políticas de ação afirmativas, que visam resgatar a equidade de segmentos sociais de
maneira rápida e eficaz, passaram a ter maior incidência a partir dos anos 2000, quando não apenas a
representação feminina foi estimulada na esfera governamental, mas outras minorias organizaram-se na luta
pela igualdade de direitos. Desse modo, atualmente existem cotas para diferentes grupos nas esferas da
política, do trabalho e da educação. Porém, estão em risco quando grupos conservadores põem em cheque sua
importância, como acontece em relação à política de cotas para negros e indígenas nas universidades
brasileiras.
- -20
- -21
Conclusão
Concluímos a unidade introdutória aprendendo que o conceito de cidadão nem sempre abarcou todos os
indivíduos de uma determinada sociedade, assim como a consolidação dos direitos humanos continua sendo
um desafio diário, sobretudo, para minorias sociais.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• aprender que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) se constitui como o documento de 
referência para a implementação dos direitos humanos nas constituições dos mais diversos países;
• estudar os percursos históricos para o surgimento da cidadania e a garantia dos direitos humanos no 
contexto brasileiro, chamando atenção para os desafios que persistem na consolidação da igualdade e 
justiça social em nosso país.
•
•
- -22
Referências
ARAÚJO, S. M. de; BRIDI, M. A.; MOTIM, B. L. . Volume único. 1. ed. São Paulo: Scipione,Sociologia
2013.
ATWOOD, M. . Tradução de Ana Deiró, Rocco: Rio de Janeiro, 2017 [1985].O conto da Aia
BIANCHI, S.; BENAIM, E.; CANITTO, N.. Direção: Sérgio Bianchi.Quanto vale ou é por quilo?
Produção: Sérgio Bianchi, Paulo Galvão. Europa Filmes, Brasil, 2005.
BRASIL. IBGE. : Características gerais da população, religião e pessoas comCenso Demográfico 2010
deficiência. Brasília - Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; IBGE, 2012.
BRASIL. Lei 11.340, de 7 de Agosto de 2006. . Brasília, DF, jun., 2006. Disponível em: Lei Maria da Penha
. Acesso em: 25 maio 2021.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm
BRASIL. Lei 13.104, de 9 de maio de 2015. . Brasília, DF, mar. 2015. Disponível em: Lei do Feminicídio
. Acesso em: 25 maio 2021.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/L13104.htm
BRASIL. Lei Complementar 150, de 1 de julho de 2015. . Brasília, DF, jun.Lei do Trabalho Doméstico
2015. Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2021.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm
CARVALHO, A. P. C. de . . Curitiba: Intersaberes, 2012.et al Desigualdades de gênero, raça e etnia
COMPARATO, F. K. A nova cidadania. , São Paulo, n. 28-29, abr. 1993. Disponível em: Lua Nova
. Acesso em: 25 maiohttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102- 64451993000100005&script=sci_arttext
2021.
FRANK JR, H.; RAVETCH, I. . Direção: Martin Ritt. Produção: Tamara Asseyev, Alex Rose.Norma Rae
Estados Unidos, 1979.
FREYRE, G. . Rio de Janeiro: Editora Record, 1992 [1933].Casa-Grande e Senzala
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/L13104.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102- 64451993000100005&script=sci_arttext
- -23
GOMES, I. Desemprego recua em dezembro, mas taxa média do ano é a maior desde 2012. Agência IBGE
, 9 março 2018, Estatísticas Sociais. Disponível em: Notícias https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/19759-desemprego-recua-em-dezembro-mas-taxa-media-do-ano-e-
. Acesso em: 25 maio 2021.a-maior-desde-2012.html
GONÇALVES, A. M. . 11. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.Um defeito de cor
JESUS, C. M. : diário de uma favelada. 10. ed. São Paulo: Ática, 2014.Quarto de despejo
MIRANDA, N. . Belo Horizonte: Autêntica, 2006.Por que Direitos Humanos
MONDAINI, M. . São Paulo: Contexto, 2009.Direitos humanos
MONDAINI, M. . São Paulo: Contexto, 2009.Direitos humanos no Brasil
OLIVEIRA, L. F. de. : manual do professor. 4. ed. Rio de Janeiro:Sociologia para jovens do século XXI
Imperial Novo Milênio, 2016.
ONU. . UNIC/Rio/005 - Agosto 2009 [1948]. Disponível em: Declaração Universal dos Direitos Humanos
. Acesso em: 25 maio 2021.http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf
PINSKY, J.; PINSKY, C. B. (orgs.). . 5. ed. São Paulo: Contexto, 2010.História da cidadania
SARAIVA, A. População chega a 205,5 milhões, com menos brancos e mais pardos e negros. Agência IBGE
, 27 nov. 2017, Estatísticas Sociais. Disponível em: Notícias https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/2012-
. Acesso em: 25 maio 2021.agencia-de-noticias/noticias/18282-pnad-c-moradores.html
SILVA, A. . . 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.et al Sociologia em movimento
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/19759-desemprego-recua-em-dezembro-mas-taxa-media-do-ano-e-a-maior-desde-2012.html
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/19759-desemprego-recua-em-dezembro-mas-taxa-media-do-ano-e-a-maior-desde-2012.html
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/19759-desemprego-recua-em-dezembro-mas-taxa-media-do-ano-e-a-maior-desde-2012.html
http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-pnad-c-moradores.html
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-pnad-c-moradores.html
	Introdução
	1.1 Construção da cidadania
	1.1.1 Breve história da cidadania
	1.1.2 Cidadania no Brasil
	1.2 Os Direitos Humanos
	1.2.1 Aspectos históricos e sociológicos dos Direitos Humanos
	1.2.2 Brasil Legal x Brasil Real
	1.3 Mulheres e minorias
	1.3.1 (Des)naturalizaçãodas desigualdades
	1.4 A questão étnica racial
	1.4.1 Enxergando a sociedade brasileira
	Conclusão
	Referências

Continue navegando