Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Tuberculose Epidemiologia • A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a tuberculose a causa mais comum de morte decorrente de um único agente infeccioso. Estima-se que 1,7 bilhões de indivíduos sejam infectados pelo mundo, com 8 a 10 milhões de novos casos e 1,5 milhões de mortes por ano. No mundo ocidental, as mortes por tuberculose tiveram pico em 1800 e foram decaindo constantemente ao longo dos anos 1800 e 1900. • A tuberculose é uma das doenças mais antigas de que se tem conhecimento, tendo sido descrita em múmias egípcias anos antes de Cristo. Conhecida de longa data, foi descrita morfologicamente por Laennec em 1804, quando foi associada à pobreza; nesse contexto, o Brasil sempre foi considerado um centro endêmico. Com o advento do esquema tríplice de tratamento por volta de 1950, a doença foi praticamente erradicada nos países industrializados da Europa e nos EUA. No Brasil, ainda prevalece como doença de país subdesenvolvido. • Em 1984, o declínio na quantidade de novos casos foi interrompido abruptamente, como consequência do aumento da incidência de tuberculose em indivíduos infectados pelo HIV. • A tuberculose surge em condições de pobreza, aglomerações e de doenças crônicas debilitantes. Nos Estados Unidos, a tuberculose é uma doença de idosos, pobres em ambiente urbano, pacientes com AIDS e membros de comunidades de minorias. • Algumas doenças também aumentam o risco, como diabetes melito, linfoma de Hodgkin, doença pulmonar crônica (especialmente a silicose), insuficiência renal crônica, desnutrição, etilismo e imunossupressão. Nas regiões do mundo onde a infecção por HIV é predominante, ela é o fator de risco dominante para o desenvolvimento da tuberculose. Etiologia • A tuberculose é uma doença granulomatosa crônica transmissível causada pelo Mycobacterium tuberculosis. Geralmente envolve os pulmões, porém pode afetar qualquer órgão ou tecido no corpo. • A TB pode ser causada por qualquer uma das sete espécies que integram o complexo Mycobacterium tuberculosis: M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae. Em tempo, espécie mais importante é a M. tuberculosis, conhecida também como bacilo de Koch (BK). • O M. tuberculosis hominis é responsável pela maioria dos casos de tuberculose; o reservatório da infecção é tipicamente encontrado em indivíduos com doença pulmonar ativa. A transmissão é geralmente direta, por meio da inalação de microrganismos em aerossóis gerados por expectoração, ou pela exposição a secreções contaminadas de indivíduos infectados. • Podemos dividir os infectados em dois grupos: Os chamados multibacilíferos: são definidos pela presença de baciloscopia positiva no escarro (“BAAR positivos”) e são os principais responsáveis pela transmissão da tuberculose. Os paucibacilíferos, quando a baciloscopia do escarro está negativa, mas com cultura positiva. • Dentre eles, a chance de transmissão domiciliar foi de 50% quando a fonte era multibacilífera e de apenas 5% quando a fonte é paucibacilífera. Lembrando que existem pessoas que são não bacilíferos, representados pelas formas extrapulmonares de tuberculose. • A tuberculose de orofaringe ou intestinal contraída pela ingestão de leite contaminado com Mycobacterium bovis é, atualmente, rara, exceto em países onde há vacas leiteiras com tuberculose e venda de leite não pasteurizado. • Outras micobactérias, especialmente as do complexo Mycobacterium avium, são muito menos virulentas que o M. tuberculosis e raramente causam doença em indivíduos imunocompetentes. Contudo, causam doença em 10% a 30% de pacientes com AIDS. • O Mycobacterium tuberculosis possui três componentes em sua parede, cada um com determinada função na reação inflamatória: (1) lipídeos, que são responsáveis pela ativação de monócitos e macrófagos e sua posterior transformação em células epitelioides e células gigantes multinucleadas; (2) proteínas (tuberculoproteína), que conferem sensibilização ao bacilo e contribuem para a formação de células epitelioides e células gigantes; (3) carboidratos, responsáveis pela reação neutrofílica. • Dependendo da carga inalada, alguns bacilos escapam dos mecanismos habituais de fagocitose e ganham acesso aos alvéolos, após vencerem as defesas usuais nas porções superior e inferior do trato respiratório. • Por características anatômicas da ventilação pulmonar, a maior quantidade de bacilos aloja-se inicialmente na região superior do lobo inferior ou segmento inferior do lobo superior, onde se forma o nódulo subpleural do complexo primário. Dessa região, pode haver disseminação linfática ou hematogênica para outros órgãos, onde mais tarde pode surgir a tuberculose de órgãos isolados. Uma vez nos alvéolos e com todas as condições de aeração, inicia-se uma sequência de reações. • Outras vias de transmissão (pele e placenta) são raras e desprovidas de importância epidemiológica. Os bacilos que se depositam em roupas, lençóis, copos e outros objetos dificilmente se dispersam em aerossóis e, por isso, não têm papel na transmissão da doença. Patogenia • A patogenia da tuberculose em um indivíduo imunocompetente, sem exposição prévia, está centrada no desenvolvimento da imunidade mediada por células, que confere resistência ao organismo e leva ao desenvolvimento de hipersensibilidade a antígenos tuberculosos. • As características patológicas da tuberculose, como granulomas caseosos e cavitação, são decorrentes da hipersensibilidade tecidual deletéria, que faz parte da resposta imune do hospedeiro. Como as células efetoras tanto para a imunidade protetora quanto para a hipersensibilidade deletéria são as mesmas, a apresentação da hipersensibilidade tecidual também sinaliza a aquisição de imunidade para o organismo. • A sequência de eventos começa com cepa virulenta de micobactéria que ganha acesso aos endossomos dos macrófagos (um processo mediado por diversos receptores, que reconhecem diversos componentes da parede celular micobacteriana), o microrganismo é capaz de inibir as respostas microbicidas normais, prevenindo a fusão dos lisossomos com os vacúolos fagocíticos. Dessa forma a não formação dos fagossomos permite a proliferação micobacteriana não controlada. • Portanto, a fase mais precoce da tuberculose (primeiras três semanas) no paciente não sensibilizado é caracterizada por proliferação bacilar no interior dos macrófagos alveolares e espaços aéreos com bacteremia e nidação de múltiplos locais. Apesar da bacteremia, a maioria das pessoas nessa fase é assintomática ou apresenta doença similar a uma gripe discreta. • Os antígenos micobacterianos processados alcançam os linfonodos de drenagem e são apresentados a linfócitos T CD4+ pelas células dendríticas e macrófagos. Linfócitos T CD4+ do subtipo TH1 capazes de secretar IFN-g são gerados sob influência da IL-12 secretada de macrófagos. O IFN-g liberado pelos linfócitos T CD4+ do subtipo TH1 é crucial na ativação de macrófagos. Os macrófagos ativados, por sua vez, liberam uma variedade de mediadores e superexpressam genes com importantes efeitos inibitórios, incluindo: - TNF, que é responsável pelo recrutamento de monócitos que sofrem ativação e diferenciação em “histiócitos epitelioides” que caracterizam a resposta granulomatosa; - Expressão do gene de óxido nítrico sintetase induzível (iNOS), que eleva os níveis de óxido nítrico e a atividade antibacteriana no local da infecção; - Geração de espécies reativas de oxigênio que podem ter atividade antibacteriana. Lembre-se que o óxido nítrico é um potente agente oxidante que resulta na geração de intermediários reativos do nitrogênio e outros radicais livres capazes de destruição oxidativa de diversos constituintes micobacterianos compreendidos entre a parede celular até o DNA. • Defeitos em qualquer um dos passos da resposta TH1 (incluindo IL-12,IFN-g, TNF ou a produção de óxido nítrico) resultam em granulomas pobremente formados, ausência de resistência e progressão da doença. Pessoas com mutações herdadas em qualquer componente da via TH1 são extremamente suscetíveis a infecções por micobactéria. • Em resumo, a imunidade à infecção tuberculosa é primariamente mediada por células TH1 que estimulam a atividade bactericida dos macrófagos. A resposta imune, se amplamente efetiva, apresenta um ônus adicional relacionado com a hipersensibilidade e com a destruição tecidual. Reativação da infecção ou reexposição ao bacilo em hospedeiro previamente sensibilizado resulta em mobilização rápida da reação defensiva, porém também aumenta a necrose tecidual. • Assim como a hipersensibilidade e a resistência aparecem em paralelo, a perda da hipersensibilidade (indicada pela negatividade à tuberculina em paciente turbeculina-positivo) pode constituir um sinal ominoso do enfraquecimento da resistência ao microrganismo Diagnóstico • TESTE RÁPIDO MOLECULAR PARA TUBERCULOSE (TRM-TB) O TRM-TB está indicado, prioritariamente, para o diagnóstico de tuberculose pulmonar e laríngea em adultos e adolescentes. É um teste de amplificação de ácidos nucleicos utilizado para detecção de DNA dos bacilos do complexo M. tuberculosis e triagem de cepas resistentes à rifampicina pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real. O teste apresenta o resultado em aproximadamente duas horas em ambiente laboratorial, sendo necessário somente uma amostra de escarro. Uma vez que detecta material de DNA, sua positividade pode ser devido aos bacilos mortos ou inviáveis, o que torna o uso do TRM-TB não recomendado para o controle de tratamento e / ou diagnóstico nos casos de retratamento (reingresso após abandono e recidivas). • BACILOSCOPIA A baciloscopia é a pesquisa de Bacilo Álcool-Ácido Resistente (BAAR) em um esfregaço de amostra clínica, corada pelo método de Ziehl - Neelsen seguindo técnica padronizada de observação ao microscópio. É um método de simples execução que permite detectar de 60% a 80% dos casos de TB pulmonar em adultos, o que é importante do ponto de vista epidemiológico, já que os casos com baciloscopia positiva são os maiores responsáveis pela manutenção da cadeia de transmissão. Em crianças, a sensibilidade da baciloscopia é bastante diminuída pela dificuldade de obtenção de uma amostra com boa qualidade, considerando-se que elas são paucibacilares (poucos bacilos). A baciloscopia positiva que pode variar entre positivo de 1 a 9 BAAR a positivo 3+ (média de mais de 10 BAAR/campo examinado). O resultado negativo é liberado quando não são encontrados BAAR em 100 campos observados. O resultado positivo e quadro clínico compatível com TB fecham o diagnóstico e autorizam o início de tratamento da TB. • C. CULTURA A Cultura é o exame laboratorial que permite a multiplicação e o isolamento de bacilos álcool-ácido resistente (BAAR) a partir da semeadura da amostra clínica, em meios de cultura específicos para micobactérias. É um método sensível e específico para o diagnóstico das doenças causadas por micobactérias, principalmente para a TB pulmonar e extrapulmonar, sendo o método de referência (padrão-ouro) para avaliar um novo método diagnóstico. Tem elevada especificidade e sensibilidade. Nos casos pulmonares com baciloscopia negativa, a cultura do escarro pode aumentar em até 30% o diagnóstico bacteriológico da doença. A cultura de microbactérias pode ser realizada em meios sólidos ou líquidos. O tempo de detecção do crescimento bacteriano nas culturas sólidas pode variar de 14 a 30 dias, podendo estender-se por até oito semanas. O meio líquido é utilizado nos métodos automatizados disponíveis no Brasil, entre eles MGIT®, no qual o tempo de resultado varia entre 5 a 12 dias, quando positivo e de 42 dias, quando negativo. Através da cultura outros dois exames podem ser realizados: 1.- Identificação da espécie da microbactéria: Existem centenas de tipos de microbactérias, algumas com crescimento rápido e outas com crescimento mais lento. A identificação da espécie é importante para auxiliar no tratamento, uma vez que este pode variar pelo tipo de medicação e tempo de tratamento em diferentes espécies. 2. - Teste de sensibilidade: É o exame laboratorial realizado para detectar a resistência/sensibilidade dos M. tuberculosis às drogas utilizadas no tratamento da tuberculose. O teste de sensibilidade pode ser realizado in vitro (teste fenotípico), semeando as micobactérias em um meio contendo as drogas antituberculose e observar-se o crescimento dos mesmos por um período, conforme descrito na realização de cultura, ou pode ser realizado através de testes moleculares (LPA), onde detecta-se uma parte específica do DNA do bacilo que sugere a resistência às drogas antituberculose. Esses testes moleculares tem acelerado a detecção de tuberculose resistente. Tratamento • A segunda fase do tratamento poderá ser prolongada para 7 meses, após uma unidade de referência ser consultada, nos seguintes casos: - Portadores de HIV/AIDS; -Pacientes com presença de poucos bacilos no exame direto do escarro no quinto ou sexto mês de tratamento, isoladamente, se acompanhada de melhora clinicorradiológica, sendo que o tratamento poderá ser prolongado por mais 3 meses, período no qual o caso deve ser redefinido ou concluído; - Pacientes com exame direto do escarro negativo e evolução clinicorradiológica insatisfatória; - Pacientes com formas cavitárias, que permaneçam com baciloscopia positiva ao final do segundo mês de tratamento, sendo que, nesses casos, a solicitação de cultura e de teste de sensibilidade é mandatória; - Pacientes que apresentem monorresistência à rifampicina ou isoniazida, identificada na fase de manutenção do tratamento, devendo ser realizada uma criteriosa avaliação da evolução clínica, bacteriológica e radiológica, além da adesão e da história de tratamento anterior para tuberculose em uma unidade de referência terciária ou orientada por ela. Tratamento da tuberculose em crianças • No Brasil, pacientes com menos de 10 anos de idade são tratados com três medicamentos: rifampicina (10 mg/kg), isoniazida (10 mg/kg) e pirazinamida (35 mg/kg). • Esta decisão se baseia no menor risco de resistência à isoniazida em pacientes com pequena carga bacilar, como é mais comum na tuberculose infantil, e no risco de alterações visuais causadas pelo uso do etambutol, cujo diagnóstico pode ser difícil em crianças. • Com base em revisões sistemáticas da literatura, a American Academy of Pediatrics indica o tratamento com quatro fármacos na fase intensiva do tratamento, com a inclusão do etambutol, com o monitoramento da acuidade visual e da capacidade de discriminar as cores vermelha e verde. • No caso de crianças cuja acuidade visual não pode ser monitorada, orienta-se que deve ser considerada a relação risco-benefício para o uso do etambutol, observando-se que o fármaco pode ser usado rotineiramente para tratar a tuberculose ativa em lactentes e crianças a menos que haja alguma outra contraindicação. • A OMS recomenda que crianças HIV negativas com tuberculose pulmonar que vivem em locais com baixa prevalência de HIV e de baixa prevalência de resistência à isoniazida podem ser tratadas com três drogas (esquema RHZ) na fase de indução, sem a adição de etambutol. No caso de crianças que vivem em locais com alta prevalência de HIV e/ou alta prevalência de resistência à isoniazida, o etambutol deve ser acrescentado ao esquema na fase de indução. REFERÊNCIAS • ABBAS, Abul K. et al. Robbins patologia básica. Elsevier Brasil, 2018. • BERNARDO, John. Diagnosis of pulmonary tuberculosis in adults. UPTODATE, 2021. • BRASILEIRO FILHO, Geraldo. Bogliolo - Patologia. São Paulo: Grupo GEN, 2016. • POZNIAK, Anton. Clinical manifestations andcomplications of pulmonary tuberculosis. UPTODATE, 2021. • RILEY, Lee W. Tuberculosis: Natural history, microbiology, and pathogenesis. UPTODATE, 2021.
Compartilhar