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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Debater sobre a etiologia, epidemiologia e fatores de risco da tuberculose; *foco na população carcerária 2- Discutir sobre a fisiopatologia e manifestações clínicas da tuberculose; 3- Explicar o diagnóstico e o tratamento da tuberculose. Tuberculose ↠ A tuberculose (TB) é uma doença pulmonar crônica e sistêmica grave (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Afeta principalmente o pulmão (formas pulmonares), mas pode acometer outros órgãos (formas extrapulmonares) (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2021). ↠ É a infecção causada pelo Mycobacterium tuberculosis (bacilo de Koch) e, mais raramente, pelo Mycobacterium bovis (PORTO & PORTO). As micobactérias são bactérias aeróbias, com forma de bastonetes finos, que não formam esporos. Esses microrganismos são semelhantes às outras bactérias, com exceção de sua cápsula cerosa externa que as torna mais resistentes à destruição; o bacilo da tuberculose pode persistir em lesões necróticas e calcificadas antigas e manter sua capacidade de reiniciar a proliferação (PORTH, 10ª ed.). O revestimento ceroso também possibilita que o microrganismo retenha um corante vermelho, quando a amostra é tratada com ácido por coloração álcool-acidorresistente. Desse modo, as micobactérias são comumente conhecidas como bacilos álcool-acidorresistentes. Embora M. tuberculosis possa infectar quase todos os órgãos do corpo, os pulmões são afetados mais comumente (PORTH, 10ª ed.). Os bacilos da tuberculose são aeróbios estritos, que proliferam em ambientes ricos em oxigênio. Isso explica sua tendência de causar doença dos lobos superiores ou das partes mais altas do lobo inferior do pulmão, onde a ventilação e a concentração de oxigênio são mais altas (PORTH, 10ª ed.). As micobactérias são patógenos primariamente intracelulares, são aeróbios obrigatórios e, na presença de uma resposta imune normal, induzem uma resposta granulomatosa nos tecidos (BROADDUS, 6ª ed.). Transmissão da TB ↠ As fontes de transmissão são os seres humanos com tuberculose ativa, que liberam micobactérias presentes no escarro. A tuberculose orofaríngea e intestinal, contraída através da ingestão do leite contaminado com M. bovis, é rara em países onde o leite é rotineiramente pasteurizado, porém ela ainda é vista em países que possuem vacas leiteiras tuberculosas e leite não pasteurizado (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ↠ Tossir, espirrar e falar produzem gotículas respiratórias. Essas gotículas evaporam e abrigam os microrganismos (núcleos goticulares), que permanecem suspensos no ar e são transportados pelas correntes de ar. Desse modo, viver em condições de aglomeração e ambientes confinados aumenta o risco de disseminação da doença (PORTH, 10ª ed.). Período de transmissibilidade: durante toda a evolução da doença pulmonar, em indivíduos bacilíferos não tratados, e até 2 semanas após o início do tratamento (PORTO & PORTO). Período de incubação: 4 a 12 semanas após infecção surgem lesão pulmonar primária e adenomegalia hilar/mediastinal (primoinfecção tuberculosa). Na maioria das vezes, a primoinfecção é contida, isto é, não se dissemina. Nesse período, torna-se positiva a reação tuberculínica. O bacilo da tuberculose pode disseminar-se por via hematogênica para qualquer órgão, principalmente cérebro, rins, linfonodos e pulmões (PORTO & PORTO). ↠ A transmissão de M. tuberculosis é influenciada por características do caso-fonte, particularmente a carga bacilar, pela proximidade do potencial receptor do organismo à fonte e pela condição do ar ambiental que eles compartilham (BROADDUS, 6ª ed.). ➢ Caso-fonte: Para uma pessoa com tuberculose ser infecciosa, os organismos devem ter acesso ao ar ambiental e ser aerossolizados. De modo geral, isso significa que apenas pacientes com tuberculose pulmonar podem ser considerados como infecciosos. Um segundo fator de caso- fonte a ser considerado na determinação da infecciosidade é o número de organismos contidos nos pulmões. Um terceiro fator importante na determinação da infecciosidade de um caso-fonte é o uso de quimioterapia (fármacos antituberculose). Diferentes cepas apresentam distintas infecciosidades. ➢ Fatores ambientais: estudos de Loudon et al. demonstraram que, sob condições-padrão de temperatura e umidade em ambientes internos, 60% a 71% dos organismos de M. tuberculosis aerossolizados sobreviveram por 3 horas, 48% a 56%, por 6 horas, e 28% a 32%, por 9 horas. Além da taxa natural de morte, os únicos fatores que influenciam a infectividade dos organismos em um núcleo goticular sob circunstâncias comuns são a sua remoção pela ventilação ou filtração e a morte de organismos com a exposição à luz ultravioleta. ➢ Circunstâncias de exposição: Se a exposição é de longa duração e ocorre sob condições que estariam associadas APG 13 – “MEDO DE SER O PRÓXIMO” Tuberculose. Coloração de Ziehl-Neelsen mostra numerosos bacilos álcool-resistentes. 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck a uma alta concentração de núcleos goticulares no ar inalado pelo contato, obviamente existe uma grande probabilidade de transmissão. ➢ Fatores do hospedeiro: Evidências substanciais sugerem que a suscetibilidade à aquisição de infecção por M. tuberculosis é altamente variável. A maioria das descrições obtidas em investigações sobre contato revela que 40% a 60% dos contatos íntimos de um caso-índice tornam-se infectados, como observado pela conversão do teste cutâneo da tuberculina (TCT) ou do ensaio de liberação de interferon (IFN)- γ de negativo para positivo. Embora as variações na intensidade da exposição contribuam para a probabilidade de infecção, as variações na suscetibilidade do hospedeiro também podem contribuir. Epidemiologia da TB ↠ Entre os 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose, encontram-se oito dos dez mais populosos do mundo. (As exceções são os Estados Unidos e o Japão.) O Brasil ocupa a 18ª posição e apresenta o menor coeficiente de incidência e mortalidade estimados (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ↠ Os maiores coeficientes de incidência estão no Rio de Janeiro e no Amazonas, o que não significa que, em outros estados, não existam municípios com incidências maiores, principalmente nas regiões urbanas da capital e no entorno (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ↠ A tuberculose (TB) continua sendo um importante problema de saúde pública mundial. Estima-se que em 2019, no mundo, cerca de 10 milhões de pessoas desenvolveram a TB. E 1,2 milhão morreram devido a doença (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022). ↠ O Brasil continua entre os 30 países de alta carga para TB e para coinfecção TBHIV, sendo portanto, considerado prioritário para o controle da doença no mundo pela Organização de Saúde (OMS) (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022). ↠ De acordo com o Ministério da Saúde, em 2020 foram diagnosticados 66.819 mil casos novos de TB, correspondendo a um coeficiente de incidência de 31,6 casos/100 mil habitantes. Em 2019, ocorreram 4,5 mil óbitos em decorrência da doença, equivalente a um coeficiente de mortalidade de 2,2 por 100 mil habitantes (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022). ↠ Em 2020, na Bahia, foram registrados 3.892 casos novos de tuberculose, correspondendo a um coeficiente de incidência de 23,5 casos/100 mil habitantes. Com média anual de 320 óbitos. Já em 2021 foram diagnosticados 1.395 casos de TB (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022). ↠ No município de Feira de Santana, o segundo maior município do Estado, em 2020 foram notificados 148 casos novos de tuberculose com incidência de 23,88 por 100mil/hab e destes, 97 foram tuberculose pulmonar com confirmação laboratorial e incidência de 15,95 por 100mil/habitantes (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022). No Brasil em 2019 foram diagnosticados 73.864 casos novos, representando um Coeficiente de Incidência de 35 casos novos/por 100.000 hab. Na regional Ilhéus,em 2019 foram diagnosticados 184 casos novos, representando um Coeficiente de Incidência de 61,60/ por 100.000 hab., ou seja, muito mais alto que o valor nacional (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2021). ARTIGO: Incidência da tuberculose na Bahia: o retrato de uma década. (OLIVEIRA et. al., 2020). Durante o período de 2008 a 2018 a taxa de incidência de TB na Bahia foi 43%, sendo o ano de 2009 o mais prevalente durante esta década, com incidência de 50,7%. Os maiores índices foram no sexo masculino com a taxa de incidência total de 61,8 % da população masculina. Quanto à faixa etária foi observada uma tendência em aumentar com o avançar da idade até o início da 3ª idade. A população adulta tem maior probabilidade de ser infectada por tuberculose, sendo a maior prevalência entre 20 a 39 anos com um total de 17,3 %. DADOS DATASUS – 2021 Bahia: 4.842 casos Itabuna: 166 casos Ilhéus 146 casos DADOS DATASUS – 2022 Bahia: 103 casos. Itabuna: 5 casos. Fatores de risco da TB ↠ A infecção pelo M. tuberculosis pode ou não evoluir para doença propriamente dita. A predisposição do indivíduo em desenvolver a doença depende da interação de diversos fatores genéticos e ambientais. Os fatores associados ao adoecimento por TB estão relacionados ao bacilo e ao hospedeiro, além de fatores sociais e ambientais também implicados (LONGHI, 2014). ↠ Diversos fatores de risco associados ao desenvolvimento de TB já foram identificados. Destacamos dentre eles os mais importantes: condição socioeconômica, o uso de drogas, moradores de rua, alcoolismo, tabagismo, história de encarceramento, idade, sexo, comorbidades (infecção HIV/Aids, diabetes mellitus, desnutrição) (LONGHI, 2014). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck IDADE A idade é um fator de risco. Entre as pessoas com infecção tuberculosa, as taxas de casos variam consideravelmente com a idade. As taxas são significativamente aumentadas em bebês e relativamente elevadas em adolescentes e adultos jovens. Os motivos para as variações não são totalmente compreendidos, mas é provável que estejam relacionados às influências dependentes da idade em relação à eficiência da resposta imune (BROADDUS, 6ª ed.). SEXO De acordo com dados da OMS, a prevalência de TB é maior nos pacientes adultos do sexo masculino. Dentro deste contexto, não se pode ignorar outros prováveis fatores mais relacionados ao sexo masculino, e que também interagem na infecção pelo M. tuberculosis como o abuso de álcool e tabaco, uso de drogas e exposição ocupacional a agressores inalantes. Uma provável explicação para esta maior prevalência pode estar relacionada às variações hormonais entre os sexos. Primeiramente pela preferência da TB ao sexo masculino ser evidenciada predominantemente nos adultos em idade reprodutiva. E após, pela demonstração da interferência do sistema imune em resposta aos hormônios sexuais, sendo o estrogênio conhecidamente um indutor de produção de interferon gama, ativação macrofágica e maior produção de células “natural killer” (LONGHI, 2014). Há ainda a variabilidade nutricional e constitucional entre os sexos. A deficiência de ferro pode ser um fator protetor na TB, uma vez que ele é um nutriente primordial para o desenvolvimento da micobactéria. A extrusão do ferro do vacúolo microbiano é relacionada como um mecanismo da resposta imune inata. Uma vez que mulheres em idade fértil de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento têm maior prevalência de deficiência de ferro em relação ao sexo masculino, este seria um provável fator protetor (LONGHI, 2014). CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS As condições de baixo nível socioeconômico tendem a originar situações habitacionais sobrelotadas, o que, por sua vez, com a ocorrência de um caso, propicia um aumento na transmissão do bacilo, resultando numa maior prevalência da infecção tuberculosa, com o respectivo aumento da incidência da doença. A pobreza pode também reduzir o acesso aos serviços de saúde, prolongando o período de transmissibilidade e aumentando o risco de infecção entre os seus contatos (LONGHI, 2014). Diabetes mellitus A DM mal controlada pode levar a múltiplas complicações, incluindo o aumento da suscetibilidade à infecção. O diabetes causa um aumento da suscetibilidade à tuberculose através de vários mecanismos, incluindo hiperglicemia e insulinopenia celular, que têm efeitos indiretos sobre a função de macrófagos e linfócitos. No entanto, a tuberculose pode prejudicar temporariamente a tolerância à glicose, que é um fator de risco para o desenvolvimento de DM. A hiperglicemia transitória pode ocorrer devido à inflamação induzida durante a tuberculose (SILVA et. al., 2018). Tabagismo O papel que a fumaça do cigarro desempenha na patogênese da tuberculose está relacionado à disfunção ciliar, a uma resposta imune reduzida e a defeitos na resposta imune de macrófagos, com ou sem uma diminuição da contagem de CD4, aumentando a suscetibilidade à infecção por Mycobacterium tuberculosis (SILVA et. al., 2018). DROGAS ILÍCITAS Entre os usuários de drogas ilícitas, a infecção por M. tuberculosis e a progressão para a doença ativa são promovidas por vários fatores: o estilo arriscado de vida desses usuários; as condições de habitação superlotadas; a acumulação e o isolamento de pessoas em ambientes fechados para o consumo de drogas ilícitas; a partilha de materiais como cachimbos (SILVA et. al., 2018). INDIVÍDUOS PRIVADOS DE LIBERDADE Os surtos de TB nas prisões são, há muito tempo, conhecidos, mas a aplicação de diretrizes específicas tem sido incompleta e heterogênea em virtude de diversos obstáculos específicos que têm sido levantados. O maior risco de infecção dos presos, a falta de condições estruturais, o estilo de vida da prisão, o impacto da estratificação hierárquica não oficial dos presos, a descontinuação e desarticulação terapêutica entre as instituições de cuidados médicos foram alguns dos problemas encontrados (SILVA et. al., 2019). Dentre os fatores predisponentes de TB nos prisioneiros, o uso de drogas ilícitas injetáveis apareceu com maior frequência, apontado por 50% dos autores como um fator de forte significância estatística. Destaca-se que, tal fato pode estar associado à progressão da infecção latente por tuberculose (ILTB) para a forma ativa da doença, a partir do uso de substâncias injetáveis. Além disto, em pessoas que injetam drogas ocorre o aumento do risco de transmissão do vírus HIV, decorrente do compartilhamento temporário de seringas na prisão, e a infecção, por este vírus é um fator que aumenta o risco de desenvolver TB (SILVA et. al., 2019). O tempo de encarceramento também parece repercutir no aumento da vulnerabilidade à TB entre detentos, visto que alguns estudos apontaram o encarceramento superior a 6 meses como um fator de risco. Outros autores, entretanto, relacionaram que a predisposição à doença aumenta quando há um encarceramento superior a 3 anos, ainda que não haja uma associação estatística significativa. O tempo de encarceramento se encontra associado, desta forma, a um incremento considerável do risco de infeção por TB ativa (SILVA et. al., 2019). A ausência de janelas nas celas e a má-ventilação destas também estão relacionados à causalidade da TB em alguns dos estudos analisados (SILVA et. al., 2019). A infecção pelo vírus HIV é um fator que aumenta a vulnerabilidade do acometimento por TB na população em geral. Em indivíduos privados de liberdade, esta infecção apareceu como um fator de risco ainda mais acentuado. No indivíduo infectado pelo HIV e pelo M. tuberculosis ocorre a aceleração do declínio das funções imunológicas, devido aos patógenos potencializarem-se mutuamente. Ademais, a coinfecção pelo HIV é o fator de risco mais conhecido para a progressão da infecção pelo M. tuberculosis para a forma ativa da TB (SILVA et. al., 2019). Superlotação, pobreza,desnutrição e condição precária dos serviços de saúde nos presídios também constituem fatores relacionados ao aparecimento de TB em presidiários (SILVA et. al., 2019). 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck Fisiopatologia da TB É importante que a infecção pelo M. tuberculosis seja diferenciada da doença ativa. A maioria das infecções é adquirida pela transmissão de pessoa a pessoa de organismos veiculados pelo ar, de um caso ativo para um hospedeiro suscetível. Na maioria das pessoas saudáveis, a tuberculose primária é assintomática, apesar de poder causar febre e derrame pleural. Geralmente, a única evidência da infecção, se alguma permanecer, é um nódulo pulmonar pequenino e fibrocalcificado no local da infecção. Organismos viáveis podem permanecer dormentes por décadas em tais lesões. Se as defesas imunes forem diminuídas, a infecção pode ser reativada, causando uma doença transmissível e potencialmente com risco de morte (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ↠ A infecção pelo M. tuberculosis cursa em etapas, da infecção inicial dos macrófagos até uma resposta subsequente de TH1, com ambas contendo bactérias e causando danos teciduais. Cedo na infecção, o M. tuberculosis se multiplica essencialmente de forma incontrolada dentro dos macrófagos, enquanto mais tarde, na infecção, a resposta celular estimula os macrófagos a controlarem a proliferação da bactéria. Os passos na infecção são os seguintes: (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ENTRADA NOS MACRÓFAGOS ↠ Os macrófagos são as células principais infectadas pelo M. tuberculosis. Os núcleos goticulares inalados descem pela árvore brônquica sem aderir ao epitélio e são depositados nos alvéolos. Pouco depois de entrar nos pulmões, os bacilos são fagocitados pelos macrófagos alveolares, mas resistem à destruição, aparentemente porque os lipídios da parede celular do M. tuberculosis impedem a fusão dos fagossomos e lisossomos (PORTH, 10ª ed.). OBS.: Embora os macrófagos que fagocitam inicialmente o M. tuberculosis não consigam destruí-lo, estas células iniciam uma reação imune celular que, por fim, contém a infecção (PORTH, 10ª ed.). ↠ O M. tuberculosis entra nos macrófagos pela fagocitose mediada por vários receptores expressos no fagócito, incluindo a lectina ligada à manose e o CR3 (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). REPLICAÇÃO NOS MACRÓFAGOS ↠ O M. tuberculosis inibe a maturação do fagossomo e bloqueia a formação do fagolisossoma, permitindo que a bactéria se multiplique de forma descontrolada dentro da vesícula, protegida dos mecanismos microbicidas dos lisossomos. A bactéria bloqueia a formação do fagolisossoma pela inibição dos sinais de Ca2+ e do recrutamento e montagem das proteínas que medeiam a fusão fagossomo-lisossomo (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). OBS.: Portanto, durante o estágio mais precoce da tuberculose primária (<3 semanas) em um indivíduo não sensibilizado, as bactérias proliferam nos macrófagos alveolares pulmonares e nos espaços aéreos, resultando em bacteremia e semeadura de múltiplos locais. Apesar da bacteremia, a maioria das pessoas nesse estágio é assintomática ou possui uma doença branda semelhante à gripe (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Aumento das respostas imunes inata e adaptativa ao M. tuberculosis ➢ A resposta TH1: Cerca de 3 semanas após a infecção, uma resposta T auxiliar 1 (TH1) é montada, a qual ativa os macrófagos, permitindo que eles se tornem bactericidas. A resposta é iniciada pelos antígenos micobacterianos, que entram nos linfonodos de drenagem e são apresentados às células T. A diferenciação das células TH1 depende da IL-12, que é produzida pelas células apresentadoras de antígenos que tiverem encontrado a micobactéria. A estimulação do TLR2 pelos ligantes micobacterianos promove a produção de IL-12 pelas células dendríticas (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ➢ Ativação dos macrófagos mediada por TH1 e morte das bactérias. As células TH1, em ambos os linfonodos e os pulmões, produzem IFN-γ. O IFN-γ é o mediador crítico que permite que os macrófagos controlem a infecção pelo M. tuberculosis. Primeiro, o IFN-γ estimula a maturação do fagolisossoma nos macrófagos infectados, expondo as bactérias a um ambiente A sequência de eventos na tuberculose pulmonar primária, começando com a inalação de organismos de Mycobacterium tuberculosis virulenta e culminando com o desenvolvimento da imunidade mediada por células ao organismo. A, Eventos ocorrendo durante a fase inicial da infecção inicial, antes da ativação da imunidade mediada por células T. B, A iniciação e as consequências da imunidade mediada por células T. O desenvolvimento da resistência ao organismo é acompanhado pelo aparecimento de um teste tuberculínico positivo. γ-IFN, interferon-γ; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; MTB, M. tuberculosis; TNF, fator de necrose tumoral 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck ácido, oxidante e letal. Segundo, o IFN-γ estimula a expressão da óxido nítrico sintetase induzível, que produz óxido nítrico (NO). O NO se combina com outros oxidantes para criar intermediários reativos do nitrogênio, que parecem ser particularmente importantes para matar as micobactérias. Terceiro, o IFN-γ mobiliza os peptídios antimicrobianos (defensinas) contra as bactérias. Finalmente, o IFN-γ estimula a autofagia, um processo que sequestra e então destrói as organelas danificadas e as bactérias intracelulares, como o M. tuberculosis (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Por sua vez, os linfócitos T sensibilizados estimulam os macrófagos a aumentar sua concentração de enzimas líticas e sua capacidade de destruir as micobactérias. Quando são liberadas, essas enzimas líticas também destroem os tecidos do pulmão (PORTH, 10ª ed.). ➢ Inflamação granulomatosa e dano tecidual. Além de estimular os macrófagos a matar a micobactéria, a resposta TH1 orquestra a formação do granulomas e a necrose caseosa. Os macrófagos ativados pelo IFN-γ se diferenciam em “histiócitos epitelioides” que se agregam para formar granulomas; algumas células epitelioides se fundem para formar células gigantes. Em muitas pessoas essa resposta para a infecção acontece antes que uma destruição tecidual significativa ou doença ocorram. Em outras pessoas, a infecção progride devido à idade avançada ou à imunossupressão, e a contínua resposta imune resulta na necrose caseosa. Os macrófagos ativados também secretam TNF e quimiocinas, que promovem o recrutamento de mais monócitos. A importância do TNF é ressaltada pelo fato de que pacientes com artrite reumatoide, que são tratados com antagonistas do TNF, têm um risco aumentado de reativação da tuberculose (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ➢ Papel das outras células imunes. Além da resposta TH1, as células NKT que reconhecem os antígenos lipídicos micobacterianos ligados ao CD1 nas células apresentadoras de antígenos, ou células T que expressam um receptor γδ de células T, também produzem IFN-γ. Entretanto, está claro que as células TH1 possuem um papel central nesse processo, já que defeitos em qualquer um dos passos na geração de uma resposta TH1 resultam na ausência de resistência e progressão da doença (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Suscetibilidade do hospedeiro à doença. Pessoas com deficiências genéticas na via do IL-12 e na via do IFN-γ, incluindo o STAT1, um transdutor de sinal para o IFN-γ, são vulneráveis às infecções micobacterianas graves. Os polimorfismos em um grande número de genes, incluindo o HLA, o IFN-γ, o receptor IFN-γ e o TLR2, foram identificados como associados com a suscetibilidade à tuberculose, porém a contribuição dessas associações para o desenvolvimento da doença ainda está sob investigação (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). OBS.: Nos indivíduos com imunidade celular normal, a resposta imune celular resulta na formação de uma lesão granulomatosa branco- acinzentadabem demarcada conhecida como foco de Ghon, que contém os bacilos da tuberculose, macrófagos modificados e outras células imunes. Em geral, essa lesão está localizada na área subpleural dos segmentos superiores dos lobos inferiores ou nos segmentos inferiores do lobo superior (PORTH, 10ª ed.). RESUMO: A imunidade ao M. tuberculosis é primariamente mediada pelas células TH1, as quais estimulam os macrófagos a matar as bactérias. Essa resposta imune, embora largamente eficaz, ocorre à custa da destruição tecidual. A reativação da infecção ou reexposição aos bacilos em um hospedeiro previamente sensibilizado resulta em uma rápida mobilização de uma reação defensiva, mas também no aumento da necrose tecidual. Já que a imunidade e a resistência das células T estão correlacionadas, assim, então, a perda de imunidade das células T (indicada pela negatividade à tuberculina em um indivíduo previamente positivo para a tuberculina) pode ser um sinal ameaçador de que a resistência ao organismo enfraqueceu (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Manifestações Clínicas da TB ↠ A tuberculose clínica é separada em dois tipos fisiopatológicos importantes: a tuberculose “primária”, que ocorre em hospedeiro não imune, e a tuberculose “secundária”, que ocorre no hospedeiro que é imune ao M. tuberculosis (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). TUBERCULOSE PRIMÁRIA ↠ A tuberculose primária é a forma da doença que se desenvolve em uma pessoa previamente não exposta e, portanto, não sensibilizada. Doença clinicamente Consequências da exposição a um caso-fonte infeccioso de tuberculose dependendo do estado imunológico. A exposição a um paciente com tuberculose infecciosa causa infecção em aproximadamente 30% dos indivíduos expostos. Dos infectados, 3% a 10% desenvolvem tuberculose dentro de 1 ano após a infecção. Depois de 1 ano, um adicional de 3% a 5% desenvolve tuberculose durante o resto de suas vidas. 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck significativa desenvolve-se em cerca de 5% das pessoas primoinfectadas (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ↠ Em uma pequena porcentagem de pacientes recém- infectados, a resposta imune não é eficaz. Esses pacientes desenvolvem tuberculose primária progressiva com destruição continuada dos tecidos pulmonares e disseminação da doença para diversas áreas do pulmão (PORTH, 10ª ed.). ↠ Os indivíduos infectados pelo HIV e outros pacientes com distúrbios da imunidade celular estão mais sujeitos a desenvolver tuberculose progressiva quando são infectados. Nos pacientes com doença progressiva, os sintomas em alguns casos geralmente são insidiosos e inespecíficos, inclusive febre, emagrecimento, fadiga e sudorese noturna. Em alguns casos, os sintomas têm início súbito com febre alta, pleurite e linfadenite. À medida que a doença avança, os microrganismos têm acesso ao escarro e isto contribui para que o paciente infecte outras pessoas (PORTH, 10ª ed.). OBS.: Em casos raros, a tuberculose pode causar erosão de um vaso sanguíneo, resultando em disseminação hematogênica. O termo tuberculose miliar descreve lesões diminutas semelhantes a sementes de painço (milho-miúdo), que resultam desse tipo de disseminação e podem afetar quase todos os órgãos, principalmente encéfalo, meninges, fígado, rins e medula óssea (PORTH, 10ª ed.). TUBERCULOSE SECUNDÁRIA ↠ A tuberculose secundária é o padrão da doença que surge em um hospedeiro previamente sensibilizado. Ela pode seguir logo após a tuberculose primária, porém mais comumente aparece muitos anos após a infecção inicial, usualmente quando a resistência do hospedeiro está enfraquecida. Ela mais comumente deriva da reativação de uma infecção latente, mas também pode resultar de uma reinfecção exógena, no caso de uma redução da imunidade do hospedeiro, ou quando um grande inóculo de bacilos virulentos sobrecarrega o sistema imune do hospedeiro. A reativação é mais comum em áreas de baixa prevalência, enquanto a reinfecção desempenha um importante papel em regiões de alto contágio (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ↠ A tuberculose pulmonar secundária classicamente envolve o ápice dos lobos superiores de um ou ambos os pulmões. Devido à preexistência de hipersensibilidade, os bacilos elicitam uma imediata e marcante resposta tecidual, que tende a isolar o foco de infecção. Como resultado, os linfonodos regionais são menos proeminentemente envolvidos na fase inicial da doença secundária, do que o são na tuberculose primária (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ↠ Por outro lado, cavitação ocorre prontamente na forma secundária. De fato, a cavitação é quase inevitável nas tuberculoses secundárias negligenciadas, e a erosão das cavidades para dentro de uma via aérea é uma importante fonte de infecção porque a pessoa agora tosse escarro que contém bactérias (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Tuberculose miliar. Parênquima pulmonar exibindo múltiplos nódulos granulomatosos, distribuídos difusamente. Tuberculose pulmonar primária, complexo de Ghon. O foco branco-acinzentado do parênquima está sob a pleura na parte inferior do lobo superior. 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Em casos graves, as cavidades podem coalescer rapidamente e aumentar de diâmetro. Derrame pleural e empiema tuberculoso são comuns à medida que a doença avança (PORTH, 10ª ed.). ↠ Pacientes com tuberculose progressiva primária em estágio inicial geralmente têm febre baixa, fadiga e emagrecimento. Inicialmente, a tosse é seca, mas depois se torna produtiva com escarro purulento e com raias de sangue em alguns casos (PORTH, 10ª ed.). ↠ Dispneia e ortopneia ocorrem à medida que a doença avança progride para tuberculose progressiva primária tardia. Com a progressão da doença, o paciente também pode ter sudorese noturna, anemia e estertores à ausculta pulmonar (PORTH, 10ª ed.). Tuberculose extrapulmonar Dentro do panorama atual, as formas extrapulmonares da tuberculose, embora não representem fatores de risco no que diz respeito à transmissão da doença, ganham cada vez mais importância, em virtude do aumento da sua incidência, seja nos países desenvolvidos ou não, fato este estritamente relacionado à epidemia da AIDS (CAPONE et. al., 2006). ↠ Formas extrapulmonares são mais frequentes em crianças e imunodeprimidos (PORTO & PORTO). TUBERCULOSE PLEURAL ↠ A tuberculose pleural é seguramente a forma mais comum de tuberculose extrapulmonar e corresponde à principal causa de derrame pleural em nosso meio. A pleura pode ser atingida pelo bacilo de Koch por via hematogênica, ocorrendo a chamada tuberculização dos folhetos pleurais (CAPONE et. al., 2006). LINFADENITE ↠ A linfadenite é a apresentação mais frequente de tuberculose extrapulmonar, usualmente ocorrendo na região cervical (“escrófula”). Em indivíduos negativos para o HIV, a linfadenite tende a ser unifocal e localizada. Por outro lado, pessoas positivas para o HIV quase sempre têm doença multifocal, sintomas sistêmicos, e tanto Tuberculose cavitária. O ápice do lobo superior esquerdo mostra cavidades tuberculosas cercadas por parênquima pulmonar consolidado e fibrótico que contém pequenos tubérculos. 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck envolvimento pulmonar, como de outro órgão pela tuberculose ativa (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). TUBERCULOSE INTESTINAL ↠ Como mencionado, a tuberculose intestinal contraída através da ingestão de leite contaminado é comum em países onde a tuberculose bovina está presente e o leite não é pasteurizado. Em países onde o leite é pasteurizado, a tuberculose intestinal é mais frequentemente causada pela ingestão de material tossido infectado em pacientes com doença pulmonar avançada. Tipicamente, os organismos colonizam os agregados linfoides da mucosa dos intestinos delgado e grosso, os quais, então, desenvolvem inflamação granulomatosa, que podelevar à ulceração da mucosa suprajacente, particularmente no íleo. A cura cria estenoses (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). TUBERCULOSE MILIAR SISTÊMICA ↠ A tuberculose miliar sistêmica ocorre quando as bactérias se disseminam através do sistema arterial sistêmico. A tuberculose miliar é mais proeminente no fígado, medula óssea, baço, suprarrenais, meninges, rins, tubas uterinas e epidídimos, mas pode envolver qualquer órgão (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). TUBERCULOSE ISOLADA ↠ A tuberculose isolada pode aparecer em qualquer um dos órgãos ou tecidos colonizados hematogenicamente e pode ser a manifestação presente. Órgãos que são comumente envolvidos incluem as meninges (meningite tuberculosa), rins (tuberculose renal), suprarrenais (antigamente uma causa importante da doença de Addison), ossos (osteomielite) e tubas uterinas (salpingite). Quando as vértebras são afetadas, a doença é referida como doença de Pott. Abscessos “frios” paraespinais nesses pacientes podem trilhar ao longo dos planos teciduais e se apresentar como uma massa abdominal ou pélvica (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Diagnóstico da TB ↠ O diagnóstico da doença pulmonar é baseado em parte na história e nos achados físicos e radiográficos de consolidação ou cavitação nos ápices dos pulmões. Basicamente, entretanto, os bacilos da tuberculose devem ser identificados (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). ANAMNESE ↠ A suspeita clínica é indicada principalmente pela presença de sintomas e pelo conhecimento de comorbidades e condições epidemiológicas que aumentam o risco de tuberculose em um determinado paciente (BROADDUS, 6ª ed.). ↠ O sintoma mais relatado na tuberculose pulmonar é a tosse persistente que, em geral, embora nem sempre, é produtora de muco e pode conter sangue (BROADDUS, 6ª ed.). ↠ Os aspectos sistêmicos da tuberculose incluem febre em aproximadamente 35% a 80%, mal-estar e perda de peso; pode ser uma variedade de anormalidades hematológicas, principalmente leucocitose e anemia (BROADDUS, 6ª ed.). EXAME FÍSICO ↠ Na maioria dos casos, os achados físicos não são particularmente úteis. As crepitações podem ser ouvidas na área do envolvimento, juntamente com os sons da respiração brônquica, quando a consolidação pulmonar é próxima da parede torácica (BROADDUS, 6ª ed.). ↠ Os sons de respiração anfórica (como o som baixo do sopro na porção superior de uma garrafa aberta) podem ser indicativos de uma cavidade. Os achados que incluem linfadenopatia, sugestivos de tuberculose extrapulmonar, podem indicar também envolvimento pulmonar concomitante (BROADDUS, 6ª ed.). ASPECTOS RADIOGRÁFICOS ↠ O exame radiológico do tórax é comumente o primeiro estudo diagnóstico realizado, após a história clínica do paciente e o exame físico. Todavia, em condições de recursos limitados, uma radiografia torácica não é necessariamente incluída como parte da avaliação Tuberculose miliar do baço. A superfície de corte mostra numerosos tubérculos branco-acinzentados. 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck de rotina, por causa do custo, complexidade e inespecificidade dos achados (BROADDUS, 6ª ed.). ↠ A tuberculose pulmonar quase sempre causa anormalidades detectadas na radiografia torácica, embora em pacientes com infecção pelo HIV, uma radiografia do tórax possa ser normal em até 11% dos pacientes com culturas positivas no escarro (BROADDUS, 6ª ed.). ↠ Na tuberculose primária, resultante de infecção recente, o processo é geralmente visto como uma opacidade da zona pulmonar média ou inferior, frequentemente associada à adenopatia hilar ipsolateral A atelectasia pode resultar da compressão das vias aéreas pelo aumento dos linfonodos. Se o processo primário persistir além do tempo, quando a imunidade celular específica se desenvolver, as cavidades podem ser formadas (a assim denominada tuberculose primária progressiva) (BROADDUS, 6ª ed.). AVALIAÇÃO BACTERIOLÓGICA ↠ Um diagnóstico definitivo de tuberculose pode ser estabelecido somente pelo isolamento de bacilos tuberculosos na cultura ou pela identificação de sequências de ácidos nucleicos específicos. Quando o pulmão é envolvido, o escarro é o espécime inicial de escolha (BROADDUS, 6ª ed.). ↠ Três coletas matinais de escarro, espontâneo ou induzido por aerossol com soro fisiológico (NaCl a 0,9%). Aspirado gástrico em crianças pequenas (PORTO & PORTO). OBS.: Dependendo das condições clínicas, se o escarro é negativo ou não pode ser obtido, a próxima etapa diagnóstica geralmente é a broncoscopia de fibra óptica com lavagem broncoalveolar e, em alguns casos, a biópsia pulmonar transbrônquica (BROADDUS, 6ª ed.). BACILOSCOPIA: A baciloscopia do escarro é importante para o diagnóstico de tuberculose porque detecta os pacientes bacilíferos, que alimentam a cadeia de transmissão da doença. A pesquisa de BAAR é um método rápido e de baixo custo. Porém, apesar de a sensibilidade da baciloscopia direta em escarro espontâneo chegar a 80% na presença de lesões cavitadas e extensas, em média, essa apresenta sensibilidade de 40-60% e é positiva em apenas 20% dos pacientes com lesão mínima (SILVA et. al., 2021). O volume de escarro deve ser maior que 3 mL, sendo o volume ideal de 5-10 mL (SILVA et. al., 2021). CULTURA: A cultura para micobactérias de material respiratório apresenta sensibilidade em torno de 80% e especificidade de 98%. Nos casos de tuberculose pulmonar com baciloscopia negativa, a cultura aumenta a detecção da doença em 20-40%. A realização de cultura A radiografia frontal torácica em um jovem adulto mostra consolidação no segmento superior do lobo inferior direito associada à linfadenopatia hilar à direita (seta) por causa da infecção primária com Mycobacterium tuberculosis. A linfadenopatia branda paratraqueal à direita (cabeças de seta) também é visível. Tuberculose cavitária. A radiografia frontal do tórax em um paciente com tuberculose mostra cavitação extensa do lobo superior direito. Tuberculose disseminada. A radiografia frontal do tórax em um paciente com tuberculose disseminada mostra inúmeros nódulos pequenos distribuídos randômica e bilateralmente, representando o padrão miliar. 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck em meios sólidos e/ou líquidos é considerada o padrão ouro para o diagnóstico de tuberculose pela OMS. É indicada também na suspeita de tuberculose extrapulmonar (SILVA et. al., 2021). INFECÇÃO LATENTE POR TB O estado do indivíduo infectado pelo M. tuberculosis no período entre o primeiro contato com o bacilo e o desenvolvimento da tuberculose ativa denomina-se infecção latente por tuberculose (ILTB), ou seja, o indivíduo se encontra infectado pelo bacilo da tuberculose, mas sem manifestação da doença ativa (SILVA et. al., 2021). ↠ Até o momento, não existe um exame considerado padrão ouro para o diagnóstico da ILTB, o qual se baseia não somente no resultado de um teste diagnóstico, mas também na exclusão da forma ativa da doença. Os dois métodos atualmente validados e recomendados na prática clínica são a prova tuberculínica e interferon gamma release assay (IGRA, ensaio de liberação de IFN-.). Ambos são métodos imperfeitos e indiretos, ou seja, avaliam a resposta do indivíduo à exposição a antígenos micobacterianos e não a identificação desse antígeno de forma latente no organismo ((SILVA et. al., 2021). ↠ A prova tuberculínica é o teste mais antigo e classicamente utilizado. Seu resultado reflete uma reação de hipersensibilidade do tipo tardia ao antígeno micobacteriano, tendo como ponto de corte padronizado o valor de 5 mm no Brasil (SILVA et. al., 2021). OBS.: O teste da tuberculina positivo significa imunidade mediada por células T aos antígenos micobacterianos, porém não faz distinção entre a infecção e a doença ativa. Reações falso-negativas podem ocorrer em certassituações como infecções virais, sarcoidose, desnutrição, linfoma de Hodgkin, imunossupressão e (notavelmente) doença tuberculosa ativa incontrolável. Reações falso-positivas podem resultar da infecção por micobactérias atípicas ou vacinação prévia com BCG (Bacilo Calmette-Guerin), uma cepa atenuada de M. bovis que é utilizada como vacina em alguns países (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Tratamento da TB ↠ O controle dos fatores associados, a detecção precoce dos pacientes bacilíferos e a rápida instituição da terapêutica são fundamentais para o controle da TB (LONGHI, 2014). ↠ Os objetivos do tratamento são erradicar todos os bacilos da tuberculose do paciente infectado, ao mesmo tempo que se evita o desenvolvimento de resistência significativa aos fármacos. O tratamento da tuberculose em atividade requer o uso de vários fármacos. Tuberculose é uma doença singular, para a qual é necessário quimioterapia por um período relativamente longo (PORTH, 10ª ed.). ↠ Por sua facilidade posológica, o tratamento quase sempre pode ser administrado em regime ambulatorial. Recomenda-se o tratamento observado diretamente (TOD), a fim de assegurar a regularidade no uso dos medicamentos (SALOMÃO, 2017). ↠ As normas brasileiras sugerem que o paciente tenha no mínimo 24 tomadas observadas na fase de ataque e 48 na fase de manutenção. O paciente pode ir ao serviço para receber a medicação ou o profissional do serviço pode ir ao domicílio, sendo a observação realizada por um agente sanitário ou comunitário de saúde (SALOMÃO, 2017). ↠ Dois grupos preenchem os critérios estabelecidos para o tratamento da tuberculose com fármacos específicos: indivíduos com tuberculose em atividade e pacientes que tiveram contato com casos de TB ativa e que estão sujeitos a desenvolver doença ativa (PORTH, 10ª ed.). ↠ A partir de 2009, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) estabeleceu o sistema de tratamento para TB composto por quatro fármacos: rifampicina (R), isoniazida (H), pirazinamida (Z), e etambutol (E) – este, introduzido na fase intensiva de tratamento (dois primeiros meses), após evidência de aumento da resistência primária à isoniazida (de 4,4% para 6,0%) em 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck Inquérito Nacional de Resistência aos Medicamentos Antituberculose (SALOMÃO, 2017). ↠ A apresentação farmacológica desse esquema é em comprimidos de doses fixas combinadas dos quatro fármacos (RHZE), nas seguintes dosagens: R 150 mg + H 75 mg + Z 400 mg + E 275 mg, a ser utilizada na fase intensiva de tratamento. Na fase de manutenção (quatro meses subsequentes), utiliza-se a associação RH em cápsulas ou comprimidos de doses fixas, nas seguintes dosagens: R 300 mg + H 200 mg ou R 150 mg + H 75 mg. Recomenda-se ainda o uso concomitante de piridoxina (50 mg/dia) durante o tratamento, para profilaxia da toxicidade neurológica da isoniazida (SALOMÃO, 2017). ↠ Os medicamentos apresentam diferentes atuações conforme a localização das populações bacterianas. No interior dos macrófagos agem os que melhor se difundem no meio intracelular e atuam em pH ácido, no caso a rifampicina (R), a pirazinamida (Z) e o etambutol (E). Nas lesões fechadas, em que o crescimento bacilar é intermitente, a droga mais efetiva e de maior rapidez de ação é a R, sendo a atuação da isoniazida (H) mais lenta e demorada. Na parede cavitária, as ações da rifampicina, da isoniazida e da estreptomicina (S), que só age em pH neutro, são boas (ROCHA et. al., 2014). FASES DO TRATAMENTO ↠ Para prevenir a falência do tratamento associam-se drogas de alto poder bactericida na fase inicial do tratamento – fase intensiva ou de ataque (ROCHA et. al., 2014). ↠ Consegue-se, assim, reduzir rápida e drasticamente a população bacilar e a proporção de mutantes resistentes, além de se assegurar eliminação de germes com resistência primária. O prolongamento da terapia – fase de manutenção – tem como objetivo a eliminação dos germes persistentes e a prevenção de recidivas (ROCHA et. al., 2014). MECANISMO DE AÇÃO DOS MEDICAMENTOS ANTITUBERCULOSE ↠ Os medicamentos antituberculose agem sobre o BK interferindo em seu sistema enzimático ou bloqueando a síntese proteica. A interferência no metabolismo bacteriano pode se dar em diferentes níveis (ROCHA et. al., 2014). ➢ A rifampicina (R): bloqueia a RNA-transferase, no momento da replicação do DNA, quando este informa, através do RNA-mensageiro, o modelo de construção proteica para o ribossoma. ➢ A isoniazida (H): interfere na formação do ácido gama-aminobutírico (Gaba), no ciclo de Kroebs, durante a construção das proteínas, seja na formação do DNA ou na do RNA. ➢ A estreptomicina (S) e outros aminoglicosídeos: agem no setor 30S dos ribossomas, alterando a formação de proteínas da parede celular. ➢ Os quinolônicos: atuam no DNA, bloqueando a DNA-girase, responsável pelo enrolamento das cadeias nas fases iniciais da divisão. OBS.: Idealmente, o esquema medicamentoso deve ser composto por fármacos que atuem em diferentes momentos do metabolismo bacteriano, aumentando a chance de destruir os bacilos (ROCHA et. al., 2014). RITMO CIRCADIANO, MULTIPLICAÇÃO BACILAR E AÇÃO DOS MEDICAMENTOS O metabolismo bacilar é influenciado pela cortisona. O nível do cortisol plasmático do corpo humano varia durante o ritmo circadiano do metabolismo. Nos indivíduos de hábitos diurnos, ele começa a subir em torno das 6 ou 7 horas da manhã, alcançando sua plenitude em torno de 11 e 12 horas e caindo aos mais baixos níveis pela madrugada. Assim, é bastante provável que, em sua evolução natural, o bacilo sofra influências deste ritmo de produção hormonal, tal como ocorre em outras doenças, alcançando o seu melhor metabolismo após o meio- dia. Na tuberculose, os medicamentos atuam tanto por nível, ou seja, mantendo um nível sérico constante, como principalmente por pico, 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck no momento do ponto máximo de sua concentração (ROCHA et. al., 2014). O desejável é que se alcance o pico de concentração dos medicamentos no momento de maior intensidade metabólica dos bacilos, quando são mais suscetíveis à ação dos medicamentos. Isso se obtém administrando-os nas primeiras horas da manhã, considerando que seus níveis sanguíneos máximos se estabelecem entre 2 e 4 horas. A biodisponibilidade está relacionada à concentração sérica do metabólito ativo dos medicamentos capaz de atuar sobre os bacilos, podendo ser definida pela Concentração Mínima Inibitória (MIC) ou pela Concentração Mínima Bactericida (MBC). A segurança do medicamento se estabelece pela relação entre a dose usual e a dose tóxica. As de melhor biodisponibilidade e as mais seguras são a R e a H. Com exceção da S, praticamente todos os medicamentos empregados na tuberculose são metabolizados no fígado, porém variam quanto à excreção. A R, a H e a Z têm maior excreção hepática e menor excreção renal. Já a S é de exclusiva excreção renal e o E é quase totalmente excretado pelos rins (ROCHA et. al., 2014). Esse conhecimento tem importância frente ao aparecimento de efeitos colaterais ou em determinadas situações, como no caso de hepatopatas ou nefropatas. Acresce ainda que estudos de farmacocinética da rifampicina revelaram que sua absorção diminui substantivamente com a ingestão concomitante de alimentos e se altera com o uso de antiácidos, levando à menor concentração sérica. Por essa razão a recomendação universal é que ela seja tomada sempre em jejum, em qualquer regime ou esquema de tratamento (ROCHA et. al., 2014). RESISTÊNCIA ↠ O M. tuberculosis apresenta uma frequência variável de mutantes naturalmente resistentes às drogas, de acordo com cada uma delas. São extremamente raros para a rifampicina (1 em cada 10 milhões), menos raros para o etambutol, a isoniazida e a estreptomicina(1 em cada 100 ou 10 mil) e mais frequentes para a etionamida (Et) e a pirazinamida (Z) (1 em cada mil) . Esta resistência natural aos medicamentos se deve a mutações genéticas e que existem previamente à exposição aos mesmos (ROCHA et. al., 2014). ↠ Tratamentos inadequados, tomadas irregulares, interrupção antes do prazo recomendado (abandono) ou com doses abaixo das indicadas favorecem a seleção de cepas resistentes aos medicamentos, constituindo a chamada resistência adquirida (ROCHA et. al., 2014). ↠ Bacilos resistentes, além de exigirem medicamentos diferentes dos anteriormente utilizados, podem ser transmitidos para outros indivíduos que, mesmo sem qualquer tratamento prévio, já apresentarão cepas resistentes, ou seja, com resistência primária (ROCHA et. al., 2014). ↠ De acordo com o padrão de resistência do bacilo da tuberculose identificado pelo teste de sensibilidade, classificam-se as resistências em: (ROCHA et. al., 2014). ➢ Monorresistência: resistência a um fármaco anti- TB. ➢ Polirresistência: resistência a dois ou mais fármacos antituberculose, exceto à associação rifampicina e isoniazida. ➢ Multirresistência: resistência a, pelo menos, rifampicina e isoniazida – MDR. ➢ Resistência extensiva (XDR – do inglês, extensively drug resistant): resistência a rifampicina e isoniazida acrescida à resistência a uma fluoroquinolona e a um injetável de segunda linha (amicacina, canamicina ou capreomicina). 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck ESQUEMA PROFILÁTICO O esquema profilático é usado para indivíduos infectados por M. tuberculosis, mas que não desenvolveram doença ativa. Essa população inclui os seguintes pacientes: (PORTH, 10ª ed.). ➢ Indivíduos com resultado positiva na intradermorreação com tuberculina que tiveram contato direto com casos de tuberculose em atividade. ➢ Indivíduos que tiveram conversão (negativo para positivo) do resultado da intradermorreação com tuberculina nos últimos 2 anos. ➢ Indivíduos com história pregressa de TB não tratada ou tratada inadequadamente. ➢ Indivíduos com radiografias de tórax mostrando sinais de TB, mas que não têm indícios bacteriológicos de doença em atividade. ➢ Indivíduos com fatores de risco especiais, inclusive silicose, diabetes melito, tratamento prolongado com corticoide, tratamento imunossupressor, doença renal terminal, desnutrição crônica de qualquer causa ou neoplasias malignas hematológicas ou reticuloendoteliais. ➢ Indivíduos com teste positivo para HIV ou AIDS. ➢ Indivíduos de 35 anos ou mais com reação positiva de tempo indeterminado (estas pessoas são consideradas portadoras de quantidades reduzidas de microrganismos e, em geral, são tratadas com isoniazida [INH]). Prevenção da TB ↠ A vacina BCG reduz o risco das manifestações graves da primoinfecção, como as disseminações hematogênicas e a meningoencefalite, mas não evita a infecção por M. tuberculosis. Ela confere imunidade por 10 a 15 anos, mas não protege os indivíduos já infectados. Por isso, nos países com elevada prevalência de infecção como o nosso, a vacina deve ser aplicada o mais cedo possível; idealmente, após o nascimento. Sua aplicação está indicada o mais precocemente possível, nas crianças HIV positivas assintomáticas e em filhos de mães HIV positivas, sendo contraindicada nos indivíduos HIV positivos (ROCHA et. al., 2014). ↠ No Brasil, a vacina BCG é prioritariamente indicada para as crianças de 0 a 4 anos de idade, sendo obrigatória para menores de 1 ano (ROCHA et. al., 2014). ↠ A aplicação da vacina é intradérmica, no braço direito, na altura da inserção inferior do músculo deltoide, em caso de primovacinação. Essa localização permite a fácil verificação da existência de cicatriz, para efeito de avaliação do programa, e limita as reações ganglionares à região axilar (ROCHA et. al., 2014). Referências PORTO, Celmo C.; PORTO, Arnaldo L. Clínica Médica na Prática Diária. Grupo GEN, 2015. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul; ASTER, Jon. Robbins & Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças, 9ª edição. Grupo GEN, 2016. NORRIS, Tommie L. Porth – Fisiopatologia, 10ª edição. Grupo GEN, 2021. BROADDUS, V. Courtney. Murray & Nadel Tratado de Medicina Respiratória, 6ª edição. Grupo GEN, 2017. SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA. Núcleo de Saúde Sul – Ilhéus. Boletim Epidemiológico de Tuberculose, v. 1, ed. 1, 2021. SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA. Boletim Epidemiológico de Tuberculose, ed. 1, 2022. OLIVEIRA et. al. Incidência da tuberculose na Bahia: o retrato de uma década. Revista integrativa em inovação tecnológica nas ciências da saúde, 2020. SILVA et. al. 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