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Uma translocação recíproca demonstrada por coloração de cromossomos. Uma suspensão de cromossomos de muitas células passa por um dispositivo eletrônico que classifica os cromossomos por tamanho. O DNA é extraído de cromossomos individuais, desnaturado, ligado a um de diversos corantes fluorescentes, e em seguida adicionado a cromossomos parcialmente desnaturados em uma lâmina. O DNA fluorescente “encontra” o seu próprio cromossomo e se liga ao longo de seu comprimento por meio da complementaridade de bases, “pintando-o”. Neste exemplo, foram utilizados um corante vermelho e um verde para pintar cromossomos diferentes. A figura demonstra preparações não coloridas (acima) e coloridas (abaixo). A preparação colorida demonstra um cromossomo verde normal, um vermelho normal e dois que apresentam segmentos trocados. (Addenbrookes Hospital/Science Source.) TÓPICOS 17.1 17.2 17.3 • • • • • • • • • • • U Alterações no número de cromossomos Alterações na estrutura dos cromossomos Incidência geral de mutações cromossômicas humanas RESULTADOS DE APRENDIZAGEM Após ler este capítulo, você será capaz de: Distinguir entre os principais tipos de mutações cromossômicas no nível citológico Deduzir as configurações de pareamento meiótico em relação a todas as principais mutações cromossômicas Prever as razões da progênie de heterozigotos autopoliploides específicos em relação ao um ou mais genes* Desenhar cruzamentos para sintetizar um alotetraploide Prever o desfecho da não disjunção meiótica na primeira e na segunda divisões* Identificar um aneuploide com a utilização de critérios genéticos* Prever as razões na progênie de aneuploides específicos* Distinguir entre os principais tipos aneuploides humanos Na análise da progênie, diagnosticar a presença de um dos principais tipos de rearranjos cromossômicos (translocações, inversões, deleções, duplicações)* Em um cruzamento envolvendo um rearranjo específico conhecido, prever a herança de genes ligados e não ligados ao rearranjo* Prever os padrões de expressão de genes possivelmente afetados pela variegação por efeito de posição. __________________ *No caso de mutações cromossômicas, a análise da progênies envolve a análise de padrões de um ou mais dos seguintes: esterilidade, letalidade e proporções fenotípicas dos genes heterozigotos nos cruzamentos. m casal jovem está planejando ter filhos. O marido sabe que sua avó teve um filho com síndrome de Down em um segundo casamento. A síndrome de Down é um conjunto de distúrbios físicos e mentais causado pela presença de um cromossomo 21 extra (Figura 17.1). Não se dispõe do nascimento, que ocorreu no início do século 20, mas o casal não conhece outros casos de síndrome de Down em suas famílias. O casal ouviu dizer que a síndrome de Down resulta de um raro erro ao acaso na produção do zigoto e, portanto, acredita que apresenta apenas uma chance baixa de ter uma criança com a doença. Eles decidem ter filhos. Seu primeiro filho não é afetado, mas a próxima concepção resulta em aborto espontâneo e seu segundo filho nasce com síndrome de Down. O fato de terem um filho com síndrome de Down é uma coincidência ou uma conexão entre a constituição genética do pai da criança e a de sua avó levou ambos a terem filhos com síndrome de Down? O aborto espontâneo tem alguma relação? Quais testes podem ser necessários para investigar essa situação? A análise de tais questões é o tópico deste capítulo. Verificamos em todo este livro que as mutações gênicas são uma fonte importante de alterações na sequência genômica. Entretanto, o genoma também pode ser remodelado em maior escala por meio de alterações na estrutura cromossômica, ou por meio de alterações no número de cópias dos cromossomos em uma célula. Essas variações em grande escala são denominadas mutações cromossômicas, para que sejam distinguidas das mutações gênicas. Em termos mais amplos, as mutações gênicas são definidas como alterações que ocorrem dentro de um gene, enquanto as mutações cromossômicas são alterações em uma região do cromossomo que engloba múltiplos genes. As mutações gênicas nunca são detectáveis microscopicamente; um cromossomo que contém uma mutação gênica, ao microscópio, aparenta ser igual a um que carreia o alelo do tipo selvagem. Contrariamente, muitas mutações cromossômicas podem ser detectadas por microscopia, por análise genética ou molecular, ou por uma combinação de todas as técnicas. As mutações cromossômicas foram mais bem-caracterizadas em eucariotos e todos os exemplos neste capítulo são desse grupo. FIGURA 17.1 A síndrome de Down resulta de uma cópia extra do cromossomo 21. (Terry Harris/Rex Features/Associated Press.) As mutações cromossômicas são importantes a partir de diversas perspectivas biológicas. Primeiramente, elas podem ser fontes de percepção sobre o modo como os genes atuam em conjunto em uma escala genômica. Em segundo lugar, elas revelam diversas características importantes da meiose e da arquitetura cromossômica. Em terceiro lugar, elas constituem ferramentas úteis para a manipulação 17.1 genômica experimental. Em quarto lugar, elas são fontes de percepção a respeito dos processos evolutivos. Em quinto lugar, as mutações cromossômicas são observadas regularmente em seres humanos e algumas dessas mutações causam doenças genéticas. Muitas mutações cromossômicas causam anormalidades na célula e na função do organismo. A maior parte dessas anormalidades tem origem em alterações no número ou na posição dos genes. Em alguns casos, uma mutação cromossômica resulta da quebra do cromossomo. Se a quebra ocorre dentro de um gene, o resultado é a ruptura funcional daquele gene. Para os nossos objetivos, dividiremos as mutações cromossômicas em dois grupos: alterações no número de cromossomos e alterações na estrutura cromossômica. Esses dois grupos representam dois tipos de eventos fundamentalmente diferentes. As alterações no número de cromossomos não estão associadas a alterações estruturais de quaisquer das moléculas de DNA da célula. Em vez disso, é o número dessas moléculas de DNA que está alterado e essa alteração no número é a base dos seus efeitos genéticos. As alterações na estrutura cromossômica, por outro lado, resultam em novos arranjos de sequência em uma ou mais duplas-hélices de DNA. Esses dois tipos de mutações cromossômicas estão ilustrados na Figura 17.2, que é um resumo dos tópicos deste capítulo. Iniciamos explorando a natureza e as consequências das alterações no número de cromossomos. Alterações no número de cromossomos Na genética como um todo, poucos tópicos afetam as questões humanas tão diretamente quanto as alterações no número de cromossomos presentes em nossas células. Em primeiro lugar está o fato de que um grupo de distúrbios genéticos comuns resulta da presença de um número anormal de cromossomos. Embora esse grupo de distúrbios seja pequeno, ele é responsável por uma grande proporção dos problemas de saúde geneticamente determinados que afetam os seres humanos. Também de relevância para os seres humanos é o papel das mutações cromossômicas na agricultura: cultivadores de plantas manipularam rotineiramente o número de cromossomos para melhorar os cultivos agrícolas comercialmente importantes. FIGURA 17.2 A ilustração está dividida em três regiões coloridas para ilustrar os principais tipos de mutações cromossômicas que podem ocorrer: a perda, o ganho ou a realocação de cromossomos inteiros ou de segmentos cromossômicos. O cromossomo do tipo selvagem está demonstrado ao centro. As alterações no número de cromossomos são de dois tipos básicos: alterações em conjuntos completos de cromossomos, que resultam em uma condição denominadaeuploidia aberrante e alterações em partes dos conjuntos de cromossomos, que resultam em uma condição denominada aneuploidia. Euploidia aberrante Os organismos com múltiplos do conjunto cromossômico básico (genoma) são denominados euploides. Você aprendeu, nos capítulos anteriores, que eucariotos conhecidos, tais como plantas, animais e fungos, carreiam em suas células um conjunto de cromossomos (haploidia), ou dois conjuntos de cromossomos (diploidia). Nessas espécies, tanto o estado haploide quanto o diploide são casos de euploidia normal. Os organismos que apresentam mais ou menos do que o número normal do conjunto cromossômico são euploides aberrantes. Os poliploides são organismos que apresentam mais de dois conjuntos de cromossomos. Eles podem ser representados por 3n (triploide), 4n (tetraploide), 5n (pentaploide), 6n (hexaploide) e assim por diante. (O número de conjuntos de cromossomos é denominado ploidia ou nível de ploidia.) Um membro de uma espécie normalmente diploide que apresenta apenas um conjunto de cromossomos (n) é denominado monoploide, para que seja distinguido de um membro de uma espécie normalmente haploide (também n). Exemplos dessas condições estão demonstrados nas quatro primeiras linhas da Tabela 17.1. Monoploides. Machos de abelhas, vespas e formigas são monoploides. Nos ciclos de vida normais desses insetos, os machos se desenvolvem por meio de partenogênese (o desenvolvimento de um tipo especializado de ovo não fertilizado em um embrião sem a necessidade de fertilização). Entretanto, na maior parte das outras espécies, zigotos monoploides falham em se desenvolver. O motivo é que praticamente todos os membros de uma espécie diploide carreiam um número de mutações recessivas deletérias, denominadas em conjunto carga genética. Os alelos recessivos deletérios são mascarados por alelos do tipo selvagem na condição diploide, mas são automaticamente expressos em um monoploide derivado de um diploide. Os monoploides que chegam a se desenvolver até os estágios avançados são anormais. Se eles sobrevivem até a fase adulta, suas células germinativas não conseguem entrar em meiose normalmente, tendo em vista que os cromossomos não apresentam parceiros de pareamento. Portanto, os monoploides são caracteristicamente estéreis. (Nos machos de abelhas, vespas e formigas, não há meiose; nesses grupos, os gametas são produzidos por mitose.) Tabela 17.1 Constituições cromossômicas em um organismo normalmente diploide com três cromossomos (identificados como A, B e C) no conjunto básico. Nome Designação Constituição Número de cromossomos Euploides Monoploide n A B C 3 Diploide 2n AA BB CC 6 Triploide 3n AAA BBB CCC 9 Tetraploide 4n AAAA BBBB CCCC 12 Aneuploides Monossômico 2n — 1 A BB CC 5 AA B CC 5 AA BB C 5 Trissômico 2n + 1 AAA BB CC 7 AA BBB CC 7 AA BB CCC 7 Poliploides. A poliploidia é muito comum em plantas, porém é mais rara em animais (por motivos que consideraremos posteriormente). De fato, um aumento no número de conjuntos cromossômicos tem sido um fator importante na origem de novas espécies de plantas. A evidência desse benefício é que, acima de um número haploide de aproximadamente 12, números pares de cromossomos são muito mais comuns do que números ímpares. Esse padrão é uma consequência da origem poliploide de muitas espécies de plantas, tendo em vista que a duplicação e a reduplicação de um número podem dar origem apenas a números pares. Espécies de animais não demonstram tal distribuição, em virtude da relativa raridade de animais poliploides. Em euploides aberrantes, com frequência existe uma correlação entre o número de cópias do conjunto cromossômico e o tamanho do organismo. Um organismo tetraploide, por exemplo, tipicamente aparenta ser muito semelhante ao seu correspondente diploide em suas proporções, a não ser pelo fato de que o tetraploide é maior, no todo e em suas partes componentes. Quanto mais alto o nível de ploidia, maior o tamanho do organismo (Figura 17.3). CONCEITO-CHAVE Poliploides com frequência são maiores e apresentam partes componentes maiores do que os seus correlatos diploides. No âmbito dos poliploides, devemos distinguir entre os autopoliploides, que apresentam múltiplos conjuntos cromossômicos que se originam dentro de uma espécie, e os alopoliploides, que apresentam conjuntos de duas ou mais espécies diferentes. Os alopoliploides são formados apenas entre espécies relacionadas de modo próximo; entretanto, os diferentes conjuntos cromossômicos são apenas homeólogos (parcialmente homólogos), não totalmente homólogos como são em autopoliploides. Autopoliploides. Os triploides (3n) normalmente são autopoliploides. Eles surgem espontaneamente na natureza, mas podem ser obtidos por geneticistas a partir do cruzamento de um 4n (tetraploide) com um 2n (diploide). Os gametas 2n e n produzidos pelo tetraploide e pelo diploide, respectivamente, unem-se para formar um triploide 3n. Os triploides são caracteristicamente estéreis. O problema (que também é verdadeiro em relação aos monoploides) está na presença de cromossomos não pareados na meiose. Os mecanismos moleculares para a sinapse, ou pareamento verdadeiro, ditam que, em um triploide, o pareamento pode ocorrer apenas entre dois dos três cromossomos de cada tipo (Figura 17.4). Os homólogos pareados (bivalentes) segregam-se para polos opostos, mas os homólogos não pareados (univalentes) passam para qualquer polo aleatoriamente. Em um trivalente, um grupo pareado de três, os centrômeros pareados segregam-se como um bivalente e o não pareado, como um univalente. Essas segregações ocorrem em relação a cada trio cromossômico; assim, em relação a qualquer tipo cromossômico, o gameta pode receber um ou dois cromossomos. É improvável que um gameta receba dois de cada tipo cromossômico, ou que receba um de cada tipo cromossômico. Portanto, a probabilidade é de que os gametas apresentem números de cromossomos intermediários entre o número haploide e o diploide; tais genomas são de um tipo denominado aneuploide (“não euploide”). FIGURA 17.3 Células epidérmicas de folhas de plantas do tabaco com ploidia crescente. O tamanho da célula aumenta com o aumento da ploidia, o que é particularmente evidente no tamanho do estoma. A. Diploide. B. Tetraploide. C. Octoploide. Os gametas aneuploides em geral não dão origem a descendência viável. Em plantas, os grãos de pólen aneuploides em geral são inviáveis e, portanto, incapazes de fertilizar o gameta feminino. Em qualquer organismo, os zigotos que podem ter origem a partir da fusão de um gameta haploide e um aneuploide serão, eles próprios, aneuploides e tipicamente esses zigotos também são inviáveis. Examinaremos o motivo subjacente à inviabilidade dos aneuploides quando considerarmos o balanço gênico posteriormente no capítulo. FIGURA 17.4 Os três cromossomos homólogos de um triploide podem parear de dois modos na meiose, como um trivalente ou como um bivalente mais um univalente. CONCEITO-CHAVE Os poliploides com números ímpares de conjuntos cromossômicos, tais como os triploides, são estéreis ou altamente inférteis, porque seus gametas e sua descendência são aneuploides. Os autotetraploides têm origem a partir da duplicação de um complemento 2n para 4n. Essa duplicação pode ocorrer espontaneamente, mas também pode ser induzida artificialmente por meio da aplicação de agentes químicos que interrompem a polimerização dos microtúbulos. Conforme declarado no Capítulo 2, a segregação cromossômica é movida pelas fibras do fuso, que são polímeros da proteína tubulina. Portanto, a interrupção da polimerização dos microtúbulos bloqueia a segregação dos cromossomos. O tratamento químico normalmenteé aplicado ao tecido somático durante a formação das fibras do fuso em células que estão sofrendo divisão. O tecido poliploide resultante (tal como um ramo poliploide de uma planta) pode ser detectado por meio do exame dos cromossomos corados do tecido ao microscópio. Tal ramo pode ser removido e utilizado como uma muda para gerar uma planta poliploide, ou deixar que produza flores, as quais, quando autofecundadas, produzirão descendência poliploide. Um agente antitubulina comumente utilizado é a colchicina, um alcaloide extraído do açafrão-do-prado. Em células tratadas com colchicina, a fase S do ciclo celular ocorre, mas não há segregação dos cromossomos ou divisão celular. Na medida em que a célula tratada entra na telófase, ocorre a formação de uma membrana nuclear ao redor do conjunto inteiro de cromossomos duplicados. Portanto, o tratamento de células diploides (2n) com a colchicina durante um ciclo celular leva à formação de tetraploides (4n) com exatamente quatro cópias de cada tipo de cromossomo (Figura 17.5). O tratamento durante um ciclo celular adicional produz octoploides (8n) e assim por diante. Esse método funciona com células de plantas e de animais, mas em geral as plantas aparentam ser muito mais tolerantes à poliploidia. Observe que todos os alelos no genótipo são duplicados. Portanto, se uma célula diploide de genótipo A/a; B/b for duplicada, o autotetraploide resultante será de genótipo A/A/a/a; B/B/b/b. FIGURA 17.5 A colchicina pode ser aplicada para gerar um tetraploide a partir de um diploide. A colchicina adicionada às células mitóticas durante a metáfase e a anáfase interrompe a formação das fibras do fuso, impedindo a migração das cromátides após a divisão do centrômero. É criada uma única célula, que contém pares de cromossomos idênticos que são homozigotos em todos os loci. Em virtude de quatro ser um número par, os autotetraploides podem apresentar uma meiose regular, embora esse resultado nem sempre ocorra. O fator crucial é o modo como os quatro cromossomos de cada par segregam-se. Existem diversas possibilidades, conforme demonstrado na Figura 17.6. Se os cromossomos parearem como bivalentes ou quadrivalentes, segregam-se normalmente, produzindo gametas diploides. A fusão dos gametas na fertilização regenera o estado tetraploide. Se trivalentes são formados, a segregação leva a gametas aneuploides não funcionais e, portanto, à esterilidade. Quais razões genéticas são produzidas por um autotetraploide? Presuma, para simplificar, que o tetraploide forma apenas bivalentes. Se iniciarmos com uma planta tetraploide A/A/a/a e a autofecundarmos, qual proporção da progênie será a/a/a/a? Primeiramente, precisamos deduzir a frequência de gametas a/a em virtude de esse tipo ser o único que pode produzir um homozigoto recessivo. Os gametas a/a apenas podem surgir se ambos os pareamentos forem de A com a e, então, ambos os alelos a devem segregar para o mesmo polo. Utilizaremos o experimento hipotético a seguir para calcular as frequências dos possíveis desfechos. Considere as opções a partir do ponto de vista de um dos cromossomos a diante das opções de pareamento com o outro cromossomo a, ou com um dos dois cromossomos A; se o pareamento for aleatório, existe uma chance de dois terços de que ele irá parear com um cromossomo A. Se ele parear, então o pareamento dos dois cromossomos remanescentes necessariamente será de A com a, tendo em vista que aqueles são os únicos cromossomos remanescentes. Com esses dois pareamentos de A com a, existem duas segregações igualmente prováveis e, em geral, um quarto dos produtos conterá ambos os alelos a em um polo. Portanto, a probabilidade de um gameta a/a será 2/3 × 1/4 = 1/6. Portanto, se os gametas parearem aleatoriamente, a probabilidade de um zigoto a/a/a/a será de 1/6 × 1/6 = 1/36 e, por subtração, a probabilidade de A/—/—/— será de 35/36. Portanto, é esperada uma razão fenotípica de 35:1. CONCEITO-CHAVE Se poliploides sofrerem ordenadamente pareamento meiótico de dois centrômeros, podem resultar razões fenotípicas não mendelianas padrão. Alopoliploides. Um alopoliploide é uma planta híbrida de duas ou mais espécies, contendo duas ou mais cópias de cada genoma incluído. O alopoliploide modelo foi um alotetraploide sintetizado por Georgi Karpechenko em 1928. Ele desejava produzir um híbrido fértil que apresentasse as folhas do repolho (Brassica) e as raízes do rabanete (Raphanus), tendo em vista que elas eram as partes importantes de cada planta em termos agrícolas. Cada uma dessas duas espécies apresenta 18 cromossomos e, assim, 2n1 = 2n2 = 18 e n1 = n2 = 9. As espécies são relacionadas de modo próximo o suficiente para possibilitar o cruzamento. A fusão de um gameta n1 e um n2 produziu um indivíduo de progênie híbrida viável, de constituição n1 + n2 = 18. Entretanto, esse híbrido era funcionalmente estéril, tendo em vista que os 9 cromossomos do genitor repolho eram suficientemente diferentes dos cromossomos do rabanete, de modo que os pares não realizavam sinapse, nem se segregavam normalmente na meiose e, portanto, o híbrido não poderia produzir gametas funcionais. FIGURA 17.6 Existem três possibilidades de pareamento diferentes na meiose em tetraploides. Os quatro cromossomos homólogos podem parear-se como dois bivalentes ou como um quadrivalente, e cada um pode produzir gametas funcionais. Uma terceira possibilidade, um trivalente mais um univalente, produz gametas não funcionais. Finalmente, uma parte da planta híbrida produziu algumas sementes. Após o plantio, essas sementes produziram indivíduos férteis com 36 cromossomos. Todos esses indivíduos eram alopoliploides. Aparentemente eles derivaram da duplicação cromossômica acidental espontânea para 2n1 + 2n2 em uma região do híbrido estéril, presumivelmente no tecido que finalmente se tornou uma flor e sofreu meiose para produzir gametas. No tecido 2n1 + 2n2, existe um parceiro de pareamento para cada cromossomo e são produzidos gametas funcionais do tipo n1 + n2. Esses gametas se fundem para produzir progênie alopoliploide 2n1 + 2n2, que também é fértil. Esse tipo de alopoliploide por vezes é denominado anfidiploide, ou diploide duplo (Figura 17.7). O tratamento de um híbrido estéril com colchicina aumenta muito as chances de que os conjuntos cromossômicos sejam duplicados. Os anfidiploides atualmente são sintetizados de modo rotineiro dessa maneira. (Infelizmente para Karpechenko, seu anfidiploide apresentava as raízes de um repolho e as folhas de um rabanete.) Quando o alopoliploide de Karpechenko foi cruzado com cada espécie parental — o repolho ou o rabanete — resultaram descendentes estéreis. A descendência do cruzamento com o repolho foi 2n1 + n2, constituída a partir de um gameta n1 + n2 do alopoliploide e um gameta n1 do repolho. Os cromossomos n2 não apresentavam parceiros de pareamento; portanto, não poderia ocorrer uma meiose normal e a descendência era estéril. Assim, Karpechenko havia efetivamente criado uma nova espécie, sem possibilidade de troca gênica com o repolho ou com o rabanete. Ele denominou essa nova planta Raphanobrassica. Na natureza, a alopoliploidia aparenta ter sido uma importante força na evolução de novas espécies de plantas. Um exemplo convincente é demonstrado pelo gênero Brassica, conforme ilustrado na Figura 17.8. Aqui, três espécies genitoras diferentes hibridizaram em todas as combinações de pares possíveis para formar novas espécies anfidiploides. A poliploidia natural já chegou a ser considerada algo raro, mas trabalhos recentes demonstraram que ela é um evento recorrente em muitas espécies de plantas. A utilização de marcadores de DNA tornou possíveldemonstrar que poliploides em qualquer população ou área que aparentam ser os mesmos são resultantes de muitas fusões anteriores independentes entre indivíduos geneticamente distintos das mesmas duas espécies parentais. Estima-se que 50% de todas as plantas angiospermas sejam poliploides, resultando da autopoliploidia ou da alopoliploidia. Como resultado de múltiplas poliploidizações, a quantidade de variação alélica em uma espécie poliploide é muito mais alta do que se acreditava anteriormente, talvez contribuindo para o seu potencial de adaptação. FIGURA 17.7 Na progênie de um cruzamento de repolho (Brassica) e rabanete (Raphanus), o anfidiploide fértil surgiu a partir da duplicação espontânea no híbrido estéril 2n = 18. Um alopoliploide natural particularmente interessante é o trigo do pão, Triticum aestivum (6n = 42). Ao estudar os seus parentes selvagens, geneticistas reconstruíram um provável histórico evolutivo dessa planta. A Figura 17.9 demonstra que o trigo é composto por dois conjuntos de três genomas ancestrais. Na meiose, o pareamento é sempre entre homólogos do mesmo genoma ancestral. Portanto, na meiose do trigo sempre existem 21 bivalentes. As células da planta alopoliploide também podem ser produzidas artificialmente por meio da fusão de células diploides de espécies diferentes. Primeiramente, as paredes de duas células diploides são removidas por meio do tratamento com uma enzima e as membranas das duas células se fundem e se tornam uma. Com frequência os núcleos também se fundem, resultando no poliploide. Se a célula for nutrida com os hormônios e os nutrientes apropriados, ela se divide para se tornar uma pequena muda de planta alopoliploide, que em seguida pode ser transferida para o solo. CONCEITO-CHAVE Plantas alopoliploides podem ser sintetizadas por meio do cruzamento de espécies correlatas e da duplicação dos cromossomos do híbrido, ou por meio da fusão de células diploides. Aplicações agrícolas. Variações no número de cromossomos têm sido exploradas para criar novas linhagens de plantas com características desejáveis. Seguem alguns exemplos. Monoploides. A diploidia é um incômodo inerente para os agricultores. Quando eles desejam induzir e selecionar novas mutações recessivas que sejam favoráveis para fins agrícolas, as novas mutações não podem ser detectadas, a menos que sejam homozigotas. Os agricultores também podem desejar encontrar novas combinações favoráveis de alelos em diferentes loci, mas tais combinações favoráveis de alelos em heterozigotos serão desfeitas pela recombinação na meiose. Os monoploides proporcionam um modo de contornar alguns desses problemas. Os monoploides podem ser artificialmente derivados dos produtos da meiose nas anteras de uma planta. Uma célula haploide destinada a tornar-se um grão de pólen pode, em vez disso, ser induzida por meio de tratamento a frio (sujeito a baixas temperaturas) para tornar-se um embrioide, uma pequena massa de células monoploides em divisão. O embrioide pode ser cultivado em ágar até a formação de uma muda monoploide, que em seguida pode ser plantada no solo e amadurecer (Figura 17.10). FIGURA 17.8 A alopoliploidia é importante na produção de novas espécies. No exemplo demonstrado, três espécies diploides de Brassica (quadros verde-claros) foram cruzadas em diferentes combinações para produzir seus alopoliploides (quadros bege). Alguns dos derivados agrícolas de algumas das espécies estão demonstrados dentro dos quadros. As plantas monoploides podem ser exploradas de diversos modos. Em uma abordagem, elas são primeiramente examinadas em relação a combinações alélicas favoráveis que tenham surgido a partir da recombinação de alelos já presentes em um genitor diploide heterozigoto. Portanto, a partir de um genitor que é A/a; B/b, pode surgir uma combinação monoploide favorável a; b. Em seguida, o monoploide pode ser submetido à duplicação cromossômica até produzir células diploides homozigotas, a/a; b/b, que conseguem realizar reprodução normal. Outra abordagem é tratar as células monoploides basicamente como uma população de organismos haploides em um procedimento de mutagênese e seleção. Uma população de células monoploides é isolada, suas paredes são removidas por meio de tratamento enzimático e elas são expostas a um mutágeno. Em seguida elas são plaqueadas em um meio seletivo para algum fenótipo desejável. Essa abordagem tem sido utilizada para a seleção em relação à resistência a compostos tóxicos produzidos por um parasita de plantas, bem como para a seleção em relação à resistência a herbicidas que estão sendo utilizados por fazendeiros para matar pragas nas plantações. As mudas resistentes finalmente crescem em plantas monoploides, cujo número cromossômico em seguida pode ser duplicado com a utilização de colchicina, levando a um diploide homozigoto resistente. Essas técnicas poderosas podem contornar o processo normalmente lento do cultivo de plantas com base na meiose. Elas têm sido aplicadas com sucesso em importantes plantações, tais como soja e tabaco. CONCEITO-CHAVE Geneticistas podem criar novas linhagens de plantas por meio da produção de monoploides com genótipos favoráveis e, em seguida, duplicar seus cromossomos até formar diploides homozigotos férteis. FIGURA 17.9 O trigo moderno teve origem a partir de dois casos ancestrais de anfidiploidia, primeiramente por meio de gametas não reduzidos, depois por meio de um intermediário estéril. Autotriploides. As bananas que se encontram disponíveis comercialmente de modo amplo são triploides estéreis com 11 cromossomos em cada conjunto (3n = 33). A expressão mais óbvia da esterilidade das bananas é a ausência de sementes na fruta que ingerimos. (As manchas pretas nas bananas não são sementes; as sementes de banana são muito duras — podem quebrar os dentes.) Melancias sem sementes são outro exemplo da exploração comercial da triploidia em plantas. Autotetraploides. Muitas plantas autotetraploides foram desenvolvidas como cultivos comerciais para se obter uma vantagem de seu tamanho aumentado (Figura 17.11). Frutos e flores grandes são particularmente favorecidos. Alopoliploides. A alopoliploidia (formação de poliploides entre espécies diferentes) foi importante na produção de plantações modernas. O algodão do Novo Mundo é um alopoliploide natural que surgiu espontaneamente, assim como o trigo. Os alopoliploides também são sintetizados artificialmente para combinar as características úteis das espécies parentais em um tipo. Apenas um anfidiploide sintético chegou a ser utilizado comercialmente de modo amplo, um cultivo conhecido como Triticale. Ele é um anfidiploide entre o trigo (Triticum, 6n = 42) e o centeio (Secale, 2n = 14). Portanto, em relação ao Triticale, 2n = 2 × (21 + 7) = 56. Essa nova planta combina a alta produtividade do trigo com a resistência do centeio. FIGURA 17.10 Plantas monoploides podem ser derivadas artificialmente de células destinadas a tornar-se grãos de pólen por meio da exposição das células ao tratamento a frio em cultura de tecido. FIGURA 17.11 Folhas e flores de melancia diploide (esquerda) e tetraploide (direita). (Michael E. Compton, University of Wisconsin — Platteville.) Animais poliploides. Conforme observado anteriormente, a poliploidia é mais comum em plantas do que em animais, mas existem casos de animais poliploides de ocorrência natural. Espécies poliploides de platelmintos, sanguessugas e camarões de água salgada se reproduzem por meio de partenogênese. Drosophilae triploides e tetraploides foram sintetizadas experimentalmente. Entretanto, osexemplos não estão limitados a essas chamadas formas inferiores. Anfíbios e répteis poliploides de ocorrência natural são surpreendentemente comuns. Eles apresentam diversos modos de reprodução: espécies poliploides de rãs e sapos têm na reprodução sexuada, enquanto salamandras e lagartos poliploides são partenogenéticos. Salmonidae (a família de peixes que inclui o salmão e a truta) é um exemplo conhecido das diversas espécies de animais que aparentam ter sido originadas por poliploidia ancestral. A esterilidade dos triploides tem sido explorada comercialmente em animais, bem como em plantas. Ostras triploides têm sido desenvolvidas em virtude de apresentarem uma vantagem comercial sobre as diploides. Os diploides passam por uma temporada de produção de ovos, quando não são palatáveis, mas os triploides estéreis não põem ovos e são palatáveis durante o ano todo. Aneuploidia A aneuploidia é a segunda maior categoria de aberrações cromossômicas na qual o número de cromossomos é anormal. Um aneuploide é um organismo cujo número de cromossomos difere daquele do tipo selvagem em parte de um conjunto cromossômico. Em geral, o conjunto cromossômico aneuploide difere do tipo selvagem em apenas um cromossomo, ou em um pequeno número de cromossomos. Um aneuploide pode apresentar um número de cromossomos superior ou inferior àquele do tipo selvagem. A nomenclatura aneuploide (ver Tabela 17.1) tem por base o número de cópias do cromossomo específico no estado aneuploide. Em relação aos autossomos em organismos diploides, o aneuploide 2n + 1 é trissômico, 2n — 1 é monossômico e 2n — 2 (o “— 2” representa a perda de ambos os homólogos de um cromossomo) é nulissômico. Em haploides, n + 1 é dissômico. É utilizada uma anotação especial para descrever os cromossomos sexuais aneuploides, tendo em vista que ela deve lidar com dois cromossomos diferentes. A notação meramente lista as cópias de cada cromossomo sexual, tal como XXY, XYY, XXX ou XO (o “O” refere-se à ausência de um cromossomo e é incluído para demonstrar que o símbolo X único não é um erro tipográfico). Não disjunção. A causa da maior parte das aneuploidias é a não disjunção no curso da meiose ou da mitose. Disjunção é outra palavra para a segregação normal de cromossomos ou cromátides homólogas para polos opostos nas divisões meióticas ou mitóticas. A não disjunção é uma falha desse processo, na qual dois cromossomos ou duas cromátides se dirigem incorretamente para um polo e não para o outro. A não disjunção mitótica pode ocorrer à medida que as células se dividem durante o desenvolvimento. Como resultado, partes do corpo serão aneuploides (setores aneuploides). A não disjunção meiótica é observada mais comumente. Nesse caso, os produtos da meiose são aneuploides, levando a descendentes totalmente aneuploides. Na não disjunção meiótica, os cromossomos podem falhar em se separar na primeira ou na segunda divisão meiótica (Figura 17.12). De qualquer modo, são produzidos gametas n — 1 e n + 1. Se um gameta n — 1 é fertilizado por um gameta n, é produzido um zigoto monossômico (2n — 1). A fusão de um gameta n + 1 e um gameta n produz um trissômico 2n + 1. CONCEITO-CHAVE Os organismos aneuploides resultam principalmente de não disjunção na meiose parental. FIGURA 17.12 Produtos aneuploides da meiose (ou seja, os gametas) são produzidos por meio da não disjunção na primeira ou na segunda divisão meiótica. Observe que todos os outros cromossomos estão presentes em números normais, incluindo nas células nas quais nenhum cromossomo está demonstrado. A não disjunção ocorre espontaneamente. Assim como a maior parte das mutações gênicas, ela é um exemplo de uma falha ao acaso de um processo celular básico. Os processos moleculares precisos que falham não são conhecidos, mas, em sistemas experimentais, a frequência de não disjunção pode ser aumentada por meio da interferência com a polimerização dos microtúbulos, inibindo, assim, a movimentação cromossômica normal. Aparentemente, a disjunção apresenta maior probabilidade de erro na meiose I. Essa falha não é uma surpresa, tendo em vista que a disjunção normal na anáfase I requer que as cromátides homólogas da tétrade permaneçam pareadas durante a prófase I e a metáfase I, além de crossovers. Contrariamente, a disjunção adequada na anáfase II ou na mitose requer que o centrômero se divida adequadamente, mas não requer o pareamento cromossômico ou o crossing over. Os crossovers são um componente necessário do processo de disjunção normal. De algum modo, a formação de um quiasma ajuda a manter um bivalente unido e assegura que as duas díades irão se dirigir para os polos opostos. Na maior parte dos organismos, crossing over é suficiente para assegurar que todos os bivalentes apresentarão no mínimo um quiasma por meiose. Em Drosophila, muitos dos cromossomos que sofreram não disjunção observados em gametas dissômicos (n + 1) são não recombinantes, demonstrando que eles surgem a partir de meioses nas quais não ocorre um crossing over naquele cromossomo. Foram realizadas observações semelhantes em trissomias humanas. Além disso, em inúmeros organismos experimentais diferentes, as mutações que interferem com a recombinação apresentam o efeito de aumentar maciçamente a frequência de não disjunção na meiose I. Todas essas observações fornecem evidências em relação ao papel do crossing over na manutenção do pareamento cromossômico; na ausência dessas associações, os cromossomos são vulneráveis à não disjunção na anáfase I. CONCEITO-CHAVE Os crossovers são necessários para manter os bivalentes pareados até a anáfase I. Se o crossing over por algum motivo falha, ocorre a não disjunção de primeira divisão. Monossômicos (2n — 1). Os monossômicos apresentam a ausência de uma cópia de um cromossomo. Na maior parte dos organismos diploides, a ausência de uma cópia de um cromossomo de um par é deletéria. Em seres humanos, os monossômicos em relação a qualquer dos autossomos morrem in utero. Muitos monossômicos do cromossomo X também morrem in utero, mas alguns são viáveis. Um complemento cromossômico humano de 44 autossomos mais um único X produz uma condição conhecida como síndrome de Turner, representada como XO. As pessoas afetadas apresentam um fenótipo característico: elas são mulheres estéreis, de estatura baixa e com frequência apresentam uma frouxidão da pele que se estende entre o pescoço e os ombros (Figura 17.13). Embora a sua inteligência esteja próxima do normal, algumas de suas funções cognitivas específicas são defeituosas. Aproximadamente 1 em 5.000 nascimentos do sexo feminino demonstra a síndrome de Turner. Geneticistas utilizaram plantas monossômicas viáveis para mapear alelos mutantes recessivos recém- descobertos em um cromossomo específico. Por exemplo, pode-se produzir um conjunto de linhagens monossômicas, cada uma sabidamente sem um cromossomo diferente. Os homozigotos em relação ao novo alelo mutante são cruzados com cada linhagem monossômica e a progênie de cada cruzamento é inspecionada em relação ao fenótipo recessivo. O aparecimento do fenótipo recessivo identifica o cromossomo que não apresenta uma cópia como aquele no qual o gene normalmente está localizado. O teste funciona porque metade dos gametas de um monossômico 2n — 1 fértil será n — 1 e, quando um gameta n — 1 é fertilizado por um gameta que contém uma nova mutação no cromossomo homólogo, o alelo mutante será o único alelo daquele gene presente e, portanto, será expresso. Para ilustrar, presumiremos que um gene A/a se encontra no cromossomo 2. Prevê-se que cruzamentos de a/a com monossômicos para o cromossomo 1 e o cromossomo 2 produzam resultados diferentes (o cromossomo 1 é abreviado cr1): Trissômicos (2n + 1). Ostrissômicos contêm uma cópia extra de um cromossomo. Em organismos diploides em geral, o desequilíbrio cromossômico da condição trissômica pode resultar em anormalidade ou morte. Entretanto, existem muitos exemplos de trissômicos viáveis. Além disso, os trissômicos podem ser férteis. Quando as células de alguns organismos trissômicos são observadas ao microscópio no momento do pareamento cromossômico meiótico, observa-se que os cromossomos trissômicos formam um grupo associado de três (um trivalente), enquanto os outros cromossomos formam bivalentes regulares. FIGURA 17.13 A síndrome de Turner resulta da presença de um único cromossomo X (XO). Quais razões genéticas podem ser esperadas para genes no cromossomo trissômico? Consideraremos um gene A que está próximo do centrômero naquele cromossomo e assumiremos que o genótipo é A/a/a. Além disso, postularemos que, na anáfase I, os dois centrômeros pareados no trivalente passam para polos opostos e que o outro centrômero passa aleatoriamente para qualquer polo. Em seguida, podemos prever as três segregações igualmente frequentes demonstradas na Figura 17.14. Essas segregações resultam em uma razão gamética geral, conforme demonstrado nos seis compartimentos da Figura 17.14; ou seja: A a A/a a/a Se estiver disponível um conjunto de linhagens, cada uma carreando um cromossomo trissômico diferente, então uma mutação gênica pode ser localizada em um cromossomo por meio da determinação de qual das linhagens proporciona uma razão trissômica do tipo precedente. Existem diversos exemplos de trissomias humanas viáveis. Diversos tipos de trissômicos de cromossomos sexuais podem viver até a fase adulta. Cada um desses tipos é observado a uma frequência de aproximadamente 1 em 1.000 nascimentos vivos do sexo relevante. (Ao considerar as trissomias dos cromossomos sexuais humanos, relembre que o sexo dos mamíferos é determinado pela presença ou pela ausência do cromossomo Y.) A combinação XXY resulta na síndrome de Klinefelter. Pessoas com essa síndrome são homens que apresentam constituições magras, um QI levemente comprometido e são estéreis (Figura 17.15). Outra combinação anormal, XYY, apresenta um histórico controverso. Foram realizadas tentativas de ligar a condição XYY a uma predisposição à violência. Entretanto, atualmente está claro que uma condição XYY de modo algum garante tal comportamento. A maior parte dos homens XYY é fértil. As meioses demonstram pareamento normal do X com um dos Y; o outro Y não pareia e não é transmitido para os gametas. Portanto, os gametas contêm X ou Y, nunca YY ou XY. Trissômicos triplo X (XXX) são mulheres fenotipicamente normais e férteis. A meiose demonstra o pareamento de apenas dois cromossomos X; o terceiro não pareia. Portanto, os ovócitos apresentam apenas um X e, assim como aquela de homens XYY, a condição não é transmitida para a progênie. FIGURA 17.14 Três segregações igualmente prováveis podem ocorrer na meiose de um trissômico A/a/a, produzindo os genótipos demonstrados. FIGURA 17.15 A síndrome de Klinefelter resulta da presença de dois cromossomos X e um cromossomo Y. Das trissomias humanas, o tipo mais familiar é a síndrome de Down (Figura 17.16), discutida brevemente no início do capítulo. A frequência da síndrome de Down é de aproximadamente 0,15% de todos os nascimentos vivos. A maioria das pessoas afetadas apresenta uma cópia extra do cromossomo 21, causada pela não disjunção do cromossomo 21 em um genitor cromossomicamente normal. Nesse tipo esporádico de síndrome de Down, não existe um histórico familiar de aneuploidia. Alguns tipos mais raros de síndrome de Down surgem a partir de translocações (um tipo de rearranjo cromossômico, discutido posteriormente no capítulo); nesses casos, conforme veremos, a síndrome de Down recorre no heredograma, tendo em vista que a translocação pode ser transmitida do genitor para o filho. Os fenótipos combinados que compõem a síndrome de Down incluem retardo mental (com QI na faixa de 20 a 50); face achatada e larga; olhos com dobra epicântica; estatura baixa; mãos curtas com uma prega na parte intermediária; e uma língua grande e sulcada. As mulheres podem ser férteis e produzir progênie normal ou trissômica, mas os homens são estéreis, com raríssimas exceções. A expectativa de vida média é de aproximadamente 17 anos e apenas 8% das pessoas com síndrome de Down sobrevivem até depois dos 40 anos de idade. FIGURA 17.16 A síndrome de Down resulta da presença de uma cópia extra do cromossomo 21. A incidência da síndrome de Down está relacionada com a idade materna: mães mais velhas apresentam um risco muito elevado de ter um filho com síndrome de Down (Figura 17.17). Por esse motivo, a análise cromossômica do feto (por meio de amniocentese ou de amostra de vilosidades coriônicas) atualmente é recomendada para mães gestantes mais velhas. Também foi demonstrado um efeito menos pronunciado da idade paterna. Embora o efeito da idade materna tenha sido conhecido há muitos anos, ainda não se sabe a sua causa. Não obstante, existem algumas correlações biológicas interessantes. Com a idade, possivelmente o cromossomo bivalente apresenta menos probabilidade de permanecer unido durante a prófase I da meiose. A parada meiótica dos ovócitos (meiócitos femininos) no final da prófase I é um fenômeno comum em muitos animais. Em mulheres, todos os ovócitos param no diplóteno antes do nascimento. A meiose é retomada a cada período menstrual, o que significa que os cromossomos bivalentes devem permanecer adequadamente associados por até cinco ou mais décadas. Se especularmos que essas associações apresentam uma probabilidade crescente de ruptura por acidente na medida em que o tempo passa, podemos imaginar um mecanismo que contribui para o aumento da não disjunção materna com a idade. Consistente com essa especulação, a maior parte das não disjunções relacionadas com o efeito da idade materna ocorre em virtude da não disjunção na anáfase I, não na anáfase II. FIGURA 17.17 Mães mais velhas apresentam uma proporção mais alta de bebês com síndrome de Down do que mães mais jovens. (Dados de L. S. Penrose e G. F. Smith, Down’s Anomaly. Little, Brown and Company, 1966.) Os únicos outros trissômicos autossômicos humanos que sobrevivem até o nascimento são aqueles com a trissomia do cromossomo 13 (síndrome de Patau) e a trissomia do cromossomo 18 (síndrome de Edwards). Ambos apresentam anormalidades físicas e mentais graves. A síndrome fenotípica da trissomia do cromossomo 13 inclui fenda labial; cabeça pequena e malformada; pés “arqueados”; e expectativa de vida média de 130 dias. A trissomia do cromossomo 18 inclui orelhas tipo fauno (implantação baixa), mandíbula estreita, pelve estreita e pés arqueados; quase todos os bebês com trissomia do 18 morrem nas primeiras semanas após o nascimento. Todos os outros trissômicos morrem in utero. Conceito de balanço gênico Ao considerar a euploidia aberrante, observamos que um aumento no número de conjuntos de cromossomos completos está correlacionado com o maior tamanho do organismo, mas que a forma e as proporções gerais do organismo permanecem em grande parte as mesmas. Contrariamente, a aneuploidia autossômica tipicamente altera a forma e as proporções do organismo de modos característicos. As plantas tendem a ser um pouco mais tolerantes à aneuploidia do que os animais. Estudos no estramônio (Datura stramonium) fornecem um exemplo clássico dos efeitos da aneuploidia e da poliploidia. Nessa planta, o número de cromossomos haploides é 12. Conforme esperado, o estramônio poliploide é proporcional, assim como o diploide normal,apenas maior. Contrariamente, cada um dos 12 trissômicos possíveis é desproporcional, mas de diferentes modos entre si, conforme exemplificado pelas alterações na forma da cápsula da semente (Figura 17.18). As 12 trissomias diferentes levam a 12 alterações diferentes e características na forma da cápsula. De fato, essas características e outras dos trissômicos individuais são tão confiáveis que a síndrome fenotípica pode ser utilizada para identificar plantas que carreiam uma trissomia em particular. De modo semelhante, os 12 monossômicos são, eles próprios, diferentes entre si e de cada um dos trissômicos. Em geral, um monossômico em relação a um cromossomo em particular é mais gravemente anormal do que o trissômico correspondente. Observamos tendências semelhantes em animais aneuploides. Na mosca-das-frutas Drosophila, os únicos aneuploides autossômicos que sobrevivem até a fase adulta são os trissômicos e os monossômicos em relação ao cromossomo 4, que é o menor cromossomo de Drosophila, representando apenas aproximadamente 1 a 2% do genoma. Os trissômicos em relação ao cromossomo 4 são apenas levemente afetados e são muito menos anormais do que os monossômicos em relação ao cromossomo 4. Em seres humanos, nenhum monossômico autossômico sobrevive até o nascimento, mas, conforme já declarado, três tipos de trissômicos autossômicos podem sobreviver. Assim como é verdadeiro para o estramônio aneuploide, cada um desses três trissômicos demonstra síndromes fenotípicas únicas em virtude dos efeitos especiais de doses alteradas de cada um desses cromossomos. FIGURA 17.18 Cada um dos 12 trissômicos possíveis de Datura é desproporcional de um modo diferente. A. Fruto de Datura. B. Cada desenho é do fruto de um trissômico diferente, com sua respectiva denominação. (A. iStockphoto/Thinkstock.) Por que os aneuploides são muito mais anormais do que os poliploides? Por que a aneuploidia em relação a cada cromossomo apresenta seus próprios efeitos fenotípicos característicos? E por que os monossômicos são em geral mais gravemente afetados do que os trissômicos correspondentes? As respostas aparentam ser certamente uma questão de balanço gênico. Em um euploide, a razão de genes em qualquer cromossomo com relação aos genes em outros cromossomos é sempre 1:1, independentemente de estarmos considerando um monoploide, diploide, triploide ou tetraploide. Por exemplo, em um tetraploide, em razão ao gene A no cromossomo 1 e ao gene B no cromossomo 2, a razão é de 4 A:4 B, ou 1:1. Contrariamente, em um aneuploide, a razão de genes no cromossomo aneuploide em relação aos genes em outros cromossomos difere do tipo selvagem em 50%:50% em relação aos monossômicos; 150% para os trissômicos. Com a utilização do mesmo exemplo anterior, em um trissômico em razão ao cromossomo 2, observamos que a razão dos genes A e B é de 2 A:3 B. Portanto, podemos verificar que os genes aneuploides estão desbalanceados. Como o fato de estarem desbalanceados nos ajuda a responder as questões levantadas? Em geral, a quantidade de transcritos produzida por um gene é diretamente proporcional ao número de cópias daquele gene em uma célula. Ou seja, em relação a um determinado gene, a taxa de transcrição está diretamente relacionada com o número de moldes de DNA disponíveis. Portanto, quanto mais cópias do gene, mais transcritos são produzidos e mais do produto proteico correspondente é produzido. Essa relação entre o número de cópias de um gene e a quantidade do produto gênico produzida é denominada efeito de dosagem gênica. Podemos inferir que a fisiologia normal em uma célula depende da razão adequada de produtos gênicos na célula euploide. Essa razão é o balanço gênico normal. Se a dosagem relativa de determinados genes for alterada — por exemplo, em virtude da remoção de uma das duas cópias de um cromossomo (ou até mesmo de um segmento dele) —, podem surgir desequilíbrios fisiológicos nas vias celulares. Em alguns casos, os desbalanceamentos de aneuploidia resultam dos efeitos de alguns poucos genes “importantes”, cuja dosagem foi alterada, em vez de alterações na dosagem de todos os genes em um cromossomo. Tais genes podem ser considerados haploanormais (resultando em um fenótipo anormal, se presente apenas uma vez), ou triploanormais (resultando em um fenótipo anormal, se presente em três cópias), ou ambos. Eles contribuem significativamente para as síndromes fenotípicas aneuploides. Por exemplo, o estudo de pessoas trissômicas em relação a apenas uma parte do cromossomo 21 tornou possível localizar os genes que contribuem para a síndrome de Down em diversas regiões do cromossomo 21; os resultados indicam que alguns aspectos do fenótipo podem ocorrer em virtude da tripla anormalidade em relação a genes importantes únicos nessas regiões cromossômicas. Além dos efeitos desses genes importantes, outros aspectos das síndromes aneuploides provavelmente resultam dos efeitos cumulativos da aneuploidia de diversos genes cujos produtos estão todos desbalanceados. Indubitavelmente, o fenótipo aneuploide inteiro resulta de uma combinação dos efeitos do desbalanço de alguns genes importantes, juntamente com um desbalanço cumulativo de muitos genes menos importantes. Entretanto, o conceito de balanço gênico não nos informa o motivo pelo qual a apresentação de poucos produtos gênicos (monossomia) é muito pior para um organismo do que a apresentação de muitos produtos gênicos (trissomia). Paralelamente, podemos indagar por que existem muito mais genes haploanormais do que triploanormais. Uma chave para explicar a anormalidade extrema dos monossômicos é que quaisquer alelos recessivos deletérios presentes em um autossomo monossômico serão automaticamente expressos. Como aplicamos a ideia de balanço gênico para casos de aneuploidia de cromossomos sexuais? O balanço gênico é mantido também em relação aos cromossomos sexuais, mas também devemos levar em consideração as propriedades especiais dos cromossomos sexuais. Em organismos com determinação sexual XY, o cromossomo Y aparenta ser um cromossomo X degenerado, no qual existem muito poucos genes funcionais além de alguns relacionados com a própria determinação sexual, à produção de espermatozoides, ou ambas. O cromossomo X, por outro lado, contém muitos genes relacionados com processos celulares básicos (“genes de manutenção”), presentes no cromossomo que por fim evoluiu para o cromossomo X. Os mecanismos de determinação sexual XY provavelmente evoluíram independentemente de 10 a 20 vezes em diferentes grupos taxonômicos. Por exemplo, aparentemente existe um mecanismo de determinação sexual para todos os mamíferos, mas ele é completamente diferente do mecanismo que regula a determinação sexual XY nas moscas-das-frutas. Em um sentido, os cromossomos X são naturalmente aneuploides. Em espécies com um sistema de determinação sexual XY, as fêmeas apresentam dois cromossomos X, enquanto os machos apresentam apenas um. Não obstante, os genes de manutenção do cromossomo X são expressos de modo aproximadamente igual por célula em fêmeas e em machos. Em outras palavras, existe compensação de dose. Como essa compensação é conquistada? A resposta depende do organismo. Nas moscas-das-frutas, o cromossomo X do macho aparenta estar hiperativado, possibilitando que ele seja transcrito no dobro da taxa de cada cromossomo X na fêmea. Como resultado, o macho XY de Drosophila apresenta uma dosagem do gene X equivalente àquela de uma fêmea XX. Em mamíferos, contrariamente, a regra é que não importa quantos cromossomos X estejam presentes, existe apenas um cromossomoX ativo em relação à transcrição em cada célula somática. Essa regra proporciona à fêmea XX de mamíferos uma dosagem gênica do X equivalente àquela de um macho XY. A compensação de dose em mamíferos é conquistada por meio da inativação do cromossomo X. Uma fêmea com dois cromossomos X, por exemplo, é um mosaico de dois tipos celulares, no qual um ou outro cromossomo X está ativo. Examinamos esse fenômeno no Capítulo 12. Portanto, indivíduos XY e XX produzem as mesmas quantidades de produtos dos genes de manutenção do cromossomo X. A inativação do cromossomo X também explica o motivo pelo qual os seres humanos triplo X são fenotipicamente normais: apenas um dos três cromossomos X está ativo em relação à transcrição em uma determinada célula. De modo semelhante, um homem XXY é apenas moderadamente afetado, tendo em vista que apenas um de seus dois cromossomos X está ativo em cada célula. Por que os indivíduos XXY são anormais, tendo em vista que indivíduos triplo X são fenotipicamente normais? Ocorre que alguns poucos genes dispersos em um “X inativo” ainda estão ativos em relação à transcrição. Em homens XXY, esses genes são transcritos no dobro do nível em que são transcritos em homens XY. Em mulheres XXX, por outro lado, os poucos genes transcritos estão ativos em apenas 1,5 vez o nível em que são transcritos em mulheres XX. Esse nível mais baixo de “aneuploidia funcional” em XXX do que em XXY, somado ao fato de que os genes do X ativo aparentam levar à feminilização, podem explicar o fenótipo feminilizado dos machos XXY. A gravidade da síndrome de Turner (XO) pode ocorrer em virtude dos efeitos deletérios da monossomia e a mais baixa atividade dos genes transcritos 17.2 1. 2. 3. 4. das fêmeas X (em comparação às XX). Conforme normalmente é observado em relação aos aneuploides, a monossomia do cromossomo X produz um fenótipo mais anormal do que a presença de uma cópia extra do mesmo cromossomo (mulheres triplo X ou homens XXY). A dosagem gênica também é importante nos fenótipos de poliploides. Zigotos poliploides humanos surgem por meio de diversos tipos de erros na divisão celular. A maior parte morre in utero. Ocasionalmente, nascem bebês triploides, mas nenhum sobrevive. Esse fato aparenta violar o princípio de que os poliploides são mais normais do que os aneuploides. A explicação para essa contradição parece estar relacionada com a compensação de dose do cromossomo X. Parte da regra em relação ao balanço gênico em organismos que apresentam um único X ativo parece ser que deve haver um X ativo para cada duas cópias do complemento cromossômico autossômico. Portanto, observa-se que algumas células em mamíferos triploides apresentam um X ativo, enquanto outras, surpreendentemente, apresentam dois. Nenhuma situação está em balanço com os genes autossômicos. CONCEITO-CHAVE A aneuploidia é quase sempre deletéria em virtude do desbalanceamento gênico: a razão de genes é diferente daquela em euploides e essa diferença interfere na função normal do genoma. Alterações na estrutura dos cromossomos As alterações na estrutura dos cromossomos, denominadas rearranjos, envolvem diversas classes de eventos importantes. Um segmento cromossômico pode ser perdido, constituindo uma deleção, ou duplicado, para formar uma duplicação. A orientação de um segmento dentro do cromossomo pode ser revertida, constituindo uma inversão. Ou um segmento pode ser movido para um cromossomo diferente, constituindo uma translocação. A quebra do DNA é uma causa importante de cada um desses eventos. Ambos os filamentos de DNA devem ser quebrados em dois locais diferentes, seguidos pela reunião das extremidades quebradas, para produzir um novo rearranjo cromossômico (Figura 17.19, à esquerda). Os rearranjos cromossômicos por quebra podem ser induzidos artificialmente por meio da utilização de radiação ionizante. Esse tipo de radiação, notavelmente raios X e gama, é altamente energético e causa diversas quebras bifilamentares no DNA. Para compreender como os rearranjos cromossômicos são produzidos por meio de quebra, deve-se ter em mente diversos pontos: Cada cromossomo é uma única molécula de DNA bifilamentar. O primeiro evento na produção de um rearranjo cromossômico é a geração de duas ou mais quebras bifilamentares nos cromossomos de uma célula (ver Figura 17.19, linha superior à esquerda). As quebras bifilamentares são possivelmente letais, exceto se forem reparadas. Os sistemas de reparo na célula corrigem as quebras bifilamentares por meio da reunião das extremidades quebradas (ver Capítulo 16 para uma discussão detalhada sobre o reparo do DNA). 5. 6. Se as duas extremidades da mesma quebra forem reunidas, a ordem do DNA original é restaurada. Se as extremidades de duas quebras diferentes forem unidas, entretanto, o resultado é um ou outro tipo de rearranjo cromossômico. Os únicos rearranjos cromossômicos que sobrevivem à meiose são aqueles que produzem moléculas de DNA que apresentam um centrômero e dois telômeros. Se um rearranjo produzir um cromossomo com ausência de um centrômero, tal cromossomo acêntrico não será atraído para nenhum polo na anáfase da mitose ou meiose e não será incorporado ao núcleo de qualquer progênie. Portanto, os cromossomos acêntricos não são herdados. Se um rearranjo produzir um cromossomo com dois centrômeros (dicêntrico), com frequência ele será atraído simultaneamente para os polos opostos na anáfase, formando uma ponte anafásica. Os cromossomos com ponte anafásica tipicamente não serão incorporados na célula de qualquer progênie. Se uma quebra cromossômica produzir um cromossomo com ausência de telômero, tal cromossomo não poderá replicar-se adequadamente. Relembre do Capítulo 7 que os telômeros são necessários para iniciar a replicação adequada do DNA nas extremidades (ver Figura 7.26). FIGURA 17.19 Cada um dos quatro tipos de rearranjos cromossômicos pode ser produzido por meio de dois mecanismos básicos: quebra cromossômica e reunião ou crossing over entre o DNA repetitivo. As regiões cromossômicas são numeradas de 1 a 10. Os cromossomos homólogos são da mesma cor. 7. Se um rearranjo duplicar ou deletar um segmento de um cromossomo, o balanço gênico poderá ser afetado. Quanto maior o segmento que é perdido ou duplicado, maior a probabilidade de que o desbalanceamento gênico cause anormalidades fenotípicas. Outra causa importante de rearranjos é o crossing over entre segmentos de DNA repetitivo (duplicado). Esse tipo de crossing over é denominado recombinação homóloga não alélica (NAHR). Em organismos com sequências repetidas de DNA em um cromossomo ou em cromossomos diferentes, existe uma ambiguidade a respeito de qual das repetições pareará com outra na meiose. Se as sequências pareadas não estiverem nas mesmas posições relativas nos homólogos, o crossing over pode produzir cromossomos aberrantes. Deleções, duplicações, inversões e translocações podem, todas, ser produzidas por crossing over (ver Figura 17.19, à direita). Existem dois tipos gerais de rearranjos: desbalanceado e balanceado. Os rearranjos desbalanceados alteram a dosagem gênica de um segmento cromossômico. Assim como na aneuploidia em relação a cromossomos inteiros, a perda de uma cópia de um segmento, ou a adição de uma cópia extra, pode romper o balanço gênico normal. As duas classes simples de rearranjos desbalanceados são as deleções e as duplicações. Uma deleção é a perda de um segmento de um braço cromossômico e a justaposição dos dois segmentos em cada lado do segmento deletado, como nesse exemplo, que demonstra a perda do segmento C-D: Uma duplicação é a repetição de um segmento de um braço cromossômico. No tipo mais simples deduplicação, os dois segmentos estão adjacentes uns aos outros (uma duplicação em tandem), assim como nessa duplicação do segmento C: Entretanto, o segmento duplicado pode terminar em uma posição diferente no mesmo cromossomo, ou até mesmo em um cromossomo diferente. Os rearranjos balanceados alteram a ordem dos genes no cromossomo, mas não removem ou duplicam qualquer DNA. As duas classes simples de rearranjos balanceados são as inversões e as translocações recíprocas. Uma inversão é um rearranjo no qual um segmento interno de um cromossomo foi quebrado duas vezes, girou 180° e foi reunido. Uma translocação recíproca é um rearranjo no qual dois cromossomos não homólogos são, cada um, quebrados uma vez, criando fragmentos acêntricos, que em seguida podem trocar de lugar: Por vezes as quebras do DNA que precedem a formação de um rearranjo ocorrem dentro dos genes. Quando ocorrem, elas modificam a função do gene, porque parte dele move-se para um novo local e porque nenhum transcrito completo pode ser produzido. Além disso, as sequências de DNA de cada lado das extremidades reunidas de um cromossomo rearranjado são sequências que normalmente não estão justapostas. Por vezes, a junção ocorre de tal modo que a fusão produz um gene híbrido não funcional, composto por partes de dois outros genes. As seções a seguir consideram as propriedades desses rearranjos balanceados e desbalanceados. Deleções Uma deleção é simplesmente a perda de parte de um braço cromossômico. O processo de deleção requer duas quebras cromossômicas para cortar o segmento interveniente. O fragmento deletado não apresenta um centrômero; consequentemente, ele não pode ser puxado para um polo do fuso na divisão celular e é perdido. Os efeitos das deleções dependem de seu tamanho. Uma deleção pequena dentro de um gene, denominada deleção intragênica, inativa o gene e apresenta o mesmo efeito de outras mutações nulas daquele gene. Se o fenótipo nulo homozigoto for viável (como, por exemplo, no albinismo humano), a deleção homozigota também será viável. As deleções intragênicas podem ser distinguidas das mutações causadas por alterações em um único nucleotídio, tendo em vista que os genes com as referidas deleções nunca revertem para o tipo selvagem. Na maior parte desta seção, estaremos lidando com deleções multigênicas, nas quais diversos a muitos genes são perdidos. As consequências dessas deleções são mais graves do que aquelas das deleções intragênicas. Se tal deleção ocorrer em homozigose por endogamia (ou seja, se ambos os homólogos apresentarem a mesma deleção), a combinação será sempre letal. Esse fato sugere que todas as regiões dos cromossomos são essenciais para a viabilidade normal e que a eliminação completa de qualquer segmento do genoma é deletéria. Até mesmo um organismo heterozigoto para uma deleção multigênica — ou seja, que apresenta um homólogo normal e um com a deleção — não sobrevive. Principalmente, esse desfecho letal ocorre em virtude do rompimento do balanço gênico normal. Alternativamente, a deleção pode “revelar” alelos recessivos deletérios, possibilitando que as cópias únicas sejam expressas. CONCEITO-CHAVE A letalidade das grandes deleções heterozigotas pode ser explicada pelo desbalanceamento gênico e pela expressão de recessivos deletérios. Deleções pequenas por vezes são viáveis em combinação com um homólogo normal. Tais deleções podem ser identificadas por meio do exame dos cromossomos meióticos ao microscópio. A falha do segmento correspondente no homólogo normal em parear cria uma alça de deleção visível (Figura 17.20 A). Em Drosophila, as alças de deleção também estão visíveis nos cromossomos politênicos. Esses cromossomos são observados nas células de glândulas salivares e em outros tecidos específicos de determinados insetos. Nessas células, os homólogos pareiam e replicam muitas vezes e, assim, cada cromossomo é representado por um espesso feixe de réplicas. Esses cromossomos politênicos são facilmente visíveis e cada um apresenta um conjunto de bandas escuras de posição e número fixos. Essas bandas atuam como marcos cromossômicos úteis. Um exemplo de um cromossomo politênico no qual um homólogo original carreava uma deleção está demonstrado na Figura 17.20 B. Uma deleção pode ser atribuída a um local específico no cromossomo por meio do exame microscópico dos cromossomos politênicos e da determinação da posição da alça de deleção. FIGURA 17.20 Na meiose, os cromossomos de uma deleção heterozigota formam uma configuração em alça. A. No pareamento meiótico, o homólogo normal forma uma alça. Os genes nesta alça não apresentam alelos com os quais realizar sinapse. B. Tendo em vista que os cromossomos politênicos de Drosophila (observados em glândulas salivares e em outros locais específicos) apresentam padrões de bandeamento específicos, podemos inferir quais bandas estão ausentes no homólogo com a deleção ao observar quais bandas aparecem na alça do homólogo normal. (B. William M. Gelbart, Harvard University.) Outra indicação da presença de uma deleção é que a deleção de um segmento em um homólogo por vezes revela os alelos recessivos presentes no outro homólogo, levando à sua expressão inesperada. Considere, por exemplo, a deleção demonstrada no diagrama a seguir: Se não houver deleção, espera-se que nenhum dos sete alelos recessivos seja expresso; entretanto, se b e c forem expressos, então provavelmente ocorreu uma deleção que abrange os genes b+ e c+ no outro homólogo. Tendo em vista que os alelos recessivos aparentam estar demonstrando dominância nos referidos casos, o efeito é denominado pseudodominância. No caso reverso — se já conhecemos o local da deleção —, podemos aplicar o efeito da pseudodominância no sentido oposto para mapear as posições dos alelos mutantes. Esse procedimento, denominado mapeamento de deleção, pareia as mutações em face de um conjunto de deleções sobrepostas definidas. Um exemplo em Drosophila está demonstrado na Figura 17.21. Nesse diagrama, o mapa de recombinação está demonstrado na parte superior, marcado com as distâncias em unidades de mapa a partir da extremidade esquerda. As barras vermelhas horizontais abaixo do cromossomo demonstram a extensão das deleções listadas à esquerda. Cada deleção está pareada com cada mutação em teste e o fenótipo é observado para verificar se a mutação é pseudodominante. A mutação pn (prune), por exemplo, demonstra pseudodominância apenas com a deleção 264-38 e esse resultado determina sua localização na região 2D-4 a 3A-2. Entretanto, fa (facet) demonstra pseudominância com todas as deleções, com exceção de duas (258-11 e 258-14); assim, a sua posição pode ser apontada para a banda 3C-7, que é a região que todas as deleções apresentam em comum, com exceção de duas. CONCEITO-CHAVE As deleções podem ser reconhecidas por meio das alças de deleção e da pseudodominância. Os médicos encontram regularmente deleções nos cromossomos humanos. As deleções normalmente são pequenas, mas apresentam efeitos adversos, mesmo quando heterozigotas. As deleções de regiões cromossômicas humanas específicas causam síndromes únicas de anormalidades fenotípicas. Um exemplo é a síndrome cri du chat, causada por uma deleção heterozigota da extremidade do braço curto do cromossomo 5 (Figura 17.22). As bandas específicas deletadas na síndrome cri du chat são 5p15.2 e 5p15.3, as duas bandas mais distais identificáveis em 5p. (Os braços curto e longo dos cromossomos humanos são tradicionalmente denominados p e q, respectivamente.) O fenótipo mais característico na síndrome é aquele quedá origem à sua denominação, o choro semelhante ao miado de um gato produzido pelas crianças afetadas. Outras manifestações da síndrome são microencefalia (cabeça anormalmente pequena) e face redonda (fácies de lua cheia). Assim como as síndromes causadas por outras deleções, a síndrome cri du chat inclui o retardo mental. As taxas de fatalidade são baixas e muitas pessoas com essa deleção alcançam a fase adulta. FIGURA 17.21 Uma linhagem heterozigota de Drosophila para cromossomos com deleção e normais pode ser utilizada para mapear alelos mutantes. As barras vermelhas demonstram a extensão dos segmentos deletados em 13 deleções. Todos os alelos recessivos na mesma região deletada em um cromossomo homólogo serão expressos. Outro exemplo instrutivo é a síndrome de Williams. Essa síndrome é autossômica dominante e é caracterizada pelo desenvolvimento incomum do sistema nervoso e de determinadas características externas. A síndrome de Williams é observada a uma frequência de aproximadamente 1 em 10.000 pessoas. Os pacientes com frequência apresentam habilidades musicais ou de canto pronunciadas. A síndrome quase sempre é causada por uma deleção de 1,5 Mb em um homólogo do cromossomo 7. A análise da sequência demonstrou que esse segmento contém 17 genes de função conhecida e desconhecida. O fenótipo anormal, portanto, é causado por haploinsuficiência de um ou mais desses 17 genes. A análise da sequência também revela a origem dessa deleção, tendo em vista que a sequência normal é delimitada por cópias repetidas de um gene denominado PMS, que codifica uma proteína de reparo do DNA. Conforme vimos, as sequências repetidas podem atuar como substratos para crossing over desigual. Um crossover entre cópias flanqueadoras de PMS nas extremidades opostas do segmento dos 17 genes leva a uma duplicação (não observada) e uma deleção na síndrome de Williams, conforme demonstrado na Figura 17.23. A maior parte das deleções humanas, tais como aquelas que acabamos de considerar, surge espontaneamente nas gônadas de um genitor normal de uma pessoa afetada; portanto, normalmente não são observados sinais de deleções nos cromossomos dos genitores. Menos comumente, os indivíduos que contêm deleções aparecem na descendência de um indivíduo que apresenta um rearranjo balanceado de cromossomos não detectado. Por exemplo, a síndrome cri du chat pode resultar de um genitor heterozigoto para uma translocação recíproca, tendo em vista que (conforme veremos) a segregação produz deleções. As deleções também podem resultar de recombinação em um heterozigoto que apresenta uma inversão pericêntrica (uma inversão que abrange o centrômero) em um cromossomo. Ambos os mecanismos serão detalhados posteriormente no capítulo. Animais e plantas demonstram diferenças na sobrevivência de gametas ou de descendência que contêm deleções. Um animal macho com uma deleção em um cromossomo produz espermatozoides que carreiam um ou outro dos dois cromossomos em números aproximadamente iguais. Esses espermatozoides aparentemente funcionam, até uma determinada medida, independentemente de seu conteúdo genético. Em plantas diploides, por outro lado, o pólen produzido por uma deleção heterozigota é de dois tipos: pólen funcional que carreia o cromossomo normal e pólen não funcional (abortado) que carreia o homólogo deficiente. Portanto, as células do pólen aparentam ser sensíveis às alterações na quantidade de material cromossômico e essa sensibilidade pode atuar para extirpar as deleções. Esse efeito é análogo à sensibilidade do pólen à aneuploidia de um cromossomo inteiro, descrita anteriormente neste capítulo. Contrariamente às células de espermatozoides de animais, cuja atividade metabólica depende de enzimas que já foram depositadas nelas durante a sua formação, as células de pólen devem germinar e em seguida produzir um longo tubo de pólen, que cresce para fertilizar o óvulo. Esse crescimento requer que a célula de pólen produza grandes quantidades de proteínas, tornando-a, assim, sensível às anormalidades genéticas em seu próprio núcleo. Os óvulos das plantas, ao contrário, são razoavelmente tolerantes às deleções, presumivelmente em virtude de receberem sua nutrição dos tecidos maternos circundantes. FIGURA 17.22 A síndrome cri du chat é causada pela perda da extremidade do braço curto de um dos homólogos do cromossomo 5. FIGURA 17.23 Um crossover entre os genes flanqueadores repetitivos esquerdo e direito resulta em dois rearranjos recíprocos, um dos quais corresponde à deleção na síndrome de Williams. Duplicações Os processos de mutação cromossômica por vezes produzem uma cópia extra de alguma região cromossômica. As regiões duplicadas podem estar localizadas adjacentes entre si — denominadas duplicação em tandem — ou a cópia extra pode estar localizada em algum outro local no genoma — denominada duplicação insercional. Uma célula diploide que contém uma duplicação apresentará três cópias da região cromossômica em questão: duas em um conjunto cromossômico e uma no outro — um exemplo de uma duplicação heterozigota. Na prófase meiótica, os heterozigotos com duplicação em tandem demonstram uma alça formada pela região extra não pareada. As duplicações sintéticas de cobertura conhecida podem ser utilizadas para o mapeamento gênico. Em haploides, por exemplo, uma linhagem cromossomicamente normal que carreia uma nova mutação recessiva m pode ser cruzada com linhagens que contêm numerosos rearranjos geradores de duplicações (p. ex., translocações e inversões pericêntricas). Em qualquer cruzamento, se alguma progênie com duplicação apresentar o fenótipo recessivo, a duplicação não abrangerá o gene m, tendo em vista que, se ela abrangesse, o seu segmento extra mascararia o alelo recessivo m. Análises das sequências de DNA genômico revelaram um alto nível de duplicações em seres humanos e na maior parte dos organismos-modelo. Repetições de sequências simples, que se estendem por todo o genoma e são úteis como marcadores moleculares no mapeamento, foram discutidas nos capítulos anteriores. Entretanto, outra classe de duplicações tem por base unidades duplicadas que são muito maiores do que as repetições de sequências simples. As duplicações nessa classe são denominadas duplicações segmentares. As unidades duplicadas nas duplicações segmentares variam de 10 a 50 quilobases de comprimento e abrangem genes inteiros e as regiões entre eles. A extensão das duplicações segmentares está demonstrada na Figura 17.24, na qual a maior parte das duplicações está dispersa, mas existem alguns casos em tandem. Outra propriedade demonstrada na Figura 17.24 é que a dispersão das unidades duplicadas está principalmente no mesmo cromossomo, não entre cromossomos. A origem das duplicações segmentares ainda não é conhecida. FIGURA 17.24 O mapa dos cromossomos humanos 1, 2 e 3 demonstra as posições das duplicações com tamanho superior a 10 quilobases. As linhas de conexão azuis demonstram duplicações intracromossômicas (a maioria). As duplicações intracromossômicas estão demonstradas com barras vermelhas. As letras A e B indicam hotspots nos quais a recombinação de duplicações deu origem a distúrbios genéticos. (Dados de J. A. Bailey et al., “Recent Segmental Duplications in the Human Genome”, Science 297, 2002, 1003-1007.) Acredita-se que as duplicações segmentares apresentem um papel importante como substratos para a recombinação homóloga não alélica, conforme demonstrado na Figura 17.19. O crossing over entre duplicações segmentares pode levar a diversos rearranjos cromossômicos. Esses rearranjos aparentam ter sido importantes na evolução, uma vez que algumas inversões importantes, que
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