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2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 O monastério do pai da genética, Gregor Mendel. Uma estátua de Mendel encontra-se visível ao fundo. Atualmente, essa parte do monastério é um museu, e os curadores plantaram begônias vermelhas e brancas em uma disposição que representa graficamente o tipo de padrões de herança obtido por Mendel com ervilhas. (Anthony Griffiths.) TÓPICOS Padrões de herança monogênica Base cromossômica dos padrões de herança monogênica Base molecular dos padrões de herança mendeliana Alguns genes descobertos por meio da observação das proporções de segregação Padrões de herança monogênica ligada ao sexo Análise de heredogramas humanos • • • • • • • Q RESULTADOS DE APRENDIZAGEM Após ler este capítulo, você será capaz de: Descobrir um conjunto de genes que afetam uma propriedade biológica específica de interesse, por meio da observação das proporções de herança monogênica de mutantes que afetam aquela propriedade Na progênie dos cruzamentos controlados, reconhecer as proporções fenotípicas diagnósticas da herança monogênica (1:1 em haploides, e 3:1, 1:2:1 e 1:1 em diploides) Explicar as proporções de herança monogênica em termos do comportamento cromossômico na meiose Prever as proporções fenotípicas entre descendentes de cruzamentos de genitores que diferem em um único gene Propor hipóteses razoáveis para explicar a dominância e a recessividade de alelos específicos no nível molecular Aplicar as regras da herança monogênica para a análise de heredogramas em seres humanos e reconhecer os padrões diagnósticos de condições autossômicas dominantes, autossômicas recessivas, ligadas ao X dominantes e ligadas ao X recessivas Calcular o risco de os descendentes herdarem uma condição causada por um alelo mutante em um ou mais ancestrais específicos. ue tipos de pesquisas os biólogos realizam? Uma área central de pesquisas na biologia de todos os organismos é a tentativa de compreender como um organismo se desenvolve a partir de um ovo fertilizado até um adulto — em outras palavras, o que faz um organismo ser como ele é. Normalmente, esse objetivo geral é fragmentado no estudo das propriedades biológicas individuais, tais como o desenvolvimento da cor das flores da planta ou a locomoção animal ou a absorção de nutrientes, embora os biólogos também estudem algumas áreas gerais, tais como o modo como uma célula funciona. Como os geneticistas analisam as propriedades biológicas? A abordagem genética para a compreensão de qualquer propriedade biológica é encontrar o subconjunto de genes no genoma que influenciam aquela propriedade, um processo por vezes denominado descoberta dos genes. Após esses genes terem sido identificados, as suas funções celulares podem ser elucidadas por meio de pesquisas adicionais. Existem diversos tipos diferentes de abordagens analíticas para a descoberta dos genes, mas um método amplamente utilizado depende da detecção de padrões de herança monogênica, tópico deste capítulo. Tudo na genética, em um ou outro aspecto, tem por base as variantes que podem ser herdadas. A abordagem básica da genética é comparar e contrastar as propriedades de variantes, e a partir dessas comparações fazer deduções a respeito da função genética. Isso é semelhante ao modo como você faria inferências a respeito de como funciona uma máquina não familiar ao alterar a composição ou as posições das partes atuantes ou até mesmo por meio da remoção das partes, cada uma de uma vez. Cada variante representa um “ajuste” da máquina biológica, a partir do qual a sua função pode ser deduzida. 1. 2. Em genética, o tipo mais comum de qualquer propriedade de um organismo é denominado tipo selvagem, o qual é encontrado “no ambiente” ou na natureza. As variantes hereditáveis observadas em um organismo que difere do tipo selvagem são mutantes, organismos que apresentam algum tipo anormal de uma propriedade. Como exemplos, o tipo selvagem e alguns mutantes em dois organismos-modelo estão mostrados na Figura 2.1. Os tipos alternativos da propriedade são denominados fenótipos. Nessa análise, distinguimos um fenótipo do tipo selvagem e um fenótipo mutante. Em comparação ao tipo selvagem, os mutantes são raros. Sabemos que eles surgem a partir dos tipos selvagens por meio de um processo denominado mutação, que resulta em uma alteração que pode ser herdada no DNA de um gene. O tipo alterado do gene também é denominado mutação. As mutações nem sempre são prejudiciais para um organismo; por vezes, elas podem ser vantajosas, mas com mais frequência não apresentam efeito observável. Sabe-se bastante a respeito dos mecanismos que causam as mutações (ver Capítulo 16), mas em geral pode-se dizer que elas surgem a partir de erros no processamento celular do DNA. A maior parte das populações naturais também apresenta polimorfismos, definidos como a coexistência de dois ou mais fenótipos de uma propriedade biológica razoavelmente comuns, tais como a ocorrência de ambas as plantas com frutas vermelhas e laranja em uma população de framboesas selvagens. A análise genética pode utilizar (e utiliza) os polimorfismos, mas os polimorfismos apresentam a desvantagem de em geral não envolver a propriedade específica de interesse para o pesquisador. Os mutantes são muito mais úteis, tendo em vista que possibilitam que o pesquisador enfoque qualquer propriedade. Declarando simplesmente, as etapas gerais da análise funcional por meio da descoberta dos genes são como segue: Reunião de mutantes que afetam a propriedade biológica de interesse. Cruzamento (acasalamento) de mutantes com o tipo selvagem para verificar se os seus descendentes mostram proporções de selvagens e mutantes características da herança monogênica. FIGURA 2.1 Estas fotografias mostram a variedade dos fenótipos mutantes típicos daqueles obtidos na dissecção genética das propriedades 3. 4. biológicas. Esses casos são da dissecção do desenvolvimento das flores na Arabidopsis thaliana (A) e do crescimento de hifas em Neurospora crassa, um fungo (B). WT = Tipo selvagem. (A. George Haughn; B. Anthony Griffiths/Olivera Gavric.) Dedução das funções do gene no nível molecular. Dedução de como o gene interage com outros genes para produzir a propriedade em questão. Dessas etapas, apenas 1 e 2 serão abrangidas no presente capítulo. A descoberta dos genes tem início com uma “caçada” para reunir mutantes nos quais a função biológica em investigação está alterada ou destruída. Embora os mutantes sejam individualmente raros, existem modos de intensificar a sua recuperação. Um método amplamente utilizado é tratar o organismo com radiação ou substâncias químicas que aumentam a taxa de mutação. Após o tratamento, o modo mais direto de identificar os mutantes é rastrear visualmente uma quantidade muito grande de indivíduos, procurando por uma ocorrência aleatória de mutantes naquela população. Além disso, diversos métodos de seleção podem ser planejados para o enriquecimento em relação aos tipos procurados. Armados com um conjunto de mutantes que afetam a propriedade de interesse, espera-se que cada mutante represente uma lesão em um de um conjunto de genes que controlam a propriedade. Portanto, a esperança é que uma via genética ou uma rede razoavelmente completa esteja representada. Entretanto, nem todos os mutantes são causados por lesões monogênicas (alguns têm etiologia muito mais complexa), de modo que primeiramente cada mutante deve ser testado para verificar se de fato ele é causado por uma mutação monogênica. O teste em relação à herança monogênica ocorre por meio do cruzamento dos indivíduos que apresentam a propriedade mutante com o tipo selvagem e em seguida com a análise da primeira e da segunda gerações dos descendentes.Como um exemplo, uma planta mutante com flores brancas é cruzada com o tipo selvagem que apresenta flores vermelhas. A progênie desse cruzamento é analisada e, em seguida, intercruzada para produzir uma segunda geração de descendentes. Em cada geração, as proporções diagnósticas de plantas com flores vermelhas em relação àquelas com flores brancas revelam se um gene único controla a cor da flor. Em caso afirmativo, por inferência, o tipo selvagem seria codificado pela forma selvagem do gene e o mutante seria codificado por um tipo do mesmo gene no qual um evento de mutação tenha de algum modo alterado a sequência do DNA. Outras mutações que afetam a cor da flor (talvez malva, manchada, listrada, e assim por diante) são analisadas do mesmo modo, em geral resultando em um conjunto definido de “genes de cor da flor”. A utilização de mutantes desse modo por vezes é denominada dissecção genética, tendo em vista que a propriedade biológica em questão (nesse caso, a cor da flor) é selecionada e separada para revelar o seu programa genético subjacente, não com um bisturi, mas com mutantes. Cada mutante possivelmente identifica um gene em separado que afeta aquela propriedade. Após um conjunto de genes-chave ter sido definido desse modo, diversos métodos moleculares diferentes podem ser utilizados para estabelecer as funções de cada um dos genes. Esses métodos serão abordados nos capítulos posteriores. Portanto, a genética tem sido utilizada para definir o conjunto de funções gênicas que interagem para produzir a propriedade que denominamos cor da flor (neste 2.1 exemplo). Esse tipo de abordagem para a descoberta dos genes por vezes é denominado genética direta, uma estratégia para a compreensão da função biológica que tem início com mutantes de gene único aleatórios e que termina com a sua sequência de DNA e a sua função bioquímica. (Veremos a genética reversa em atuação nos capítulos posteriores. Em resumo, ela tem início com a análise genômica no nível do DNA para identificar um conjunto de genes candidatos que codificam a propriedade biológica de interesse, em seguida induz mutantes direcionados especificamente para aqueles genes, e em seguida examina os fenótipos mutantes para verificar se de fato eles afetam a propriedade em estudo.) CONCEITO-CHAVE A abordagem genética para a compreensão de uma propriedade biológica é descobrir os genes que a controlam. Uma abordagem para a descoberta dos genes é isolar os mutantes e verificar cada um em relação aos padrões de herança monogênica (proporções específicas da expressão normal e mutante da propriedade nos descendentes). A descoberta dos genes é importante não apenas em organismos experimentais, como também em estudos aplicados. Uma área crucial é a agricultura, na qual a descoberta dos genes pode ser utilizada para compreender uma propriedade comercial desejável de um organismo, tal como o seu conteúdo proteico. A genética humana é outra área importante: saber quais funções gênicas estão envolvidas em uma doença ou uma condição específica são informações úteis para desenvolver terapias. As regras da herança monogênica foram elucidadas originalmente na década de 1860 pelo monge Gregor Mendel, que vivia em um monastério na cidade de Brno, atualmente parte da República Tcheca. A análise de Mendel é o protótipo da abordagem experimental para a descoberta de gene único, ainda utilizada atualmente. De fato, Mendel foi o primeiro a descobrir um gene! Mendel não sabia o que os genes eram, como influenciavam as propriedades biológicas ou como eram herdados no nível celular. Atualmente, sabemos que os genes atuam por meio de proteínas, um tópico ao qual retornaremos nos capítulos posteriores. Também sabemos que os padrões de herança monogênica são produzidos em virtude de os genes serem parte dos cromossomos e de esses serem repartidos de modo muito preciso entre as gerações, conforme veremos posteriormente no capítulo. Padrões de herança monogênica Relembre que a primeira etapa na dissecção genética é obter as variantes que diferem na propriedade em investigação. Supondo que obtivemos uma coleção de mutantes relevantes, a próxima questão é se cada uma das mutações é herdada como um gene único. Experimentos pioneiros de Mendel A primeira análise da herança monogênica como uma via para a descoberta dos genes foi realizada por Gregor Mendel. É dele a análise que seguiremos como um exemplo. Mendel escolheu a ervilha de jardim, Pisum sativum, como seu organismo de pesquisa. A escolha do organismo para qualquer pesquisa biológica é crucial, e a escolha de Mendel comprovou ser uma boa escolha, tendo em vista que ervilhas são de fácil plantio e cultivo. Entretanto, observe que Mendel não investigou mutantes de ervilhas; em vez disso, fez uso de mutantes que haviam sido encontrados por outras pessoas e que haviam sido utilizados na horticultura. Além disso, o trabalho de Mendel difere da maior parte das pesquisas genéticas realizadas atualmente, no sentido em que não foi uma dissecção genética; ele não estava interessado nas propriedades das próprias ervilhas, mas sim no modo como as unidades hereditárias que influenciavam aquelas propriedades eram herdadas de geração para geração. Contudo, as leis da herança deduzidas por Mendel são exatamente aquelas que utilizamos atualmente na genética moderna na identificação dos padrões monogênicos de herança. Mendel optou por investigar a herança de sete propriedades da espécie de ervilha escolhida: cor da ervilha, formato da ervilha, cor da vagem, formato da vagem, cor da flor, altura da planta e posição do broto florescente. Em genética, os termos característica e traço são utilizados de modo mais ou menos sinônimo; eles significam aproximadamente “propriedade”. Para cada uma dessas sete características, Mendel obteve de seu fornecedor de horticultura duas linhagens que apresentavam fenótipos distintos e contrastantes. Esses fenótipos contrastantes estão ilustrados na Figura 2.2. Seus resultados foram substancialmente os mesmos em relação a cada traço e, assim, podemos utilizar um traço, a cor da semente da ervilha, como uma ilustração. Todas as linhagens utilizadas por Mendel eram linhagens puras, o que significa que, em relação ao fenótipo em questão, toda a prole produzida por meio de cruzamentos entre os membros daquela linhagem era idêntica. Por exemplo, dentro da linhagem com sementes amarelas, toda a progênie de qualquer cruzamento era de sementes amarelas. A análise de Mendel da hereditariedade em ervilhas fez uso extensivo de cruzamentos. Para realizar um cruzamento em plantas como a ervilha, o pólen simplesmente é transferido das anteras de uma planta para o estigma de outra. Um tipo especial de cruzamento é a autopolinização, que é realizada ao permitir que o pólen de uma flor seja depositado sobre o seu próprio estigma. O cruzamento e a autopolinização estão ilustrados na Figura 2.3. O primeiro cruzamento realizado por Mendel foi de plantas das linhagens com sementes amarelas com plantas das linhagens com sementes verdes. Em seu programa de cruzamento geral, essas linhagens constituíram a geração parental, abreviada P. Na Pisum sativum, a cor da semente (a ervilha) é determinada pela constituição genética da própria semente; portanto, as ervilhas que resultam de um cruzamento são efetivamente progênie e podem ser convenientemente classificadas em relação ao fenótipo sem a necessidade de seu cultivo até plantas. Observou-se que a progênie de ervilhas do cruzamento entre as diferentes linhagens puras eram todas amarelas, não importava qual genitor (amarelo ou verde) fosseutilizado como masculino ou feminino. Essa geração de progênie é denominada primeira geração filial, ou F1. A palavra filial advém das palavras em latim filia (filha) e filius (filho). Portanto, os resultados desses dois cruzamentos recíprocos foram como segue, em que × representa um cruzamento: FIGURA 2.2 Para cada característica, Mendel estudou dois fenótipos contrastantes. Fêmea da linhagem amarela × Macho da linhagem verde → Todas as ervilhas da F1 amarelas Fêmea da linhagem verde × Macho da linhagem amarela → Todas as ervilhas da F1 amarelas Os resultados observados nos descendentes de ambos os cruzamentos recíprocos foram os mesmos e, assim, iremos tratá-los como um cruzamento. Mendel cultivou as ervilhas da F1 até se tornarem plantas, e autopolinizou essas plantas para obter a segunda geração filial, ou F2. A F2 foi composta por 6.022 ervilhas amarelas e 2.011 ervilhas verdes. Em resumo: FIGURA 2.3 Em um cruzamento de uma ervilha (esquerda), o pólen das anteras de uma planta é transferido para o estigma de outra. Na autopolinização (direita), o pólen é transferido das anteras para o estigma da mesma planta. F1 amarela × F1 amarela → F2 composta por 6.022 amarelas 2.001 verdes Total 8.023 Mendel observou que esse resultado estava muito próximo de uma proporção matemática de três quartos (75%) de amarelas e um quarto (25%) de verdes. Um cálculo simples nos demonstra que 6.022/8.023 = 0,751 ou 75,1%, e que 2.001/8.023 = 0,249 ou 24,9%. Portanto, havia uma proporção de 3:1 de amarelas e verdes. Curiosamente, o fenótipo verde, que havia desaparecido na F1, havia reaparecido em um quarto dos indivíduos da F2, demonstrando que os determinantes genéticos em relação ao verde realmente existiam na F1 amarela, embora não expressos. Para investigar adicionalmente a natureza das plantas da F2, Mendel autopolinizou as plantas cultivadas a partir das sementes da F2. Ele observou três tipos de resultados diferentes. As plantas cultivadas a partir das sementes verdes da F2, quando autopolinizadas, originavam apenas ervilhas verdes. Entretanto, a autopolinização das plantas cultivadas a partir das sementes amarelas da F2 resultou em dois tipos: um terço delas era de sementes amarelas puras, mas dois terços delas deram progênie mista, sendo três quartos de sementes amarelas e um quarto de sementes verdes, assim como as plantas da F1. Em resumo: da F2 era verde, que, quando autopolinizada, forneceu todas verdes da F2 eram amarelas; dessas, , quando autopolinizado, originou todas amarelas , quando autopolinizados, originaram amarelas e verde Portanto, observada de outro modo, a F2 foi composta por: verde puras amarelo puras de amarelas semelhantes às da F1 (progênie mista) Assim, a proporção de 3:1 em um nível mais fundamental é uma proporção de 1:2:1. Mendel realizou outro cruzamento informativo entre as plantas com sementes amarelas da F1 e qualquer planta com sementes verdes. Nesse cruzamento, a progênie demonstrou as proporções de metade amarelas e metade verdes. Em resumo: Amarela da F1 × Verde → amarelo verde Esses dois tipos de cruzamentos, a autopolinização de F1 e o cruzamento da F1 com qualquer planta com sementes verdes, forneceram progênies amarelas e verdes, mas em diferentes proporções. Essas duas proporções estão representadas na Figura 2.4. Observe que as proporções são observadas apenas quando são combinadas as ervilhas de diversas vagens. 1. 2. 3. FIGURA 2.4 Mendel obteve uma proporção fenotípica de 3:1 em sua autopolinização da F1 (esquerda) e uma proporção fenotípica de 1:1 em seu cruzamento da F1 amarela com verde (direita). Os tamanhos de amostra são arbitrários. As proporções de 3:1 e 1:1 observadas em relação à cor da ervilha também foram observadas para cruzamentos comparáveis em relação às outras seis características que Mendel estudou. Os valores reais para as proporções de 3:1 em relação àqueles traços são mostrados na Tabela 2.1. Lei de Mendel da segregação igual Inicialmente, o significado dessas proporções matemáticas precisas e repetíveis não foi evidente para Mendel, mas ele foi capaz de planejar um modelo brilhante que não apenas explicou todos os resultados, como também representou o nascimento histórico da ciência da genética. O modelo de Mendel para o exemplo da cor da ervilha, traduzido em termos modernos, foi como segue: Um fator hereditário, denominado gene, é necessário para a produção da cor da ervilha. Cada planta apresenta um par desse tipo de gene. O gene se apresenta em duas formas, denominadas alelos. Se o gene for foneticamente denominado um gene “ípsilon”, então os dois alelos podem ser representados por Y (que faz referência ao fenótipo amarelo) e y (que faz referência ao fenótipo verde). 4. 5. 6. 7. Tabela 2.1 Resultados de todos os cruzamentos de Mendel nos quais os genitores diferiam em uma característica. Fenótipos parentais F1 F2 Proporção da F2 1. Sementes lisas × Rugosas Todas lisas 5.474 lisas; 1.850 rugosas 2,96:1 2. Sementes amarelas × Verdes Todas amarelas 6.022 amarelas; 2.011 verdes 3,01:1 3. Pétalas roxas × Brancas Todas roxas 705 roxas; 224 brancas 3,15:1 4. Vagens infladas × Murchas Todas infladas 882 infladas; 299 murchas 2,95:1 5. Vagens verdes × Amarelas Todas verdes 428 verdes; 152 amarelas 2,82:1 6. Flores axiais × Terminais Todas axiais 651 axiais; 207 terminais 3,14:1 7. Caules longos × Curtos Todos longos 787 longos; 277 curtos 2,84:1 Uma planta pode ser Y/Y, y/y, ou Y/y. A barra demonstra que os alelos são um par. Na planta Y/y, o alelo Y domina e, assim, o fenótipo será amarelo. Portanto, o fenótipo da planta Y/y define o alelo Y como dominante e o alelo y como recessivo. Na meiose, os membros de um par de genes separam-se igualmente dentro das células que se tornam ovócitos e espermatozoides, os gametas. Essa separação igual se tornou conhecida como primeira lei de Mendel, ou lei de segregação igual. Portanto, um único gameta contém apenas um membro do par de genes. Na fertilização, os gametas se fundem aleatoriamente, independentemente de qual alelos eles contêm. Aqui, introduzimos uma parte da terminologia. Um ovócito fertilizado, a primeira célula que se desenvolve em um indivíduo da progênie, é denominado zigoto. Uma planta com um par de alelos idênticos é denominada homozigota (substantivo homozigose), e uma planta na qual os alelos do par são diferentes é denominada heterozigota (substantivo heterozigose). Por vezes, um heterozigoto em relação a um gene é denominado mono-híbrido. Um indivíduo pode ser classificado como homozigoto dominante (tal como Y/Y), heterozigoto (Y/y), ou homozigoto recessivo (y/y). Em geral, em genética as combinações alélicas subjacentes aos fenótipos são denominadas genótipos. Portanto, Y/Y, Y/y e y/y são todos genótipos. A Figura 2.5 demonstra como os postulados de Mendel explicam as proporções das progênies ilustradas na Figura 2.4. As linhagens puras são homozigotas, sejam Y/Y ou y/y. Portanto, cada linhagem produz apenas gametas Y ou apenas gametas y, originando só homozigotos. Quando cruzadas entre si, as linhagens Y/Y e y/y produzem uma geração F1 composta por todos indivíduos heterozigotos (Y/y). Tendo em vista que Y é dominante, todos os indivíduos da F1 são de fenótipo amarelo. Pode-se pensar na autopolinização dos indivíduos da F1 como um cruzamento do tipo Y/y × Y/y, que por vezes é denominado um cruzamento mono-híbrido. A segregação igual dos alelos Y e y na F1 heterozigota resulta em gametas do sexo masculino e feminino, metade dos quais são Y e metade dos quais são y. Os gametas masculinos e femininos se fundem aleatoriamente na fertilização, com os resultados demonstrados na grade na Figura 2.5. A composição da F2 é de três quartos de sementes amarelas e um quarto de verdes, umaproporção de 3:1. A proporção de um quarto das sementes F2 é verde puro, conforme esperado do genótipo y/y. Entretanto, as sementes amarelas da F2 (que totalizam três quartos) são de dois genótipos: dois terços delas são claramente heterozigotos Y/y, e um terço é homozigoto dominante Y/Y. Portanto, observamos que, na base da proporção fenotípica de 3:1 na F2, encontra-se uma proporção genotípica de 1:2:1: A ilustração geral de um indivíduo que expressa o alelo dominante é Y/—; o travessão representa uma abertura que pode ser preenchida por outro Y ou por um y. Observe que a segregação igual é detectável apenas na meiose de um heterozigoto. Portanto, Y/y produz metade dos gametas Y e metade dos gametas y. Embora a segregação igual esteja ocorrendo também em homozigotos, nem a segregação Y: Y, nem a segregação y: y é significativa ou detectável no nível genético. FIGURA 2.5 Os resultados de Mendel (esquerda) são explicados por um modelo monogênico (direita), que postula a segregação igual dos membros de um par de genes nos gametas. Agora também podemos explicar os resultados do cruzamento entre as plantas cultivadas a partir de sementes amarelas da F1 (Y/y) e as plantas cultivadas a partir de sementes verdes (y/y). Nesse caso, a segregação igual nas heterozigotas amarelas da F1 fornece gametas com uma proporção de Y: y. Entretanto, o genitor y/y somente pode produzir gametas y. Assim, o fenótipo da progênie depende apenas de qual alelo elas herdam do genitor Y/y. Portanto, a proporção gamética de Y: y do heterozigoto é convertida em uma proporção genotípica de Y/y: y/y, que corresponde a uma proporção fenotípica de 1:1 de plantas com sementes amarelas e plantas com sementes verdes. Isso está ilustrado no painel à direita da Figura 2.5. Observe que, ao definir os pares de alelos subjacentes aos seus fenótipos, Mendel havia identificado um gene que afeta radicalmente a cor da ervilha. Essa identificação não era o seu interesse primário, mas podemos observar como o achado dos padrões de herança monogênica é um processo de descoberta de genes, que identifica os genes individuais que influenciam uma propriedade biológica. CONCEITO-CHAVE Todas as proporções genéticas de 1:1, 3:1 e 1:2:1 são diagnósticas da herança monogênica e têm por base a segregação igual em um heterozigoto. A pesquisa de Mendel em meados do século 19 não foi notada pela comunidade científica internacional até que observações semelhantes foram publicadas de modo independente por diversos 2.2 outros pesquisadores no século 20. Logo depois, pesquisas em muitas espécies de plantas, animais, fungos e algas demonstraram que a lei da segregação igual de Mendel era aplicável a todos os eucariotos sexuados e, em todos os casos, tinha por base as segregações cromossômicas que ocorrem na meiose, um tópico ao qual nos voltaremos na próxima seção. Base cromossômica dos padrões de herança monogênica A consideração de Mendel sobre a segregação igual era que os membros de um par de genes segregavam igualmente na formação dos gametas. Ele não tinha conhecimento a respeito dos eventos subcelulares que ocorrem quando as células se dividem na formação dos gametas. Atualmente, compreendemos que os pares de genes estão localizados em pares de cromossomos e que são os membros de um par de cromossomos que de fato se segregam, carreando os genes com eles. Os membros de um par de genes são segregados como uma consequência inevitável. Herança monogênica em diploides Quando as células se dividem, assim também precisam se dividir o núcleo e seus principais componentes, os cromossomos. Para compreender a segregação gênica, primeiramente é preciso compreender e contrastar os dois tipos de divisões nucleares que ocorrem em células eucarióticas. Quando as células somáticas (corporais) se dividem para aumentar sua quantidade, a divisão nuclear que as acompanha é denominada mitose, um estádio programado de todos os ciclos de divisão celular eucariótica (Figura 2.6). A mitose pode ocorrer em células diploides ou haploides. Como resultado, uma célula genitora se torna duas células geneticamente idênticas. Portanto, Qualquer 2n → 2n + 2n ou n → n + n Esse “truque” de constância é conquistado quando cada cromossomo se replica para produzir duas cópias idênticas dele próprio, com a concomitante replicação do DNA. As duas cópias idênticas, que com frequência são discerníveis visualmente, são denominadas cromátides-irmãs. Em seguida, cada cópia é puxada em direção às extremidades opostas da célula. Quando a célula se divide, cada célula- filha apresenta o mesmo conjunto cromossômico que a sua genitora. Além disso, a maior parte dos eucariotos apresenta um ciclo sexuado e, nesses organismos, células diploides especializadas, denominadas meiócitos, são separadas e se dividem para produzir células sexuais, tais como espermatozoides e ovócitos em plantas e animais, ou esporos sexuais em fungos ou algas. Ocorrem duas divisões celulares sequenciais, e as duas divisões nucleares que as acompanham são denominadas meiose. Tendo em vista que ocorrem duas divisões, quatro células são produzidas a partir de cada célula genitora. A meiose ocorre apenas em células diploides, e os gametas resultantes (espermatozoides e ovócitos em animais e plantas) são haploides. Portanto, o resultado líquido da meiose é: FIGURA 2.6. 2n → n + n + n + n Essa divisão geral pela metade da quantidade de cromossomos durante a meiose é conquistada por meio de uma replicação e duas divisões. Assim como com a mitose, cada cromossomo é replicado uma vez, mas na meiose os cromossomos replicados (cromátides-irmãs) permanecem unidos. Um de cada um dos pares de cromossomos replicados é puxado em direção às extremidades opostas da célula, e ocorre a divisão. Na segunda divisão, as cromátides-irmãs se separam e são puxadas em direção às extremidades opostas da célula. A localização dos meiócitos nos ciclos de vida de animais, plantas e fungos está demonstrada na Figura 2.7. As características genéticas básicas da mitose e da meiose estão resumidas na Figura 2.8. Para facilitar a comparação, ambos os processos estão demonstrados em uma célula diploide. Observe, novamente, que a mitose ocorre em uma divisão celular, e as duas células-“filhas” resultantes apresentam o mesmo conteúdo genômico que a célula-“mãe” (genitora). O primeiro processo-chave a ser observado é uma replicação cromossômica pré-mitótica. No nível do DNA, esse estágio é a fase de síntese, ou S (ver Figura 2.6), na qual o DNA é replicado. A replicação produz pares de cromátides-irmãs idênticas, que se tornam visíveis no início da mitose. Quando uma célula se divide, cada membro de um par de cromátides-irmãs é puxado para dentro de uma célula-filha, onde assume o papel de um cromossomo pleno. Portanto, cada célula-filha apresenta o mesmo conteúdo cromossômico da célula original. Antes da meiose, assim como na mitose, ocorre a replicação cromossômica para formar cromátides- irmãs, que se tornam visíveis na meiose. O centrômero aparentemente não se divide nesse estádio, mas se divide na mitose. Também contrariamente à mitose, os pares homólogos de cromátides-irmãs agora se unem para formar um feixe de quatro cromátides homólogas. Essa reunião dos pares homólogos é denominada sinapse, e se forma em virtude das propriedades de uma estrutura macromolecular denominada complexo sinaptonêmico (SC), a qual corre pelo centro do par. Os cromossomos-irmãos replicados em conjunto são denominados díade (da palavra grega “dois”). A unidade que compreende o par de díades em sinapse é denominada bivalente. As quatro cromátides que compõem um bivalente são denominadas tétrade (da palavra grega “quatro”),para indicar que existem quatro unidades homólogas no feixe. FIGURA 2.7 Os ciclos de vida de humanos, plantas e fungos, demonstrando os pontos nos quais ocorrem a mitose e a meiose. Observe que em humanos do sexo feminino e em muitas plantas, três células da tétrade meiótica são abortadas. A abreviação n indica uma célula haploide, 2n, uma célula diploide; gp faz referência a gametófito, o nome da pequena estrutura composta por células haploides que produzirá gametas. Em muitas plantas, tais como o milho, um núcleo do gametófito masculino se funde com dois núcleos do gametófito feminino, dando origem a uma célula triploide (3n), que em seguida replica para formar o endosperma, um tecido nutritivo que circunda o embrião (que é derivado do zigoto 2n). (Uma observação entre parênteses. O processo de crossing over ocorre nesse estágio de tétrade. O crossing over altera as combinações de alelos de diversos genes diferentes, mas não afeta diretamente os padrões de herança monogênica; portanto, adiaremos a sua abrangência detalhada até o Capítulo 4. Para o momento, vale observar que, à parte da sua função de combinação de alelos, o crossing over sabidamente também é um evento crucial, que é essencial para a adequada segregação dos cromossomos na primeira divisão meiótica.) FIGURA 2.8 Representação simplificada da mitose e da meiose em células diploides (2n = Diploide; n = Haploide). (Versões detalhadas estão demonstradas no Apêndice 2.1, adiante.) Os bivalentes de todos os cromossomos se movimentam até o equador da célula e, quando a célula se divide, uma díade vai para cada nova célula, puxada por fibras do fuso ligadas próximo aos centrômeros. Na segunda divisão celular da meiose, os centrômeros se dividem e cada membro de uma díade (cada membro de um par de cromátides) se movimenta para uma célula-filha. Portanto, embora o processo tenha início com o mesmo conteúdo genômico da mitose, as duas segregações sucessivas resultam em quatro células haploides. Cada uma das quatro células haploides que constituem os quatro produtos da meiose contém um membro de uma tétrade; portanto, o grupo de quatro células por vezes também é denominado uma tétrade. A meiose pode ser resumida como segue: Início: → dois homólogos Replicação: → duas díades Pareamento: → tétrade Primeira divisão: → uma díade para cada célula-filha Segunda divisão: → uma cromátide para cada célula-filha Pesquisas em biologia celular demonstraram que as fibras do fuso que separam os cromossomos são polímeros da molécula tubulina. A separação é causada principalmente por uma despolimerização e consequente encurtamento das fibras no ponto em que elas estão unidas aos cromossomos. O comportamento dos cromossomos durante a meiose explica claramente a lei de Mendel sobre a segregação igual. Considere um heterozigoto de tipo geral A/a. Podemos simplesmente seguir o resumo precedente enquanto consideramos o que ocorre com os alelos desse gene: Início: um homólogo carrega A e um carrega a Replicação: uma díade é AA e uma é aa Pareamento: a tétrade é A/A/a/a Produtos da primeira divisão: uma célula AA, a outra célula aa (o crossing over pode misturar esses tipos de produtos, mas a proporção geral não é alterada) Produtos da segunda divisão: quatro células, duas do tipo A e duas do tipo a Portanto, os produtos da meiose de um meiócito heterozigoto A/a são A e a, precisamente a proporção igual que é necessária para explicar a primeira lei de Mendel. Meiose: Observe que enfocamos os amplos aspectos genéticos da meiose necessários para explicar a herança monogênica. Descrições mais completas dos estágios detalhados da mitose e da meiose são apresentadas nos Apêndices 2.1 e 2.2 ao fim deste capítulo. Herança monogênica em haploides Vimos que a base celular da lei da segregação igual é a segregação dos cromossomos na primeira divisão da meiose. Até então na discussão, a evidência em relação à segregação igual de alelos nos meiócitos de plantas e de animais é indireta, com base na observação que cruzamentos demonstram proporções adequadas de progênie esperadas pela segregação igual. Reconheça que os gametas nesses estudos (tais como o de Mendel) precisam advir de muitos meiócitos diferentes. Entretanto, em alguns organismos, seu ciclo de vida especial possibilita o exame dos produtos de um único meiócito. Esses organismos são denominados haploides, bons exemplos dos quais são a maior parte dos fungos e das algas. Eles passam a maior parte de suas vidas no estado haploide, mas conseguem se cruzar, no processo que forma uma célula diploide temporária, que se torna o meiócito. Em algumas espécies, os quatro produtos de uma única meiose são temporariamente mantidos juntos em um tipo de saco. Saccharomyces cerevisiae (um fungo), fornece um bom exemplo (ver Organismo-modelo, Levedura, no Capítulo 12). Em fungos, existem formas simples de sexos, denominadas tipos reprodutivos. Em S. cerevisiae, existem dois tipos reprodutivos e um cruzamento de sucesso somente pode ocorrer entre linhagens de tipos reprodutivos opostos. Vejamos um cruzamento que inclui um mutante de levedura. Colônias de levedura do tipo selvagem normais são brancas, mas, ocasionalmente, surgem mutantes vermelhos em virtude de uma mutação em um gene na via bioquímica que sintetiza a adenina. Utilizemos o mutante vermelho para investigar a segregação igual em um único meiócito. Podemos denominar o alelo mutante r para vermelho. Qual símbolo podemos utilizar para o alelo normal, ou do tipo selvagem? Em genética experimental, o alelo do tipo selvagem em relação a qualquer gene em geral é designado por um sinal de mais, +. Esse sinal é unido como um sobrescrito ao símbolo inventado para o alelo mutante. Portanto, o alelo do tipo selvagem nesse exemplo será designado r+, mas com frequência é utilizado apenas o sinal + como uma abreviação. Para verificar a segregação monogênica, o mutante vermelho é cruzado com o tipo selvagem. O cruzamento será: r+ × r Quando duas células do tipo reprodutivo oposto se fundem, é formada uma célula diploide, e é essa célula que se torna o meiócito. No presente exemplo, o meiócito diploide será heterozigoto, r+/r. A replicação e a segregação de r+ e r originam uma tétrade de dois produtos meióticos (esporos) de genótipo r+ e dois de genótipo r, todos contidos dentro de um saco membranoso denominado asco. Portanto, Os detalhes do processo estão demonstrados na Figura 2.9. Se os quatro esporos de um asco forem isolados (representando uma tétrade de cromátides) e utilizados para gerar quatro culturas de leveduras, a segregação igual dentro de um meiócito é revelada diretamente como duas culturas brancas e duas vermelhas. Se analisarmos os esporos aleatórios de muitos meiócitos, encontraremos aproximadamente 50% de vermelhos e 50% de brancos. Observe a simplicidade da genética haploide: um cruzamento requer a análise de apenas uma meiose; contrariamente, um cruzamento diploide requer uma consideração da meiose em ambos os genitores dos sexos masculino e feminino. Essa simplicidade é um motivo importante para a utilização de haploides como organismos-modelo. Outro motivo é que, em haploides, todos os alelos estão expressos no fenótipo, tendo em vista que não existe mascaramento de recessivos por alelos dominantes no outro homólogo. 2.3 FIGURA 2.9 Um asco isolado do cruzamento + × r leva a duas culturas de + e duas culturas de r. Base molecular dos padrões de herança mendeliana É claro que Mendel não fazia ideia da natureza molecular dos conceitos com os quais estava trabalhando. Nesta seção, podemos iniciar a introdução de alguns dos conceitos de Mendel em um contexto molecular. Iniciemos com os alelos. Utilizamoso conceito de alelos sem defini-los no nível molecular. Quais são as diferenças estruturais entre os alelos do tipo selvagem e mutantes no nível do DNA de um gene? Quais são as diferenças funcionais no nível proteico? Os alelos mutantes podem ser utilizados para estudar a herança monogênica sem a necessidade de compreender a sua natureza estrutural ou funcional. Entretanto, tendo em vista que um motivo primário para o embarque na herança monogênica é finalmente investigar a função de um gene, devemos compreender a natureza molecular dos alelos do tipo selvagem e mutante em ambos os níveis, estrutural e funcional. Diferenças estruturais entre os alelos no nível molecular Mendel propôs que os genes se apresentam em diferentes formas, que atualmente denominamos alelos. O que são alelos no nível molecular? Quando alelos tais como A e a são examinados no nível do DNA por meio da utilização da tecnologia moderna, em geral observa-se que são idênticos na maior parte de suas sequências e que diferem apenas em um ou diversos nucleotídios das centenas ou dos milhares de nucleotídios que compõem o gene. Portanto, observamos que os alelos são versões verdadeiramente diferentes do mesmo gene. O diagrama a seguir representa o DNA de dois alelos de um gene; a letra x representa uma diferença na sequência de nucleotídios: Se a sequência de nucleotídios de um alelo é alterada como resultado de um “acidente” químico raro, é criado um novo alelo mutante. As referidas alterações podem ocorrer em qualquer local ao longo da sequência de nucleotídios de um gene. Por exemplo, uma mutação pode ser uma alteração na identidade de um nucleotídio único, ou a deleção de um ou mais nucleotídios, ou até mesmo a adição de um ou mais nucleotídios. Existem muitos modos por meio dos quais um gene pode ser alterado pela mutação. Por um lado, a lesão mutacional pode ocorrer em qualquer um de muitos locais diferentes. Podemos representar a situação como segue, em que o azul-escuro indica a sequência de DNA do tipo selvagem normal e o vermelho com a letra x representa a sequência alterada: Aspectos moleculares da transmissão dos genes Replicação dos alelos durante a fase S. O que ocorre com os alelos no nível molecular durante a divisão celular? Sabemos que o componente genômico primário de cada cromossomo é uma molécula de DNA. Essa molécula de DNA é replicada durante a fase S, que precede a mitose e a meiose. Conforme veremos no Capítulo 7, a replicação é um processo preciso e, assim, todas as informações genéticas são duplicadas, sejam do tipo selvagem ou mutante. Por exemplo, se uma mutação for o resultado de uma alteração em um único par de nucleotídios — digamos, de GC (tipo selvagem) para AT (mutante) — então em um heterozigoto, a replicação será como segue: A replicação do DNA antes da mitose em um haploide e um diploide está demonstrada na Figura 2.10. Esse tipo de ilustração serve para nos lembrar que, em nossas considerações sobre os mecanismos da herança, essencialmente são as moléculas de DNA que estão sendo movimentadas nas células em divisão. Meiose e mitose no nível molecular. A replicação do DNA durante a fase S produz duas cópias de cada alelo, A e a, que agora podem ser segregadas em células separadas. A divisão nuclear visualizada no nível do DNA está demonstrada na Figura 2.11. Demonstração da segregação cromossômica no nível molecular. Interpretamos os padrões de herança fenotípica monogênica em relação à segregação do DNA cromossômico na meiose. Existe algum modo para demonstrar a segregação do DNA diretamente (contrariamente à segregação fenotípica)? A abordagem mais direta seria sequenciar os alelos (digamos, A e a) nos genitores e nos produtos meióticos: o resultado seria que metade dos produtos apresentaria a sequência do DNA A e metade apresentaria a sequência do DNA a. O mesmo seria verdadeiro em relação a qualquer sequência de DNA que diferisse nos cromossomos herdados, incluindo aquelas não necessariamente dentro dos alelos correlacionados com fenótipos conhecidos, tais como flores vermelhas e brancas. Portanto, observamos que as regras da segregação anunciadas por Mendel se aplicam não somente aos genes, mas também a qualquer trecho de DNA ao longo de um cromossomo. FIGURA 2.10 Cada cromossomo se divide longitudinalmente em duas cromátides (esquerda); no nível molecular (direita), a molécula de DNA única de cada cromossomo se replica, produzindo duas moléculas de DNA, uma para cada cromátide. Também estão demonstradas diversas combinações de um gene com o alelo do tipo selvagem b+ e o tipo mutante b, causado pela alteração em um único par de bases, de GC para AT. Observe que, no nível do DNA, as duas cromátides produzidas quando um cromossomo se replica são sempre idênticas entre si e ao cromossomo original. CONCEITO-CHAVE A herança mendeliana é demonstrada por qualquer segmento de DNA em um cromossomo: por meio dos genes e de seus alelos e por meio de marcadores moleculares não necessariamente associados a qualquer função biológica. Alelos no nível molecular No nível molecular, o fenótipo primário de um gene é a proteína que ele produz. Quais são as diferenças funcionais entre as proteínas que explicam os distintos efeitos dos alelos do tipo selvagem e mutantes sobre as propriedades de um organismo? Exploremos o tópico ao utilizar a doença humana fenilcetonúria (PKU). Veremos em uma seção posterior na análise de heredogramas que o fenótipo da PKU é herdado como um traço mendeliano recessivo. A doença é causada por um alelo defeituoso do gene que codifica a enzima hepática fenilalanina hidroxilase (PAH). Essa enzima normalmente converte a fenilalanina nos alimentos no aminoácido tirosina: Entretanto, uma mutação no gene que codifica essa enzima pode alterar a sequência de aminoácidos próxima ao sítio ativo da enzima. Nesse caso, a enzima não consegue se ligar à fenilalanina (seu substrato) ou convertê-la em tirosina. Portanto, a fenilalanina se acumula no corpo e é convertida, em vez disso, em ácido fenilpirúvico. Esse composto interfere no desenvolvimento do sistema nervoso, levando ao retardo mental. Os bebês atualmente são testados de modo rotineiro ao nascimento em relação a essa deficiência de processamento. Se a deficiência for detectada, o acúmulo de fenilalanina poderá ser evitado com a utilização de uma dieta especial e o desenvolvimento da doença será interrompido. A enzima PAH é composta por um único tipo de proteína. Quais alterações ocorreram no DNA mutado do gene da PKU, e como a referida alteração no nível do DNA afeta a função da proteína e produz o fenótipo da doença? O sequenciamento dos alelos mutantes de muitos pacientes com PKU revelou uma pletora de mutações em diferentes sítios ao longo do gene, principalmente nas regiões de codificação da proteína, ou éxons; os resultados estão resumidos na Figura 2.12. Elas representam uma variação de alterações do DNA, mas a maior parte é de pequenas alterações que afetam apenas um par de nucleotídios entre os milhares que constituem o gene. O que esses alelos têm em comum é que eles codificam uma proteína defeituosa, que deixa de apresentar a atividade normal da PAH. Ao alterar um ou mais aminoácidos, todas as mutações inativam alguma parte essencial da proteína codificada pelo gene. O efeito da mutação sobre a função gênica depende da região dentro do gene no qual ocorre a mutação. Uma região funcional importante do gene é aquela que codifica um sítio ativo da enzima; assim, essa região é muito sensível à mutação. Além disso, se observa que uma minoria das mutações ocorre em íntrons, e essas mutações com frequência impedem o processamentonormal do transcrito primário do RNA. Algumas das consequências gerais da mutação no nível da proteína estão demonstradas na Figura 2.13. Muitos dos alelos mutantes são de um tipo em geral denominado alelos nulos: as proteínas codificadas por eles apresentam ausência completa da função da PAH. Outros alelos mutantes reduzem o nível da função enzimática; por vezes eles são denominados mutações hipomórficas (leaky), tendo em vista que alguma função do tipo selvagem parece “vazar” no fenótipo mutante. O sequenciamento do DNA com frequência detecta alterações que não causam impacto funcional, de modo que elas são funcionalmente do tipo selvagem. Portanto, observamos que os termos tipo selvagem e mutante por vezes devem ser utilizados com cautela. FIGURA 2.11 Transmissão gênica e de DNA na mitose e na meiose em eucariotos. Estão demonstrados a fase S e os principais estágios da mitose e da meiose. As divisões mitóticas (à esquerda e na parte central) conservam o genótipo da célula original. À direita, as duas divisões meióticas sucessivas que ocorrem durante o estágio sexuado do ciclo de vida apresentam o efeito líquido de dividir pela metade o número de cromossomos. Os alelos A e a de um gene são utilizados para demonstrar como os genótipos são transmitidos na divisão celular. FIGURA 2.12 Muitas mutações no gene da fenilalanina hidroxilase humana que causam mau funcionamento enzimático são conhecidas. O número de mutações nos éxons, ou regiões codificadoras da proteína (pretas), está listado acima do gene. O número de mutações nas regiões intrônicas (verdes, numeradas 1 a 13) que alteram a recomposição do mRNA está listado abaixo do gene. (Dados de C. R. Scriver, Ann. Rev. Genet. 28, 1994, 141-165.) FIGURA 2.13 Mutações nas regiões de um gene que codificam sítios enzimáticos ativos levam à formação de enzimas que não funcionam (mutações nulas). Mutações em outras regiões gênicas podem não apresentar efeitos sobre a função enzimática (mutações silenciosas). Os promotores são sítios importantes na iniciação da transcrição. CONCEITO-CHAVE A maior parte das mutações que alteram o fenótipo altera a sequência de aminoácidos do produto proteico do gene, resultando em redução ou ausência de função. Temos seguido a ideia de que descobrir um conjunto de genes que interferem com a propriedade biológica em investigação é um objetivo importante da genética, tendo em vista que ele define os componentes do sistema. Entretanto, descobrir o modo preciso por meio do qual os alelos mutantes levam aos fenótipos mutantes com frequência é desafiador, requerendo não apenas a identificação dos produtos proteicos desses genes, mas também estudos celulares e fisiológicos detalhados para medir os efeitos das mutações. Além disso, descobrir como o conjunto de genes interage é um segundo nível de desafio e um tópico que seguiremos posteriormente, com início no Capítulo 6. Dominância e recessividade. Com uma compreensão a respeito de como os genes atuam por meio de seus produtos proteicos, podemos compreender melhor a dominância e a recessividade. A dominância foi definida anteriormente neste capítulo como o fenótipo mostrado por um heterozigoto. Portanto, formalmente, é o fenótipo que é dominante ou recessivo, mas, na prática, os geneticistas com frequência aplicam o termo aos alelos. Essa definição formal não apresenta conteúdo molecular, mas ambas a dominância e a recessividade podem apresentar explicações simples no nível molecular. Introduzimos aqui o tópico, para ser revisitado no Capítulo 6. Como os alelos podem ser dominantes? Como eles podem ser recessivos? A recessividade é observada em mutações nulas nos genes que são funcionalmente haplossuficientes, imprecisamente significando que uma cópia do gene apresenta função suficiente para produzir um fenótipo do tipo selvagem. Embora uma célula diploide do tipo selvagem normalmente apresente duas cópias totalmente funcionais de um gene, uma cópia de um gene haplossuficiente proporciona produtos genéticos suficientes (em geral uma proteína) para realizar as transações normais da célula. Em um heterozigoto (digamos, +/m, em que m é um nulo), a única cópia funcional codificada pelo alelo + proporciona produto proteico suficiente para a função celular normal. Em um exemplo simples, presuma que uma célula necessite de no mínimo 10 unidades proteicas para funcionar normalmente. Cada alelo do tipo selvagem consegue produzir 12 unidades. Portanto, um homozigoto do tipo selvagem +/+ produzirá 24 unidades. O heterozigoto +/m produzirá 12 unidades, excedendo o mínimo de 10 unidades e, portanto, o alelo mutante é recessivo, tendo em vista que não apresenta impacto sobre o heterozigoto. Outros genes são haploinsuficientes. Nos referidos casos, um alelo mutante nulo será dominante, tendo em vista que, em um heterozigoto (+/P), o único alelo do tipo selvagem não consegue proporcionar produto suficiente para a função normal. Como outro exemplo, vamos presumir que a célula necessite de no mínimo 20 unidades dessa proteína, e que o alelo do tipo selvagem produza apenas 12 unidades. Um homozigoto do tipo selvagem +/+ produz 24 unidades, que é superior ao mínimo. Entretanto, um heterozigoto que envolve uma mutação nula (+/P) produz apenas 12; portanto, a presença do alelo mutante no heterozigoto resulta em um suprimento inadequado de produtos e se segue um fenótipo mutante. Em alguns casos, a mutação resulta em uma nova função para o gene. As referidas mutações podem ser dominantes, tendo em vista que, em um heterozigoto, o alelo do tipo selvagem não consegue mascarar essa nova função. A partir das breves considerações anteriores, observamos que o fenótipo, a descrição ou a medida que 2.4 1. 2. 3. seguimos durante a herança mendeliana, é uma propriedade emergente, com base na natureza dos alelos e no modo como o gene funciona normal ou anormalmente. O mesmo pode ser dito em relação às descrições de dominante e recessivo que aplicamos para um fenótipo. Alguns genes descobertos por meio da observação das proporções de segregação Relembre que um objetivo geral da análise genética atual é dissecar uma propriedade biológica por meio da descoberta do conjunto de genes únicos que a afetam. Aprendemos que um modo importante de identificar esses genes é por meio das proporções de segregação fenotípica geradas por suas mutações — com mais frequência proporções de 1:1 e 3:1, ambas as quais têm por base a segregação igual, conforme definida por Gregor Mendel. Vejamos alguns exemplos que estendem a abordagem mendeliana para um ambiente experimental moderno. Tipicamente, o pesquisador é confrontado com uma variedade de fenótipos mutantes interessantes, que afetam a propriedade de interesse (tal como aquelas ilustradas na Figura 2.1) e agora precisa saber se eles são herdados como alelos de mutantes únicos. Os alelos mutantes podem ser dominantes ou recessivos, dependendo da sua ação; assim, a questão da dominância também precisa ser considerada na análise. O procedimento padrão é cruzar o mutante com o tipo selvagem. (Se o mutante for estéril, então é necessária outra abordagem.) Primeiramente, consideraremos três casos simples que abrangem a maior parte dos desfechos possíveis: Uma flor fértil mutante, sem pigmento nas pétalas (p. ex., com pétalas brancas, contrariamente às vermelhas normais). Uma mosca-das-frutas fértil mutante, com asas curtas. Um fungo fértil mutante, que produz excesso de ramos hifais (hiper-ramificação). Um gene ativo no desenvolvimento da cor da flor Para iniciar o processo, a planta com flores brancas é cruzada com o tipo selvagem normal vermelho. Todas as plantas da F1 são com floresvermelhas e, das 500 plantas da F2 amostradas, 378 são com flores vermelhas e 122 são com flores brancas. Se reconhecermos a existência do erro de amostragem, essas quantidades da F2 estão muito próximas de uma proporção de , ou 3:1. Tendo em vista que essa proporção indica a herança monogênica, podemos concluir que o mutante é causado por uma alteração recessiva em um gene único. De acordo com as regras gerais da nomenclatura dos genes, o alelo mutante para as pétalas brancas pode ser denominado alb, que se refere a albino, e o alelo do tipo selvagem seria alb+, ou apenas +. (As convenções em relação à nomenclatura dos alelos variam um pouco entre os organismos: algumas das variações estão demonstradas no Apêndice A sobre a nomenclatura.) Conjeturamos que o alelo do tipo selvagem desempenha um papel essencial na produção das pétalas coloridas da planta, uma propriedade que é quase certamente necessária para atrair polinizadores para a flor. O gene poderia estar implicado na síntese bioquímica do pigmento ou na parte do sistema de sinalização que informa às células da flor que iniciem a fabricação do pigmento, ou em uma diversidade de outras possibilidades que necessitam de investigação adicional. No nível puramente genético, os cruzamentos realizados seriam representados simbolicamente como P +/+ × alb/alb F1 Todos +/alb F2 +/+ +/alb alb/alb ou graficamente conforme nas grades a seguir (ver também Figura 2.5). Esse tipo de grade que demonstra os gametas e as fusões gaméticas é denominado quadrado de Punnett, em homenagem a um dos primeiros geneticistas, Reginald C. Punnett. Eles são dispositivos úteis para explicar as proporções genéticas. Encontraremos mais nas discussões posteriores. Um gene para o desenvolvimento das asas No exemplo da mosca-das-frutas, o cruzamento da mosca com asas curtas mutante com o estoque com asas longas do tipo selvagem produziu uma progênie de 788 moscas, classificadas como segue: 196 machos com asas curtas 194 fêmeas com asas curtas 197 machos com asas longas 201 fêmeas com asas longas No total, existem 390 moscas com asas curtas e 398 com asas longas, muito próximas de uma proporção de 1:1. A proporção é a mesma nos machos e nas fêmeas, novamente dentro dos limites do erro de amostragem. Portanto, a partir desses resultados, o mutante “asas curtas” muito provavelmente foi produzido por uma mutação dominante. Observe que, para que uma mutação dominante seja expressa, é necessária apenas uma “dose” única do alelo mutante. Assim, na maior parte dos casos, quando o mutante aparecer pela primeira vez na população, ele ocorrerá no estado heterozigoto. (Isso não é verdadeiro em relação a uma mutação recessiva, tal como aquela no exemplo da planta antecedente, que precisa ser homozigota para ser expressa e deve ser originária da autopolinização de uma planta heterozigota não identificada na geração anterior.) Quando a progênie de asas longas foi intercruzada, todos os descendentes tinham asas longas, conforme esperado de um alelo do tipo selvagem recessivo. Quando a progênie de asas curtas foi intercruzada, seus descendentes demonstraram uma proporção de três quartos curtos para um quarto de asas longas. As mutações dominantes são representadas por letras ou palavras maiúsculas: no presente exemplo, o alelo mutante pode ser denominado SH, que se refere a “curta” (em inglês, short). Então, os cruzamentos seriam representados simbolicamente como: P +/+ × SH/+ F1 +/+ SH/+ F1 +/+ × +/+ Todas +/+ F1 SH/+ × SH/+ SH/SH SH/+ +/+ ou graficamente conforme demonstrado nas grades adiante. Essa análise do mutante da mosca identifica um gene que faz parte de um subconjunto de genes que, na forma selvagem, são cruciais para o desenvolvimento normal de uma asa. Tal resultado é o ponto de partida para estudos adicionais, cujo foco é identificar o exato desenvolvimento e as vias celulares nas quais o crescimento da asa é interrompido, que, após a identificação, revelariam o momento de ação do alelo selvagem durante o desenvolvimento. Um gene para a ramificação das hifas Um fungo mutante hiper-ramificado (tal como a colônia semelhante a um botão na Figura 2.1) foi cruzado com um fungo do tipo selvagem com ramificação esparsa normal. Em uma progênie de 300, 152 eram do tipo selvagem e 148 eram hiper-ramificados, muito próximas de uma proporção de 1:1. Inferimos a partir dessa proporção de herança monogênica que a mutação hiper-ramificada é de um gene único. Em haploides, atribuir a dominância normalmente não é possível, mas, para conveniência, podemos denominar o alelo hiper-ramificado hb e o tipo selvagem hb+ ou +. Os cruzamentos obrigatoriamente foram: P + × hb Meiócito diploide +/hb F1 + hb A análise da mutação e da herança revelou um gene cujo alelo do tipo selvagem é essencial para o controle normal da ramificação, uma função-chave na dispersão do fungo e na aquisição de nutrientes. Agora o mutante precisa ser investigado para saber em que ponto na sequência normal do desenvolvimento ele produz um bloqueio. Essa informação revelará o momento e o local nas células em que o alelo normal atua. Por vezes, a gravidade de um fenótipo mutante torna o organismo estéril, incapaz de passar pelo ciclo sexual. Como a herança monogênica dos mutantes estéreis pode ser demonstrada? Em um organismo diploide, um mutante recessivo estéril pode ser propagado como um heterozigoto e em seguida o heterozigoto pode ser autofecundado para produzir os esperados 25% de mutantes homozigotos recessivos para o estudo. Um mutante dominante estéril é um beco sem saída genético e não pode ser propagado sexuadamente, mas, em plantas e fungos, tal mutante pode ser facilmente propagado assexuadamente. E se um cruzamento entre um mutante e um tipo selvagem não produzir uma proporção de 3:1 ou 1:1, conforme discutido aqui, mas alguma outra proporção? Tal resultado pode ocorrer em virtude das interações de diversos genes ou de um efeito ambiental. Algumas dessas possibilidades são discutidas no Capítulo 6. Previsão das proporções na progênie ou dos genótipos parentais por meio da aplicação dos princípios da herança monogênica Podemos resumir a análise da descoberta dos genes como segue: Observe as proporções fenotípicas na progênie → Deduza os genótipos dos genitores (A/A, A/a ou a/a) Entretanto, o mesmo princípio da herança (essencialmente a lei de Mendel sobre a segregação igual) também pode ser utilizado para prever as proporções fenotípicas na progênie de genitores de genótipos conhecidos. Esses genitores seriam originários de estoques mantidos pelo pesquisador. Os tipos e as proporções da progênie de cruzamentos tais como A/A × A/a, A/A × a/a, A/a × A/a e A/a × a/a podem ser facilmente previstos. Em resumo: Cruze genitores de genótipos conhecidos → Preveja as proporções fenotípicas na progênie Esse tipo de análise é utilizado em cruzamentos gerais para sintetizar genótipos para pesquisas ou para a agricultura. Também é útil para prever probabilidades de diversos desfechos em reproduções humanas em famílias com histórias de doenças monogênicas. 2.5 Após a herança monogênica ter sido estabelecida, um indivíduo que apresente o fenótipo dominante, mas de genótipo desconhecido, pode ser testado para verificar se o genótipo é homozigoto ou heterozigoto. Um referido teste pode ser realizado por meio do cruzamento do indivíduo (de fenótipo A/?) com uma linhagem-testadora recessiva a/a. Se o indivíduo for heterozigoto, resultará uma proporção de 1:1 ( A/a e a/a); se o indivíduo for homozigoto, toda a progênie apresentará o fenótipo dominante (todas A/a). Em geral, o cruzamento deum indivíduo de heterozigosidade desconhecida (em relação a um gene ou mais) com um genitor totalmente recessivo é denominado um cruzamento-teste, e o indivíduo recessivo é denominado testador. Encontraremos cruzamentos-teste muitas vezes em todos os capítulos subsequentes; eles são muito úteis para deduzir os eventos meióticos que ocorrem em genótipos mais complexos, tais como di-híbridos e tri-híbridos. A utilização de um testador totalmente recessivo significa que a meiose no genitor testador pode ser ignorada, tendo em vista que todos os seus gametas são recessivos e não contribuem para os fenótipos da progênie. Um teste alternativo em relação à heterozigosidade (útil se o testador recessivo não estiver disponível e o organismo puder ser autofecundado) é simplesmente autofecundar o desconhecido: se o organismo que está sendo testado for heterozigoto, será observada uma proporção de 3:1 na progênie. Os referidos testes são úteis na análise genética de rotina. CONCEITO-CHAVE Os princípios da herança (tais como a lei de segregação igual) podem ser aplicados em duas direções: (1) inferindo os genótipos a partir das proporções fenotípicas e (2) prevendo as proporções fenotípicas a partir de genitores de genótipos conhecidos. Padrões de herança monogênica ligada ao sexo Os cromossomos que estivemos analisando até o momento são autossomos, os cromossomos “regulares” que formam a maior parte do conjunto genômico. Entretanto, muitos animais e plantas apresentam um par especial de cromossomos associados ao sexo. Os cromossomos sexuais também se segregam igualmente, mas as proporções fenotípicas observadas na progênie com frequência são diferentes das proporções autossômicas. Cromossomos sexuais A maior parte dos animais e muitas plantas demonstram dimorfismo sexual; em outras palavras, os indivíduos são do sexo masculino ou feminino. Na maioria desses casos, o sexo é determinado por um par especial de cromossomos sexuais. Observemos os seres humanos como um exemplo. As células do corpo humano apresentam 46 cromossomos: 22 pares homólogos de autossomos, mais 2 cromossomos sexuais. As mulheres apresentam um par de cromossomos sexuais idênticos denominados cromossomos X. Os homens apresentam um par não idêntico, composto por um X e um Y. O cromossomo Y é consideravelmente mais curto que o X. Portanto, se deixarmos A representar os cromossomos autossômicos, podemos escrever: Mulheres = 44A + XX Homens = 44A + XY Na meiose em indivíduos do sexo feminino, os dois cromossomos X pareiam e segregam como os autossomos e, assim, cada ovócito recebe um cromossomo X. Portanto, em relação aos cromossomos sexuais, os gametas são de apenas um tipo e diz-se que o indivíduo do sexo feminino é o sexo homogamético. Na meiose em indivíduos do sexo masculino, os cromossomos X e Y pareiam ao longo de uma região curta, que assegura que X e Y se separem, de modo que existem dois tipos de espermatozoides, metade com um X e a outra metade com um Y. Portanto, o indivíduo do sexo masculino é denominado sexo heterogamético. Os padrões de herança de genes nos cromossomos sexuais são diferentes daqueles dos genes autossômicos. Os padrões de herança dos cromossomos sexuais foram investigados pela primeira vez no início da década de 1900 no laboratório do grande geneticista Thomas Hunt Morgan, com a utilização da mosca-das-frutas Drosophila melanogaster (ver Organismo-modelo, adiante). Esse inseto tem sido um dos organismos de pesquisa mais importantes em genética; seu ciclo de vida curto e simples contribui para a sua utilidade nesse sentido. As moscas-das-frutas apresentam três pares de autossomos, mais um par de cromossomos sexuais, novamente denominados X e Y. Assim como em mamíferos, as fêmeas da Drosophila apresentam a constituição XX e os machos são XY. Entretanto, o mecanismo de determinação sexual na Drosophila difere daquele em mamíferos. Na Drosophila, o número de cromossomos X em relação aos autossomos determina o sexo: dois X resultam em uma fêmea e um X resulta em um macho. Em mamíferos, a presença do cromossomo Y determina a masculinidade e a ausência de um Y determina a feminilidade. Entretanto, é importante observar que, apesar dessa base um pouco diferente para a determinação sexual, os padrões de herança monogênica dos genes nos cromossomos sexuais são extraordinariamente semelhantes na Drosophila e em mamíferos. As plantas vasculares demonstram uma diversidade de arranjos sexuais. As espécies dioicas são aquelas que demonstram dimorfismo sexual semelhante ao dos animais, com as plantas do sexo feminino apresentando flores que contêm apenas ovários e as plantas do sexo masculino apresentando flores que contêm apenas anteras (Figura 2.14). Algumas das plantas dioicas, mas não todas, apresentam um par não idêntico de cromossomos associado ao (e quase certamente determinando o) sexo da planta. Das espécies com cromossomos sexuais não idênticos, uma grande proporção apresenta um sistema XY. Por exemplo, a planta dioica Melandrium album apresenta 22 cromossomos por célula: 20 autossomos, mais 2 cromossomos sexuais, com fêmeas XX e machos XY. Outras plantas dioicas não apresentam pares de cromossomos visivelmente diferentes; elas ainda podem apresentar cromossomos sexuais, mas não de tipos visivelmente distinguíveis. Padrões de herança ligada ao sexo A citogenética divide os cromossomos X e Y em regiões homólogas e diferenciais. Novamente, utilizemos os seres humanos como um exemplo (Figura 2.15). As regiões diferenciais, que contêm a maioria dos genes, não apresentam correspondentes no outro cromossomo sexual. Portanto, em homens, os genes nas regiões diferenciais são denominados hemizigotos (“meio-zigotos”). A região diferencial do cromossomo X contém muitas centenas de genes; a maior parte desses genes não participa na função sexual, e eles influenciam uma grande variedade de propriedades humanas. O cromossomo Y contém apenas algumas dúzias de genes. Alguns desses genes apresentam correspondentes no cromossomo X, mas a maior parte não. Esse último tipo participa da função sexual masculina. Um desses genes, SRY, determina a própria masculinidade. Diversos outros genes são específicos para a produção de espermatozoides em homens. FIGURA 2.14 Exemplos de duas espécies de plantas dioicas são: A. Osmaronia dioica; B. Aruncus dioicus. (A. Leslie Bohm; B. Anthony Griffiths.) Em geral, diz-se que os genes nas regiões diferenciais demonstram padrões de herança denominados ligados ao sexo. Os alelos mutantes na região diferencial do cromossomo X demonstram um padrão de herança monogênica denominado ligado ao X. Os alelos mutantes dos poucos genes na região diferencial do cromossomo Y demonstram ligação ao Y. Um gene que é ligado ao sexo pode apresentar proporções fenotípicas que são diferentes em cada sexo. Nesse sentido, os padrões de herança ligada ao sexo contrastam com os padrões de herança dos genes nos autossomos, que são os mesmos em cada sexo. Se a localização genômica de um gene for desconhecida, um padrão de herança ligado ao sexo indica que o gene se encontra em um cromossomo sexual. Os cromossomos X e Y humanos apresentam duas regiões homólogas curtas, uma em cada extremidade (ver Figura 2.15). Como essas regiões são homólogas, elas são semelhantes a regiões autossômicas e, assim, são denominadas regiões pseudoautossômicas 1 e 2. Uma dessas regiões ou ambas pareiam na meiose e sofrem crossing over (ver Capítulo 4 para detalhes sobre o crossing over). Por esse motivo, os cromossomos X e Y podem atuar como um par e segregar em números iguais de espermatozoides. Herança ligada ao X Para o nosso primeiro exemplo de ligaçãoao X, nos voltamos para a cor dos olhos na Drosophila. A cor dos olhos do tipo selvagem da Drosophila é vermelho-escura, mas existem linhagens puras com olhos brancos (Figura 2.16). Essa diferença fenotípica é determinada por dois alelos de um gene localizado na região diferencial do cromossomo X. O alelo mutante no presente caso é w para olhos brancos (a letra minúscula indica que o alelo é recessivo) e o alelo do tipo selvagem correspondente é w+. Quando machos de olhos brancos são cruzados com fêmeas de olhos vermelhos, toda a progênie da F1 apresenta olhos vermelhos, sugerindo que o alelo que determina olhos brancos seja recessivo. O cruzamento desses machos e fêmeas da F1 de olhos vermelhos produz uma proporção da F2 de 3:1 de moscas de olhos vermelhos para moscas de olhos brancos, mas todas as moscas de olhos brancos são machos. Esse padrão de herança, que demonstra uma clara diferença entre os sexos, está explicado na Figura 2.17. A base do padrão de herança é que todas as moscas da F1 recebem um alelo do tipo selvagem de suas mães, mas as fêmeas da F1 também recebem um alelo de olhos brancos de seus pais. Portanto, todas as fêmeas da F1 são heterozigotas do tipo selvagem (w+/w), e os machos da F1 são hemizigotos do tipo selvagem (w+). As fêmeas da F1 transmitem o alelo de olhos brancos para metade de seus filhos, que o expressam, e para metade de suas filhas, que não o expressam, certamente porque precisam herdar o alelo do tipo selvagem de seus pais. FIGURA 2.15 Os cromossomos sexuais humanos contêm uma região diferencial e duas regiões de pareamento. As regiões foram localizadas ao observar onde os cromossomos pareavam na meiose e onde não pareavam. ORGANISMO-MODELO Drosophila A Drosophila melanogaster foi um dos primeiros organismos-modelo a serem utilizados em genética. Encontra-se prontamente disponível a partir de frutas maduras, apresenta um ciclo de vida curto, e é de simples cultivo e cruzamento. O sexo é determinado pelos cromossomos sexuais X e Y (XX = Fêmea, XY = Macho), e machos e fêmeas são facilmente distinguidos. Os fenótipos mutantes surgem regularmente em populações de laboratório e sua frequência pode ser aumentada por meio do tratamento com radiação mutagênica ou substâncias químicas. É um organismo diploide, com quatro pares de cromossomos homólogos (2n = 8). Nas glândulas salivares e determinados outros tecidos, ciclos múltiplos de replicação do DNA sem divisão cromossômica resultam em “cromossomos gigantes”, cada um com um padrão de bandas único, que proporciona aos geneticistas pontos de referência para o estudo de mapeamento e de rearranjos cromossômicos. Existem muitas espécies e raças de Drosophila, que tem sido uma matéria-prima importante para o estudo da evolução. Drosophila melanogaster, a mosca-das-frutas. (©blickwinkel/Alamy.) O tempo voa como uma flecha; moscas-das-frutas gostam de banana.1 (Groucho Marx) ____________________ 1Time flies like an arrow; fruit flies like a banana. O cruzamento recíproco fornece um resultado diferente; ou seja, o cruzamento entre fêmeas com olhos brancos e machos com olhos vermelhos fornece uma F1 na qual todas as fêmeas têm olhos vermelhos, mas todos os machos têm olhos brancos. Nesse caso, cada fêmea herdou o alelo w+ dominante do cromossomo X do pai, enquanto cada macho herdou o alelo w recessivo de sua mãe. A F2 é composta por metade de moscas com olhos vermelhos e metade de moscas com olhos brancos de ambos os sexos. Portanto, na ligação ao sexo, observamos exemplos não apenas de diferentes proporções em diferentes sexos, mas também de diferenças entre cruzamentos recíprocos. FIGURA 2.16 A mosca com olhos vermelhos é do tipo selvagem e a mosca com olhos brancos é um mutante. (Science Source/Getty Images.) Observe que a cor dos olhos da Drosophila não apresenta correspondência com a determinação do sexo e, assim, temos uma ilustração do princípio de que os genes nos cromossomos sexuais não estão necessariamente relacionados com a função sexual. O mesmo é verdadeiro em seres humanos: na discussão da análise de heredogramas posteriormente neste capítulo, devemos observar muitos genes ligados ao X, ainda que poucos possam ser interpretados como relacionados à função sexual. O alelo anormal associado à cor dos olhos brancos na Drosophila é recessivo, mas também surgem alelos anormais de genes no cromossomo X que são dominantes, tal como o mutante de asas peludas (Hw) da Drosophila. Nos referidos casos, o alelo do tipo selvagem (Hw+) é recessivo. Os alelos anormais dominantes demonstram o padrão de herança correspondente àquele do alelo do tipo selvagem para olhos vermelhos no exemplo precedente. As proporções obtidas são as mesmas. FIGURA 2.17 Cruzamentos recíprocos entre Drosophila com olhos vermelhos (vermelho) e com olhos brancos (branco) fornecem diferentes resultados. Os alelos são ligados ao X, e a herança do cromossomo X explica as proporções fenotípicas observadas, que são diferentes daquelas dos genes autossômicos. (Na Drosophila e em muitos outros sistemas experimentais, é utilizado um sinal de mais sobrescrito para designar o alelo normal, ou do tipo selvagem. Aqui, w+ codifica os olhos vermelhos e w codifica os olhos brancos.) CONCEITO-CHAVE A herança ligada ao sexo demonstra regularmente diferentes proporções fenotípicas nos dois sexos da progênie, bem como diferentes proporções em cruzamentos recíprocos. 2.6 Historicamente, nas décadas iniciais do século 20, a demonstração por Morgan da herança ligada ao X dos olhos brancos na Drosophila foi uma peça-chave da evidência que sugeriu que os genes estão, de fato, localizados em cromossomos, tendo em vista que um padrão de herança foi correlacionado com um par específico de cromossomos. A ideia se tornou conhecida como a “teoria cromossômica da herança”. Naquele período na história, havia sido recentemente demonstrado que, em muitos organismos, o sexo é determinado por um cromossomo X e um Y e que, em machos, esses cromossomos segregam igualmente na meiose para regenerar quantidades iguais de machos e fêmeas na próxima geração. Morgan reconheceu que a herança dos alelos do gene da cor dos olhos é exatamente paralela à herança dos cromossomos X na meiose; portanto, provavelmente o gene estava no cromossomo X. A herança dos olhos brancos foi estendida às linhagens de Drosophila que apresentavam números anormais de cromossomos sexuais. Com a utilização dessa nova situação, ainda foi possível prever os padrões de herança de genes a partir da segregação dos cromossomos anormais. Essas previsões terem comprovado estar corretas foi um teste convincente da teoria cromossômica. Outras análises genéticas revelaram que, em galinhas e mariposas, a herança ligada ao sexo poderia ser explicada apenas se a fêmea fosse o sexo heterogamético. Nesses organismos, os cromossomos sexuais femininos foram designados ZW e os masculinos foram designados ZZ. Análise de heredogramas humanos Os cruzamentos humanos, assim como aqueles dos organismos experimentais, fornecem muitos exemplos de herança monogênica. Entretanto, cruzamentos experimentais controlados não podem ser realizados em seres humanos e, assim, os geneticistas precisam recorrer ao exame de registros médicos na esperança de que tenham ocorrido cruzamentos informativos (tais como cruzamentos de mono-híbridos) que possam ser utilizados para inferir a herança monogênica. Um referido exame dos registros de cruzamentos é denominado análise de heredogramas. Um membro de uma família que primeiramente chama a atenção de um geneticista é denominado probando (ou propósito). Normalmente, o fenótipo do probando é de algum modo excepcional. Por exemplo,
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