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Cidades brasileiras em busca de novos horizontes

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SBS – XII Congresso Brasileiro de Sociologia 
GT01 – Cidades : Transformações , Governança e Participação 
Sessão 3 – Imagens, práticas sociais e representações simbólicas nas cidades. 
Título do Trabalho : Cidades brasileiras em busca de novos horizontes 
Autoras : Vera Magiano Hazan
1
 e Valéria Magiano Hazan
2
 
 
Introdução 
 
Em função do crescente processo de globalização, algumas cidades brasileiras vêm 
sofrendo intervenções pontuais em busca de um novo contexto urbano, muitas vezes 
espelhado em realidades diferentes das suas. São projetos urbanos de grande porte, 
construções de novos ícones e investimentos em redes de infra-estrutura que, em alguns 
momentos conseguem atribuir novas identidades a espacialidades carentes de um novo 
perfil, e em outros acabam ampliando suas fragmentações. 
 
 A busca por novos horizontes reflete um momento em que essas cidades tentam se 
colocar de forma competitiva tanto no cenário nacional quanto no cenário internacional. Os 
investidores imobiliários e o capital especulativo, com apoio dos gestores políticos e um 
discurso desenvolvimentista extremamente sedutor, aproveitam-se desse momento para 
lançar projetos de grande impacto, que se propõem a revolucionar antigas paisagens e 
constituir novas representações, materializando alguns “sonhos” de consumo, próprios de 
uma realidade diversa do local de intervenção. 
 
 Impulsionados pela construção de uma nova identidade que possa dar projeção à 
cidade além das fronteiras, instâncias dos poderes público e privado patrocinam essas 
intervenções urbanas, esperando desde a sua concepção um produto distinto dos demais, a 
se destacar tanto na mídia quanto na paisagem urbana da cidade. 
 
1
 Arquiteta, MsC em Planejamento Urbano e Regional, Doutoranda PROURB/FAU/UFRJ; Profª PUC/RJ; 
FAU/UFRJ; 
2
 Arquiteta Urbanista, MsC em Urbanismo, PROURB/FAU/UFRJ; Profª PUC/RJ; EAU/UFF; 
 
 
 Na maior parte das vezes, as mudanças de uso e de escala em função desses projetos 
são substanciais. Elas não se resumem a intervenções físicas no espaço urbano. Elas 
causam impactos sociais e econômicos em cidades que carecem de mudanças estruturais 
extremamente importantes. Se, por um lado, esse discurso desenvolvimentista promete uma 
melhora de qualidade de vida na cidade a partir das novas intervenções, por outro pode 
ampliar as diferenças e a segregação nos espaços da cidade. 
 
 Objetiva-se, dessa forma, refletir sobre como as novas intervenções urbanas podem 
proporcionar, ao mesmo tempo, desenvolvimento econômico local e uma maior 
socialização dos bens da cidade para toda a sua população. 
 
 
2. Projetos tipo “exportação” 
 
De revitalização de orlas a construção de espaços culturais e pontes, são muitas as 
intervenções que se repetem a cada ano, criando uma identidade comum entre as cidades 
brasileiras, tornando-as mais competitivas e atraentes para o capital financeiro. 
 
A utilização de elementos urbanos estratégicos para o desenvolvimento local e 
regional é de suma importância na história urbana contemporânea, principalmente numa 
época em que a globalização econômica força a redução de fronteiras e a integração dos 
espaços e sociedades. A espetacularização
3
 que caracteriza as obras recentes pode se 
constituir, de alguma forma, uma tentativa de recuperar a força do ícone simbólico, que 
desponta na cidade como um elemento catalisador de energias e expectativas, que a partir 
de seu potencial imagético, muitas vezes ajuda a atribuir novas identidades locais. 
 
 
3
 DEBORD, Guy. “A sociedade do espetáculo - Comentários sobre a sociedade do espetáculo”. Contraponto 
Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1997. 
 
Os novos projetos parecem apresentar traços em comum, em função do crescente 
processo de globalização. Há entre eles uma reprodução de modelos tipo exportação, que 
promovem unidade de linguagem, tecnologia construtiva e uso de materiais cada vez mais 
arrojados, independente do lugar para o qual são projetadas. 
 
A monumentalidade desses novos projetos é construída através do projeto e das 
expectativas criadas em torno dele, através da mídia. Essas obras são criadas para serem 
espetaculares, poderosas, arrebatadoras. As intervenções nas cidades são projetadas para 
serem contempladas, sonhadas, reproduzidas e citadas. Como a concepção do projeto 
define seu destino
4
, é preciso ir além da função tradicional, motivando a imaginação, 
mexendo com os sentimentos do espectador, definindo novos lugares. 
 
A sociedade contemporânea estimula os sentidos, e vende suas idéias através deles. 
A percepção dos novos projetos não se reduz aos dados objetivos, mas a uma superposição 
de informações comportamentais, conceptuais e sobretudo de natureza imaginal
5
. Eles 
carregam valores adjetivos, que se formam a partir de representações independentes do 
sujeito, que se deixa interiorizar por processos de sensibilidade onírica. 
 
O uso desses elementos na construção de novas imagens de cidades ocorre através 
de um saber discursivo de arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos, elaborado a partir 
de percepções sensoriais, muitas vezes captadas em pesquisas de mercado. O imaginal 
urbano contemporâneo depende das ações e reações da coletividade. É preciso aprovação 
da sociedade para o sucesso desses novos projetos e iconização desses elementos. 
 
Enquanto unidades autônomas no contexto urbano contemporâneo, os novos 
projetos formam imagens particulares, que dão vida à imagem geral da cidade. Sua 
exuberância desperta devaneios, colocando o espectador fora do mundo real, recriando 
aquela imagem a princípio objetiva, a partir do conteúdo subjetivo presente em seu ser. 
 
 
4
 ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. Ed. Ática, SP, 2000. 
5
 WUNENBURGER, Jean-Jacques. La vie des Images. Presses Universitaires de Grenoble, França, 2002. 
Enquanto expressão, as intervenções podem tornar-se símbolos
6
. Com 
características próprias, mas dentro de uma estética global dominante, elas propiciam 
estância e circunstância nos espaços urbanos. A partir dessa circunstância, determinam os 
lugares e caminhos pelos quais se dá espaço a um espaço. 
 
No urbanismo contemporâneo, a criação de novos lugares é fundamental, uma vez 
que a sociedade necessita de segurança e referências que remetam a uma identidade 
conhecida. A referência do homem aos lugares e através dos lugares aos espaços repousa 
no habitar. Singulares, ligados ao tempo e à memória, os lugares são dificilmente descritos 
geograficamente
7
. Seus limites dependem mais do sentimento de pertencimento da 
comunidade do que propriamente de uma regulamentação urbana. 
 
A paisagem enquanto veículo de transmissão de práticas sociais permite a 
modernização e o desenvolvimento das cidades; condições para a existência dos lugares, 
valorizações de sua história, mediações entre situações percebidas e realizadas, que 
correspondem a uma idéia de transformação
8
. A paisagem de uma metrópole revela 
inúmeras contradições e imprevistos, e ainda o embate permanente entre território e lugar 
como responsável por uma mobilidade inesperada, que redesenha suas histórias de 
apropriação e uso. 
 
Os lugares aparecem no mapa, na história das cidades, na memória coletiva. Com o 
advento da mídia e das redes de comunicação atuais, a promoção dos lugares se faz de 
forma explosiva e glamourosa. A revitalização de áreas urbanas, principalmente em 
cidades competitivas economicamente, utiliza-se de elementos propulsores para criar novos 
lugares que possam, de alguma forma, auxiliar no processo de desenvolvimento urbano. 
Dessa forma, vazios urbanos, antigas áreas industriais e portuárias, com uma história 
própria já consolidada são requalificados, seja em termos dedesenho urbano, novas 
construções etc, seja em termos de identidade. Zonas de expansão, muitas vezes rurais, 
recebem tratamento urbano, explorando-se novas vocações mais lucrativas. 
 
6
 HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Ed. Vozes, Petrópolis, 2002. 
7 CAUQUELIN, Anne. Le site et le paysage. Ed. Puf Quadridge, Paris, 2002. 
8
 LEITE, Maria Angela Faggin Pereira - Uma História de Movimentos. 
 
Os elementos propulsores ajudam a construir uma nova imagem para aquelas áreas 
das cidades, muitas vezes tornando-se símbolo da transformação almejada pelo governo e 
pelo capital financeiro. Em alguns momentos, essas mudanças apresentam-se de forma 
positiva, outras negativa. O fato é que através desses elementos, há uma transformação que 
começa a acontecer muito antes de ser implementada, já que a mídia divulga 
exaustivamente esses projetos, apelando para o sensorial. A receptividade a esses projetos 
depende de uma série de fatores, entre os quais a sensibilidade dos profissionais 
envolvidos, que ao proporem uma intervenção desse porte, tentam conciliar ruptura e 
manutenção das raízes culturais locais, recriando novas espacialidades, e principalmente 
novos lugares. 
 
 
3. Criando identidades diferenciadas numa mesma cidade 
 
O tratamento diversificado de áreas públicas cria identidades diferenciadas para 
espaços que compõem uma mesma cidade, tornando claros os investimentos e prioridades, 
assim como o público alvo de cada proposta. Esta questão pode ser observada sob dois 
ângulos – um que favorece as iniciativas e propósitos das Prefeituras, e outra que as 
questionam. A primeira se refere ao fato de que a manutenção de tantos modelos diferentes 
numa mesma cidade é extremamente dispendiosa e difícil, sendo pouco compensador para 
os cofres dos governos municipais. A outra, no entanto, questiona o fato de se tratar uma 
cidade de forma compartimentada, investindo-se segundo o capital e não conforme as 
necessidades reais. 
 
Essa compartimentação acaba por criar identidades múltiplas numa mesma cidade, 
em alguns momentos respeitando-se traços locais, em outros rompendo completamente 
com as origens. A multiplicação de projetos urbanos em uma mesma cidade é uma 
tendência do urbanismo contemporâneo, que vem sendo disseminada ultimamente. A 
divisão da cidade em zonas ajuda a viabilizar essas propostas, que em alguns momentos se 
direcionam principalmente para a venda de uma imagem de cidade diferente da vivenciada 
pela população. 
 
As representações do espaço, mais do que construções de novas paisagens, 
contribuem pela mediação dos políticos nos processos de intervenção espacial para 
renovação urbana
9
. A cidade-mercadoria parece situar-se no marco temporal dos anos 90, 
quando, em função da reestruturação econômica mundial e da fluidez espacial das empresas 
e capitais, os governos intensificam suas políticas de venda das cidades, colocando-as no 
mapa do mundo de forma competitiva, como produtos de consumo. 
 
O uso de elementos propulsores no planejamento das cidades contemporâneas visa 
acelerar o processo competitivo entre as cidades que se utilizam dessas intervenções como 
representantes do novo poder e da globalização. Como instrumentos da comunicação na 
cidade, com a função de ampliar a decodificação do ambiente urbano
10
, essas intervenções 
urbanas utilizam-se de uma estética a favor de uma política de mundialização, 
possibilitando relações trans-fronteiras para instaurar modelos globais. 
 
A fluidez do tecido urbano nas grandes cidades e nos territórios urbanizados cria a 
necessidade de novos pontos de referência, perceptíveis a curta e a longa distâncias
11
, que 
colocam-se como os novos elementos ordenadores do tecido urbano. A localização 
estratégica dos novos elementos favorece essa potencialidade, uma vez que o destaque na 
paisagem urbana se revela de forma excepcional, capturando a atenção do espectador não 
apenas nas proximidades da obra. A inovação tecnológica a torna espetacular numa 
perspectiva que vê a construção como um sistema interativo, privilegiado pelo 
high-tech
12
. 
 
 
9
 SANCHEZ, Fernanda - Cidades Reinventadas para um Mercado Mundial: Estratégias Trans-Escalares nas 
Políticas Urbanas. 
10
 VENTURI, Robert. IZENOUR, Steven. SCOTT BROWN, Denise. “Aprendiendo de Las Vegas. El 
simbolismo de la forma”. Barcelona: Colección Punto y Linea, Editorial Gustavo Gill, 1982. 
11
 PASTORE, Daniela. “Architettura della globalizzazione”. Rivista Controspazio 6/2001, Roma, Itália. 
12 PURINI, Franco. “O que está feito está por fazer”. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, 
PCRJ, Rio de Janeiro, 1998. 
O apelo visual acaba por trazer à tona sentimentos e sensações únicas. A beleza é 
um instrumento que ajuda a dar projeção à construção, que necessita se comunicar com a 
população, embevecida com os desafios estruturais e as formas muitas vezes exuberantes, 
revestidas com materiais luxuosos e alta tecnologia de construção
13
 . 
 
Essas intervenções alimentam-se de valores publicitários, e por serem diferentes, 
contrapõem-se à regularidade da estrutura urbana, multiplicando seus impactos sobre a 
cidade, de um lado respondendo a uma lógica especulativa, que necessita ampliar a área de 
construção através da expansão das redes de comunicação, por outro indicando uma 
intervenção marcante na paisagem urbana, que possibilita transformar a imagem da cidade. 
 
4. Notas sobre alguns exemplos de intervenções no Estado do Rio de Janeiro 
 
No Estado do Rio de Janeiro, diversas cidades, a começar pela própria capital, têm 
sofrido intervenções espaciais em busca de novas perspectivas. Há cerca de dez anos, a 
Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro vem investindo tanto em áreas nobres como as orlas, 
como em eixos comerciais importantes, caso das intervenções do Projeto Rio Cidade. Além 
desses projetos, já executados, outros como os de revitalização da Zona Portuária vêm 
sendo divulgados de forma a mostrar uma nova imagem da cidade não apenas ao nível 
nacional, mas também internacional. Visando atrair principalmente um público estrangeiro, 
esses investimentos pautam-se numa estética globalizada, encontrada em cidades européias 
como Barcelona, com perfil bastante diferente da cidade do Rio de Janeiro. 
 
Se, por um lado, a Prefeitura investe em projetos de infra-estrutura urbana e 
mudança de perfil de áreas antigas com a implantação de projetos catalisadores de grande 
porte, o Governo do Estado do Rio de Janeiro investe na Orla da Baía de Guanabara, com 
projetos mais populares, como os Piscinões de Ramos, na Zona Norte da cidade do Rio de 
Janeiro e de São Gonçalo, na Região Metropolitana, voltados para as populações locais, em 
regiões predominantemente habitadas por população de classes média baixa e baixa renda. 
 
 
13
 JAMESON, Fredric. “Espaço e Imagem, Teorias do pós-moderno e outros ensaios”. UFRJ, 1994. 
Esses novos espaços de lazer aparentemente aproximam a população dos 
equipamentos públicos, mas por outro parecem evitar que essa população se desloque para 
as áreas de lazer mais valorizadas das cidades do Rio de Janeiro e Niterói, reduzindo os 
congestionamentos em fins de semana e os conflitos sociais nas praias das zonas sul e da 
região oceânica, já que a oferta de equipamentos de lazer desse porte próximos às 
comunidades carentes fixa essas populações longe das zonas mais valorizadas das cidades. 
 
Ações como essas têm de fato duas faces. Uma que facilita o acesso de uma 
população carente a áreas de lazer e outra que a afasta de áreas mais sofisticadas. O espaço, 
sob essa dinâmica, é sempre objeto de conflitos, já que estabelece um território de domínio 
de um grupo e afirmação de sua diferença sobre os demais
14. No Rio de Janeiro, isso 
acontece parcialmente, já que a cidade é uma metrópole bem servida de meios de transporte 
coletivos que ligam diversas partes da cidade às praias da zona Sul. Em cidades menores, 
como Niterói, no Leste Metropolitano, a divisão da freqüência das praias é forçada pelo 
tipo de urbanização e ocupação, uma vez que algumas praias da região oceânica, como 
Itacoatiara e Camboinhas, têm restrição de acesso aos transportes coletivos, com espaços 
elitizados, freqüentados principalmente pelas classes média e alta. Já as praias de 
Piratininga e Itaipu, de localização muito próxima às outras duas praias, recebem a 
população mais desfavorecida não apenas de Niterói, mas também de São Gonçalo e 
Itaboraí, devido aos pontos finais de algumas linhas de ônibus. 
 
Rio de Janeiro e Niterói são cidades com uma importância muito grande para o 
Estado do Rio, sendo a capital fundamental para o desenvolvimento da região 
metropolitana e Niterói para o interior do Estado. Com a descoberta do petróleo na Bacia de 
Campos, no Norte Fluminense, um novo pólo vem se desenvolvendo, buscando novas 
perspectivas através de intervenções urbanas, construções monumentais etc. Nesse caso, é 
interessante citar o município de Rio das Ostras, emancipado no início da década de 90 de 
 
 
14
 GOMES, Paulo Cesar da Costa. A Condição Urbana. Ed. Bertrand Brasil, RJ, 2002. 
Casimiro de Abreu, que tem investido maciçamente em obras de infra-estrutura e 
embelezamento de sua orla em função do recebimento dos royalties de petróleo. 
 
Rio das Ostras, assim como algumas cidades da Região dos Lagos, cresceu em volta 
da Rodovia Amaral Peixoto, fazendo com que a rodovia, forçosamente, adquirisse 
características de via urbana. Visando solucionar a questão viária, a Prefeitura decidiu 
construir a Rodovia do Contorno, ligação entre a BR e o loteamento Costa Azul, e 
transformar a antiga Amaral Peixoto em avenida, dotada de semaforização, faixas de 
travessia, baias de ônibus, ciclovias, valorizando o comércio e serviços, uso do solo 
predominante dessa via. 
 
Com expectativa de atrair novos moradores e turistas com alto poder aquisitivo, a 
Prefeitura investiu ainda na orla litorânea, na pavimentação das avenidas principais, 
renovação dos passeios, implantação de ciclovias e pistas de jogging etc, com design 
arrojado e sofisticado aos moldes das grandes cidades internacionais. Esse investimento, de 
certa forma, justifica-se pela atratividade que passa a ter para os executivos que trabalham 
em Macaé e a mão-de-obra e comerciantes, que procuram na cidade novas oportunidades. 
 
A implantação de projetos como o de Rio das Ostras não ocorre por acaso. Somente 
depois de estudos de viabilidade e pesquisas que determinam o perfil das propostas a serem 
elaboradas para aqueles espaços, conseguiu-se capital disposto a financiar essas mudanças. 
Para o capital privado, parceiro da maioria dos novos projetos urbanos, isso é fundamental 
principalmente em termos de prospecção, já que em alguns momentos investe-se visando 
retornos no futuro. Para o capital público, almeja-se um retorno político, já que cada novo 
investimento pode render novos projetos ou mesmo votos. 
 
 Contando com bela paisagem natural, apresentando praias, lagoas e rios, este 
município, com uma população de 45.000 habitantes (dados do IBGE, 2000), tem 
apresentado boa possibilidade de investimentos. Durante a gestão 2000-2004, a prefeitura 
investiu fortemente em obras de grande visibilidade e nas áreas de expansão da cidade. 
Desta forma, as obras iniciaram-se por áreas de lazer e turísticas – urbanização da Lagoa de 
Iriri e das praias de Ouro Verde e Costa Azul, com decks e quiosques sofisticados, parque 
com mirante etc, valorizando-se, ainda mais, o mercado imobiliário naquela área, 
pavimentação e implantação de iluminação pública de inúmeras vias em Jardim Mariléia 
15
, bem como na construção de nova sede para a prefeitura e do estádio municipal neste 
bairro. 
 
Além destas obras, praticamente prontas, diversas outras encontram-se em 
andamento, como a urbanização das Praias da Tartaruga, do Centro e do Cemitério, da 
Boca da Barra e Virgens. O projeto de maior impacto é a reurbanização da Rodovia Amaral 
Peixoto no trecho em que corta a cidade, com a implantação de uma ponte sobre o Rio das 
Ostras, com uma estética arrojada, aos moldes das novas pontes monumentais estrangeiras. 
 
 Com o objetivo de melhorar a estrutura da cidade, foram projetados ainda 
equipamentos de arquitetura marcante, de modo a atrair para a cidade grandes 
investimentos e colocá-la no mapa das cidades turísticas de classe A no litoral carioca. Rio 
das Ostras está localizada a aproximadamente meia hora de Búzios, balneário de fama 
internacional, e 15 minutos de Macaé, centro dos investimentos da área petrolífera, que já 
abriga centenas de executivos estrangeiros com alto poder aquisitivo. A nova ponte, um 
grande aquário, um centro de convenções e um teatro municipal foram os equipamentos de 
uso público escolhidos como ícones desta nova etapa da cidade para atrair turistas e novos 
moradores de maior renda. 
 
 Se, por um lado, esses projetos iniciados na gestão passada projetaram uma nova 
imagem para o município, conhecido anteriormente como um balneário popular em relação 
a Búzios e Cabo Frio, por outro foram sendo realizados sem obras de infra-estrutura urbana 
e programas de geração de renda para a população local. Recentemente, com a mudança no 
governo municipal e com algumas obras já prontas, as prioridades foram revistas, com o 
objetivo de infra-estruturar a cidade com redes de água, esgoto, tratamento de resíduos, 
além de programas sociais de regularização fundiária, geração de emprego e renda e 
 
15
 loteamento com pequena ocupação e periférico ao centro até o fim da década de 1990 
capacitação de prestadores de serviço. Diferentemente da antiga gestão, a atual não parece 
fazer promoção das obras arquitetônicas de grande porte que eram o cartão de visitas da 
gestão passada. A princípio, parece buscar uma gestão voltada para a população local, e 
com vistas às grandes taxas de crescimento anual, também demonstra a preocupação com 
um crescimento equilibrado da cidade, buscando trazer investidores privados para 
dinamizar a economia da cidade. 
 
 Reflexo disso é a criação da Zona Especial de Negócios (ZEN), uma área de 1 
milhão de metros quadrados, próxima ao acesso à BR, com ligação à zona rural e à 
Rodovia do Contorno. Contando com 78 empresas instaladas, benefícios de isenção de 
impostos e disponibilidade de infra-estrutura, espera-se a criação de 3.500 postos de 
trabalho para a população local. 
 
A gestão anterior baseou-se num modelo de citymarketing encontrado em diversas 
cidades brasileiras. Para atender às demandas de um público oriundo de fora da cidade, o 
Poder Público optava por projetos que privilegiassem as questões econômicas e políticas 
em detrimento das sociais, privando, muitas vezes, as populações locais de serviços básicos 
de saúde e educação. Investir em melhorias nas cidades com potencial turístico é 
importante para o crescimento e desenvolvimento das cidades. É preciso, entretanto, 
possibilitar o acesso de todos a esses bens urbanos, assim como equilibrar os gastos 
públicos de forma a dar à população mais desfavorecida melhores condições de vida na 
cidade, habilitando-a para o mercado de trabalho que se forma em torno das demandas 
resultantes desses investimentos. 
 
5. Reflexos das novas intervenções na cidade 
 
O mercado imobiliário em muito se beneficia dos investimentos em intervenções de 
grande porte nas cidades, já que esses projetos acabam por trazeruma valorização 
expressiva no valor de venda dos imóveis lindeiros e próximos das avenidas que sofreram 
intervenção. Em alguns casos, devido ao alto valor de investimento nas obras, o Poder 
Público divide estes custos com empresas privadas, em sua maioria detentoras de lotes na 
área de intervenção, viabilizando com maior agilidade a execução dos projetos. 
 
Com a valorização dos imóveis junto às áreas de intervenção, as prefeituras 
passam a arrecadar mais impostos sobre as propriedades e sobre os serviços oferecidos em 
bares, restaurantes, hotéis e demais espaços. A implantação desses projetos traz uma 
sofisticação não apenas estética, mas também dos serviços ofertados, com valores elevados 
para boa parte da população, que busca usufruir dos bens da cidade sem custo. 
Junto a esses projetos, surgem novas posturas municipais, que tentam normatizar e 
disciplinar os usos dos espaços públicos, restringindo atividades de ambulantes que, se por 
um lado, liberam os passeios, as faixas de areia, por outro ampliam a quantidade de pessoas 
sem oportunidade de trabalho nas cidades. 
 
Parte dessas iniciativas constituem-se políticas globais, voltadas principalmente para 
demandas externas. Se, até um tempo atrás, isto ocorria através de políticas privadas, 
ultimamente isto tem acontecido através de políticas públicas também, principalmente com 
a utilização de estratégias publicitárias para a divulgação da imagem das cidades, 
sobrepondo-se, muitas vezes, às necessidades importantes para a vida cotidiana da 
população. 
 
Ainda que se objetive construir uma imagem positiva e competitiva das cidades, é 
preciso, entretanto, fazer com que a sociedade, como um todo, possa usufruir dos novos 
bens urbanos, oriundos dessas políticas públicas. É fundamental, portanto, romper com as 
desigualdades, e buscar uma nova articulação entre a cidade, a sociedade e o Estado, para 
se chegar a um planejamento acessível a todos
16
. 
 
Projetos urbanos voltados para a captação de novos públicos e investimentos não 
devem tirar a atenção dos problemas locais
17
. Segundo Jeudy 
18
, a estética não pode estar a 
 
16
 HAZAN, Vera Magiano. Artigo “O Local e O Global nas Políticas de Informação do Rio de Janeiro”, 
publicado os anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. 
17
 SANTOS, Milton. “Técnica, Espaço, Tempo – Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional”. 
Editora Hucitec, São Paulo, 1994. 
serviço do político, mas deve provocar a questão política. O que vemos em cidades que se 
renovam segundo padrões externos é a estética a favor de uma política de mundialização, 
que se utiliza de relações trans-fronteiras 
19
 para instaurar modelos globais. 
 
Em alguns momentos, esses projetos funcionam como catalisadores de novos 
investimentos. Em outros, patrocinam uma maior segregação espacial, devido à sofisticação 
dos espaços, que passam a ser freqüentados apenas por pessoas de alto poder aquisitivo, 
privatizando, de certa forma, espaços anteriormente públicos. Equilibrar a valorização de 
certas áreas da cidade com o acesso de todos aos bens urbanos é um desafio que deve ser 
alcançado por aqueles que intervêm na cidade. Afinal, o desenvolvimento urbano implica 
não somente o crescimento econômico, como também o equacionamento de problemas 
sociais. 
 
 
Bibliografia: 
ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. Ed. Ática, SP, 2000. 
CAUQUELIN, Anne. Le site et le paysage. Ed. Puf Quadridge, Paris, 2002. 
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo - Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Contraponto 
Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1997. 
GOMES, Paulo Cesar da Costa. A Condição Urbana. Ed. Bertrand Brasil, RJ, 2002. 
HAZAN, Vera Magiano. Artigo O Local e O Global nas Políticas de Informação do Rio de Janeiro, 
publicado os anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. 
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Ed. Vozes, Petrópolis, 2002. 
JAMESON, Fredric. Espaço e Imagem, Teorias do pós-moderno e outros ensaios. UFRJ, 1994. 
LEITE, Maria Angela Faggin Pereira - Uma História de Movimentos. 
PASTORE, Daniela. Architettura della globalizzazione. Rivista Controspazio 6/2001, Roma, Itália. 
PURINI, Franco. O que está feito está por fazer. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, PCRJ, 
Rio de Janeiro, 1998. 
SANCHEZ, Fernanda - Cidades Reinventadas para um Mercado Mundial: Estratégias Trans-Escalares nas 
Políticas Urbanas. 
SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo – Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional. Editora 
Hucitec, São Paulo, 1994. 
VENTURI, Robert. IZENOUR, Steven. SCOTT BROWN, Denise. Aprendiendo de Las Vegas. El simbolismo 
de la forma. Barcelona: Colección Punto y Linea, Editorial Gustavo Gill, 1982. 
WUNENBURGER, Jean-Jacques. La vie des Images. Presses Universitaires de Grenoble, França, 2002. 
 
Artigos: 
Rio das Ostras. A Conquista da Auto-suficiência. Revista Veja Rio, abril/2005. 
 
18
 O sociólogo francês proferiu a palestra “Mais estética e menos ética” em setembro de 2000 no Instituto de 
Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio de Janeiro. 
Requalificação Urbanística em Rio das Ostras. Revista ViverCidades, julho/2004. 
 
 
19
 Esta expressão trans-fronteiras foi utilizada pelo sociólogo Jeudy ao se referir às relações entre as culturas 
globais.

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