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SBS – XII Congresso Brasileiro de Sociologia GT01 – Cidades : Transformações , Governança e Participação Sessão 3 – Imagens, práticas sociais e representações simbólicas nas cidades. Título do Trabalho : Cidades brasileiras em busca de novos horizontes Autoras : Vera Magiano Hazan 1 e Valéria Magiano Hazan 2 Introdução Em função do crescente processo de globalização, algumas cidades brasileiras vêm sofrendo intervenções pontuais em busca de um novo contexto urbano, muitas vezes espelhado em realidades diferentes das suas. São projetos urbanos de grande porte, construções de novos ícones e investimentos em redes de infra-estrutura que, em alguns momentos conseguem atribuir novas identidades a espacialidades carentes de um novo perfil, e em outros acabam ampliando suas fragmentações. A busca por novos horizontes reflete um momento em que essas cidades tentam se colocar de forma competitiva tanto no cenário nacional quanto no cenário internacional. Os investidores imobiliários e o capital especulativo, com apoio dos gestores políticos e um discurso desenvolvimentista extremamente sedutor, aproveitam-se desse momento para lançar projetos de grande impacto, que se propõem a revolucionar antigas paisagens e constituir novas representações, materializando alguns “sonhos” de consumo, próprios de uma realidade diversa do local de intervenção. Impulsionados pela construção de uma nova identidade que possa dar projeção à cidade além das fronteiras, instâncias dos poderes público e privado patrocinam essas intervenções urbanas, esperando desde a sua concepção um produto distinto dos demais, a se destacar tanto na mídia quanto na paisagem urbana da cidade. 1 Arquiteta, MsC em Planejamento Urbano e Regional, Doutoranda PROURB/FAU/UFRJ; Profª PUC/RJ; FAU/UFRJ; 2 Arquiteta Urbanista, MsC em Urbanismo, PROURB/FAU/UFRJ; Profª PUC/RJ; EAU/UFF; Na maior parte das vezes, as mudanças de uso e de escala em função desses projetos são substanciais. Elas não se resumem a intervenções físicas no espaço urbano. Elas causam impactos sociais e econômicos em cidades que carecem de mudanças estruturais extremamente importantes. Se, por um lado, esse discurso desenvolvimentista promete uma melhora de qualidade de vida na cidade a partir das novas intervenções, por outro pode ampliar as diferenças e a segregação nos espaços da cidade. Objetiva-se, dessa forma, refletir sobre como as novas intervenções urbanas podem proporcionar, ao mesmo tempo, desenvolvimento econômico local e uma maior socialização dos bens da cidade para toda a sua população. 2. Projetos tipo “exportação” De revitalização de orlas a construção de espaços culturais e pontes, são muitas as intervenções que se repetem a cada ano, criando uma identidade comum entre as cidades brasileiras, tornando-as mais competitivas e atraentes para o capital financeiro. A utilização de elementos urbanos estratégicos para o desenvolvimento local e regional é de suma importância na história urbana contemporânea, principalmente numa época em que a globalização econômica força a redução de fronteiras e a integração dos espaços e sociedades. A espetacularização 3 que caracteriza as obras recentes pode se constituir, de alguma forma, uma tentativa de recuperar a força do ícone simbólico, que desponta na cidade como um elemento catalisador de energias e expectativas, que a partir de seu potencial imagético, muitas vezes ajuda a atribuir novas identidades locais. 3 DEBORD, Guy. “A sociedade do espetáculo - Comentários sobre a sociedade do espetáculo”. Contraponto Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1997. Os novos projetos parecem apresentar traços em comum, em função do crescente processo de globalização. Há entre eles uma reprodução de modelos tipo exportação, que promovem unidade de linguagem, tecnologia construtiva e uso de materiais cada vez mais arrojados, independente do lugar para o qual são projetadas. A monumentalidade desses novos projetos é construída através do projeto e das expectativas criadas em torno dele, através da mídia. Essas obras são criadas para serem espetaculares, poderosas, arrebatadoras. As intervenções nas cidades são projetadas para serem contempladas, sonhadas, reproduzidas e citadas. Como a concepção do projeto define seu destino 4 , é preciso ir além da função tradicional, motivando a imaginação, mexendo com os sentimentos do espectador, definindo novos lugares. A sociedade contemporânea estimula os sentidos, e vende suas idéias através deles. A percepção dos novos projetos não se reduz aos dados objetivos, mas a uma superposição de informações comportamentais, conceptuais e sobretudo de natureza imaginal 5 . Eles carregam valores adjetivos, que se formam a partir de representações independentes do sujeito, que se deixa interiorizar por processos de sensibilidade onírica. O uso desses elementos na construção de novas imagens de cidades ocorre através de um saber discursivo de arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos, elaborado a partir de percepções sensoriais, muitas vezes captadas em pesquisas de mercado. O imaginal urbano contemporâneo depende das ações e reações da coletividade. É preciso aprovação da sociedade para o sucesso desses novos projetos e iconização desses elementos. Enquanto unidades autônomas no contexto urbano contemporâneo, os novos projetos formam imagens particulares, que dão vida à imagem geral da cidade. Sua exuberância desperta devaneios, colocando o espectador fora do mundo real, recriando aquela imagem a princípio objetiva, a partir do conteúdo subjetivo presente em seu ser. 4 ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. Ed. Ática, SP, 2000. 5 WUNENBURGER, Jean-Jacques. La vie des Images. Presses Universitaires de Grenoble, França, 2002. Enquanto expressão, as intervenções podem tornar-se símbolos 6 . Com características próprias, mas dentro de uma estética global dominante, elas propiciam estância e circunstância nos espaços urbanos. A partir dessa circunstância, determinam os lugares e caminhos pelos quais se dá espaço a um espaço. No urbanismo contemporâneo, a criação de novos lugares é fundamental, uma vez que a sociedade necessita de segurança e referências que remetam a uma identidade conhecida. A referência do homem aos lugares e através dos lugares aos espaços repousa no habitar. Singulares, ligados ao tempo e à memória, os lugares são dificilmente descritos geograficamente 7 . Seus limites dependem mais do sentimento de pertencimento da comunidade do que propriamente de uma regulamentação urbana. A paisagem enquanto veículo de transmissão de práticas sociais permite a modernização e o desenvolvimento das cidades; condições para a existência dos lugares, valorizações de sua história, mediações entre situações percebidas e realizadas, que correspondem a uma idéia de transformação 8 . A paisagem de uma metrópole revela inúmeras contradições e imprevistos, e ainda o embate permanente entre território e lugar como responsável por uma mobilidade inesperada, que redesenha suas histórias de apropriação e uso. Os lugares aparecem no mapa, na história das cidades, na memória coletiva. Com o advento da mídia e das redes de comunicação atuais, a promoção dos lugares se faz de forma explosiva e glamourosa. A revitalização de áreas urbanas, principalmente em cidades competitivas economicamente, utiliza-se de elementos propulsores para criar novos lugares que possam, de alguma forma, auxiliar no processo de desenvolvimento urbano. Dessa forma, vazios urbanos, antigas áreas industriais e portuárias, com uma história própria já consolidada são requalificados, seja em termos dedesenho urbano, novas construções etc, seja em termos de identidade. Zonas de expansão, muitas vezes rurais, recebem tratamento urbano, explorando-se novas vocações mais lucrativas. 6 HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Ed. Vozes, Petrópolis, 2002. 7 CAUQUELIN, Anne. Le site et le paysage. Ed. Puf Quadridge, Paris, 2002. 8 LEITE, Maria Angela Faggin Pereira - Uma História de Movimentos. Os elementos propulsores ajudam a construir uma nova imagem para aquelas áreas das cidades, muitas vezes tornando-se símbolo da transformação almejada pelo governo e pelo capital financeiro. Em alguns momentos, essas mudanças apresentam-se de forma positiva, outras negativa. O fato é que através desses elementos, há uma transformação que começa a acontecer muito antes de ser implementada, já que a mídia divulga exaustivamente esses projetos, apelando para o sensorial. A receptividade a esses projetos depende de uma série de fatores, entre os quais a sensibilidade dos profissionais envolvidos, que ao proporem uma intervenção desse porte, tentam conciliar ruptura e manutenção das raízes culturais locais, recriando novas espacialidades, e principalmente novos lugares. 3. Criando identidades diferenciadas numa mesma cidade O tratamento diversificado de áreas públicas cria identidades diferenciadas para espaços que compõem uma mesma cidade, tornando claros os investimentos e prioridades, assim como o público alvo de cada proposta. Esta questão pode ser observada sob dois ângulos – um que favorece as iniciativas e propósitos das Prefeituras, e outra que as questionam. A primeira se refere ao fato de que a manutenção de tantos modelos diferentes numa mesma cidade é extremamente dispendiosa e difícil, sendo pouco compensador para os cofres dos governos municipais. A outra, no entanto, questiona o fato de se tratar uma cidade de forma compartimentada, investindo-se segundo o capital e não conforme as necessidades reais. Essa compartimentação acaba por criar identidades múltiplas numa mesma cidade, em alguns momentos respeitando-se traços locais, em outros rompendo completamente com as origens. A multiplicação de projetos urbanos em uma mesma cidade é uma tendência do urbanismo contemporâneo, que vem sendo disseminada ultimamente. A divisão da cidade em zonas ajuda a viabilizar essas propostas, que em alguns momentos se direcionam principalmente para a venda de uma imagem de cidade diferente da vivenciada pela população. As representações do espaço, mais do que construções de novas paisagens, contribuem pela mediação dos políticos nos processos de intervenção espacial para renovação urbana 9 . A cidade-mercadoria parece situar-se no marco temporal dos anos 90, quando, em função da reestruturação econômica mundial e da fluidez espacial das empresas e capitais, os governos intensificam suas políticas de venda das cidades, colocando-as no mapa do mundo de forma competitiva, como produtos de consumo. O uso de elementos propulsores no planejamento das cidades contemporâneas visa acelerar o processo competitivo entre as cidades que se utilizam dessas intervenções como representantes do novo poder e da globalização. Como instrumentos da comunicação na cidade, com a função de ampliar a decodificação do ambiente urbano 10 , essas intervenções urbanas utilizam-se de uma estética a favor de uma política de mundialização, possibilitando relações trans-fronteiras para instaurar modelos globais. A fluidez do tecido urbano nas grandes cidades e nos territórios urbanizados cria a necessidade de novos pontos de referência, perceptíveis a curta e a longa distâncias 11 , que colocam-se como os novos elementos ordenadores do tecido urbano. A localização estratégica dos novos elementos favorece essa potencialidade, uma vez que o destaque na paisagem urbana se revela de forma excepcional, capturando a atenção do espectador não apenas nas proximidades da obra. A inovação tecnológica a torna espetacular numa perspectiva que vê a construção como um sistema interativo, privilegiado pelo high-tech 12 . 9 SANCHEZ, Fernanda - Cidades Reinventadas para um Mercado Mundial: Estratégias Trans-Escalares nas Políticas Urbanas. 10 VENTURI, Robert. IZENOUR, Steven. SCOTT BROWN, Denise. “Aprendiendo de Las Vegas. El simbolismo de la forma”. Barcelona: Colección Punto y Linea, Editorial Gustavo Gill, 1982. 11 PASTORE, Daniela. “Architettura della globalizzazione”. Rivista Controspazio 6/2001, Roma, Itália. 12 PURINI, Franco. “O que está feito está por fazer”. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, PCRJ, Rio de Janeiro, 1998. O apelo visual acaba por trazer à tona sentimentos e sensações únicas. A beleza é um instrumento que ajuda a dar projeção à construção, que necessita se comunicar com a população, embevecida com os desafios estruturais e as formas muitas vezes exuberantes, revestidas com materiais luxuosos e alta tecnologia de construção 13 . Essas intervenções alimentam-se de valores publicitários, e por serem diferentes, contrapõem-se à regularidade da estrutura urbana, multiplicando seus impactos sobre a cidade, de um lado respondendo a uma lógica especulativa, que necessita ampliar a área de construção através da expansão das redes de comunicação, por outro indicando uma intervenção marcante na paisagem urbana, que possibilita transformar a imagem da cidade. 4. Notas sobre alguns exemplos de intervenções no Estado do Rio de Janeiro No Estado do Rio de Janeiro, diversas cidades, a começar pela própria capital, têm sofrido intervenções espaciais em busca de novas perspectivas. Há cerca de dez anos, a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro vem investindo tanto em áreas nobres como as orlas, como em eixos comerciais importantes, caso das intervenções do Projeto Rio Cidade. Além desses projetos, já executados, outros como os de revitalização da Zona Portuária vêm sendo divulgados de forma a mostrar uma nova imagem da cidade não apenas ao nível nacional, mas também internacional. Visando atrair principalmente um público estrangeiro, esses investimentos pautam-se numa estética globalizada, encontrada em cidades européias como Barcelona, com perfil bastante diferente da cidade do Rio de Janeiro. Se, por um lado, a Prefeitura investe em projetos de infra-estrutura urbana e mudança de perfil de áreas antigas com a implantação de projetos catalisadores de grande porte, o Governo do Estado do Rio de Janeiro investe na Orla da Baía de Guanabara, com projetos mais populares, como os Piscinões de Ramos, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro e de São Gonçalo, na Região Metropolitana, voltados para as populações locais, em regiões predominantemente habitadas por população de classes média baixa e baixa renda. 13 JAMESON, Fredric. “Espaço e Imagem, Teorias do pós-moderno e outros ensaios”. UFRJ, 1994. Esses novos espaços de lazer aparentemente aproximam a população dos equipamentos públicos, mas por outro parecem evitar que essa população se desloque para as áreas de lazer mais valorizadas das cidades do Rio de Janeiro e Niterói, reduzindo os congestionamentos em fins de semana e os conflitos sociais nas praias das zonas sul e da região oceânica, já que a oferta de equipamentos de lazer desse porte próximos às comunidades carentes fixa essas populações longe das zonas mais valorizadas das cidades. Ações como essas têm de fato duas faces. Uma que facilita o acesso de uma população carente a áreas de lazer e outra que a afasta de áreas mais sofisticadas. O espaço, sob essa dinâmica, é sempre objeto de conflitos, já que estabelece um território de domínio de um grupo e afirmação de sua diferença sobre os demais 14. No Rio de Janeiro, isso acontece parcialmente, já que a cidade é uma metrópole bem servida de meios de transporte coletivos que ligam diversas partes da cidade às praias da zona Sul. Em cidades menores, como Niterói, no Leste Metropolitano, a divisão da freqüência das praias é forçada pelo tipo de urbanização e ocupação, uma vez que algumas praias da região oceânica, como Itacoatiara e Camboinhas, têm restrição de acesso aos transportes coletivos, com espaços elitizados, freqüentados principalmente pelas classes média e alta. Já as praias de Piratininga e Itaipu, de localização muito próxima às outras duas praias, recebem a população mais desfavorecida não apenas de Niterói, mas também de São Gonçalo e Itaboraí, devido aos pontos finais de algumas linhas de ônibus. Rio de Janeiro e Niterói são cidades com uma importância muito grande para o Estado do Rio, sendo a capital fundamental para o desenvolvimento da região metropolitana e Niterói para o interior do Estado. Com a descoberta do petróleo na Bacia de Campos, no Norte Fluminense, um novo pólo vem se desenvolvendo, buscando novas perspectivas através de intervenções urbanas, construções monumentais etc. Nesse caso, é interessante citar o município de Rio das Ostras, emancipado no início da década de 90 de 14 GOMES, Paulo Cesar da Costa. A Condição Urbana. Ed. Bertrand Brasil, RJ, 2002. Casimiro de Abreu, que tem investido maciçamente em obras de infra-estrutura e embelezamento de sua orla em função do recebimento dos royalties de petróleo. Rio das Ostras, assim como algumas cidades da Região dos Lagos, cresceu em volta da Rodovia Amaral Peixoto, fazendo com que a rodovia, forçosamente, adquirisse características de via urbana. Visando solucionar a questão viária, a Prefeitura decidiu construir a Rodovia do Contorno, ligação entre a BR e o loteamento Costa Azul, e transformar a antiga Amaral Peixoto em avenida, dotada de semaforização, faixas de travessia, baias de ônibus, ciclovias, valorizando o comércio e serviços, uso do solo predominante dessa via. Com expectativa de atrair novos moradores e turistas com alto poder aquisitivo, a Prefeitura investiu ainda na orla litorânea, na pavimentação das avenidas principais, renovação dos passeios, implantação de ciclovias e pistas de jogging etc, com design arrojado e sofisticado aos moldes das grandes cidades internacionais. Esse investimento, de certa forma, justifica-se pela atratividade que passa a ter para os executivos que trabalham em Macaé e a mão-de-obra e comerciantes, que procuram na cidade novas oportunidades. A implantação de projetos como o de Rio das Ostras não ocorre por acaso. Somente depois de estudos de viabilidade e pesquisas que determinam o perfil das propostas a serem elaboradas para aqueles espaços, conseguiu-se capital disposto a financiar essas mudanças. Para o capital privado, parceiro da maioria dos novos projetos urbanos, isso é fundamental principalmente em termos de prospecção, já que em alguns momentos investe-se visando retornos no futuro. Para o capital público, almeja-se um retorno político, já que cada novo investimento pode render novos projetos ou mesmo votos. Contando com bela paisagem natural, apresentando praias, lagoas e rios, este município, com uma população de 45.000 habitantes (dados do IBGE, 2000), tem apresentado boa possibilidade de investimentos. Durante a gestão 2000-2004, a prefeitura investiu fortemente em obras de grande visibilidade e nas áreas de expansão da cidade. Desta forma, as obras iniciaram-se por áreas de lazer e turísticas – urbanização da Lagoa de Iriri e das praias de Ouro Verde e Costa Azul, com decks e quiosques sofisticados, parque com mirante etc, valorizando-se, ainda mais, o mercado imobiliário naquela área, pavimentação e implantação de iluminação pública de inúmeras vias em Jardim Mariléia 15 , bem como na construção de nova sede para a prefeitura e do estádio municipal neste bairro. Além destas obras, praticamente prontas, diversas outras encontram-se em andamento, como a urbanização das Praias da Tartaruga, do Centro e do Cemitério, da Boca da Barra e Virgens. O projeto de maior impacto é a reurbanização da Rodovia Amaral Peixoto no trecho em que corta a cidade, com a implantação de uma ponte sobre o Rio das Ostras, com uma estética arrojada, aos moldes das novas pontes monumentais estrangeiras. Com o objetivo de melhorar a estrutura da cidade, foram projetados ainda equipamentos de arquitetura marcante, de modo a atrair para a cidade grandes investimentos e colocá-la no mapa das cidades turísticas de classe A no litoral carioca. Rio das Ostras está localizada a aproximadamente meia hora de Búzios, balneário de fama internacional, e 15 minutos de Macaé, centro dos investimentos da área petrolífera, que já abriga centenas de executivos estrangeiros com alto poder aquisitivo. A nova ponte, um grande aquário, um centro de convenções e um teatro municipal foram os equipamentos de uso público escolhidos como ícones desta nova etapa da cidade para atrair turistas e novos moradores de maior renda. Se, por um lado, esses projetos iniciados na gestão passada projetaram uma nova imagem para o município, conhecido anteriormente como um balneário popular em relação a Búzios e Cabo Frio, por outro foram sendo realizados sem obras de infra-estrutura urbana e programas de geração de renda para a população local. Recentemente, com a mudança no governo municipal e com algumas obras já prontas, as prioridades foram revistas, com o objetivo de infra-estruturar a cidade com redes de água, esgoto, tratamento de resíduos, além de programas sociais de regularização fundiária, geração de emprego e renda e 15 loteamento com pequena ocupação e periférico ao centro até o fim da década de 1990 capacitação de prestadores de serviço. Diferentemente da antiga gestão, a atual não parece fazer promoção das obras arquitetônicas de grande porte que eram o cartão de visitas da gestão passada. A princípio, parece buscar uma gestão voltada para a população local, e com vistas às grandes taxas de crescimento anual, também demonstra a preocupação com um crescimento equilibrado da cidade, buscando trazer investidores privados para dinamizar a economia da cidade. Reflexo disso é a criação da Zona Especial de Negócios (ZEN), uma área de 1 milhão de metros quadrados, próxima ao acesso à BR, com ligação à zona rural e à Rodovia do Contorno. Contando com 78 empresas instaladas, benefícios de isenção de impostos e disponibilidade de infra-estrutura, espera-se a criação de 3.500 postos de trabalho para a população local. A gestão anterior baseou-se num modelo de citymarketing encontrado em diversas cidades brasileiras. Para atender às demandas de um público oriundo de fora da cidade, o Poder Público optava por projetos que privilegiassem as questões econômicas e políticas em detrimento das sociais, privando, muitas vezes, as populações locais de serviços básicos de saúde e educação. Investir em melhorias nas cidades com potencial turístico é importante para o crescimento e desenvolvimento das cidades. É preciso, entretanto, possibilitar o acesso de todos a esses bens urbanos, assim como equilibrar os gastos públicos de forma a dar à população mais desfavorecida melhores condições de vida na cidade, habilitando-a para o mercado de trabalho que se forma em torno das demandas resultantes desses investimentos. 5. Reflexos das novas intervenções na cidade O mercado imobiliário em muito se beneficia dos investimentos em intervenções de grande porte nas cidades, já que esses projetos acabam por trazeruma valorização expressiva no valor de venda dos imóveis lindeiros e próximos das avenidas que sofreram intervenção. Em alguns casos, devido ao alto valor de investimento nas obras, o Poder Público divide estes custos com empresas privadas, em sua maioria detentoras de lotes na área de intervenção, viabilizando com maior agilidade a execução dos projetos. Com a valorização dos imóveis junto às áreas de intervenção, as prefeituras passam a arrecadar mais impostos sobre as propriedades e sobre os serviços oferecidos em bares, restaurantes, hotéis e demais espaços. A implantação desses projetos traz uma sofisticação não apenas estética, mas também dos serviços ofertados, com valores elevados para boa parte da população, que busca usufruir dos bens da cidade sem custo. Junto a esses projetos, surgem novas posturas municipais, que tentam normatizar e disciplinar os usos dos espaços públicos, restringindo atividades de ambulantes que, se por um lado, liberam os passeios, as faixas de areia, por outro ampliam a quantidade de pessoas sem oportunidade de trabalho nas cidades. Parte dessas iniciativas constituem-se políticas globais, voltadas principalmente para demandas externas. Se, até um tempo atrás, isto ocorria através de políticas privadas, ultimamente isto tem acontecido através de políticas públicas também, principalmente com a utilização de estratégias publicitárias para a divulgação da imagem das cidades, sobrepondo-se, muitas vezes, às necessidades importantes para a vida cotidiana da população. Ainda que se objetive construir uma imagem positiva e competitiva das cidades, é preciso, entretanto, fazer com que a sociedade, como um todo, possa usufruir dos novos bens urbanos, oriundos dessas políticas públicas. É fundamental, portanto, romper com as desigualdades, e buscar uma nova articulação entre a cidade, a sociedade e o Estado, para se chegar a um planejamento acessível a todos 16 . Projetos urbanos voltados para a captação de novos públicos e investimentos não devem tirar a atenção dos problemas locais 17 . Segundo Jeudy 18 , a estética não pode estar a 16 HAZAN, Vera Magiano. Artigo “O Local e O Global nas Políticas de Informação do Rio de Janeiro”, publicado os anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. 17 SANTOS, Milton. “Técnica, Espaço, Tempo – Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional”. Editora Hucitec, São Paulo, 1994. serviço do político, mas deve provocar a questão política. O que vemos em cidades que se renovam segundo padrões externos é a estética a favor de uma política de mundialização, que se utiliza de relações trans-fronteiras 19 para instaurar modelos globais. Em alguns momentos, esses projetos funcionam como catalisadores de novos investimentos. Em outros, patrocinam uma maior segregação espacial, devido à sofisticação dos espaços, que passam a ser freqüentados apenas por pessoas de alto poder aquisitivo, privatizando, de certa forma, espaços anteriormente públicos. Equilibrar a valorização de certas áreas da cidade com o acesso de todos aos bens urbanos é um desafio que deve ser alcançado por aqueles que intervêm na cidade. Afinal, o desenvolvimento urbano implica não somente o crescimento econômico, como também o equacionamento de problemas sociais. Bibliografia: ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. Ed. Ática, SP, 2000. CAUQUELIN, Anne. Le site et le paysage. Ed. Puf Quadridge, Paris, 2002. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo - Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Contraponto Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1997. GOMES, Paulo Cesar da Costa. A Condição Urbana. Ed. Bertrand Brasil, RJ, 2002. HAZAN, Vera Magiano. Artigo O Local e O Global nas Políticas de Informação do Rio de Janeiro, publicado os anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Ed. Vozes, Petrópolis, 2002. JAMESON, Fredric. Espaço e Imagem, Teorias do pós-moderno e outros ensaios. UFRJ, 1994. LEITE, Maria Angela Faggin Pereira - Uma História de Movimentos. PASTORE, Daniela. Architettura della globalizzazione. Rivista Controspazio 6/2001, Roma, Itália. PURINI, Franco. O que está feito está por fazer. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, PCRJ, Rio de Janeiro, 1998. SANCHEZ, Fernanda - Cidades Reinventadas para um Mercado Mundial: Estratégias Trans-Escalares nas Políticas Urbanas. SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo – Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional. Editora Hucitec, São Paulo, 1994. VENTURI, Robert. IZENOUR, Steven. SCOTT BROWN, Denise. Aprendiendo de Las Vegas. El simbolismo de la forma. Barcelona: Colección Punto y Linea, Editorial Gustavo Gill, 1982. WUNENBURGER, Jean-Jacques. La vie des Images. Presses Universitaires de Grenoble, França, 2002. Artigos: Rio das Ostras. A Conquista da Auto-suficiência. Revista Veja Rio, abril/2005. 18 O sociólogo francês proferiu a palestra “Mais estética e menos ética” em setembro de 2000 no Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio de Janeiro. Requalificação Urbanística em Rio das Ostras. Revista ViverCidades, julho/2004. 19 Esta expressão trans-fronteiras foi utilizada pelo sociólogo Jeudy ao se referir às relações entre as culturas globais.
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