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PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL: ELEMENTOS URBANOS Rodrigo Cordova Petersen Bairro planejado Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever cidades-jardim. Reconhecer o impacto de bairros planejados na malha viária. Analisar a distribuição de usos em um bairro planejado. Introdução Bairros planejados têm como objetivo a conformação de novas centralida- des da cidade, o que ocorre por meio de características como diversidade e proximidade de usos, ruptura com a dependência do automóvel e incentivo à caminhabilidade. Esse produto imobiliário surgiu como res- posta a uma demanda da população por espaços públicos adequados. Trata-se de um espaço urbano melhor do que as cidades existentes, mais arborizado, mais seguro e com nova infraestrutura. Neste capítulo, você conhecerá o conceito das cidades-jardim, uma das principais correntes do urbanismo do último século e forte influen- ciadora dos bairros planejados de hoje. Além disso, vai entender um pouco mais sobre projetos, conceitos e diretrizes que buscam produzir uma nova e melhorada parte das cidades. Cidade no jardim de Howard O conceito de cidade-jardim surgiu na Inglaterra no fi nal do século XIX, a partir de especulações feitas por Ebenezer Howard em seu livro Tomorrow: a Paceful Path To Real Reform, que foi reeditado no ano de 1902, quando ganhou o nome pelo qual é mais conhecido, Garden Cities of Tomorrow (Cidades-Jardins do Amanhã). Juntamente com outro importante livro, Une Cité Industrielle, de Tony Garnier, lançado na França em 1904, formou a base de uma das mais importantes correntes do Urbanismo do século XX (BENEVOLO; MELOGRANI; GIURA LONGO, 1978). Uma das principais fontes de inspiração de Howard foram os subúrbios britânicos do final do século XVIII. Criados para a abastada burguesia londrina, eles exploravam o gosto dos ingleses pela vida no campo e buscavam, com a simplicidade rústica das casas, os arruamentos sinuosos e o ajardinamento exten- sivo, repetir, de alguma forma, dentro da cidade, o espírito livre da natureza que eles tanto admiravam (BENEVOLO; MELOGRANI; GIURA LONGO, 1978). O conceito fundamental de cidade-jardim determina população máxima de 32 mil habitantes de diferentes faixas de renda. Cercada por cinturões verdes, a cidade-jardim abrigaria residências unifamiliares situadas em terrenos desprovidos de muros, cercados por amplos jardins e cruzados por alamedas arborizadas que procuravam seguir um traçado orgânico, menos cartesiano, em oposição à quadricula que era vigente no século XIX. Howard era apenas mais um entre tantos teóricos que, no início do século, demonstravam suas preocupações com o baixo padrão de vida oferecido aos habitantes das grandes cidades, em especial, às massas de trabalhadores desfavorecidas. Em sua busca por novas opções de planejamento urbano, procurava encontrar uma solução socialmente justa, que levasse a uma melhoria no padrão de vida dessas pessoas. Sua maior qualidade foi saber harmonizar com objetividade em um só projeto as principais características das demais propostas e levá-las adiante a ponto de concretizá-las. Todo o seu trabalho foi marcado pelo pragmatismo, demonstrado de forma clara em sua obsessão em comprovar a viabilidade econômica das suas ideias. Somente assim ele conseguiria realizar seus empreendimentos, pois estava interes- sado em produzir mais do que simples teoria (DEGANI, 2003). Howard procurava demonstrar sua capacidade em executar um empreendimento autossustentável em que fosse possível melhorar a qualidade de vida da população e reduzir os custos da construção, de forma que fossem acessíveis ao trabalhador comum. Seu livro condensa com clareza, simplicidade e admirável objetividade as ideias debatidas na época, procurando aliar de forma inteligente as tendências de cunho socialista dos utopistas com aquelas geradas dentro do pensamento liberal. O fato de Howard ter permanecido longe dos extremos radicais, certamente, foi um dos fatores da rápida aceitação da sua proposta por parte de amplos setores da sociedade. Se por um lado ele admitia empreendimentos em que o Estado teria pouca ou nenhuma participação — um conceito liberal — por outro, considerava o solo como propriedade comum — um conceito socialista. Assim, agradava tanto as classes de quem necessitava apoio financeiro para realizar seu empreendimento como os trabalhadores, de quem precisava como clientes (OTTONI, 2002). No entanto, sua proposta não se restringia à simples criação de subúrbios- -jardim. Howard buscava a total independência em termos de serviços em rela- Bairro planejado2 ção à cidade maior, além da criação de um complexo industrial que permitisse também a independência econômica da comunidade, ou seja, seu conceito de cidade-jardim era mais amplo e inovador. Incorporava, ainda, o artifício do arrendamento das terras: ao invés de sua venda aos interessados, possibilitaria, entre outras coisas, fazer com que a terra, pertencendo à comunidade, pudesse ser gerida pelo benefício comum. Dessa forma, ele estava lançando um novo conceito para o desenho da cidade que, segundo Garcia Lamas (1992, p. 208), constituiria, juntamente com a ideia dos subúrbios-jardim, “[...] um momento de ruptura na morfologia urbana tradicional e um entendimento diverso do ha- bitar, preparando e antecedendo as rupturas morfológicas da cidade moderna”. A realização dessa utopia começou a tomar forma em 1902 com a criação da associação que iria permitir a construção da cidade-jardim de Letchworth (Figura 1). Com um plano de urbanização de autoria de Raymond Unwin e Barry Parker, o projeto possuía uma área urbana de 1.138 ha, estava a cerca de 60 km de Londres e visava abrigar uma população de 33 mil habitantes. Dois anos mais tarde, iniciaram-se os trabalhos de construção da cidade, que possuía um traçado orgânico de ruas, com uma zona comercial situada no centro de todo o conjunto e uma zona industrial localizada junto à via férrea, em um dos extremos da cidade. As obras, no entanto, atrasaram, e sua ocupação foi mais lenta do que o previsto. No ano de 1913, sua população contava com cerca de 8.500 habitantes e, somente na década de 1960, o número aproximou-se do planejado: 26 mil habitantes. Figura 1. Letchworth, o primeiro exemplar de cidade-jardim (projeto de Raymond Unwin e Barry Parker). Fonte: Delius (2019, documento on-line). 3Bairro planejado Apesar da lenta ocupação, Letchworth, representava uma novidade com suas casas para operários cercadas por jardins, despertando a curiosidade da imprensa inglesa, o que ajudou a divulgação das ideias de Howard. Entretanto, as cidades-jardim não tiveram o impulso imaginado inicialmente. Devido à crise econômica que a Inglaterra vivia nesse período entre guerras, o governo acabou optando por uma política habitacional de cunho imediatista. Em 1919, foi lançado um segundo empreendimento, a Cidade Jardim de Welwin, situada a apenas 15 km de Letchworth, de autoria do arquiteto Louis de Soissons. A nova cidade ocupava uma área de 525 ha, com uma proposta inicial de 40 mil habitantes, ampliável para 50 mil. Embora os conceitos de Howard buscassem um ambiente bucólico, condizente com a escala humana, Welwin possuía um desenho muito mais formal, cortada por uma imponente alameda central de mais de 1 km de extensão que a tornava, segundo Peter Hall (1995, apud DEGANI, 2003, p. 38), “[...] uma espécie de cidade-jardim monumental”. Sua ocupação aconteceu de forma mais rápida que Letchworth, atingindo os 35 mil habitantes ainda durante a década de 1930. Os motivos desse sucesso não foram aqueles previstos por Howard (total independência e autossuficiência das suas cidades), mas por conta de sua localização próxima a Londres, que funcionava como atrativo principal. Welwin passava a ser uma excelente opção para o trabalhador da capital que estivesse em busca de um lugar agradável e tranquilo para morar.Dessa maneira, as teses de Howard, quando confrontadas com a realidade, mostraram-se menos revolucionárias do que o autor pretendia. O sucesso das cidades-jardim aconteceu de maneira real, porém não completa, o que não invalida a sua criação. A partir de 1945, quando a Inglaterra deparou-se com uma carência habitacional ainda maior devido à Segunda Grande Guerra, as ideias de Howard foram retomadas com força total pelo governo inglês que, pela primeira vez, interviu produzindo novos ambientes urbanos. Os exemplos de Letchworth e Welwin, economicamente viáveis e com um êxito na melhoria do espaço produzido, foram fundamentais para a proposta de criação de 14 novas cidades por toda a Inglaterra, seguindo, em linhas gerais, as ideias que haviam sido obstinadamente defendidas e postas em prática por Howard. Bairros planejados e malha viária Tendência de modelo de urbanização em diversas cidades brasileiras, os bairros planejados são um conjunto de grandes empreendimentos, geralmente, distantes dos centros urbanos, que ainda não possuem qualquer ocupação e Bairro planejado4 infraestrutura. Esse tipo de empreendimento urbaniza o local, oferecendo uma variedade de produtos comerciais e residenciais, com equipamentos diversos, nova infraestrutura e sistema de segurança. Em sua maioria, são gerenciados pelas empresas responsáveis pelo empreendimento junto com a associação de bairro criada após a sua implantação. Um bairro planejado é caracterizado também por uma forma de frag- mentação físico-material da cidade e/ou de um fragmento da grande área metropolitana, originando, assim, rupturas no tecido urbano e estabelecendo determinada homogeneidade social, em que a contiguidade se estabelece em detrimento da continuidade espacial. Santos (2013) define a fragmentação físico-material que divide os espaços em ambientes em seu caráter socioeco- nômico, porém não especificamente por funções. Assim, ele diz que: A fragmentação [...] [físico-material] caracteriza-se pela expansão articu- lada da dispersão das áreas residenciais destinadas à população com níveis de rendimentos superiores (loteamentos fechados e condomínios horizon- tais), e da dispersão dos espaços de consumo, com mudanças na estrutura das cidades, alterando a antiga estrutura centro-periferia, pois, atualmente, além da periferia “pobre”, há também as periferias “ricas”. Outra alteração fundamental na estrutura é que a cidade deixa de ter uma área central única, surgindo novas áreas de concentração de importantes atividades comerciais e de serviços, constituindo novas centralidades, acompanhando, sobretudo, as características das áreas residenciais próximas e o sistema viário da cidade (SANTOS, 2013, p. 65). Embora esses empreendimentos possuam um discurso de um novo urba- nismo que visa corrigir os problemas da falta de planejamento urbano das cidades e oferecer uma nova infraestrutura com tudo em um só lugar, os bairros planejados possuem características tanto das cidades compactas quanto das cidades dispersas. De forma geral, os princípios são vinculados à produção do espaço em diversas escalas, no intuito de ordenar e articular edificações e seus usos, configurando uma nova centralidade e diminuindo a necessidade de deslocamentos diários de seus moradores. Entretanto, paradoxalmente, esses empreendimentos estão produzindo novas áreas urbanas no entorno das áreas centrais consolidadas, um modelo que contribui para o processo de dispersão urbana em uma dimensão metropolitana e regional. Esse modelo urbanístico pode ser comparado aos ideais das cidades-jardins de Ebenezer Howard, bem como a outras experiências de subúrbios-jardins, uma vez que os bairros planejados também buscam oferecer a tranquilidade de viver próximo à natureza, já que a maioria desses empreendimentos estão inse- 5Bairro planejado ridos em áreas periféricas dos centros urbanos, em uma paisagem bucólica de características rurais, com muita vegetação em seu entorno. Empreendimentos como o loteamento Granja Marileusa, em Uberlândia, Minas Gerais, buscam remeter em seus discursos um ambiente bucólico, das cidades tradicionais, com ruas estreitas onde as calçadas eram vivas e o relacionamento entre vizinhos era mais próximo, como destaca o discurso do empreendimento: Se essa rua fosse nossa, seria um lugar onde os vizinhos são amigos, onde a gente iria trabalhar a pé e sempre encontraria gente pelo caminho. Um bairro com cara de bairro e nele teríamos o privilégio de conviver e a alegria de viver a vida. E a gente seria mais feliz. Esta visão rica em espaços públicos e com arquitetura voltada ao encontro cotidiano resulta em harmonia entre morar e trabalhar. Aqui, a rua voltou a ser das pessoas (BERNARDO, 2017, documento on-line). Essas palavras deixam clara a intenção de oferecer o que se pressupõe que as pessoas desejam e que as cidades, de forma geral, não têm ofertado. Entretanto, nosso modo de vida social mudou bastante. É pouco provável que todos os futuros moradores consigam trabalhar no bairro e, mesmo que algum deles opte por estruturar sua empresa ali, a maioria de seus funcionários não residirá no local. Isso demandará mais fluxos no sistema viário, tanto nas vias projetadas como nas intermunicipais e estaduais, contribuindo com o aumento do tráfego viário da região e com o consequente aumento da poluição do ar e da temperatura. Os conjuntos planejados de maior porte configuram-se como verdadeiras ci- dades. Um dos mais bem-sucedidos casos no Brasil é o da Cidade Universitária Pedra Branca, localizada em Palhoça, na região metropolitana de Florianópolis, Santa Catarina (Figura 2). O projeto urbanístico, com participação do arquiteto e urbanista Jaime Lerner, começou a ser construído no ano de 1997. Trata-se de um loteamento de grande porte composto por universidade, escolas, shopping de pequeno porte, casas com dois pavimentos, edifícios residenciais e de uso misto, áreas de lazer com praças e boulevard com ciclovias. Bairro planejado6 Figura 2. Última fase executada do bairro planejado Pedra Branca (2013). Fonte: Primeiro bairro planejado de SC... (2013, documento on-line). O principal conceito desse empreendimento visa à importância do uso e da permanência dos espaços públicos: “[...] as ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais” (JACOBS, 2014, p. 30). Por isso, suas calçadas foram projetadas com larguras entre 8 e 15 metros e, muitas vezes, possuem até 4 metros de coberturas nos passeios. Nesse bairro planejado, o foco da vivência e a preocupação com o sen- timento de pertencimento entre os moradores e o local se sobressaem ao apelo ambiental, em geral, visto nos empreendimentos desse porte. Partindo de critérios adotados para a localização dos usos de forma que as distâncias entre eles sejam confortáveis para serem percorridas a pé ou de bicicleta, o bairro-cidade foi projetado para 40 mil moradores, 30 mil empregos e 10 mil estudantes, com horizonte de conclusão do núcleo principal até 2020. 7Bairro planejado O Tree and Design Action Group é um grupo que defende que as árvores fazem os lugares funcionarem e parecerem melhores por conta de sua localização. Além de de- sempenharem um papel no microclima dos bairros, elas podem ajudar a criar condições para o sucesso econômico. Por isso, o grupo criou um guia denominado Trees in the Townscape (árvores na paisagem urbana), em que apresenta 12 princípios e referências necessários para alcançar o potencial da vegetação no ambiente urbano (Figura 3). Figura 3. Árvores na paisagem urbana: um guia para planejadores e autoridades. Fonte: Adaptada de Trees & Design Action Group (2012). Abordagem colaborativa para o planejamento de infraestrutura verde e cinza Ambiente de passeio aprimorado Moderação do tráfego Longevidade das árvores e infraestrutura circundante Passeios agradáveis Ventilação e cobertura Entrega eficiente do projeto Ambiente de comércioatrativo Área de apoio ao bem-estar mental Visibilidade das mudanças de clima e das estações Capacidade de experimentação e aprendizado Qualidade do ar Envolvimento comunitário com o pomar urbano Senso de lugar Integração de provisão adequada para as árvores nos processos de planejamento e adoção do projeto Cuidado pós-plantio Combate a pragas e doenças Distribuição de usos de um bairro planejado Os bairros planejados são uma tendência mundial, com maior ênfase nos Estados Unidos, mas com boa consistência no Brasil. Esses empreendimentos guardam relação íntima com questões urbanas muito atuais, em especial, a mobilidade urbana e a segurança pública. Por se tratar de um produto imo- biliário relativamente novo, há ainda muito espaço para a sua evolução, que conta com a conjugação de esforços públicos e privados, além de um rigoroso planejamento de longo prazo. O perfil desses empreendimentos deve ser caracterizado pela grande diver- sidade de usos, pela presença de diferentes tipologias, pela menor dependência de carros, pela prevalência de espaços públicos bem distribuídos e planejados, além de apresentar uma boa conectividade e caminhabilidade acentuada, permitindo que as necessidades cotidianas dos moradores sejam atendidas com curtas caminhadas. Além disso, não devem segregar públicos ao dirigir o padrão do empreendimento para uma ou outra classe. A segregação favorece a formação de ilhas sociais, com grandes prejuízos para a cidade, afinal uma Bairro planejado8 comunidade bem formada deve ser diversa. A Figura 4 apresenta o conceito básico dos bairros planejados. Figura 4. Concentração de atividades: conceito básico dos bairros planejados. Fonte: Prefeitura de Floripa regulamenta o incentivo... (2019, documento on-line). Quesitos como bem-estar e qualidade de vida têm pautado cada vez mais as escolhas das pessoas na hora de optar por morar em bairros planejados. Um dos principais diferenciais desses empreendimentos é a concentração de usos, conformando novas centralidades na cidade. Os projetos costumam distribuir opções de comércio, escolas, hospitais e demais serviços que julguem necessários para o bem-estar do morador, reforçando a ideia de acabar com a dependência do carro, afinal, os moradores não precisam percorrer grandes distâncias para ter o que precisam. O percurso ao longo da orla da Zona Sul do Rio de Janeiro, de Botafogo a São Conrado, passando por suas zonas mais centrais como Copacabana, Ipanema e Leblon, está entre os espaços urbanos mais caminháveis — e mais valorizados — do Brasil, marca principal da atratividade da região, proporcionada pela ausência de recuos entre suas edificações e a calçada, pelo uso misto de atividades e por uma ocupação relativamente intensiva do solo. Copacabana é um dos bairros de maior densidade demográfica do país (aproximadamente, 50 mil habitantes/km2), com cerca do triplo de seu vizinho, Ipanema, e cinco vezes um bairro paulistano como o Itaim Bibi ou Pinheiros. 9Bairro planejado Durante as décadas de 1950 e 1960, ocorreu o maior crescimento demográfico desses bairros da Zona Sul e, por consequência, da história da cidade. Buscando áreas para expansão, em 1969, Lúcio Costa, urbanista de Brasília, projetou o plano-piloto para a Baixada de Jacarepaguá, uma nova área da cidade em moldes semelhantes à Capital Federal, o que viria a ser a Barra da Tijuca. Fortemente influenciado pelos conceitos modernistas de Le Corbusier, propôs uma cidade com usos claramente monofuncionais, setorizada, com grandes prédios isolados e implementação de grandes vias. Hoje, o urbanismo modernista da Barra é considerado por muitos a antítese do que deveria ser feito: o isolamento dos edifícios diminui a caminhabilidade e as interações sociais das edificações com a cidade, o zoneamento de atividades aumenta as distâncias de deslocamento, a restrição ao adensamento impede que a oferta imobiliária da cidade responda à demanda, aumentando os preços, e as grandes vias de tráfego ainda incentivam o transporte de automóvel em detrimento dos demais — todos sabem que ser pedestre na Barra da Tijuca não é nada fácil (LING, 2019, documento on-line). No cenário paulistano, podemos mencionar os bairros Jardim América e Jardim Europa, duas das regiões mais ricas de São Paulo, como exemplos de zoneamento de usos monofuncionais e baixa densidade que prejudicam a caminhabilidade e contribuem para a sua segregação urbana. Ambos foram construídos como empreendimentos imobiliários da Companhia City, empresa de urbanização mais influente na história de São Paulo. O conceito urbanístico proposto seria uma tentativa de replicar a cidade- -jardim, permitindo que seus moradores se isolassem da densa metrópole que se desenvolvia, fugindo da congestão, do barulho, da diversidade e da desigualdade do centro de São Paulo. Para seu primeiro projeto, a Companhia City — de origem inglesa — chamou os urbanistas Raymond Unwin e Barry Parker (os mesmos que projetaram a cidade-jardim de Letchworth), para o projeto do Jardim América. As obras iniciaram em 1913 e terminaram quase duas décadas depois, em 1929. Hoje, o Jardim Europa e o Jardim América não mais se caracterizam como subúrbios de uma região central, estão muito próximos do novo centro geográfico da mancha urbana paulistana e do centro financeiro, onde se concentram muitos dos empregos da Zona Metropolitana, que hoje ultrapassa 20 milhões de pessoas. A centralidade e importância da região levam a uma altíssima demanda para morar nos Jardins e, com a oferta restrita, imóveis com preços altíssimos — o dobro da média da cidade. Bairro planejado10 No entanto, hoje, os moradores desses oásis em meio à selva de concreto paulistana se transportam, em sua maioria, de automóvel, dada uma série de fatores: a baixa densidade, que não consegue suportar uma rede de transporte coletivo eficiente, aliada ao uso exclusivamente residencial e a amplos recuos, resultando em uma precária caminhabilidade do bairro. De certa forma, os bairros planejados têm a oportunidade de romper com a imprevisibilidade da natureza orgânica de uma cidade. Em bairros tradicionais, é comum que o crescimento desordenado e as construções que não seguem um padrão gerem patologias, enquanto que, nesse ambiente previamente controlado, o padrão construtivo que influenciará o espaço público fica sob responsabilidade do construtor. No projeto, opta-se por manter distância entre as edificações, assegurando o recebimento de ventilação, luz natural e privacidade dos moradores. A questão da sustentabilidade é outro ponto que merece destaque no bairro planejado, pois é uma preocupação constante da construção civil. O espaço é todo projetado levando em consideração o melhor aproveitamento dos recursos naturais disponíveis. Geralmente, há um uso otimizado de água e energia, mas também toda uma preocupação com espaços de natureza que ajudem a promover a convivência e o bem-estar, equilibrando modernidade e aspectos naturais. Um dos principais atributos dos bairros planejados é a questão da segu- rança. Esses espaços contam com uma atenção especial ligada à seguridade, a fim de garantir o bem-estar dos moradores, reforçando o estímulo para que eles convivam nas ruas do empreendimento. Morar em um bairro planejado costuma ser uma boa opção justamente por sua organização focar as pessoas e a harmonia delas com os espaços que ocupam. De maneira geral, o bairro planejado segue um plano urbano integrado entre a iniciativa privada e o poder público. A concepção do projeto é um grande processo técnico e colaborativo que pode levar anos, e sua realização — no sentido de total ocupação por parte de moradores — pode levar décadas. Então, não se trata apenas de arquitetura e urbanismo, busca-se romper com o que não funciona e adicionar a dimensão do desejável. A ideia de sua organização é alinhar a cidade que já existe àquela que se deseja construir para o futuro. 11Bairro planejadoBENEVOLO, L.; MELOGRANI, C.; GIURA LONGO, T. La proyectación de la ciudad moderna. Barcelona: Gustavo Gili, 1978. BERNARDO. Granja Marileusa. 2017. Disponível em: http://leadconstrutora.com.br/ author/bernardo/. Acesso em: 21 out. 2019. DEGANI, J. L. 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