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Elaboração Legislativa no Executivo: Legística, Governança e Avaliação Governança legislativo regulatória: conceito e operacionalização 1 M ód ul o 2Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Enap, 2021 Enap Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Educação Continuada SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Diogo Godinho Ramos Costa Diretor de Educação Continuada Paulo Marques Coordenador-Geral de Educação a Distância Carlos Eduardo dos Santos Conteudista/s Eduardo Gomes Barnabé (Conteudista, 2021). Ivo Pereira da Silva (Conteudista, 2021). Teresinha de Jesus Araújo Magalhães Nogueira (Conteudista, 2021). Equipe responsável: Lavínia Cavalcanti M. Teixeira dos Santos, (Coordenadora, 2021). Ana Carolina Petrocchi Rodrigues, (Coordenadora Web, 2021). Maria Karoline Domingues, (Revisão de texto, 2021). Letícia de Oliveira Martins Duarte, (Implementação Moodle, 2021). Gabriel Bello Henrique Silva, (Implementação Moodle, 2021). Michelli Batista Lopes, (Implementação Moodle, 2021). Jônatas Gomes, (Implementação Rise, 2021). Ana Paula Medeiros Araújo (Produção Gráfica, 2021) Caroline M. Coutinho (Diagramação, 2021) Curso produzido em Brasília 2021. Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT / Laboratório Latitude e Enap. 3Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Sumário Unidade 1 - Contextualização histórica ............................................. 4 1.1 O contexto histórico da atividade de elaboração legislativa ............................4 1.2 A importância da governança legislativo-regulatória ......................................5 1.3 Como o modelo de governança legislativa-regulatória aparece no plano da administração pública ............................................................................................6 Unidade 2 - Desenhos Normativos .................................................... 7 2.1 Como a legislação aparece nas instituições e órgãos públicos .........................7 2.2 Exemplos internacionais (Common Law e Civil Law) .......................................8 Unidade 3 - Práticas de Referência .................................................. 10 3.1 Boas práticas internacionais ...........................................................................10 3.2 Fluxos de trabalhos inspiradores ....................................................................11 Unidade 4 - Sistematização da Legística .......................................... 15 4.1 O que é Legística? ...........................................................................................15 4.2 A metodologia da Legística .............................................................................16 4.3 Plain Language e a decodificação da linguagem jurídica...............................18 Referências ..................................................................................... 21 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 1 - Contextualização histórica Ao final desta unidade você será capaz de reunir elementos teóricos para uma melhor compreensão da gestão da elaboração legislativa. 1.1 O contexto histórico da atividade de elaboração legislativa Podcast: O contexto histórico da atividade de Legislação O movimento da codificação iniciado no fim do séc. XVIII e consolidado com o Código Civil francês foi, na cultura jurídica, um agente disseminador da atividade de documentação gerada pela legislação dirigida à sociedade e não somente aos juristas. Vale lembrar que o movimento de codificação também influenciou os países da Common Law, que por sua vez, orientou a administração pública. Tanto em países onde a principal fonte de direito é a lei, quanto naqueles onde o costume tem a proeminência, a atividade de legislação de suas instituições incorporou diversas regras presentes no Código Civil francês: • Disciplina da obrigatoriedade da publicação das leis. O fim de atos conhecidos somente por poucos (aqueles particularmente instruídos e letrados em assuntos jurídicos); • Redação de leis na língua do país (e não em latim, destinada somente os juristas); • Condições para aplicação da lei; • Garantia do conhecimento prévio das sanções pela sua violação como garantia para segurança jurídica; • Separação de matérias por meio de princípios gerais e especiais; • Disciplina legal dos efeitos da lei no tempo (ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido); • Princípios para interpretação do direito. Um conjunto de regras e princípios que foram disciplinados, documentados, sistematizados. M ód ul o Governança legislativo- regulatória: conceito e operacionalização 1 https://cdn.evg.gov.br/cursos/360_EVG/scorms/modulo01_scorm01/scormcontent/assets/mwfRL0B411lz7wsn_transcoded-Wsu4V0KY2p7ImQ3d-Podcast%201.mp3 5Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Foi assim que o Código Civil francês, uma lei, influenciou toda a feitura dos códigos – mesmo os que foram disciplinados de modo diverso – a partir de então. A matéria dessa codificação foi obtida pela consolidação dos Costumes de Paris: normas costumeiras, testadas, que funcionaram no grande centro urbano e cosmopolita francês. A atividade de influência sobre o governante, no entanto, de como seria a lei, mediante o aconselhamento e o desenvolvimento de uma estrutura típica para tal, tem sua grande gênese nos primórdios do Parlamento inglês. Por volta do séc. VII, os conselhos de influentes homens eram estruturas tradicionais das quais se valiam os reis e, portanto, eram canais que mediavam necessidades além dos humores monárquicos. 1.2 A importância da governança legislativo-regulatória Podcast: O contexto dos costumes e pensadores que influenciaram a governança legislativo- regulatória A evolução da autoridade da lei prossegue pelos séculos XIX e XX ligada ao desenvolvimento da atividade de legislação e é posta como princípio democrático ao se distanciar cada vez mais do personalismo dos governantes. Foi nesse contexto que a figura do legislador surgiu como o grande representante desta nova ordem, na qual a divisão das funções estatais se sofisticava. No início da década de 1980, especialmente nos países de Common Law, um movimento na burocracia ocidental colocou em destaque a chamada ação legislativa - a ação regulatória. Naqueles países, a principal fonte do direito não reside na lei, mas nas práticas sociais trazidas à apreciação da autoridade judicial: das decisões judiciais emergem princípios informadores da administração da justiça e do exercício do poder. Nesse contexto, tal movimento ganhou particular relevância ao articular as seguintes pautas: 1. Compromisso com uma maior eficiência e eficácia da legislação, a qualidade do gasto/despesa públicos. 2. Responsividade quanto à harmonização de ações governamentais e legislação. 3. Desenvolvimento de uma gestão/governança especializada em legislação/regulação nos parlamentos e sobretudo, na administração pública. Vale ressaltar que há uma clara distinção entre assuntos de estado e assuntos de governo nesses países em função do regime parlamentarista, modelo preponderante de gestão pública. Institucionalmente, então, é prevista uma grande sinergia entre o Gabinete do Primeiro Ministro (Governo), o Ministério da Justiça e o Parlamento, com uma troca de informações e participação transparente na elaboração de atos normativos. Surgiram, nesse cenário, as primeiras legislações em responsabilidade fiscal, modelos de administração gerencial (comprometidas com metas e resultados aos moldes das empresas) que https://cdn.evg.gov.br/cursos/360_EVG/scorms/modulo01_scorm01/scormcontent/assets/Y9dWGDwAfZp8aztL_transcoded-P4jONWEkJlxUi1Yw-Podcast%202.mp3 https://cdn.evg.gov.br/cursos/360_EVG/scorms/modulo01_scorm01/scormcontent/assets/Y9dWGDwAfZp8aztL_transcoded-P4jONWEkJlxUi1Yw-Podcast%202.mp36Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública compunham um contexto de uma “Nova Gestão Pública”, notadamente no Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia. Uma das perspectivas dessa análise se refere ao custo para efetividade de direitos, o que por sua vez, nos remete ao sucesso de ações governamentais articuladas nas políticas públicas e expressam processos que tem como fim solucionar demandas sociais. Para um direito estar presente na vida das pessoas, ser mais eficaz, é necessário que haja condições propiciadas pela administração pública (sobretudo o Executivo) aptas a tornarem concretos não só os direitos, mas que também forneça respostas às demandas sociais e assim, atuar sobre problemas que justificaram a ação legislativa. O legislativo inova no ordenamento jurídico – que é o conjunto de atos normativos origem de direitos, deveres e competências – ao introduzir um dever e/ou uma competência para quem tem a responsabilidade de garantir que uma dada legislação produza os seus efeitos. 1.3 Como o modelo de governança legislativa-regulatória aparece no plano da administração pública A criação de direitos e obrigações é função que cabe exclusivamente ao Parlamento, por força do princípio constitucional da legalidade. Por sua vez, a atividade de regulamentação/regulação se desenvolve para concretizar os comandos abstratos contidos nas leis. Assim, nenhuma regulamentação ou regulação pode criar ou inovar no ordenamento jurídico, pois são decorrentes da atividade desempenhada pela administração pública. Essa, por sua vez, realiza diferentes atividades para gestão da coisa pública porque a lei assim autoriza para assegurar o exercício da executoriedade típica dessa atividade. A governança legislativo-regulatória é um termo mais recente que designa uma forma de gestão do poder, operada via elaboração de atos normativos, que objetiva a consolidação de um instrumental adequado, eficiente e célere em apaziguar tensões sociais, disponibilizar adequados parâmetros para resolução de conflitos, assegurar a satisfação de direitos, e não a produção de meros textos normativos apartados da realidade sem condições de produzirem efeitos. Portanto a governança atua estrategicamente quando planeja as condições para a implementação de atos normativos e das suas correspondentes ações governamentais e assim assegura maiores condições para a sua executoriedade. Essa dimensão de planejamento assegura maior responsividade quanto aos efeitos pretendidos pela legislação e regulação. Ao lado de cada direito assegurado, é essencial uma rede articulada de atores públicos, garantidora de legislação eficiente para que os direitos e deveres possam ser socialmente verificáveis. 7Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2 - Desenhos Normativos Ao final desta unidade você será capaz de reconhecer os desenhos normativos que suportam a elaboração legislativa. 2.1 Como a legislação aparece nas instituições e órgãos públicos A evolução nas boas práticas de gestão pública, fundadas na confiança da sociedade frente ao Estado, incrementaram uma perspectiva responsiva quanto à real eficácia da legislação e do papel das ações governamentais no ciclo de existência de toda e qualquer lei. A “legislação”, como o nome indica, é uma das ações do Estado relativa à atividade de normatizar. Em sentido estrito, designa a “ação” fundamental e exclusiva dos parlamentos – ou casas legislativas – para criarem direitos, deveres, competências. Em um sentido mais amplo, se refere à toda ação de normatizar, seja inovando no ordenamento jurídico (casas legislativas) ou explicitando comandos legais dentro da administração direta ou em entidades com maior autonomia (densificação normativa), não pertencentes à administração direta (conselhos, agências reguladoras, etc.). Toda a administração pública concretiza os comandos abstratos contidos na lei, pois a gestão pública é a atividade estatal que faz essa intermediação entre as competências, direitos e deveres criados por força da lei e sua possibilidade de existência no cotidiano de instituições e indivíduos. Os modelos jurídicos principais para essa atividade que a administração pública executa são os que definem a legislação/regulamentação e elaboração de políticas públicas. A identificação da autonomia de um órgão público é a verificação da existência de competência normativa. Isso significa uma atividade de “legislação infralegal” (fruto da densificação normativa) que corresponde às noções de regulação e regulamentação. Os órgãos e as autoridades com competências para criarem regulamentos (ou mesmo tenham a iniciativa para a legislação em casas legislativas) que concretizem comandos legais que criaram M ód ul o Governança legislativo- regulatória: conceito e operacionalização 1 8Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública direitos, obrigações e deveres integram a rede de gestores em elaboração legislativa nos diversos níveis da federação. Caso haja uma política específica para orientar o modo como os gestores atuam quando regulamentam ou legislam por meio de princípios, modulística (formulários, modelos, guias), instrumentos e estratégias de coordenação com outros sistemas, a gestão em elaboração legislativa se sofistica e, de tipo de atividade privativa desempenhada pela administração pública, passa a ser denominada como governança legislativo-regulatória. O verbo “regular” define também uma outra atividade de gestão da elaboração legislativa operacionalizada por órgãos autônomos com essa competência – as agências reguladoras. No fim da década de 1990, a OCDE – Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico – iniciou uma série de estudos sobre a governança legislativo-regulatória para os seus países membros (entre os quais não consta o Brasil). As relações exteriores desses países expressaram a força das suas diretivas que demonstraram uma correlação entre as boas práticas e o ambiente de crescimento econômico-social. Os estudos elaborados trouxeram uma série de desenhos institucionais, instrumentos e princípios para sofisticar a elaboração legislativa dentro de um ambiente com maior accountability. Na literatura científica, no fim da década de 1970, diante de todas as demandas dirigidas a um estado de bem-estar social (com políticas para correção de desigualdades), a gestão da elaboração legislativo-regulatória assumiu importância também porque respondia às demandas de um estado liberal ao preconizar a simplificação de procedimentos burocráticos, a transparência no trato com os recursos públicos, a qualidade dos gastos públicos, a melhoria do ambiente de negócios. 2.2 Exemplos internacionais (Common Law e Civil Law) Os chamados sistemas de Common Law (Direito Consuetudinário) e Civil Law (Direito Escrito, Família Romano-Germânica, Direito Continental) orientam como os modelos jurídicos serão criados e sua “força” dentro do sistema normativo. A força dos costumes e usos dentro da Common Law é notória, ao passo que na Civil Law a força da legislação e dos Códigos é igualmente marcante. De toda forma, hoje existem códigos e leis escritas tanto no sistema de direito consuetudinário e, do mesmo modo, os costumes são fontes e podem ser invocados judicialmente no sistema de direito escrito, como podemos verificar no direito comercial. 9Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O direito escrito tende a ser mais duradouro, uma vez que a criação e alteração de leis é um processo mais longo e complexo, o que incrementaria mais a segurança jurídica. Já o direito consuetudinário, se por vezes não é tão documentado como o escrito (mas se evidencia na conduta da sociedade), possui uma maior possibilidade de mudança dada a sua gênese social e não no aparato estatal. A hierarquia das fontes do direito define a dinâmica da origem dos direitos e as obrigações nos estados contemporâneos, não obstante a grande circulação entrevários modelos jurídicos de ambos os sistemas. Direitos que atingem com muita força a liberdade são regulados por direito escrito nos países de direito consuetudinário (Common Law). Vemos isso, por exemplo, nas disciplinas tributária e penal de países como Reino Unido, EUA, Canadá, Nova Zelândia. Por outro lado, o costume, a força da realidade sobre a legislação, o interesse em uniformizar decisões judiciais por meio de princípios extraídos de reiteradas decisões judiciais, podem ser observados em países como Alemanha, Espanha, Brasil, Suíça, etc. Nos países onde há mais de uma língua reconhecida como oficial, o desafio da elaboração legislativa ganha mais um patamar com o pluralismo linguístico. Um caso curioso de desenhos normativos que se adaptaram e buscaram zonas de convergência ocorre no Canadá. Além do seu bilinguismo, há o bijuridismo, pois ambas as tradições – Common Law e Civil Law – convivem no mesmo território. A província de Quebec, por exemplo, de origem francesa, tem o direito escrito como a tradição de preponderante hierarquia das fontes do direito. O seu parlamento normatiza o direito em sentido bem amplo se comparado aos demais. Porém, quando há alguma lacuna ou divergência interpretativa no seu regimento parlamentar, não são feitas interpretações exclusivas a partir dos textos escritos, mas são levadas em conta as práticas, os usos, os costumes de outros parlamentos na solução daquela controvérsia. 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 3 - Práticas de Referência Ao final desta unidade você será capaz de classificar as práticas de referência que possam contribuir para a tomada de decisão no processo de gestão de elaboração legislativa. Os estudos sobre planejamento de elaboração legislativa de referência da OCDE orientaram seus países membros e inspiraram outros a buscar estratégias mais precisas e responsáveis para o exercício daquelas competências. O documento de referência que data de 1995 e é intitulado de “Recomendação do conselho sobre os instrumentos que melhoram a qualidade da regulamentação governamental” tem como objetivo orientar uma boa tomada de decisão. Algumas dessas estratégias se desenvolvem por meio da atualização da base legal dos regulamentos; o estabelecimento de processos de decisão mais ordenados e previsíveis; a identificação de regulamentos desatualizados ou desnecessários e o aumento na transparência das ações do governo. Esse documento traz um modelo de instrumento para uma “avaliação”, isto é, uma “Lista de Verificação de Referência para Tomada de Decisão Regulamentar”. Outras publicações da OCDE documentam o percurso na governança legislativo-regulatória, como o “Relatório da OCDE sobre a reforma regulatória – Síntese” de 1997, que justifica a reforma regulatória, elenca os seus desafios e orienta a sua realização por meio de algumas etapas: 3.1 Boas práticas internacionais • Melhoria no processo de elaboração e revisão normativa-regulatória; • Planejamento da gestão das reformas; e • Proposição de meios para a reconstrução de todo um regime regulamentar. Tal documento, portanto, fornece o desenho de uma política pública que inclui os ajustes a serem feitos decorrentes das mudanças causadas pela reforma. Já o “Relatório Mandelkern”, fruto de uma iniciativa da União Europeia ainda no início dos anos 2000, é um dos documentos de referência mais completos dirigido aos gestores e que considera a rede de atores/afetados pela atividade de legislação. O documento traz elementos para elaboração M ód ul o Governança legislativo- regulatória: conceito e operacionalização 1 11Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de políticas públicas (e governança) em matéria de melhoria da legislação: “um ato legislativo de qualidade evita que empresas, os cidadãos e as administrações públicas fiquem submetidas a encargos inúteis, que representam tempo e dinheiro”. Naquele momento, os custos estimados da carga legislativa de baixa qualidade a minar a confiança nos governos sobre o PIB europeu representaram cerca de 2 a 5% do PIB, na Europa. Os documentos de referência que acabaram por impulsionar outros tantos tiveram o mérito de chamarem a atenção para uma mudança da cultura burocrática, colocando em relevo os seguintes processos: • Avaliação de impacto; • Simplificação; • Presença de “estruturas” de gestão em elaboração legislativo-regulatória; • Consolidação e a consulta pública na gestão pública. 3.2 Fluxos de trabalhos inspiradores Diversos países - fossem países com modelos jurídicos de maior tradição em direito escrito (Civil Law) ou de direito consuetudinário (Common Law) - implementaram políticas de melhoria da legislação em variados graus. Observa-se que países com mais de uma língua oficial e que possuam modelos jurídicos mais sofisticados de ambas tradições, definem ações de simplificação e uma modelagem particular de comunicação dos seus atos normativos. O Canadá edita seus atos em duas línguas em procedimento de elaboração com a presença de redatores anglófonos e francófonos de modo que as representações de mundo e a maneira de interpretar a realidade contemplem os dois grupos formadores. A oitiva de grupos de interesse no tema integra o processo de elaboração legislativa, também do Executivo, como forma de ampliar a legitimidade e de sofisticar o conhecimento do futuro contexto de aplicação de um dado ato normativo. Esses grupos de interesse apresentam estudos e dados para legitimar as suas posições. Vale lembrar que o avanço da ciência e tecnologia sofistica as possibilidades de análise e amplia a reconstrução do futuro cenário sobre o qual o ato normativo atua. Veja abaixo dois modelos canadenses de atos normativos: 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Modelo canadense do tipo “Lei”, em língua inglesa. 13Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Modelo canadense do tipo “Regulamento”, em língua francesa. Estes e outros atos normativos do Canadá podem ser consultados em: https://www.canlii.org/en/ca/ Há um grande cuidado com a linguagem dos textos normativos nesses países, a começar pelo cuidado com a precisão dos termos jurídicos (inclusive com glossários que diminuem as possibilidades de manipulação interpretativa) e pela sub-titulação presente nos agrupamentos dos artigos, o que torna célere a busca pelos assuntos dentro do texto. 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Situação similar pode ser observada na Suíça, onde o procedimento de elaboração legislativa é fruto de uma atividade de concertação. O desenho do percurso que assegura a executoriedade dos atos normativos passa também pela consulta intragovernamental orientada pelos assuntos que cabem aos diversos órgãos normativos. Na prática, dificilmente um ato normativo necessita de uma só autoridade para ser executado ou ter sua eficácia garantida, sobretudo quando é desrespeitado. Esse desenho necessita ser feito antes da edição do ato para que dificuldades possam ser previstas ainda dentro da gestão pública. A efetividade nas várias esferas de competência é assegurada pelo planejamento das suas respectivas ações governamentais referentes à política pública à qual a atividade de elaboração legislativa se refira. O modelo federativo na Suíça, tal qual no Brasil, possui uma legislação multinível e uma forte cultura de consulta popular. Com um modelo presidencial cuja forma é de colegiado, a concertação na Suíça norteia o desenho da governança em legislação com uma cultura de participação plebiscitária consolidada. O uso de um glossário com termos jurídicos consolidados e uniformizados nas línguas oficiais de difusão de informação oficial da Confederação (francês, inglês, romanche, alemão e italiano) converteu-se em uma útil ferramenta: o TERMDAT. Sua função é garantir uma harmonização nos sentidos dos atos normativos como forma de incrementar a sua efetividadee evitar ambiguidades interpretativas. Se você quiser saber mais sobre o TERMDAT, acesse TERMDAT, banque de données terminologiques de l'administration fédérale. A estrutura do Ministério da Justiça do país tem grande importância na condução dos processos de elaboração, pois estes são instruídos com dados e informações do Executivo, somados aos aportes trazidos pelos setores da sociedade a serem afetados pelos atos normativos. Um outro modelo particular de governança legislativo-regulatória reside nas “Law Commissions” ou Comissões de Direito, presentes em países da comunidade britânica São organismos inspirados no sistema da Common Law e com forte compromisso com o debate público. Em geral, as Comissões de Direito ou Comissões de Reforma foram criadas por governos de inspiração liberal e algumas deixaram de funcionar quando houve ascensão de governos conservadores. São organismos para supervisão da “saúde” do sistema normativo dos seus respectivos países, com funções para proposição de revisões, consolidações, aprimoramentos, além de consultoria ao governo sobre questões da legislação nacional. Ressaltamos as seguintes: Reino Unido (Inglaterra e País de Gales), Nova Zelândia, Austrália, Índia, Nepal, Província de Ontário – Canadá. https://www.bk.admin.ch/bk/fr/home/documentation/langues/termdat.html https://www.bk.admin.ch/bk/fr/home/documentation/langues/termdat.html 15Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 4 - Sistematização da Legística Ao final desta unidade você será capaz de identificar características de elaboração de atos normativos do Executivo. Uma obra com grande influência na Europa foi escrita pelo suíço de origem alemã, Peter Noll, no início da década de 1970. Sua percepção ressaltava o papel da atividade legislativo-regulatória pelos governos e como ela poderia ser um motor que garantisse a realizabilidade de ações governamentais que em última instância concretizam direitos. Assim como o processo de concepção de uma política pública é desenhado por etapas, a mesma perspectiva metodológica deveria orientar o processo de elaboração legislativa. A Suíça acaba por evidenciar modelos jurídicos de origem francesa, alemã e italiana. Vale dizer que é um grande “laboratório social” da tradição de Civil Law, conhecida como “Família Romano Germânica”. O sistema brasileiro tem o seu sistema de fontes do direito (leis, costumes, jurisprudência, opinião dos juristas) conformado nesse sistema. 4.1 O que é Legística? A Legística é, em linhas gerais, um conhecimento que engloba métodos estruturados em etapas, utilizados especificamente na atividade de elaboração legislativa desenvolvida pelo Estado (em qualquer exercício de competência normativa) cuja nomenclatura remonta à “Metódica da Legislação”, objeto da obra de Peter Noll. A sua abordagem metodológica de cunho procedimental trata também da melhoria da compreensão do texto legal, mas visa aproximar o legislador do cidadão, então essa noção ultrapassa a técnica legislativa, é mais abrangente do que «redigir», pois significa considerar o texto, mas também o contexto de quem recebe a mensagem: portanto, os verbos mais adequados são “elaborar” e “planejar”. Neste sentido, a Legística usa a tecnologia da informação tanto para auxiliar o legislador e o legista (o técnico que assessora o legislativo), quanto para difundir a «mensagem» em outros ambientes e de outras formas, que não só nos diários oficiais. Na prática, isso culmina por alterar o conceito de publicidade dos atos normativos como mero dever de difusão no diário oficial. Hoje, um grande volume de informações de legislações está disponível em diversas redes sociais e em diversos tipos de mídia. M ód ul o Governança legislativo- regulatória: conceito e operacionalização 1 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Além do desenvolvimento de novas técnicas de comunicação pública, o regime legal da transparência ativa no Brasil, por meio da Lei de Acesso à Informação, dirige o modo como a informação oficial é formada, custodiada e disponibilizada. A legislação é um tipo informação oficial que vincula a conduta dos indivíduos) e impõe uma regra de clareza e inteligibilidade como dever do Estado. 4.2 A metodologia da Legística A elaboração de uma metodologia adequada ao direito brasileiro e sobretudo ao legislativo é um desafio, já que a grande maioria das práticas foi desenvolvida para os executivos e não pelos legislativos, a despeito de que o legislativo é por excelência a casa do povo. Em 2007, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais lançou um projeto pioneiro para discutir ações em prol do incremento da qualidade da legislação. Através de um conjunto de ações que incluiu um congresso, com a participação de diversos matizes ideológicos, o legislativo mineiro iniciou a discussão sobre as possibilidades e limites para um planejamento na gestão dos projetos de lei. Para saber mais sobre o assunto acesse o portal da Assembleia Legislativa do Estado de Minas. A Legística oferece instrumental para auxiliar o procedimento de elaboração legislativa que se organiza por etapas. O instrumental correspondente a cada uma delas e será definido, em conformidade, com a matéria objeto da ação legislativa. Fonte: Morand, Charles- Albert. Légistique formelle et matérielle. Formal and Material Legistic. Aix-en-Provence. Presses Universitaires d’Aix Marseille, 1999. https://www.almg.gov.br/consulte/publicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/legistica.html https://www.almg.gov.br/consulte/publicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/legistica.html 17Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Definição do problema – Onde, como, duração, efeitos, porquê, o que o intensifica. Fixação dos objetivos – Quais são as soluções pretendidas? Fixação dos instrumentos e cenários alternativos – Elenco das possibilidades levando em conta os tipos de atos normativos, ações para difusão, executoriedade, estratégias para implementação. Adoção da legislação – Qual o nível da densidade normativa? Precisarei de muitos atos normativos para garantir a aplicação? Estruturas administrativas deverão receber capacitação? Entrada em vigor – Qual será a duração da vigência do ato? Será experimental? Provisória? Quando é o melhor momento para sua entrada em vigor? Será necessário otimizar o conhecimento do novo ato normativo? Avaliação Retrospectiva – Quais objetivos foram alcançados? Os indicadores foram definidos? Quais mudanças devem ocorrer? O ato normativo deve ser alterado, revogado? Políticas públicas devem ser modificadas ou criadas? Interatividade – As etapas da ação legislativa são dinâmicas e dialogam entre si Retroação – O fim do processo decisório sobre o ato normativo alimenta outras ações legislativas. A síntese do instrumental ligado às etapas pode ser identificada no resumo abaixo, tanto quanto às etapas da dimensão de comunicação dos atos normativos quanto ao desenho dos objetivos referentes às soluções que ação legislativa pretende alcançar: Análise da situação existente (suporte da deci- são de legislar). Diagnóstico Determinação dos objetivos a serem atingidos pela ação legislativa. Definição do Problema que a ação legislativa pretende solucionar. Busca dos possíveis meios e instrumentos que podem ser usados para solucionar o problema. Análise das possíveis alternativas e a escolha da solução. Drafting da legislação. Desenho do Projeto Publicação e entrada em vigor. Gestão da Executoriedade Implementação da Legislação. Avaliação e Retrospectiva dos Efeitos. Avaliação Retrospectiva Adaptação da Legislação /Regulação Gestão da Executoriedade 18Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 4.3 Plain Language e a decodificação da linguagem jurídica A linguagem dos atos oficiais é um tema que aparece com mais vigor na literatura jurídica na segunda metade do século XX, como é o caso do clássico Derecho y Lenguaje escrito porGenaro Carrió em 1973. Estudos também na área de Linguística, sobretudo em Análise do Discurso, reforçaram a necessidade de compreensão da comunicação dos atos normativos além da sua mera publicização. O Direito é também uma forma de linguagem, um fenômeno psíquico que atua na vontade das pessoas, mas que passa por uma ponderação intelectual ou mesmo emocional: há legislações que não funcionam, são desconsideradas ou mesmo flagrantemente desconsideradas. A partir da década de 1990 com o desenvolvimento das telecomunicações e a disseminação da internet, os governos passaram a utilizar a web para se dirigirem aos seus cidadãos, ao mesmo tempo em que as TVs dos legislativos se abriram para o grande público nas várias camadas do trabalho parlamentar. Na primeira década do segundo milênio, as políticas de dados abertos no Brasil vincularam a necessidade de que os governos, além de estarem na web, dispusessem suas informações de forma clara e compreensível. A necessidade dessa linguagem simples surgiu como uma demanda crucial nos países de Common Law que levam a qualidade do texto normativo muito a sério, bem como naqueles onde as legislações sejam escritas em mais de língua, ou sistemas de bilinguismo e multilinguismo. Foi o início do movimento de Plain Language ou da Linguagem Simples, ou Linguagem Cidadã. A inteligibilidade das ações governamentais interfere na interface da burocracia com a sociedade de modo geral. No fim dos anos 90, a redação e a técnica legislativa de atos normativos oriundos do Executivo no Brasil ganharam um grande reforço com a Lei Complementar 95/98 que disciplinava regras para a clareza da linguagem, coerência do texto. Um decreto federal foi editado em seguida e hoje está em vigor - o Decreto nº 9.191/2017 - cujos objetivos são estabelecer as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado. Além disso, foi publicada a primeira edição do Manual da Presidência da República como instrumento para padronização de estilo na burocracia federal que acabou por influenciar outras gestões. Boas práticas nesse sentido podem ser identificadas de forma mais consolidada no Reino Unido, Noruega, França, Canadá, Austrália, México, Espanha. No Brasil, em 2019, a Prefeitura de SP lançou uma política pública de inovação na gestão para Linguagem Simples. Seus principais objetivos dizem respeito à simplificação da linguagem de processos e documentos públicos de “forma respeitosa, amigável e inclusiva. Essas iniciativas estão presentes em vários outros países, que elaboraram manuais de linguagem clara com a diminuição do uso de jargões. Há também uma associação internacional de Plain Language, que é uma organização sem fins lucrativos constituída no Canadá. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/1998/leicomplementar-95-26-fevereiro-1998-363948-norma-pl.html http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9191.htm http://prefeitura.sp.gov.br/periodo_eleitoral.html http://prefeitura.sp.gov.br/periodo_eleitoral.html https://plainlanguagenetwork.org/ https://plainlanguagenetwork.org/ 19Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A Suécia tem um dos programas de linguagem simples mais antigos do mundo, administrado pelo Ministério da Justiça. Até mesmo projetos de lei encaminhados ao legislativo passam por edição em linguagem simples. Em 2004, uma representante do Ministério da Justiça falou sobre os 30 anos da linguagem simples no país e seus resultados. Veja aqui: A linguagem simples na Suécia - os resultados após 30 anos. Alguns princípios são reconhecidos como a base da comunicação clara: 1. Considerar a Audiência para a qual é dirigida a comunicação. 2. Considerar a estrutura comunicacional ou os meios para difusão. 3. Considerar o desenho/ aparência dos textos e meios de difusão. 4. Considerar as estratégias para uma redação clara. 5. Considerar uma avaliação prévia do conteúdo antes do mesmo ser emitido. Um exemplo de conversão da linguagem legal para outro formato em conformidade com as diretrizes da Plain Language pode ser verificado no gênero textual comumente conhecido como “cartilha”. Trata-se de uma modelagem informacional destinada a clarificar e promover a efetividade de um ato normativo. Capa da cartilha sobre a Lei de Acesso à Informação. Essa publicação de 2013 é um exemplo de como um texto legislativo foi transformado em um texto de caráter pedagógico com linguagem simples visando à educação para a cidadania. Você pode acessá-la aqui. https://plainlanguage.gov/resources/articles/plain-language-in-sweden/ https://plainlanguage.gov/resources/articles/plain-language-in-sweden/ https://www.interlegis.leg.br/capacitacao/publicacoes-e-modelos/cartilha-lei-de-acesso-a-informacao-1/view 20Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Trecho da cartilha sobre a Lei de Acesso à Informação. 21Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Referências ALMEIDA, Marta Tavares de. A contribuição da Legística para uma política de legislação: concepções, métodos e técnicas. pp. 83-102. IN: Legística: Qualidade Da Lei e Desenvolvimento. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais, 2009. AMARAL, Gilberto Luiz do; AMARAL, Letícia Mari Fernandes; OLENIKE, João Eloi. Quantidade de normas promulgadas no Brasil: 27 anos da Constituição Federal de 1988. Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, 2015. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. 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Disponível em: < http://hdl.handle.net/1843/BUBD-96WPB6>. http://hdl.handle.net/1843/BUBD-96WPB6 Unidade 1 - Contextualização histórica 1.1 O contexto histórico da atividade de elaboração legislativa 1.2 A importância da governança legislativo-regulatória 1.3 Como o modelo de governança legislativa-regulatória aparece no plano da administração pública Unidade 2 - Desenhos Normativos 2.1 Como a legislação aparece nas instituições e órgãos públicos 2.2 Exemplos internacionais (Common Law e Civil Law) Unidade 3 - Práticas de Referência 3.1 Boas práticas internacionais 3.2 Fluxos de trabalhos inspiradores Unidade 4 - Sistematização da Legística 4.1 O que é Legística? 4.2 A metodologia da Legística 4.3 Plain Language e a decodificação da linguagem jurídica Referências
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