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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ INSTITUTO DE FÍSICA E QUÍMICA (IFQ) QUÍMICA ORGÂNICA I (QUI035) Material auxiliar para alunos de graduação dos cursos de Química Bacharelado e Química Licenciatura. Professor: Maurício Santos - IFQ CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Conteúdos abordados: ✓ A História da Química Orgânica; ✓ Formas de Representação de Moléculas Orgânicas; ✓ As Hibridizações do Átomo de Carbono; ✓ Identificação dos Principais Grupos Funcionais; ✓ Algumas Aplicações de Substâncias Orgânicas. Observação: classificações de cadeias carbônicas, tipos de ligações sigma e pi e classificação de átomo de carbono (1º, 2º, 3º e 4º) serão discutidos dentro dos tópicos supracitados e durante todo o curso. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 1. Histórico 1770: Torbern Olaf Bergman (Katharinberg-Suécia, 1735-1784) ▪ Substâncias Inorgânicas x Substâncias Orgânicas - Muitas literaturas citam que Bergman foi o primeiro químico a diferenciar substâncias orgânicas e inorgânicas. O termo química orgânica passou a denominar a química das substâncias encontradas nos seres vivos. 1807: Jöns Jakob Berzelius (Östergotland-Suécia, 1779-1848) ▪ Teoria da força vital (Vitalismo) - Acreditava-se que as substâncias derivadas de organismos vivos continham uma força vital imensurável, a essência da vida; - Como não havia maneira de criar vida no laboratório, presumiram que apenas organismos vivos poderiam sintetizar tais compostos a partir dessa “força vital”. 1816: Michel-Eugène Chevreul (Angers-França, 1786-1889) ▪ Primeira contestação da teoria da força vital - Obteve sabão e glicerina a partir de gordura animal. Pela primeira vez observou-se uma reação de obtenção de substâncias orgânicas no laboratório, sem a influência da suposta “força vital”: Gordura animal → sabão + glicerina 1828: Friedrich Wöhler (Eschersheim-Alemanha, 1800-1882) ▪ Segunda contestação da teoria da força vital - Ureia, uma substância que já havia sido caracterizada e encontrada em organismos vivos, foi sintetizada no laboratório a partir de cianato de amônio, um sal inorgânico: I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 1858: Friedrich August Kekulé (Darmstadt-Alemanha, 1829-1896) ▪ Estrutura química dos compostos orgânicos - sugeriu que átomos de carbono são tetravalentes e podem ligar entre si formando cadeias carbônicas. Observação: outros momentos marcantes da química orgânica serão abordados no decorrer da disciplina, como por exemplo, as estruturas de Lewis, as contribuições de Emil Fischer, a talidomida e o desenvolvimento da estereoquímica. A Química Orgânica Hoje: Não existe um número exato de substâncias orgânicas caracterizadas. Segundo John McMurry, são aproximadamente 30 milhões (Química Orgânica, 7a ed.,Vol. 1, Cengage Learning, 2011); no livro recentemente publicado por Jonathan Clayden e co-autores (Organic Chemistry, 2nd ed., Oxford, 2012), esse número é cerca de 16 milhões. Esse grande número é possível devido à capacidade do carbono em formar cadeias. O metano possui apenas um átomo de carbono e o DNA pode ter mais de 100 bilhões. Independentemente do número exato de substâncias orgânicas catalogadas, o certo é que os compostos de carbono estão presentes em áreas diversificadas, como por exemplo, alimentícia, farmacêutica, polímeros, materiais, cosméticos, petroquímica e química fina. Diversos químicos orgânicos consagrados receberam o Prêmio Nobel: 21 no total, com trabalhos desenvolvidos principalmente na área de síntese orgânica. Para consultar todos os ganhadores na Química Orgânica consulte o Anexo I. 2. Formas de Representação de Moléculas Orgânicas 2.1. Estrutura de Lewis Os elétrons de valência de todos os átomos presentes na molécula são representados: Esse tipo de representação não se preocupa com a geometria da molécula. Gilbert N. Lewis (Weymouth-USA, 1875-1946) Ficou conhecido pela contribuição nos conceitos de ligações covalentes e pares eletrônicos, além do desenvolvimento de teoria ácido-base de Lewis, que será apresentada em capítulos posteriores. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 2.2. Estrutura de Kekulé É muito semelhante à estrutura de Lewis. Na estrutura de Kekulé, os elétrons que participam da ligação covalente são representados por traços. Cada traço representa um par de elétrons. Assim como nas representações de Lewis, as estruturas de Kekulé geralmente não mostram corretamente a geometria da molécula. As estruturas de Kekulé podem ser representadas através de estruturas condensadas: 2.3. Estrutura em linha-ângulo (zigue-zague ou bastão) Atualmente é o tipo de representação mais utilizada para representar uma molécula orgânica.A principal vantagem de utilizar essa forma de representação é a grande economia de tempo ao desenhar as moléculas. Existem algumas convenções e regras que devem ser seguidas: A) os átomos de carbono geralmente não são representados. Cada vértice representa um átomo de carbono; B) os átomos de hidrogênio ligados diretamente a átomos de carbono geralmente não são representados. A quantidade é determinada pelo número de ligações representadas na cadeia. Exemplo: se o átomo de carbono estiver fazendo apenas uma ligação simples com outro átomo, significa que existem três átomos de hidrogênio, uma vez que, o átomo de carbono faz 4 ligações (existem exceções, como por exemplo, carbocátions, carbânions e carbenos, espécies que serão apresentadas a partir do capítulo II). C) átomos diferentes de carbono e hidrogênio são representados. D) as geometrias devem ser obedecidas. As geometrias estão diretamente ligadas às hibridizações dos átomos de carbono, conforme apresentado no item 3. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Exemplos: fórmulas de Kekulé transformadas em linha-ângulo: Se formos representar todos os átomos de hidrogênio e as respectivas ligações da estrutura oxigenada acima: Observe que existe apenas um átomo de carbono sp2. Os demais são sp3, ou seja, cada átomo tem duas ligações no plano do papel, uma ligação saindo do plano (cunha cheia) e uma entrando no plano (cunha tracejada). Exercício: determinar a fórmula molecular de todas as estruturas acima. Lembre-se que na fórmula molecular representa apenas os átomos e as respectivas quantidades destes na molécula. Observação: existem outras formas de representar moléculas orgânicas. As principais são: projeções cavalete (Sawhorse), Newman, Fischer e Haworth. Todas serão apresentadas adiante no capítulo de Estereoquímica. 3. Hibridizações do Átomo de Carbono 3.1. Hibridização sp3 O Metano Os orbitais s e p, usados na descrição quântica para o átomo de carbono, foram baseados em cálculos para o átomo de hidrogênio. Esses orbitais separadamente não geram um modelo satisfatório para o átomo de carbono tetraédrico do metano e de outras substâncias orgânicas formadas exclusivamente por ligações sigma (). Todavia, um modelo satisfatório da estrutura do metano pode ser obtida através de uma aproximação chamada hibridização de orbitais. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica IProfessor: Maurício Santos A hibridzação de orbitais nada mais é do que uma aproximação matemática que envolve a combinação de funções de onda individuais de orbitais s e p para obter funções de onda para novos orbitais, chamados de orbitais atômicos híbridos. De acordo com a mecânica quântica, a configuração eletrônica de um átomo de carbono no estado de mais baixa energia (estado fundamental) é: Sabe-se que os orbitais s e p (não hibridizados) apresentam as seguintes formas: No caso do metano, a hibridização do átomo de carbono gera 4 orbitais híbridos sp3: Observação: revise os tópicos orbitais atômicos, orbitais moleculares, ligações sigma e pi lecionados nas disciplinas de Química Geral e Química Inorgânica. 3.2. Hibridização sp2 O eteno No eteno (etileno) a ligação entre os átomos de carbono é do tipo dupla (1 ligação e 1 ligação ). I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Observe o esquema abaixo: O orbital 2s é hibridzado com 2 orbitais 2p; um orbital 2p permanece não hibridizado. Um elétron é colocado em cada orbital híbrido sp2, enquanto que, um elétrons fica no orbital 2p. Os três orbitais sp2 estão direcionados para os vértices de um triângulo regular, com ângulos de 120o entre eles. O orbital p não hibridizado é perpendicular ao plano do triângulo: No cotidiano, não faz sentido representar os orbitais quando se deseja desenhar as estruturas. No eteno por exemplo, é mais comum representá-lo pelas formas abaixo: Na representação de orbitais: Estado Fundamental Estado excitado Estado hibridizado-sp2 Energia todas as ligações sigma perpendiculares ao plano do papel e, consequentemente, a ligação pi no plano do papel. todas as ligações sigma no plano do papel e, consequentemente, a ligação pi perpendicular ao plano do papel. Ligações Ligações Orbitais p I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 3.3. Hibridização sp O etino No etino (acetileno) a ligação entre os átomos de carbono é do tipo tripla (1 ligação e 2 ligações ). Observe o esquema abaixo: O orbital 2s é hibridzado com 1 orbitais 2p; dois orbitais 2p permanecem não hibridizados. Os dois orbitais sp formam uma geometria linear, com ângulo de 180o entre eles. Os dois orbitais p não hibridizados são perpendiculares ao plano das ligações sigma: A representação usual é: Na representação de orbitais: Estado Fundamental Estado excitado Estado hibridizado-sp Energia Orbital sp Orbitais p I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 4. Grupos Funcionais Além das ligações entre átomos de carbono, podem ocorrer ligações envolvendo átomo(s) de carbono e diversos átomos, como por exemplo, oxigênio, nitrogênio, enxofre, fósforo, boro e halogênios (fluor, cloro, bromo e iodo). Os principais grupos funcionais serão estudados detalhadamente ao longo das disciplinas Orgânica I, Orgânica II e Orgânica III. O objetivo por enquanto é estudar a identificação e algumas características dos principais grupos funcionais da química orgânica. No final da apostila existe uma tabela com muitos grupos funcionais que servirão de consulta durante toda a química orgânica (Anexo II). 4.1. Hidrocarbonetos 4.2. Grupos Funcionais Oxigenados (veja mais no Anexo II) 4.3. Grupos Funcionais Nitrogenados (veja mais no Anexo II) I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 4.4. Grupos Funcionais Sulfurados (veja mais no Anexo II) 4.5. Grupos Funcionais Halogenados (veja mais no Anexo II) 5. Aplicações e Ocorrências de Substâncias Orgânicas Exercício: identifique todos os grupos funcionais destacados nas moléculas abaixo. 5.1. Fármacos Ácido acetilsalicílico (AAS): analgésico, antipirético e antiplaquetário. Paracetamol (Acetaminofeno): Analgésico e antipirético. Diclofenaco: analgésico e anti- inflamatório. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 5.2. Biomoléculas Amoxicilina: antibiótico -lactâmico da classe das penicilinas. Atorvastatina: diminuição do colesterol. Pertence à classe das estatinas. AZT(zidovudina/azidotimidina): antiviral (HIV). Clonazepam (Rivotril): agente ansiolítico da classe dos benzodiazepínicos. Captopril: utilizado no tratamento de hipertensão arterial. Sildenafila (Viagra): usado no tratamento de disfunção erétil. Rivastigmina (Exelon): tratamento da Doença de Alzheimer. Levodopa (L-Dopa): usado no tratamento do mal de Parkinson. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 5.2. Biomoléculas Vitaminas Bases Nitrogenadas DNA/RNA Vitamina C (Ácido ascórbico) Vitamina B1 (Tiamina) Vitamina B2 (Riboflavina) Vitamina B3 ou PP (Ác. nicotínico) Vitamina B5 (Ác. pantotênico) Vitamina B6 (Piridoxina) Adenina Guanina Timina Citosina Uracila I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Neurotransmissores 5.3. Indústria de Cosméticos e Higiene Pessoal 5.4. Indústria Alimentícia 5.5. Corantes Dopamina Serotonina Noradrenalina (Norepinefrina) Acetilcolina Lauril étersulfato de sódio: surfactante. Cocamida DEA: sufactante. EDTA: quelante. Cocamidopropil betaína: surfactante e antieletrostático. BHT: antioxidante. Benzotriazolil dodecil p-cresol: absorvedor de radiação UV. Benzoato de sódio: conservante. Aspartame: adoçante artificial. Ciclamato de sódio: adoçante artificial. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Tartrazina (CI 19140): corante amarelo. Scarlet GN (CI14700): corante vermelho. Indigo: corante utilizado na produção do jeans azul. Alaranjado de metila: indicador de titulação de ácidos. Fenolftaleína: indicador utilizado em titulações ácido-base (Estrutura em pH neutro). Benzodifuranonas (desenvolvidas pela ICI): corante vermelho para poliésteres. DPP 254 (Ciba-Geigy): corante vermelho intenso. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 5.5. Defensivos Agrícolas 5.6. Polímeros Eteno (Etileno) Polieteno (Polietileno) PEBD (LDPE): sacolas plásticas, embalagens de alimentos. PEAD(PEHD/HDPE): embalagens mais resistentes do que PEBD: para shampoos, detergentes, etc. Ácido tereftálico 1,2-etanodiol (etilenoglicol) Polietileno Tereftalato (PET) Polímero empregado na fabricação de garrafas para bebidas (refrigerantes, sucos, chás, etc.). Ácido hexanodióico 1,6-diaminoexano Náilon (Nylon) 66 (Ácido Adípico) (hexametilenodiamina) Polímero utilizado na produção de fibras têxteis (roupas íntimas, shorts, etc), cordas, engrenagens, rolamentos, etc. Aldicarb (“chumbinho”): pesticida/raticida. Parathion: inseticida. Metamidofós: inseticida. I- INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Polímeros Biodegradáveis Ácido 3-hidroxibutanoico Polihidroxibutirato (P3HB) (Ácido 3-hidroxibutírico) Estudos mostram que pode ser degradado em 4 semanas em aterro sanitário. O custo, porém, é aproximadamente 4 vezes maior que do polipropileno. Outros polímeros biodegradáveis são produzidos a partir dos monômeros ácido hidroxietanoico (ácido glicólico) e ácido 2-hidroxipropanoico (ácido lático). CAPÍTULO II: EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Conteúdos abordados: ✓ Efeito Indutivo; ✓ Hiperconjugação; ✓ Ressonância (Efeito Mesomérico); II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 1. Efeito Indutivo Conceito: é a doação ou retirada de elétrons, ao longo da ligação sigma (), a partir da diferença de eletronegatividade existente entre átomos e/ou grupos. Exemplo: metanol (CH3OH) Exemplo: cloreto de metila ou clorometano (CH3Cl) Análise do efeito indutivo de diversos átomos e grupos quando ligados a átomo de carbono: R= halogênios (F, Cl, Br), O, N, S, NO2 (grupo nitro). R= metais em geral. O E da ligação C-O é: 3,5 - 2,5 = 1,0 (ligação covalente polar). O átomo de carbono assume uma carga parcial positiva (+) e o átomo de oxigênio uma carga negativa (-). Momento dipolo (D) = 1,70. O E da ligação C-Cl é: 3,0 - 2,5 = 0,5 (ligação covalente polar). O átomo de carbono assume uma carga parcial positiva (+) e o átomo de cloro uma carga negativa (-). Momento dipolo (D) = 1,87. II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 2. Hiperconjugação Conceito: é um efeito de estabilização que ocorre através da deslocalização eletrônica de um par de elétrons de uma ligação para um orbital adjacente vazio. Esse efeito é muito comum em carbocátions. No desenho acima, o overlap de orbitais é mostrado apenas para uma ligação C-H que está no mesmo plano do orbital p vazio. Como a ligação sigma possui rotação livre, as outras duas ligações C-H também podem fazer o overlap. 2.1. Carbocátions Em 1962, George A. Olah (University of Southern) e colaboradores publicaram uma série de trabalhos descrevendo experimentos nos quais foram preparados cátions de alquila com certa estabilidade. Esses trabalhos renderam um prêmio nobel para George A. Olah em 1994. Eles são formados pela heterólise de uma ligação entre um átomo de carbono e um átomo ou grupo eletronegativo: Grupos alquilas aumentam a estabilidade do carbocátion por hiperconjugação. De modo geral, a ordem de estabilidade é: Geometria trigonal plana; Hibridização sp2; Orbital p vazio (perpendicular ao plano das ligações sigma). II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Sendo R um grupo alquil. Efeitos mesoméricos (ressonância) também influenciam na estabilidade do carbocátion (veja item 3). Grupos retiradores de elétrons por indução (F, Cl, Br, NO2, etc) diminuem a estabilidade do carbocátion. Os carbocátions terciários possuem 3 átomos de carbono com ligações C-H ou C-C adjacentes ao carbocátion que podem fazer overlap com o orbital p vazio; carbocátions secundários possuem apenas 2 átomos de carbono com ligações C-H ou C-C. Portanto, nos carbocátions terciários a possibilidade de hiperconjugação é maior. Os mapas de potencial eletrostático mostram a estabilização da carga positiva em carbocátions distintos. A cor menos azul indica maior deslocalização da carga positiva: Tert-butil Isopropil etil metil Observação: carbocátions serão estudados com mais detalhes no capítulo 06 (Orgânica I) e aparecerão em alguns tópicos na Química Orgânica II. As substâncias orgânicas podem formar espécies aniônicas: carbânions. As propriedades físicas e químicas serão estudadas na Química Orgânica III. 3. Efeito Mesomérico (Ressonância) 3.1. Visão Geral Ex.: íon etanoato (acetato) - Os 2 átomos de oxigênio no íon acetato parecem diferentes, mas são equivalentes. - Comprimentos de ligação: C-O (135pm) e C=O (120pm). Nas duas estruturas as ligações C-O apresentam um valor intermediário (127pm). II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos - Nenhuma das duas estruturas, chamadas estruturas de ressonância, contribuintes de ressonância ou formas canônicas, são a representação real do ânion acetato. - A estrutura verdadeira é um híbrido: - Um mapa de potencial eletrostático mostra que ambos os átomos de oxigênio compartilham a carga negativa e têm densidades eletrônicas iguais (destacadas em vermelho): Comentários: 1) Estruturas de ressonância não são estruturas reais para moléculas ou íons. Elas só existem no papel, ou seja, não é possível isolar uma determinada estrutura. 2) As estruturas não existem em equilíbrio: - seta de ressonância: ; - seta de equilíbrio químico: 3) Somente elétrons podem ser movidos, ou seja, núcleos e átomos permanecem os mesmos em todas as estruturas. A movimentação de elétrons deve ser representada por setas. No caso abaixo, a seta curva representa a deslocalização de um par de e- : Observação: no caso de deslocalização de apenas 1 elétron, uma meia-seta curva é usada. 4) A energia do híbrido de ressonância é menor do que a energia de qualquer contribuinte (forma canônica). II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 5) A separação de cargas diminui a estabilidade; estruturas onde os átomos apresentam valência completa. Exemplo: propanona. Ex.: benzeno É um sistema aromático como elétrons deslocalizados. Observe que todos os orbitais p estão paralelos entre si e perpendiculares ao plano das ligações (as ligações C-H não estão representadas): - Comprimentos de ligação: C-C (154pm) e C=C (134pm). Todas as ligações carbono-carbono no benzeno possuem o mesmo comprimento: 139pm. - Um mapa de potencial eletrostático mostra que a densidade eletrônica é a mesma sobre todas as ligações Carbono-Carbono (destacadas em vermelho): II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor:Maurício Santos 2.2. Regras Relativas à Ressonância A) Tem que haver orbitais disponíveis para a circulação de elétrons: Ex.: cátion alílico O átomo de carbono positivo na primeira estrutura apresenta hibridização sp2, pois está fazendo três ligações simples, 1 C-C e 2 C-H, e possui um orbital p livre (é um carbocátion alílico). Assim, é possível a deslocalização dos elétrons (os outros átomos de carbono também são sp2). As duas estruturas são equivalentes e, consequentemente, possuem a mesma energia. Como exercício, desenhe os orbitais p e analise a coplanaridade entre eles. Ex.: propeno Nesse caso não há ressonância, pois o átomo de carbono vizinho à insaturação possui hibridização sp3, está fazendo 4 ligações simples (), ou seja, não há orbital disponível para a deslocalização de elétrons. Exemplos: II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos B) Os orbitais têm que apresentar coplanaridade: O benzeno é um clássico exemplo. Todos os orbitais p estão paralelos entre si, conforme já foi mostrado acima. Já no ciclooctatetraeno não há coplanaridade: ciclooctatetraeno ou [8] anuleno forma planar (incorreta) forma 3D (correta) C) Formas de ressonância diferentes não precisam ser equivalentes: Exemplo: Quando duas formas de ressonância não são equivalentes, o híbrido de ressonância se aproxima da forma mais estável. Nesse caso, a segunda estrutura onde a carga negativa está no átomo de oxigênio. II- EFEITOS ELETRÔNICOS E ESTEREOELETRÔNICOS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 2.3. Ressonância x Estabilidade De modo geral, quanto maior o número de formas de ressonância, mais estável é uma substância, pois os elétrons estão distribuídos por uma parte maior da molécula e estão mais próximos de mais núcleos. Carbocátions, Carbânions e Radicais Livres podem ser estabilizados por ressonância. Todavia, contribuintes de ressonância equivalentes (mesma energia) tendem ser mais estáveis do que aqueles que não são equivalentes, mesmo que estes apresentem mais contribuintes de ressonância. Exemplos: A relação ressonância x estabilidade será abordado com mais detalhes no próximo capítulo (capítulo 3: Acidez e Basicidade de Substâncias Orgânicas). O carbocátion alílico é estabilizado por ressonância. O carbocátion propílico é estabilizado apenas por hiperconjugação. O radical alílico é estabilizado por ressonância. O radical propílico é estabilizado apenas por hiperconjugação. CAPÍTULO III: ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Conteúdos abordados: ✓ Teorias Ácido-Base; ✓ Grupos Funcionais Orgânicos com Acidez/Basicidade; ✓ Efeitos Eletrônicos e Estereoeletrônicos na Acidez/Basicidade. III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 1. Teorias e Conceitos Ácido-Base 1.1. Teoria de Arrhenius 1887: Svante August Arrhenius (Vik-Suécia, 1859-1927). Prêmio Nobel em 1903. Ácidos: substâncias que em solução aquosa aumentam a concentração de H3O+ (cátion hidrônio) no meio. Bases: substâncias que em solução aquosa aumentam a concentração de OH- (ânion hidroxila) no meio. 1.2. Teoria de Brönsted-Lowry 1923: Johannes Nicolaus Brönsted (Varde-Dinamarca, 1879-1947). Thomas Martin Lowry (Bradford-Inglaterra, 1874-1936). Ácidos: substâncias que doam um próton (H+). Bases: substâncias que recebem um próton (H+). Ex.: Ex.: Brönsted Lowry Ex.: A1 B1 B2 A2 III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Pares conjugados: A1/B2 e B1/A2. Quanto mais forte for o ácido, mais fraca (estável) será a sua base conjugada e vice-versa. 1.3. Teoria de Lewis 1923: Gilbert Newton Lewis (Weymouth-EUA, 1875-1946). Ácidos: substâncias que recebem um par de elétrons. Exemplos: 1) substâncias trivalentes de elementos do grupo XIII (3A): BF3 e AlCl3; 2) substâncias de metais de transição: SnCl4, TiCl4, FeCl3. 3) íons representativos (grupos A): Li+, Mg2+. 4) ácidos inorgânicos: HCl, HNO3, H2SO4. 5) substâncias orgânicas (com hidrogênio ionizável). Exemplos: ác. carboxílicos fenóis álcoois enóis H carbonílicos Bases: substâncias que doam um par de elétrons. Exemplos: Substâncias orgânicas em geral que contêm par(es) de elétrons não-ligantes: aminas amidas álcoois aldeídos cetonas III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos fosfatos ác. carboxílicos ésteres éteres sulfetos Observação.: consulte o capítulo 01 e identifique outros grupos funcionais que podem ser classificados como ácido e/ou base de Lewis. Conforme exemplificado acima, em alguns casos um ácido de Lewis pode atuar como uma base de Lewis: Ácido de Lewis 1.4. Conceito de Pearson (Dureza/Moleza): Hard and Soft Acids and Bases (HSAB) 1963: Ralph G. Pearson (Chicago-EUA, 1919-____). A teoria de Pearson surgiu para avaliar e prever estabilidade de compostos de coordenação. Todavia, essa teoria pode ser aplicada em algumas reações da química orgânica. De modo geral: Ex.: Ex.: Base de Lewis a protonação ocorre no átomo de oxigênio que realiza ligação dupla com o átomo de carbono, pois gera 2 estruturas de ressonância. III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Espécies duras: tendem a apresentar pequenos raios, pouco polarizáveis; Espécies moles: tendem a apresentar raios maiores, mais polarizáveis. Ácidos duros preferem se ligar a bases duras e ácidos moles preferem se ligar a bases moles. Essa afirmação não é uma explicação ou teoria, mas apenas uma regra prática que nos permite avaliar qualitativamente a estabilidade relativa de produtos gerados de reações ácido- base. Não significa que não existem interações entre bases duras e ácidos moles e vice-versa. Ácidos duros (Hard Acids) Exemplos: - “H+”, Li+, Na+, K+; - Be2+, Mg2+, Ca2+; - Al3+, Ga3+, In3+, Sc3+, Fe3+, La3+, Co3+, Cr3+; - Ti4+, Zr4+, Hf4+; - BF3, AlCl3, SO3, CO2. Ácidos intermediários (Borderline Acids) Exemplos: - Fe2+, Co2+, Ni2+, Cu2+, Zn2+, Pb2+, Sn2+; - Sb3+, Bi3+, Ir3+, Rh3+; - carbocátions alifáticos; - B(CH3)3, SO2. Ácidos moles (Soft Acids) Exemplos: - Cu+, Ag+, Au+, Tl+; Pd2+, Cd2+, Pt2+, Hg2+; - carbenos, trinitrobenzeno(receptores em geral); - I2, Br2, BH3; - átomos metálicos volumosos (M0). Bases duras (Hard Bases) Exemplos: - F-, Cl-, OH-, NO3-, ClO4-; - SO42-, CO32-; - PO43-; - RO-, H3CCO2-; - R-OH, R-OR, H2O, NH3, RNH2, N2H4. Bases intermediárias (Borderline Bases) Exemplos: - Br-, NO2-, N3-; - SO32-; - Ph-NH2, Piridina (C6H5N). Bases moles (Soft Bases) Exemplos: - H-,CN-,I-; - R3P, (RO)3P, R-NC, CO; - RS-, R-; - R-SH, R-SR, C2H4, C6H6. III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 2. Constante de Ionização de Ácidos Obs.: os conceitos de equilíbrio são discutidos com mais detalhes nas disciplinas de química analítica. Considere um ácido hipotético de Arrhenius ou de Brönsted-Lowry (HA), cuja ionização é dada pela equação química abaixo: - A constante de equilíbrio (Keq) é dada pela equação: Em soluções diluídas a concentração da água permanece praticamente constantes: aproximadamente 55,4 mol.L-1 a 25oC. A expressão pode ser reescrita em termos da constante de equilíbrio de ionização do ácido (Ka): Quanto maior é o Ka, menor é o pKa e, consequentemente, maior é a acidez. Ex.: H3CCO2H < F3CCO2H < HCl pKa 4,75 0,0 -7 De modo geral, os ácidos fortes orgânicos são mais fracos do que os inorgânicos considerados fortes. Através dos valores de Ka ou pKa, é possível prever para qual sentido o equilíbrio será deslocado. Observe a reação entre o ácido etanoico (acético) e hidróxido: pKa 4,75 pKa 15,7 Keq = [H3O+] [A-] [HA] [H2O] Ka = [H3O+] [A-] [HA] pKa = -log Ka HA(aq) + H2O(l) H3O+ + A-(aq) Em termos de pKa: III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos O ácido etanoico (acético) é um ácido mais forte do que a água. Portanto, o equilíbrio no sentido de formação do etanoato (acetato) é favorecido. Na tabela abaixo diversos valores de pKa são mostrados (várias comparações serão feitas em sala de aula): Ácido pKa (aprox.) Base Conjugada Obs.: ácidos que são mais fortes do que o cátion hidrônio (H3O+) e bases que são mais fortes do que hidroxila (OH-) reagem completamente com a água. Portanto, não é possível medir constante de acidez para esses ácidos em água. Outros solventes e técnicas especiais são empregadas. pKb não é muito comum para bases orgânicas. Costuma-se colocar pKa, que corresponde ao ácido conjugado da base. Mais detalhes serão discutidos na disciplina Química Orgânica III. (Superácido) Força do Ácido Força da Base III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Apesar do ácido acético e outros ácidos carboxílicos contendo até 5 átomos de carbono serem solúveis em água, muitos ácidos carboxílicos maiores apresentam baixa solubilidade em água ou são praticamente insolúveis. Nesse caso, para transformá-los em espécies solúveis, tais ácidos podem ser tratados com base, como por exemplo, hidróxido de sódio: Fenóis, de modo geral, são praticamente insolúveis em água. Para torná-los solúveis em água, o mesmo tratamento pode ser empregado. No caso de aminas, anilina e outras aminas com massas moleculares relativamente altas apresentam baixa solubilidade em água. Para converter em espécies solúveis, as aminas são tratadas com ácido, por exemplo, ácido clorídrico. Os sais formados são chamados de cloridratos (hydrochloride). Esse procedimento é muito comum na indústria farmacêutica para transformar produtos de baixa solubilidade em produtos solúveis em água: 3. Relação Acidez/Basicidade x Estrutura Exemplo 1: Ácidos Carboxílicos x Álcoois O ácido etanoico (acético) é mais ácido devido à maior estabilidade da base conjugada. O ânion etanoato (acetato) é estabilizado por ressonância. As duas formas canônicas são equivalentes, ou seja, apresentam a mesma energia o que garante alta estabilidade à base conjugada: III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos A base conjugada do etanol, o ânion etóxido, não é estabilizado por ressonância. Portanto, é uma base relativamente forte e, consequentemente, o “ácido” etanol é fraco. Para reagir com o átomo de hidrogênio ligado ao átomo de oxigênio do etanol é necessária uma base relativamente forte. Ácidos carboxílicos são mais ácidos do que álcoois. Exemplo 2: Ácidos Carboxílicos x Fenóis Em ambos os casos existe a estabilização da base conjugada por ressonância: III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Já sabemos que quanto mais fraca (estável) é a base conjugada, mais forte é o ácido correspondente. De modo geral, quanto maior o número de estruturas de ressonância, maior é a estabilidade da base e, consequentemente, mais forte é o ácido. No caso da comparação acima, o benzoato apresenta dois contribuintes (formas canônicas) de ressonância enquanto que, o fenolato possui cinco contribuintes de ressonância. A princípio espera-se uma maior estabilidade do fenolato frente ao benzoato, mas tem dois fatores relevantes: - o ânion benzoato, assim como todo carboxilato, possui duas estruturas equivalentes (mesma energia) o que garante maior estabilidade do ânion. Além disso, a carga negativa para sempre sobre os átomos de oxigênio; - no ânion fenolato há quebra da aromaticidade, fato que não ocorre no ânion benzoato. As formas canônicas do fenolato apresentam energias diferentes (a carga negativa para sobre os átomos de carbono e oxigênio). Ácidos carboxílicos são mais ácidos do que fenóis, mas existem exceções (Ex.: 2,4,6- trinitrofenol ou ácido pícrico). Para pensar: 1) Grupos retiradores de elétrons (halogênios, CF3, NO2, CN, etc) aumentam a acidez e diminuem a basicidade. Por que? 2) Grupos doadores de elétrons (alquila, arila, OR, etc) diminuem a acidez e aumentam a basicidade. Por que? 3) Fenóis e Ácidos Carboxílicos contendo grupos retiradores de elétrons em posições para são mais ácidos do que aqueles que contêm os mesmos grupos em posições meta? Por que? Exemplo 3: Alcanos, Alcenos (Olefinas) e Alcinos A ordem de acidez pode ser explicada pela hibridização do átomo de carbono. Os elétrons dos orbitais 2s têm menor energia do que os elétrons dos orbitais 2p, pois estão mais perto do núcleo. Com orbitais híbridos tendo maior caráter s significa que os elétrons do ânion estarão em III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos menor energia e, consequentemente, o ânion será mais estável. Etino (sp: 50% caráter s), Eteno (sp2: 33,3% caráter s) e Etano (sp3: 25% caráter s). Alcinos são mais ácidos do que alcenos que por sua vez são mais ácidos do que alcanos. Na verdade, alcenos geralmente atuam como bases de Lewis, principalmente em reações de adição eletrofílica (Química Orgânica II). Exemplo 4: Aminas alifáticas e Aminas aromáticas As aminas aromáticas, em geral, são menos básicas do que as aminas alifáticas. Nas aminas aromáticas o par deelétrons sobre o átomo de nitrogênio pode ser deslocalizado por ressonância para o anel aromático, o que diminui a disponibilidade para atuar como base de Brönsted-Lowry ou base de Lewis: Aminas alifáticas são mais básicas do que Aminas aromáticas (sem levar em consideração efeitos espaciais e do solvente). III- ACIDEZ E BASICIDADE EM SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Para pensar: 1) Por que a 4-nitroanilina é menos básica do que a anilina? 2) Por que as aminas em geral são mais básicas do que as amidas? O efeito solvente é muito importante nas análises de acidez e basicidade. Tal efeito será discutido nas disciplinas Química Orgânica II (ácidos carboxílicos e fenóis) e Química Orgânica III (Aminas). CAPÍTULO IV: ESTEREOQUÍMICA Conteúdos abordados: ✓ Representações Moleculares; ✓ Análises Conformacionais; ✓ Isomerias Planas (Constitucionais); ✓ Estereoisomerias (Isomerias Espaciais): Enantiomeria e Diastereoisomeria; ✓ Proquiralidade; ✓ Separação de Enantiômeros; ✓ Quiralidade em Átomos Diferentes de Carbono. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 1. Conceito A Estereoquímica é o ramo da química que estuda aspectos tridimensionais das moléculas. As propriedades de determinadas substâncias, assim como o comportamento biológico muitas vezes depende do arranjo espacial exato das moléculas. 2. Representações Moleculares Existem diversas maneiras de representar uma mesma molécula. A escolha da forma de representação é feita objetivando a melhor visualização da molécula no plano bidimensional. 2.1. Representação linha-ângulo (“zigue-zague”) Atualmente é a forma de representação mais utilizada. Cada vértice representa um átomo de carbono e, geralmente, os átomos de hidrogênio ligados aos átomos de carbono não são representados. Os ângulos entre as ligações devem ser obedecidos. C4H10 C4H8 C4H6 C7H8 C4H9NO 2.2. Representação Cavalete (“Sawhorse”) Geralmente a representação é feita visualizando a molécula a partir de uma ligação simples carbono-carbono. Por exemplo, a molécula do etano: 2.3. Projeção de Newman Este tipo de projeção foi introduzido pelo químico Melvin Spencer Newman (EUA, 1908-1993). É uma forma de representação muito utilizada para alcanos e cicloalcanos. O raciocínio é o mesmo utilizado para a representação cavalete, porém o primeiro carbono é representado por um ponto e o carbono de trás por um círculo. Usando o etano novamente como exemplo: IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 2.4. Projeção de Fischer Hermann Emil Fischer (Alemanha, 1852-1919) foi um brilhante químico vencedor do Prêmio Nobel de Química em 1902. Um dos seus trabalhos foi a criação da projeção de Fischer. Este tipo de representação é muito utilizado por químicos orgânicos e bioquímicos, principalmente para representar hidratos de carbono (carboidratos). Na “espinha dorsal” está representada a cadeia principal; todas as ligações estão para trás do plano bidimensional. As ligações fora da “espinha dorsal”, ou seja, perpendiculares no plano bidimensional, tridimensionalmente estão apontadas para fora do plano. Por exemplo, a molécula do D-gliceraldeído: Representação linha-ângulo Fischer 2.5. Projeção de Haworth A projeção criada por Walter Norman Haworth (Inglaterra, 1883-1950) é muito empregada para representar estruturas cíclicas de monossacarídeos. Os átomos de carbono geralmente não são representados e a cadeia cíclica aparece com uma perspectiva tridimensional, como por exemplo, na molécula da -D-glicopiranose: Obs.: anéis de seis membros saturados normalmente são representados como conformações do tipo cadeira (item 3.2d). IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 3. Análises Conformacionais As moléculas orgânicas podem apresentar diferentes conformações, ou seja, diferentes arranjos espaciais resultantes da rotação ao longo de uma ligação simples (sigma). Uma conformação específica é chamada de confôrmero. 3.1. Moléculas Acíclicas Saturadas a) Etano Observe a análise conformacional abaixo para a molécula do etano, variando o ângulo de rotação em intervalos de 600: 0o 60o 1200 1800 2400 3000 3600 São sete confôrmeros: quatro na forma eclipsada e três na forma alternada (estrelada). As formas alternada ou estrelada são as mais estáveis, menor energia, pois as ligações C-H estão mais distantes possíveis umas das outras. A energia necessária para que um confôrmero de mais baixa energia para outro de mais alta energia é chamada de tensão torsional. No caso do etano, este valor é fixo: 12kJ/mol. Quando a rotação do etano tende a uma conformação eclipsada, sua energia cresce e há resistência à rotação. Esta resistência é chamada de força torsional e a energia requerida é chamada, conforme já citado acima, de tensão ou energia torsional. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos b) Butano A análise conformacional de alcanos maiores se torna mais complexa, pois nem todas as conformações alternadas (estreladas) têm a mesma energia; a mesma análise é válida para as conformações eclipsadas. O gráfico abaixo mostra a tensão torsional do butano variando o ângulo de rotação em intervalos de 600: 0o 60o 1200 1800 2400 3000 3600 - conformação anti (D): apresenta menor energia, mais estável. Não apresenta tensão torsional. Os dois grupos metila estão o mais distante possível (1800); - conformação totalmente eclipsada (A): apresenta maior energia, menos estável. É a única conformação onde os dois grupos metila estão eclipsados entre si. Nas demais conformações eclipsadas, os grupos metila estão alinhados com átomos de hidrogênio, o que gera uma menor tensão estérica (menor repulsão); - conformações gauche (B e F): são conformações mais estáveis do que as conformações eclipsadas, porém menos estáveis do que a conformação anti. A tensão torsional é de 4kJ/mol; - conformações eclipsadas (C e E): apresentam maior energia do que as conformações anti e gauche, ou seja, são menos estáveis. São mais estáveis do que a conformação totalmente eclipsada. Obs.1: as conformações gauche e anti não possuem a mesma energia por causa da tensão estérica. A tensão estérica é a tensão que ocorre na molécula quando átomos ou grupos estão tão próximos uns dos outros que resulta na repulsão entre as nuvens eletrônicas destes átomos ou grupos. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Obs.2: todas as conformações eclipsadas apresentam tensão torsional e tensão estérica, devido à proximidade entre os grupos. De modo geral, a tensão estérica aumenta à medida que o tamanho do grupo aumenta. Obs.3: as forças de interações citadas são repulsivas. No caso de forças atrativas, que não fazemparte do nosso estudo nesta etapa, as interações podem favorecer determinadas conformações. Geralmente a conformação anti é mais estável que a gauche. Há exceções: No caso acima, a ligação de hidrogênio intramolecular faz com que a conformação gauche seja mais estável do que a conformação anti. 3.2. Moléculas Cíclicas Saturadas Existem três tipos de tensão que influenciam na estabilidade de uma molécula cíclica saturada: - Tensão Angular: devido à expansão ou compressão dos ângulos de ligação, tendo como referência o ângulo ideal de um átomo de carbono sp3 (109,5o); - Tensão Torsional: provocada por repulsões eletrônicas de elétrons ligantes entre grupos ou átomos vizinhos; - Tensão Estérica: causada pela aproximação de átomos ou grupos, resultando na repulsão entre as nuvens eletrônicas. a) Ciclopropano O ciclopropano é o anel mais tensionado, devido principalmente à tensão angular provocada por ângulos de ligação 600 (difere 49,50 do ângulo do átomo de carbono sp3 em cadeias abertas). Apresenta também alta tensão torsional uma vez que, as ligações C-H são eclipsadas. A instabilidade do anel faz que o ciclopropano seja, geralmente, mais reativo do que os outros alcanos. Projeção de Newman: eclipsada IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos b) Ciclobutano O ciclobutano tem menor tensão angular do que o ciclopropano, porém a tensão torsional é maior devido ao aumento do número de átomos de hidrogênio no anel. Se fosse completamente planar e quadrado, ele teria ângulos de 900 entre as ligações. A estrutura é levemente angular, o que aumenta a tensão angular mais diminui a tensão torsional, até atingir uma energia mínima para que a molécula seja relativamente estável. c) Ciclopentano O ciclopentano apresenta uma conformação levemente encolhida, conhecida como “envelope”, que aumenta a tensão angular e diminui a tensão torsional. Dos cinco átomos de carbono, quatro estão praticamente no mesmo plano. d) Cicloexano Anéis de cicloexano são abundantes na natureza porque podem existir em uma conformação que praticamente não apresenta tensões (angular e torsional). Esta conformação mais estável é denominada cadeira. Todos os ângulos de ligações são próximos de 1090 e todas as ligações, segundo a projeção de Newman, estão alternadas (estreladas). conformação cadeira do cicloexano Projeção de Newman Obs.: deve-se ter em mente que as ligações inferiores na cadeira estão para frente e as superiores para trás. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos O cicloexano também pode existir na conformação bote. Esta conformação, assim como a cadeira, é livre de tensão angular. Contudo, a estabilidade não é tão alta quanto à cadeira devido à tensão torsional provocada pelas ligações eclipsadas. Existe também uma tensão estérica entre os átomos de hidrogênio destacados. conformação bote do cicloexano Projeção de Newman O gráfico abaixo mostra, além das conformações cadeira e bote, outras conformações de menor estabilidade, ou seja, maior energia. Num instante qualquer, a maioria das moléculas está na conformação cadeira. cadeira meia-cadeira bote torcido bote bote torcido meia-cadeira cadeira tensão estérica Energia Relativa IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Nas conformações cadeira existem dois tipos de posições para os substituintes: axiais (paralelas ao eixo do anel) e equatoriais (plano irregular do anel, em torno da linha equatorial). Duas conformações cadeira estão em equilíbrio, pois há uma interconversão natural. A estrutura predominante será sempre a que apresentar menor energia, isto é, maior estabilidade. A presença de substituintes nas posições equatoriais garante uma maior estabilidade, pois as interações entre os grupos são menores. A conformação axial do metilcicloexano possui duas interações “gauche”, cada uma com aproximadamente 0,9 Kcal de energia adicional. Na posição equatorial, o grupo metila não tem interações do tipo “gauche”. Nós dizemos que a conformação axial apresenta maior energia por mol (1,8 Kcal), bem perto do experimental que é igual a 1,7 Kcal. Interação 1,3-diaxial Na molécula do cis-1,3-dimetilcicloexano os dois grupos metila nas posições equatoriais não interagem entre si e, consequentemente, a conformação é mais estável do que a que contém os grupos nas posições axiais. Interação 1,3-diaxial estrutura desfavorável estrutura mais estável IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Na molécula do trans-1,4-dimetilcicloexano, a conformação mais estável possui os dois grupos metila nas posições equatoriais: Na molécula do cis-1,4-dimetilcicloexano, sempre existirá um grupo metila na posição axial e outro na posição equatorial: Tabela 1. Diferenças entre as Conformações de cicloexanos monossubstituídos. X E axial – E equatorial (Kcal/mol) -F 0,2 -CN 0,2 -Cl 0.5 -Br 0,6 -OH 1,0 -CO2H 1,4 -CH3 1,7 -CH2CH3 1,8 -CH(CH3)2 2,1 -C(CH3)3 5,4 IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 4. Tipos de Isomeria Existem dois tipos de isomeria: ➢ Isomeria constitucional: os átomos possuem conectividades diferentes; ➢ Estereoisomeria: os átomos têm a mesma conectividade, mas diferem pelo arranjo espacial. Obs.: conformações distintas não apresentam nenhuma relação de isomeria. São simplesmente formas diferentes de representar a mesma molécula, mudando apenas rotações de ligações simples (sigma). 4.1. Isomeria Constitucional Esse tipo de isomeria pode ser subdivida em: a) Isomeria de posição: os isômeros possuem a mesma função química e a mesma cadeia carbônica, mas diferem pela posição de um grupo funcional, substituinte ou instauração ao longo da cadeia principal. b) Isomeria de cadeia: os isômeros possuem a mesma função química, mas as cadeias carbônicas são diferentes. c) Isomeria de função: os isômeros pertencem a funções orgânicas diferentes. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos d) Isomeria de compensação ou metameria: os isômeros possuem a mesma função orgânica, mas diferem quanto à posição do heteroátomo na cadeia. e) Tautomeria: os isômeros existem em equilíbrio. Os mais conhecidos são do tipo ceto-enólico (R= alquila) e aldo-enólico (R= H). 4.2. Estereoisomeria (Isomeria espacial) Conforme já mostrado anteriormente, os estereoisômeros se diferem em relação aos arranjos espaciais. A isomeria espacial pode ser subdividida em: a) Enantiomeria: são estereoisômeros que são imagensespeculares um do outro, mas não se sobrepõem. As moléculas não são idênticas às suas imagens especulares. Obs.: qualquer que seja o movimento de rotação da molécula da esquerda, não haverá sobreposição com a molécula da direita. Dizemos que são imagens especulares não se sobrepõem, ou seja, são enantiômeros (do grego enantio, que significa oposto). b) Diastereoisomeria: são estereoisômeros que não são imagens especulares um do outro. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 5. Enantiômeros 5.1. Moléculas Quirais Os enantiômeros só existem em moléculas quirais, ou seja, moléculas que são idênticas às suas imagens no espelho. As imagens especulares não se sobrepõem. espelho mão esquerda mão direita não sobrepõem Obs.: a palavra quiral vem da palavra grega cheri, que significa mão. Uma forma simples de reconhecer um par de enantiômeros é a identificação de um átomo de carbono assimétrico na molécula analisada. O átomo de carbono assimétrico é aquele que está ligado a quatro substituintes (átomos ou grupos) distintos. Sendo assim, todas as ligações deste átomo são covalente simples e a hibridização do tipo sp3. Por exemplo, o ácido lático existe como um par de enantiômeros: (+)-Ácido Lático (-)-Ácido Lático Obs.: os dois enantiômeros são encontrados no leite, mas apenas o isômero (+)-ácido lático é encontrado no tecido muscular. O átomo de carbono assimétrico também pode ser chamado de centro quiral ou estereogênico. É muito comum ser assinalado na molécula com um asterisco (*). Ele também está dentro da classificação de estereocentro, que é definido como um átomo ao qual estão ligados grupos de tal natureza que a permuta de quaisquer dois grupos provoca a formação de um estereoisômero (enantiômero ou diastereoisômero). Mais detalhes serão mostrados adiante. Conforme já citado anteriormente, os enantiômeros são imagens especulares, mas não se sobrepõem. Não existe um movimento de rotação de um dos isômeros que transforme no outro e vice-versa. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 5.2. Moléculas Aquirais Quando o átomo de carbono com hibridização do tipo sp3 está ligado a pelo menos dois substituintes (grupos ou átomos) distintos, a molécula em questão irá sobrepor à sua imagem especular. Por exemplo, o 2-cloropropano possui no segundo átomo de carbono dois substituintes iguais: 2 grupos metila. A rotação da primeira estrutura no sentido horário é exatamente a segunda estrutura. Portanto, são moléculas idênticas, ou seja, não existe nenhuma relação de isomeria. Não há um estereocentro. imagens especulares que se sobrepõem rotação no sentido horário: moléculas idênticas Qualquer estrutura de fórmula geral CH3X ou CH2XY não apresentará par de enantiômeros uma vez que, dois substituintes são iguais. 5.3. Plano de Simetria Até o momento temos os seguintes conceitos: - 4 substituintes distintos ligados a um mesmo átomo de carbono → carbono quiral → molécula quiral → par de enantiômeros; - pelo menos 2 substituintes iguais ligados a um mesmo átomo de carbono → molécula aquiral → não existe isomeria. A análise do plano de simetria é uma característica determinante para identificar se a molécula é quiral ou aquiral. Se a molécula apresenta um plano de simetria, a mesma é classificada como aquiral, mesmo se houver pelo menos um carbono assimétrico. Plano de simetria (molécula aquiral) IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos É muito comum o aluno errar a classificação da molécula quanto à quiralidade devido à dificuldade de encontrar o plano de simetria. Por exemplo, o ácido propanoico: Ao representarmos todas as ligações fica mais fácil verificar que existe um plano de simetria, que é o mesmo plano desta folha de papel: Pela projeção de Fischer, o plano de simetria aparece perpendicular a esta folha de papel: Na molécula do t-butilcicloexano não existe átomo de carbono assimétrico. Portanto, a molécula é aquiral. Analisando o plano de simetria, a conclusão é a mesma. Na molécula da substância 3-t- butilcicloexanona possui um átomo de carbono assimétrico e não possui um plano de simetria. Portanto, a molécula é quiral. 5.4. Nomenclatura Para identificar a configuração (arranjo) dos átomos ou grupos ligados ao átomo de carbono assimétrico, o sistema de nomenclatura R e S é comumente empregado. O sistema R e S foi desenvolvido por Robert Sidney Cahn (Inglaterra, 1899-1981), Christopher Kelk Ingold (Inglaterra, 1893-1970) e Vladimir Prelog (Bósnia, 1906-1998). Esse sistema ficou conhecido como Cahn-Ingold-Prelog. Para cada par de enantiômeros com um carbono assimétrico, existe um com configuração R e outro com configuração S. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Regras gerais para determinar a configuração absoluta (R ou S): 1. O átomo com maior número atômico (Z) é identificado como número 1 ou letra a; o que possui menor número atômico (Z) número 4 ou letra d; 2. No caso de isótopos, o que apresenta maior massa atômica tem prioridade; 3. Quando não se pode atribuir prioridades com base no número atômico, considere os grupos de átomos que estão ligados na sequência. Exemplo: OH (1): o átomo de oxigênio possui maior número atômico (Z); CH2CH3 (2): os grupos etila e metila têm o átomo de carbono ligado ao carbono assimétrico. Como critério de desempate, o átomo ligado na sequência do grupo etila é outro átomo de carbono enquanto que, no grupo metila é um átomo de hidrogênio. Portanto, o grupo etila tem prioridade sobre o grupo metila. CH3 (3): o átomo de carbono possui maior número atômico (Z) do que o átomo de hidrogênio. Após a numeração correta de todos os substituintes, o átomo ou grupo que tiver numeração 4 deve ficar para trás do campo visual do observador. Muitas vezes uma rotação da molécula é necessária: Ao ligar os números (1), (2) e (3), percebe-se que o movimento é anti-horário, ou seja, a configuração é S (sinister do latim, que significa esquerdo). Quando o movimento é horário, a configuração é R (rectus do latim, que significa direito). IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos No par de enantiômeros do ácido lático: (+)-Ácido Lático (-)-Ácido Lático (+)-Ácido Lático (Configuração S) (-)-Ácido Lático (Configuração R) A tragédia da Talidomida (R,S)-2-(2,6-dioxopiperidin-3-il)-1H-isoindol-1,3(2H)-diona Isômero S Isômero R (propriedades teratogênicas) (propriedades sedativas) A talidomida surgiu na década de 1950 como sedativo e hipnótico. Atualmente,o Brasil adota a talidomida no tratamento de Hanseníase, o que é um grande risco para mulheres grávidas. IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 5.5. Atividade Óptica O estudo da estereoquímica iniciou no ano de 1815, quando o físico Jean-Baptiste Biot (França, 1774-1862) descobriu que certas substâncias naturais desviavam a luz plana-polarizada para a esquerda, outras para a direita e algumas não provocavam quaisquer desvios. Mais tarde, Jacobs Hendricus van´t Hoff (Holanda, 1852-1911) e Joseph Achille Le Bel (França, 1847-1930) determinaram que a assimetria molecular estava associada à presença de um ou mais átomos de carbono assimétricos. Hoje em dia sabe- se que moléculas assimétricas, que apresentam ou não átomo de carbono assimétrico, possuem atividade óptica, ou seja, são capazes de desviar a luz plana-polarizada. Compostos aquirais são chamados de opticamente inativos. Os enantiômeros possuem as mesmas propriedades físicas, como por exemplo, ponto de fusão, ponto de ebulição, solubilidade em solventes comuns e índice de refração. Eles também apresentam espectros IV, UV e RMN idênticos, desde que as análises sejam feitas em solventes aquirais. Uma característica que difere os enantiômeros é o comportamento frente à luz plana-polarizada. Se um enantiômero puro desvia a luz para a direita o outro enantiômero puro desvia a luz para a esquerda com o mesmo ângulo. O ângulo de rotação pode ser determinado através do polarímetro: Através desta análise é possível determinar o ângulo e o sentido da rotação. As substâncias ou misturas que desviam a luz polarizada para a esquerda são chamadas levógiras ou levorrotatórias (levo do latim, que significa para a esquerda) e são indicadas por (-) ou l; as que desviam para a direita são chamadas dextrogiras ou dextrorrotatórias (dextro do latim, que significa para a direita) e são indicadas por (+) ou d. A rotação específica []D é definida como a rotação observada quando a luz de = 589,6nm (linha D do sódio) atravessa um caminho de 1dm (10cm), a uma concentração de 1g.mL-1: Fonte de luz Polarizador Tubo com amostra Observador IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos = rotação observada (em graus); l = caminho óptico (dm); c = concentração (g.mL-1). Obs.1: não existe relação entre as configurações R/S e a direção da rotação; Obs.2: o valor da rotação depende da temperatura, do comprimento de onda da luz utilizada na análise e do solvente. Tabela 2. Propriedades Físicas dos Enantiômeros do 2-butanol. Propriedade Física (R)-(-)-2-Butanol (S)-(+)-2-Butanol Ponto de Ebulição (1atm) 99,5oC 99,5oC Densidade (20oC) 0,808g.mL-1 0,808g.mL-1 Índice de Refração (20oC) 1,397 1,397 []D25 -13,52 o +13,52o Uma mistura equivalente (1:1) de dois enantiômeros, como por exemplo, (R)(-)-2-Butanol e (S)-(+)-2- Butanol, é chamada de mistura racêmica ou racemato. A mistura é opticamente inativa, pois para cada molécula que desvia a luz plana-polarizada para uma direção existe outra que provoca o mesmo desvio para a direção contrária. Sendo assim, o desvio total é igual a zero. O símbolo usado para representar uma mistura racêmica é (). 6. Diastereoisômeros Os diastereoisômeros são estereoisômeros que possuem mais de um estereocentro (centro estereogênico) e que não são imagens especulares um do outro. Eles podem ser divididos em dois grupos: Diastereoisômeros Configuracionais e Diastereoisômeros Cis-Trans. 6.1. Diastereoisômeros Configuracionais Os diastereoisômeros configuracionais apresentam dois ou mais átomos de carbono assimétrico (centros quirais). Uma molécula com n estereocentro, neste caso carbono assimétrico, pode ter até 2n estereoisômeros (embora ela possa ter menos, conforme veremos em tópico adiante). Na molécula do do aminoácido treonina (ácido 2-amino-3-hidroxibutanóico) existem dois estereocentros, neste caso dois carbonos assimétricos (centros quirais): IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos As projeções de Fischer abaixo mostram os quatro estereoisômeros possíveis: A B C D 2R,3R 2S,3S 2R,3S 2S,3R (A e B) (C e D): são enantiômeros (imagens especulares que não se sobrepõem); (A e C) (B e D) (A e D) (B e C): são diastereoisômeros (são moléculas diferentes e não são imagens especulares). Ao modificar apenas um centro quiral, a substância gerada apresenta uma relação diastereoisomérica, como por exemplo, os isômeros A e C; o centro quiral no carbono 2 foi mantido enquanto que, no carbono 3 houve alteração da configuração. Compostos Meso São compostos que apresentam átomos de carbono assimétrico, mas são aquirais devido à existência de pelo menos um plano de simetria (veja item 5.3). Por exemplo, o ácido tartárico apresenta 2 estereocentros, dois átomos de carbono assimétrico (dois centros quirais), como no aminoácido treonina mostrado anteriormente. Pela fórmula 2n, o número de estereoisômeros possíveis é igual a quatro: A B C D 2R,3R 2S,3S 2R,3S 2S,3R As estruturas A e B são imagens especulares que não se sobrepõem, ou seja, são enantiômeros (todos os centros quirais são modificados). As estruturas C e D são idênticas, isto é, não existe nenhuma IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos relação de Estereoisomeria. A rotação de 180 graus no plano do papel da molécula C mostra que C e D são a mesma molécula: C D 2R,3S 2S,3R No caso do ácido tartárico existem apenas três estereoisômeros. Ao traçar um plano entre as ligações C2-C3 da molécula C, observa-se uma simetria entre a metade inferior e a metade superior. Portanto, o composto (2R,3S)-ácido tartárico é classificado como meso. Entre as estruturas A e C, B e C existe uma relação diastereoisomérica. Observe que apenas um centro quiral é modificado entre cada par (A e C, B e C). Os diastereoisômeros, diferentemente dos enantiômeros, apresentam propriedades físicas distintas, conforme demonstrado na tabela 3. Tabela 3. Propriedades Físicas dos Estereoisômeros do Ácido Tartárico. Propriedade Física (+) (-) Meso Ponto de Fusão 168-170oC 168-170oC 146-148oC Densidade (20oC) 1,7598g.mL-1 1,7598g.mL-1 1,6660g.mL-1 Solubilidaddde (20oC) 139g/100ml água 139g/100ml água 125g/100ml água []D25 +12o -12o 0 Epímeros Epímeros são dois diastereoisômeros que diferem apenas em um centro quiral. Em compostos cíclicos, epímeros são chamados de Anômeros. Por exemplo, a D-Glicose difere da D-Galactose em apenas um centro quiral (carbono 4): IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: MaurícioSantos D-glicose D-galcatose 6.2. Diastereoisômeros Cis-Trans A isomeria cis-trans ocorre em derivados de cicloalcanos e compostos com insaturações do tipo C=C. O isômero cis possui dois substituintes de maior prioridade ligados em átomos de carbono diferentes, no mesmo lado da dupla ligação ou no mesmo lado do cicloalcanos; no isômero trans, tais substituintes estão em lados opostos da dupla ligação ou do cicloalcanos. O 1-bromo-2-metilciclopentano tem dois carbonos assimétricos (centros quirais). Sendo assim, pode ter até quatro estereoisômeros. Como o composto é cíclico, os substituintes podem estar nas configurações cis ou trans: A B C D Isômeros cis (A e B) e trans (C e D): são enantiômeros (imagens especulares que não se sobrepõem); (A e C) (B e D) (A e D) (B e C): são diastereoisômeros (são moléculas diferentes e não são imagens especulares). Os isômeros cis e trans do 1,4-dimetilcicloexano apresentam planos de simetria, ou seja, ambas são moléculas aquirais (não possuem estereocentro) e, consequentemente, não apresentam atividade óptica. A relação entre estes dois isômeros é diastereoisomérica: Centro quiral modificado IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos O caso mais simples de isomeria cis-trans em insaturações do tipo C=C ocorre na molécula do 2- buteno. Os isômeros são formados pela troca de um dos substituintes em um dos átomos de carbono da instauração. Não são imagens especulares e qualquer que seja o movimento de rotação em uma das moléculas não há sobreposição na outra. trans-2-buteno cis-2-buteno 6.3. Nomenclatura de Diastereoisômeros Diastereoisômeros Configuracionais A nomenclatura de diastereoisômeros configuracionais geralmente é feita a partir do sistema R e S, seguindo as mesmas regras para a nomenclatura de enantiômeros (item 5.4). Para cada centro quiral deve- se determinar a configuração absoluta R ou S: (2S, 3R)-2,3,4-triidroxibutanal (D-treose) Vista Superior: Cadeira: IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos (2R,3S,4R,5R)-2,3,4,5,6-pentaidroxiexanal (D-glicose) Quando os diastereoisômeros apresentam dois átomos de carbono assimétricos adjacentes, os enantiômeros com grupos similares no mesmo lado da cadeia são chamados eritro. Aqueles com grupos similares em lados opostos são chamados treo: enantiômeros treo enantiômeros eritro (2S, 3R)-2,3,4-triidroxibutanal (2R, 3S)-2,3,4-triidroxibutanal (2R, 3R)-2,3,4-triidroxibutanal (2S, 3S)-2,3,4-triidroxibutanal treo (D-treose) treo (L-treose) eritro (D-eritrose) eritro (L-eritrose) Obs.: as palavras eritro e treo são provenientes de eritrose e treo (açúcares C-4), respectivamente. Transformando as projeções de Fischer acima para as projeções em cavalete (sawhorse): IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Diastereoisômeros Cis-Trans O sistema de nomenclatura cis-trans é muito utilizado para alcenos e cicloalcanos, porém não é eficiente quando há três ou mais substituintes diferentes nas ligações duplas C=C, em cadeias abertas. Nestes casos, o sistema de nomenclatura Z/E é utilizado. Cada átomo ou grupo ligado ao átomo de carbono da instauração recebe uma numeração, seguindo as mesmas regras do sistema Cahn-Ingold- Prelog. Se ambos os substituintes estiverem do mesmo lado do plano ao longo da ligação C=C, a disposição é Z. Caso contrário, a disposição é E: (E)-2-buteno (Z)-2-buteno Obs.: o termo Z vem da palavra alemã zusammen (juntos) e E da palavra alemã entgegen (oposto). Em moléculas com mais de uma instauração do tipo C=C (cadeias abertas), todas devem ser classificadas como Z ou E: (2E,4E,6E,8E)-3,7-dimetil-9-(2,6,6-trimetil-1-cicloexen-1-il)-2,4,6,8-nonatetraen-1-ol (Retinol ou Vitamina A) 7. Moléculas Quirais que não Possuem Átomo de Carbono Assimétrico Geralmente, as moléculas quirais possuem pelo menos um átomo de carbono assimétrico (centro quiral). Existem casos, porém, onde moléculas que não possuem um centro quiral são quirais e, consequentemente, apresentam atividade óptica. Exemplo: Alenos Os alenos são dienos que contêm dois átomos de carbono com hibridização sp2 e um átomo de carbono sp. A distribuição dos orbitais nos alenos é a seguinte: IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Observe que no átomo de carbono da extremidade esquerda as duas ligações sigma estão no plano enquanto que, no átomo da extremidade direita ambas estão fora do plano; não há plano de simetria. Ao analisar o 1,3-dicloroaleno (1,3-dicloropropadieno), existem duas moléculas que são imagens especulares uma da outra e não se sobrepõem. Portanto, são enantiômeros: Alguns existem como par de enantiômeros porque apresentam restrição na rotação da ligação sigma (simples). São chamados de atropisômeros (do grego “não gira”): (S)-BINAP (R)-BINAP 8. Proquiralidade Uma molécula é proquiral se ela pode ser convertida de uma forma aquiral para uma forma quiral em uma única etapa: Exemplo: IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos Faces Re e Si: Exemplo: 9. Separação de Enantiômeros: Resolução IV- ESTEREOQUÍMICA Disciplina: Química Orgânica I Professor: Maurício Santos 10. Quiralidade em Átomos Diferentes de Carbono Os átomos de nitrogênio, fósforo e enxofre são muito comuns em moléculas orgânicas e todos podem ser centros quirais. Nitrogênio O átomo de nitrogênio trivalente tem a distribuição tetraédrica. A princípio, apresenta Quiralidade. O grande problema é que compostos trivalentes de nitrogênio sofrem inversão rápida de um enantiômero para outro, através de um fenômeno chamado de efeito “guarda-chuva”. Assim, dificilmente conseguimos isolar os enantiômeros. Caso o par de elétrons do átomo de nitrogênio esteja fazendo uma ligação química, formando um sal quaternário de amônio, é possível ter um par de enantiômeros. Fósforo Semelhantemente ao que acontece com o átomo de nitrogênio, os compostos de fósforo trivalentes podem ser quirais. Nesse caso, a inversão do fósforo é muito mais lenta do que a do nitrogênio. Os enantiômeros (R)-fenilmetilpropilfosfina e (S)-fenilmetilpropilfosfina são relativamente estáveis. (R)-fenilmetilpropilfosfina (S)-fenilmetilpropilfosfina Obs.: o par de elétrons livres apresenta menor prioridade. CAPÍTULO V: ALCANOS/CICLOALCANOS
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