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ANÁLISE INSTITUCIONAL E SERVIÇO SOCIAL Daniella Tech Doreto Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os espaços socio-ocupacionais do Serviço Social. Relacionar a análise institucional e a inserção do Serviço Social nos espaços socio-ocupacionais. Listar os tipos de instituições em que o assistente social pode atuar. Introdução A atuação dos assistentes sociais têm relação direta com o contexto socioe- conômico, político e social. Assim, considerar tal contexto é essencial ao se refletir sobre os espaços socio-ocupacionais do Serviço Social. Além disso, você deve ter em mente que, ao longo do tempo, a profissão contribuiu para a transformação desses espaços de trabalho, à medida que modificou a sua prática com base em preceitos legais e nos saberes que desenvolveu. Neste capítulo, você vai conhecer o debate sobre as instituições e a inserção do Serviço Social dentro delas. Além disso, você vai conhecer o conceito atual de espaços socio-ocupacionais e verificar em quais instituições o assistente social pode atuar. Os espaços socio-ocupacionais do Serviço Social Para compreender os espaços socio-ocupacionais em que os assistentes sociais se inserem na atualidade, bem como o modo como tais espaços estão estru- turados, você precisa conhecer o debate sobre as instituições. Além disso, deve verifi car como o Serviço Social, enquanto profi ssão, se posiciona nesse contexto. Como você sabe, os espaços socio-ocupacionais em que os assistentes sociais estão inseridos se situam em uma realidade complexa e abrangente. É necessário, portanto, considerar a totalidade histórica e o processo vivenciado pelo capitalismo ao longo dos anos, com suas transformações e crises. Atente ao seguinte: [...] sob a hegemonia das finanças e na busca incessante da produção de superlucros, aquelas estratégias [capitalistas] vêm incidindo radicalmente no universo do trabalho e dos direitos. As medidas para superação da crise sustentam-se no aprofundamento da exploração e expropriação dos produtores diretos, com a ampliação da extração do trabalho excedente e a expansão do monopólio da propriedade territorial, comprometendo simultaneamente recursos naturais necessários à preservação da vida e os direitos sociais e humanos das maiorias (IAMAMOTO, 2009, p. 1). Como destacado, o mundo do trabalho é diretamente afetado pela con- juntura capitalista. Na visão de Netto (1996), o processo de acumulação capitalista e de produção e reprodução da sociedade envolve transformações em diversas áreas e segmentos, atingindo inclusive a divisão sociotécnica do trabalho nos seus vários níveis. Para o autor, tais transformações impac- tam as profissões, o seu campo de trabalho e as suas áreas de intervenção. Assim, as mudanças ocorridas nos espaços de atuação do assistente social são historicamente constituídas e expressam a dinâmica de acumulação capitalista: o predomínio da renda, do capital e do poder político e a sua correlação de forças (IAMAMOTO, 2009). Dessa forma, o desenvolvimento da profissão esbarra na vida social e nas relações tensas e conflitantes entre Estado e sociedade, o que impõe limites e possibilidades para o Serviço Social (RAICHELIS, 2009). Apesar disso, para Raichelis (2009, p. 4), o Estado se constitui enquanto principal impulsionador do trabalho do assistente social, “[...] sendo responsável pela ampliação e constituição de um mercado de trabalho nacional, cada vez mais amplo e diversificado, acompanhando a direção e os rumos do desenvolvimento capitalista na sociedade brasileira [...]”. Além disso, o Serviço Social tem com principal característica o fato de intervir nos processos de enfrentamento da Questão Social. Esta, embora presente ao longo dos anos, tem se renovado frente às diferentes conjunturas políticas e sociais. As políticas sociais são a principal forma de enfrentamento da Questão Social, e a centralidade do Estado na condução dessas políticas em meio ao processo de desenvolvimento capitalista resulta no aumento da Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I2 demanda por serviços e programas sociais, na ampliação da relação entre as políticas sociais e o Serviço Social, bem como na diversificação do mercado de trabalho do assistente social (RAICHELI, 2009). Contudo, você deve considerar que falar sobre a centralidade do Estado na condução das políticas não implica reduzi-las ao campo de intervenção estatal. Afinal, “[...] para a sua realização participam organismos governa- mentais e privados que estabelecem relações complementares e conflituosas, colocando em confronto e em disputa necessidades, interesses e formas de representação de classes e de seus segmentos sociais [...]” (RAICHELIS, 2009, p. 4). O assistente social é um profissional assalariado cuja prática de trabalho e cujo projeto profissional encontram-se enraizados em um processo histó- rico. A constituição de seus espaços socio-ocupacionais é condicionada tanto pela luta pela hegemonia estabelecida entre as classes quanto pelas respostas teóricas e práticas dos profissionais, que são permeadas de conteúdo político (IAMAMOTO, 2009). Netto (2007) destaca que o assistente social, enquanto trabalhador assalariado, não é o responsável por determinar o seu espaço socio-ocupacional. Esse espaço é que é determinado pelas requisições das relações estabelecidas dentro das próprias institui- ções. Nesse sentido, o autor esclarece que “[...] não é o Serviço Social que se constitui para criar um dado espaço, um lugar na rede socio-ocupacional, mas é a existência deste espaço que leva à constituição profissional [...]” (NETTO, 2007, p. 73). Em outras palavras, não é o mercado de trabalho que se estrutura para o profissional, mas a partir dele que emerge a profissão. Desde o surgimento do Serviço Social, quando o desenvolvimento da profissão ainda estava atrelado à Igreja Católica, o contexto social, político e econômico já impulsionava a configuração de campos de atuação para o assistente social. Nesse período, o acelerado processo de industrialização e migração das pessoas do campo para as cidades, associado ao crescimento da classe urbana e trabalhadora, se refletiu na presença “[...] de um cres- cente conjunto de instituições sociais, que cria o espaço ocupacional para o Serviço Social emergir como profissão, no contexto em que a Questão 3Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I Social se põe como alvo da intervenção do Estado, por meio das políticas sociais públicas [...]” (RAICHELIS, 2009, p. 2). Raichelis (2009) aponta ainda que as condições atuais do capitalismo mundial, a financeirização da economia e o desenvolvimento tecnológico e informacional geraram mudanças nas relações de trabalho, ocasionando precarização, terceiri- zação, subcontratações, trabalho temporário e outras condições problemáticas. Esse cenário exigiu do profissional de Serviço Social uma atuação com vistas a atender às necessidades emergentes. Registrou-se também o enxugamento da participação do Estado no atendimento às necessidades da população. Nesse contexto, emergiu a atuação profissional em instituições ligadas ao terceiro setor. Outro importante marco para a profissão e para a reorganização dos seus espaços socio-ocupacionais é a Constituição Federal de 1988, que introduziu a noção de direitos que devem ser garantidos a todos os cidadãos brasileiros. Tais direitos devem ser assegurados especialmente por meio de políticas públicas. A partir daí, a profissão ampliou o seu mercado de trabalho em virtude da expansão da rede socioassistencial. O mesmo aconteceu com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004, e com a efetivação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) (BRASIL, 2005).O campo de atuação do assistente social se expandiu inclusive em áreas relacionadas à implementação e à orientação em conselhos de direitos e à mobilização popular. Além disso, destacam-se: “[...] elaboração de planos de assistência social, acompanhamento e avaliação de programas e projetos, ampliação e interiorização dos cursos de Serviço Social; além de assessoria e consultoria e requisições no campo da pesquisa [...]” (DELGADO, 2013, p. 139). Os espaços socio-ocupacionais também sofreram alterações a fim de acompanhar as mudanças vivenciadas no interior da profissão. Obviamente, o Serviço Social também sofre os impactos das transformações societárias e do mundo capitalista. Portanto, da mesma forma que a conjuntura social, econômica e política impulsiona o desenvolvimento da profissão, as mudanças endógenas interferem diretamente nela. O movimento de reconceituação é um importante exemplo de mudança de paradigmas no Serviço Social. Ele se refletiu nos espaços socio-ocupacionais em que estavam inseridos os profissionais. Veja o que afirma Delgado (2013, p. 133): Nas três últimas décadas, a profissão passou por um processo de redimensio- namento e renovação no âmbito de sua interpretação teórico-metodológica e ético-política, e melhor, qualificou-se, principalmente através da consolidação da pós-graduação stricto sensu e da produção científica acumulada a partir da década de 1980, adequando-se às exigências da contemporaneidade. Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I4 O Serviço Social existe no Brasil há cerca de 80 anos. Nesse tempo, foi ampliando o seu espaço socio-ocupacional a fim de abranger todos os lugares em que a Questão Social se manifesta. Assim, teve repercussões nas áreas dos direitos, da família, do trabalho e da falta dele, da educação e de segmentos como crianças, adolescentes e idosos. Além disso, conectou-se a grupos que enfrentam situações de preconceito, expropriação de terras, discriminação de gênero, raça, etnia e tantas outras formas de violação de direitos (CFESS, 2010). O Serviço Social foi se estruturando em espaços socio-ocupacionais mar- cados pela contradição existente no sistema estatal, nas relações de classe e na Questão Social como foco da intervenção do Estado (RAICHELIS, 2009). Considere o seguinte: Para os assistentes sociais será reservada, prioritariamente, a relação com os segmentos sociais mais vulnerabilizados pelas sequelas da questão social e que buscam, nas políticas públicas, especialmente nas políticas sociais, em seus programas e serviços, respostas às suas necessidades mais imediatas e prementes (RAICHELIS, 2009, p. 3). Como você viu, diversos espaços socio-ocupacionais, diferentes em seu conteúdo e em seu significado, têm sido incorporados ao Serviço Social, o que indica a diversidade de instituições em que o assistente social pode atuar. Tais espaços sofreram os impactos das transformações societárias, em especial das mudanças no modo de produção capitalista. Além disso, participaram das mudanças que foram ocorrendo na própria profissão. A análise institucional e a inserção do Serviço Social nos espaços socio-ocupacionais Refl etir sobre a relação entre a análise institucional e a inserção do Ser- viço Social nos diferentes espaços socio-ocupacionais é importante para a compreensão adequada da profi ssão e das instituições em que ela se in- sere. É evidente que o trabalho do assistente social sofreu o impacto das transformações ocorridas na sociedade brasileira ao longo dos anos, o que se refl ete na organização e no desenvolvimento dos diversos espaços socio- 5Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I -ocupacionais. Assim, “[...] o espaço profi ssional, como produto histórico, é condicionado por luta e disputa pela hegemonia e por alianças travadas pelas classes fundamentais, assim como pela densidade política das respostas de caráter teórico-prático, providenciadas pela profi ssão [...]” (SAMPAIO; OLIVEIRA, 2014, p. 123). As mudanças ocorridas no interior da profissão se refletiram tanto no amadurecimento profissional quanto na percepção do assistente social enquanto agente institucional (SAMPAIO; OLIVEIRA, 2014). Tais mudanças implicam a instituição e os diversos aspectos a ela relacionados, como objetivos insti- tucionais, funções, rotinas, hierarquias (SAMPAIO; OLIVEIRA, 2014). Por meio do “[...] reconhecimento da condição de agente institucional, inclusive, viabiliza-se a distinção entre o objetivo institucional requisitado e o que concerne, especificamente, ao fazer profissional do agente, preservando seus objetivos sem mimetismo com os da instituição empregadora [...]” (SAMPAIO; OLIVEIRA, 2014, p. 121). Ao se reconhecer como agente institucional, o assistente social reflete sobre a própria instituição e a sua concretude. No entanto, não se trata de pensar a análise institucional como algo teórico a ser desvelado, e sim de compreendê-la como uma técnica para o trabalho. Iamamoto (2009) destaca a importância de o assistente social atentar às demandas emergentes e de apreender criticamente a sua situação ocupacional. Ao mesmo tempo em que os espaços socio-ocupacionais apresentam elemen- tos que regulam e superam a ordem, eles muitas vezes se ligam a segmentos específicos da sociedade civil ou do Estado. Iamamoto (2009, p. 370) aponta que “[...] a dimensão social desse trabalho realiza-se por mediações distintas em função da forma assumida pelo valor-capital e pelos rendimentos. Estas formas condicionam, sob a óptica do valor, a contribuição desse trabalhador ao processo de produção e reprodução das relações sociais [...]”. O conhecimento e o domínio da análise institucional como técnica deve- riam ser encarados como um meio que proporciona ao exercício profissional a consecução de estratégias de ação e de mobilização política (SAMPAIO; OLIVEIRA, 2014). Especificamente sobre a condição das instituições, con- sidere o seguinte: As instituições requerem a reflexão em torno de sua existência por serem um fenômeno não natural, mas produto histórico das revoluções, lutas e dos enfrentamentos na sociedade capitalista e da forma mesma como estes se reproduzem. No limite, a instituição que requisita o profissional de Serviço Social é resultado, também, das relações de classe e dos embates delas de- correntes. Se a utopia de toda instituição é distinguir-se como um elemento natural, indispensável e insuperável, isso acontece porque ela anseia ser au- Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I6 toexplicativa, desenraizada de qualquer princípio que a reconheça enquanto fenômeno reificado das atividades humano-genéricas. Incorre-se nisso quando não se observa que a análise macrossocietária é um componente da análise institucional (SAMPAIO; OLIVEIRA, 2014, p. 131). Ao refletir sobre a relação entre a análise institucional e o Serviço Social, é importante você pensar na população usuária que demanda os serviços de determinada instituição. Afinal, essa população possui problemas a serem solucionados institucionalmente, e o profissional deve mediar essas necessi- dades com os limites impostos pela instituição. Entre os profissionais, costuma-se adotar uma variedade de terminologias para fazer referência às instituições, como “organizações”, “espaços socio-ocupacionais”, “núcleo”, “setor”, entre outras. No entanto, é necessário atentar a possíveis diferenciações entre os termos (SAMPAIO; OLIVEIRA, 2014). Algumas situações concretas do exercício profissional não raras vezes colidem com a burocracia, as rotinas e as relações interpessoais existentes nas instituições, esbarrando nos chamados “limites institucionais”. Nesses casos, compete aos agentes institucionais viabilizar as mudanças necessárias a fim de assegurar as finalidades da profissão junto aos usuários. Sampaio e Oliveira (2014) enfatizam a importância de o profissionalestabelecer estratégias como forma de fornecer as respostas demandadas nos vários espaços de atuação. Como você viu, a relação existente entre a profissão e as instituições em que os assistentes sociais atuam merece ser alvo de discussões teóricas e práticas. Tais discussões precisam estar presentes não apenas na academia, mas também no cotidiano dos profissionais inseridos nas várias instituições. É importante realizar a análise global dos espaços de atuação profissional e também a análise da prática propriamente dita. Espaços de atuação do assistente social Os espaços de atuação do assistente social foram se transformando ao longo dos anos. Isso é consequência das mudanças ocorridas na sociedade e na própria 7Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I profi ssão. Assim, na atualidade, existem “[...] novos espaços ocupacionais e competências profi ssionais que convivem com os tradicionais, revelando sig- nifi cativas alterações no mercado de trabalho, nas demandas e nos conteúdos das ações dos assistentes sociais [...]” (MOTA, 2014, p. 695). O Serviço Social é uma profissão eminentemente interventiva que atua nas manifestações da Questão Social, buscando respostas para as necessidades apresentadas como demandas no cotidiano profissional. Dessa forma, na área pública, o assistente social é requisitado a atuar nas políticas sociais atendendo às prerrogativas do Estado no que se refere ao planejamento, à execução e ao monitoramento de ações nas referidas políticas (TORRES, 2015). Independentemente da área à qual o profissional se vincula, ele tem como premissa reconhecer as expressões da Questão Social, analisar a realidade e identificar demandas de atendimento. Para isso, deve considerar as contradições próprias da sociedade capitalista, respondendo aos interesses do empregador, às demandas dos usuários e à sua condição de trabalhador assalariado (TORRES, 2015). Além disso, o trabalho profissional deve ser orientado e norteado pelos princípios contidos no Código de Ética e na lei de regulamentação da profissão, que precisam ser seguidos pelos profissionais e pelas instituições às quais eles estão vinculados. Não apenas na política de assistência social, mas em qualquer área em que o assistente social esteja inserido, a sua intervenção “[...] não pode ter como horizonte somente a execução das atividades arroladas nos documentos ins- titucionais, sob o risco de limitar suas atividades à ‘gestão da pobreza’ sob a óptica da individualização das situações sociais e de abordar a Questão Social a partir de um viés moralizante [...]” (CFESS, 2011, p. 7). Outro importante desafio vivenciado pelo Serviço Social e relacionado à sua inserção nas polí- ticas públicas é a interação em equipes interdisciplinares e o reconhecimento de atribuições dentro delas. Cada vez mais assistentes sociais têm integrado equipes e contribuído com seu saber profissional para a efetivação de direitos dos usuários. Iamamoto (2009) aponta que o Estado tem sido o principal empregador de assistentes sociais, conferindo a eles o status de servidores públicos. No entanto, essa condição também se encontra relacionada a uma característica bastante peculiar das instituições públicas, que é a burocracia, na qual o trabalho do Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I8 assistente social esbarra frequentemente. Mioto e Nogueira (2013) destacam que a condição de trabalhador assalariado também se reflete na autonomia do profissional, o que muitas vezes impõe limites à sua prática. Nesse sentido, os assistentes sociais “[...] se deparam com duas questões cruciais: a autonomia e a especificidade profissional. Em tese, significa enfrentar os dilemas que ainda persistem no debate sobre a prática profissional no Serviço Social e que no novo cenário brasileiro se reatualizam [...]” (MIOTO; NOGUEIRA, 2013, p. 65). O setor público, portanto, tem sido um importante empregador de assisten- tes sociais, que são contratados para lidar diretamente com as mais variadas manifestações da Questão Social. As situações vivenciadas muitas vezes exigem uma abordagem que ultrapasse o limite de uma política específica, requisitando uma ação integrada a outras políticas setoriais como forma de assegurar os direitos dos usuários. O comprometimento do profissional com seus princípios e com uma atuação crítica é o elemento impulsionador para favorecer o enfrentamento dos limites institucionais na luta pela garantia do acesso. Assim, o Serviço Social insere-se em diversas políticas sociais, sejam elas ligadas à seguridade social (saúde, assistência e previdência social) ou à educação, à habitação e outras áreas. A inserção dos assistentes sociais nas políticas vem demandando profissionais cada vez mais comprometidos com a consolidação do Estado Democrático de Direito, com a universalização da seguridade social e das políticas públicas e com o fortalecimento dos espaços de controle social democrático. Isso requer o fortalecimento de uma interven- ção profissional crítica, autônoma, ética e politicamente comprometida com a classe trabalhadora e com as organizações populares de defesa de direitos (CFESS, 2011). Além de atuar na esfera pública, o assistente social insere-se em outros es- paços socio-ocupacionais. Isso ocorre pois, devido à reconfiguração do Estado frente às exigências do neoliberalismo, houve alterações na disponibilidade de recursos e investimentos na área social, gerando uma transferência de res- ponsabilidades para a sociedade civil. Veja o que afirma Alencar (2009, p. 7): [...] [n]este cenário de redefinição do papel do Estado, observa-se a transfe- rência de uma considerável parcela de serviços sociais para a sociedade civil. Na verdade, está-se diante da desresponsabilização do Estado e do capital com as respostas da “questão social”. Este deslocamento engendra o retorno de práticas tradicionais no que se refere ao trato das contradições sociais no verdadeiro processo de refilantropização da questão social, sob os pressupostos da ajuda moral próprios das práticas voluntaristas, sem contar a tendência de fragmentação dos direitos sociais. 9Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I Registra-se, assim, o crescimento do terceiro setor, considerado o es- paço localizado ao lado do Estado e do mercado. Nele, incluem-se entidades de naturezas distintas, como ONGs, fundações empresariais e instituições filantrópicas. Segundo Alencar (2009), o terceiro setor pode ser entendido como um setor não governamental, sem fins lucrativos, sendo composto por organizações da sociedade civil com interesse público. O assistente social também pode desenvolver seu trabalho em organi- zações privadas. Segundo Abreu, Costa e Ferreira (2016), o processo de reestruturação produtiva e a crise capitalista geraram demandas por formas alternativas de atuar junto à classe trabalhadora (os detentores da força de trabalho). Em empresas privadas, o trabalho do assistente social não perde suas especificidades, mas adquire características particulares conforme a área de atuação. Assim, o assistente social pode se inserir em grandes empresas, como usinas de cana-de-açúcar, escolas e hospitais particulares, entre outras. A seguir, veja uma síntese dos principais espaços socio-ocupacionais do assistente social e alguns exemplos. Políticas sociais: Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS); unidades básicas de saúde, hospitais de nível secundário, hospitais especia- lizados, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), centros de atendimento a grupos específicos (como idosos), unidades de pronto-atendimento; escolas municipais e estaduais, universidades públicas, creches; Poder Judiciário, Tribunais de Justiça, Defensorias Públicas, sistema prisional, corporações militares, Polícia Militar,Exército, Aeronáutica, Marinha. Iniciativa privada: empresas nacionais e multinacionais, áreas de recursos humanos e coordenação de projetos; usinas de cana-de-açucar; cooperativas médicas; empresas de mútuo funerário; escolas particulares de ensino infantil. Terceiro setor: organizações não governamentais, como entidades que atuam na defesa de crianças e adolescentes. Movimentos sociais: diversos segmentos, categorias de representação profissional, grupos minoritários (mulheres, LGBT+, entre outros). Como você viu, é amplo o rol de espaços para a atuação do assistente social em instituições, sejam elas públicas, privadas ou do terceiro setor. O profissional de Serviço Social também pode atuar em organismos ligados à prevenção de violência, entidades não governamentais vinculadas à área pública e instituições privadas. Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I10 ABREU, S. L. L. R. G.; COSTA, D. V. F.; FERREIRA, V. C. P. Como tem se dado a atuação do assistente social nas empresas privadas? Revista de Carreiras e Pessoas, São Paulo, v. 6, n.1, p. 100–116, 2016. ALENCAR, M. M. T. O trabalho do assistente social nas organizações privadas não lu- crativas. In: CFESS; ABEPSS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social PNAS/ 2004. Brasília: MDS, 2005. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/ Normativas/PNAS2004.pdf. Acesso em: 23 out. 2019. CFESS. Parâmetros para atuação do assistente social na política de assistência social. Brasília: CFESS, 2011. (Série Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Públicas Sociais). CFESS. Parâmetros para atuação do assistente social na política de saúde. Brasília: CFESS, 2010. (Série Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Públicas Sociais). DELGADO, L. B. Espaço sócio-ocupacional do assistente social: seu arcabouço jurídico- -político. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 113, v.33, p. 131–151, 2013. IAMAMOTO, M. V. Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social. In: CFESS; ABEPSS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. MIOTO, R. C. T.; NOGUEIRA, V. M. R. Política Social e Serviço Social: os desafios da intervenção profissional. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 16, n. esp., p. 61–71, 2013. MOTA, A. E. Espaços ocupacionais e dimensões políticas da prática do assistente social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 120, p. 694–705, 2014. NETTO, J. P. Transformações societárias e serviço social: notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 50, p. 87–132, 1996. RAICHELIS, R. O trabalho do assistente social na esfera estatal. In: CFESS; ABEPSS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. SAMPAIO, S. S.; OLIVEIRA, R. Análise institucional ontem e hoje: indicações pertinentes ao fazer profissional. Sociedade em Debate, Pelotas, v. 20, n. 2, p. 119–144, 2014. Leitura recomendada CFESS. Subsídios para atuação de assistentes sociais na política de educação. Brasília: CFESS, 2013. (Série Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Sociais). 11Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características I ANÁLISE INSTITUCIONAL E SERVIÇO SOCIAL Daniella Tech Doreto Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a prática profissional do assistente social nas instituições públicas. Descrever a prática profissional do assistente social nas instituições privadas. Explicar a prática profissional do assistente social nos movimentos sociais e no terceiro setor. Introdução O assistente social pode atuar em diferentes espaços socio-ocupacionais. Na atualidade, o setor público é a principal área em que se desenvolve a intervenção profissional para a materialização das políticas públicas e suas interfaces. No entanto, em um contexto de capitalismo avançado e de enxugamento dos gastos públicos, o Estado tem tentado repas- sar à sociedade civil parte das suas responsabilidades. Nesse cenário, desenvolve-se o terceiro setor, outra área de atuação do assistente social. Além disso, os movimentos sociais e as instituições privadas contam com o assistente social em seu quadro de profissionais. Em todos esses contextos, ao assistente social compete atuar com base nos princípios estabelecidos nas legislações que embasam o Serviço Social, com vistas a assegurar os preceitos do seu projeto ético-político profissional. Neste capítulo, você vai estudar os diferentes espaços socio-ocupa- cionais em que se inserem os assistentes sociais. O foco é tanto a prática profissional desenvolvida nas instituições públicas e privadas quanto aquela desenvolvida nos movimentos sociais e no terceiro setor. A prática do assistente social nas instituições públicas O setor público é um dos espaços socio-ocupacionais que mais absorvem assistentes sociais no Brasil. Inserido nas diversas políticas públicas — em especial nas de saúde, assistência social, previdência, educação e habitação —, o profi ssional de Serviço Social busca atender às demandas resultantes das expressões da Questão Social. Para isso, considera a multiplicidade de fatores envolvidos nessas expressões e a sua relação com as políticas existentes. É consenso que o Serviço Social é uma profissão eminentemente interven- tiva e que atua nas manifestações da Questão Social, buscando respostas para as necessidades sociais apresentadas como demandas no cotidiano profissional. Os espaços para a atuação do assistente social foram se transformando ao longo dos anos como consequência das mudanças ocorridas na sociedade e na própria profissão. Assim, na atualidade, existem “[...] novos espaços ocupacionais e competên- cias profissionais que convivem com os tradicionais, revelando significativas alterações no mercado de trabalho, nas demandas e nos conteúdos das ações dos assistentes sociais [...]” (MOTA, 2014, p. 695). Isso se deve principalmente à promulgação da Constituição Federal de 1988, que introduziu a noção de direitos, modificando substancialmente a visão sobre o assistencialismo. A Constituição também estabelece que a seguridade social é integrada pelas políticas de saúde, assistência e previdência social, o que contribui para ampliar os espaços de trabalho do assistente social. Na área da assistência social, algumas legislações aprovadas nas últimas décadas redefiniram a atuação profissional. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) estabelece a assistência social como política não contributiva da seguridade social, que deve ser prestada a quem dela necessitar, além de estabelecer o comando único em cada esfera de governo por meio da descen- tralização político-administrativa (BRASIL, 1993). Com a implementação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ampliou-se o espaço de atuação dos assistentes sociais. A partir desses instrumentos legais, a proposta é que a assistência busque assegurar proteção social básica e especial a todos aqueles que necessitem. A proteção social básica deve ser ofertada nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), enquanto a proteção social especial deve ser oferecida nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), que englobam a oferta de serviços de média e alta complexidade. Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II2 Além dos serviços mencionados, a área de assistência social concentra ações articuladas com outras políticas públicas,como emprego, habitação, educação, saúde, previdência, etc. A seguir, conheça melhor os CRAS e os CREAS. CRAS: são unidades públicas estatais de base territorial, localizadas em áreas de vulnerabilidade social, que atendem um total de até mil famílias/ano. Executam serviços de proteção social básica, organizam e coordenam a rede de serviços socioassistenciais locais da política de assistência social. São responsáveis pela oferta do Programa de Aten- ção Integral à Família (PAIF). Os CRAS devem prestar informação e orientação para a população de sua área de abrangência, bem como se articular com a rede de proteção social local no que se refere aos direitos de cidadania, mantendo ativo um serviço de vigilância da exclusão social. A ideia é atuar na produção, na sistematização e na divulgação de indicadores da área de abrangência, em conexão com outros territórios (BRASIL, 2005). CREAS: são destinados, por exemplo, às crianças, aos adolescentes, aos jovens, aos idosos, às pessoas com deficiência e às pessoas em situação de rua que tiverem seus direitos violados e/ou ameaçados e cuja convivência com a família de origem seja considerada prejudicial à sua proteção e ao seu desenvolvimento. Oferecem proteção social especial de média complexidade e proteção social especial de alta complexidade. Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de garantia de direitos, exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, o Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo (BRASIL, 2005). No que se refere à saúde, a Constituição Federal de 1988 a define, no art. 196, como “[...] direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação [...]” (BRASIL, 1988, documento on-line). A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, enfatiza tais aspectos e considera a saúde em sua totalidade, bem como as manifestações da Questão Social e os seus condicionantes — “[...] a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País [...]” (BRASIL, 1990, 3Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II documento on-line). A partir de tais considerações, evidencia-se a importân- cia do contexto social e das condições de vida, que se refletem na saúde da população (CFESS, 2010). Em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), o assistente social está inserido em todos os níveis de atenção: nível primário, que envolve prevenção, proteção e promoção da saúde, concentrando atendimentos em unidades básicas de saúde e estratégias de saúde da família; nível secundário, composto por hospitais e ambulatórios especializados que oferecem acesso a algumas especialidades médicas; nível terciário, que envolve unidades de saúde como grandes clínicas e hospitais de alta complexidade. Além disso, o profissional de Serviço Social ainda está inserido em uni- dade específicas, como as relacionadas às áreas de saúde do trabalhador, saúde mental, cuidados paliativos, unidades de transplante renal, entre outras que, resguardados os níveis de atenção, acompanham as especificidades da área médica. Na saúde, os profissionais atuam em “[...] quatro grandes eixos: atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e controle social; investigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profissional [...]” (CFESS, 2010, p. 41). Embora esteja presente em unidades de saúde e hospitais particulares, o assistente social atua mais no setor público. A saúde pública é uma das áreas que mais concentra profissionais de Serviço Social. Isso se deve especialmente ao conceito de saúde, que extrapola a questão da doença e engloba aspectos relacionados ao bem-estar físico, social e mental. Assim, o assistente social atua diretamente nas questões sociais que interferem na saúde e nos aspectos relacionados a ela. A política de educação também é uma importante área para a atu- ação do assistente social. Nesse campo, há muita luta e muitos esforços para se assegurar a inserção desses profissionais. As discussões para Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II4 a inclusão do Serviço Social nessa política não são algo novo e datam dos primórdios da profissão. Naquela época, a intenção era assegurar a formação técnica, intelectual e moral da classe trabalhadora para garantir a reprodução do capital, demanda trazida principalmente pela classe dominante (CFESS, 2013). Com o passar do tempo, as demandas apresentadas aos profissionais de Serviço Social da área da educação deixaram de se limitar à inserção de crianças e adolescentes ao sistema de ensino, “[...] sendo acionadas também a partir das instituições do Poder Judiciário, das empresas, das instituições de qualificação da força de trabalho juvenil e adulta, pelos movimentos sociais, entre outras, envolvendo tanto o campo da educação formal como as práticas no campo da educação popular [...]” (CFESS, 2013, p. 16). Na educação pública, os profissionais estão inseridos em escolas de ensino infantil, médio e fundamental, creches, pré-escolas e universidades públicas. A previdência social também possui profissionais de Serviço Social em seu quadro de técnicos. Cabe destacar que houve uma renovação nos últimos anos, associada às problemáticas e competências estipuladas. Estas derivam das relações de trabalho nas áreas urbanas e rurais, como a existência de testes de meios para benefícios e aposentadorias rurais e o surgimento dos novos contribuintes da previdência, num leque de situações que vai dos tra- balhadores por conta própria, microempresários e contribuintes individuais voluntários até a cobertura e a contribuição das donas de casa, inscritas no Cadastro Social Único (CadÚnico). A esses aspectos se juntam questões relacionadas à precarização e ao adoecimento no trabalho, aos acidentes de trabalho, à informalidade, às doenças profissionais e à requalificação, por exemplo (MOTA, 2014). Como você pode observar, é amplo o rol de políticas públicas em que se insere o assistente social. O exercício profissional tem como premissa a garantia dos direitos dos usuários por meio de uma atuação nas variadas manifestações da Questão Social. Os espaços socio-ocupacionais públicos se constituem, portanto, em importantes âmbitos para a concretização dos objetivos profissionais. 5Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II A prática do assistente social nas instituições privadas O Serviço Social é uma profi ssão inserida na divisão sociotécnica do trabalho. Ele se constitui em uma especialização do trabalho coletivo e se insere no contexto de desenvolvimento das relações sociais capitalistas (IAMAMOTO, 2009). Portanto, além de se inserir em organizações públicas e de terceiro setor, o assistente social também é requisitado a atuar em instituições privadas. A atuação do assistente social nas empresas privadas remonta a meados dos anos 1940, proveniente da luta dos operários por melhores condições de tra- balho, visto que passaram a se reconhecer enquanto classe trabalhadora com necessidades em comum. O trabalho do assistente social nas empresas privadas desde aquela época tem como intuito minimizar a contradição entre empresa e trabalhador (capital x trabalho) (ABREU; COSTA; FERREIRA, 2016, p. 101). Em meados do século XX, a atuação profissional tinha como finalidade responder às necessidades da reprodução material da força de trabalho (ABREU; COSTA; FERREIRA, 2016). É somente a partir dos anos 1990que as instituições privadas não lucrativas se afirmam como locais de atuação profissional para o assistente social, passando a se constituir como mais um espaço socio-ocupacional. É na redefinição do papel do Estado e de suas relações com a sociedade que o mercado de trabalho foi se estruturando. Assim, foram se delineando novos requisitos, habilidades, atribuições e funções do profissional (ALENCAR, 2009). Nos anos 1990, diante do aprimoramento tecnológico e do desenvolvimento de novas tecnologias, houve mudanças no ambiente de trabalho (ABREU; COSTA; FERREIRA, 2016). A partir de então, as empresas passam a de- senvolver projetos direcionados aos seus trabalhadores, e o Serviço Social passa a ser solicitado a lidar com problemas “[...] relativos à produtividade, prestação de serviços sociais, assessoramento às chefias, assim como trabalhos de cunho assistencial e educativo para com os trabalhadores e seus familiares [...]” (ABREU; COSTA; FERREIRA, 2016, p. 104). Na atualidade, as demandas têm sido redefinidas, acompanhando as trans- formações sociais. Nesse sentido, destaca-se a visão de Alencar (2009, p. 13) sobre as atribuições dos assistentes sociais: No que se refere às atribuições profissionais, os assistentes sociais estão sendo demandados nestes novos espaços profissionais para atuar na gestão de pro- gramas sociais, o que implica o desenvolvimento de competências no campo do planejamento, formulação e avaliação de políticas sociais. Sendo assim, há uma grande tendência de crescimento das funções socioinstitucionais do Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II6 Serviço Social para o plano da gerência de programas sociais, o que requer do profissional o domínio de conhecimentos e saberes, tais como de: legisla- ções sociais correntes, numa atualização permanente; análises das relações de poder e da conjuntura; pesquisa, diagnóstico social e indicadores sociais, com o devido tratamento técnico dos dados e das informações obtidas, no sentido de estabelecer as demandas e definir as prioridades de ação; leitura dos orçamentos públicos e domínio de captação de recursos; domínio dos processos de planejamento; e competência no gerenciamento e avaliação de programas e projetos sociais. No setor privado, os assistentes sociais inserem-se comumente em programas de transferência e desenvolvimento, bem como em programas de qualidade total, de qua- lidade de vida e de clima ou ambiência organizacional. Nesse ambiente, os assistentes sociais podem ser solicitados a atuar na gestão de recursos humanos, em programas participativos, no desenvolvimento de equipes, em programas de responsabilidade social, entre outros. No atendimento individual, o assistente social atua em demandas trazidas pelos colaboradores e que podem afetar a sua produtividade, como questões relacionadas à saúde e outras que, embora não se relacionem diretamente com o processo de trabalho, podem afetá-lo (ABREU; COSTA; FERREIRA, 2016). Nas últimas décadas, muitas mudanças ocorreram no mercado de trabalho. Apesar disso, Amaral e Cesar (2009) destacam que, em muitos setores par- ticulares, o Serviço Social mantém um trabalho relacionado com demandas antigas. Nesse trabalho, permanece [...] o seu caráter “educativo”, voltado para mudanças de hábitos, atitudes e comportamentos do trabalhador, objetivando sua adequação ao processo de produção. Desse modo, o profissional continua sendo requisitado para responder às questões que interferem na produtividade — absenteísmo, in- subordinação, acidentes, alcoolismo etc. —, a intervir sobre os aspectos da vida privada do trabalhador, que afetam seu desempenho — conflitos familiares, dificuldades financeiras, doenças etc. — e a executar serviços sociais asseguradores da manutenção da força de trabalho (MOTA, 1985 apud AMARAL; CESAR, 2009, p. 10). Ainda segundo os autores citados, o assistente social é um profissional que, “ao mesmo tempo em que interfere na reprodução da força de trabalho, por meio da administração de benefícios sociais ou dos ‘salários indiretos’, 7Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II exerce o papel de mediador nas relações empregado-empresa, implementando programas integrativos” que abrangem a família-comunidade. De forma geral, o assistente social tem sido requisitado a atuar em dife- rentes instituições privadas, como planos de saúde, escolas particulares, etc. Tal demanda se relaciona às habilidades e competências que o assistente so- cial possui e que podem contribuir para que o ambiente de trabalho no setor privado se torne mais confiável, favorecendo o crescimento e a satisfação dos colaboradores. Para Abreu, Costa e Ferreira (2016, p. 105), nessa área, o assis- tente social é requisitado para “[...] dar respostas às necessidades humanas dos trabalhadores, contribuindo com a formação de um comportamento produtivo de acordo com as exigências da organização, sendo um fomentador da adesão do trabalho às novas formas de produção [...]”. Assim, entre os diferentes espaços socio-ocupacionais em que os assistentes sociais se inserem atualmente, as instituições privadas constituem um setor importante. Ressalvadas as especificidades dessa área e os seus objetivos, o assistente social deve contribuir com as metas da instituição e de seus colaboradores sem perder o foco de sua atuação, que é a garantia de direitos, favorecendo a qualidade de vida e o trabalho digno. A prática do assistente social nos movimentos sociais e no terceiro setor As refl exões sobre a profi ssão, os seus espaços socio-ocupacionais e a sua relação com o contexto capitalista e neoliberal também envolvem discussões sobre os movimentos sociais e o terceiro setor. O terceiro setor emergiu no Brasil em um contexto de desmonte e desregulamentação de direitos, com a justifi cativa de constituir uma resposta alternativa para as expressões da Questão Social (IPEA, 2011). Na realidade, ele é fruto do pensamento neoliberal e põe em cena um discurso de “solidariedade social” (IPEA, 2011). Considere o seguinte: Perpassado por interesses classistas, o aumento de instituições que inte- gram o rol desta suposta esfera [terceiro setor] oscila entre o interesse de grandes capitalistas, que buscam através do desenvolvimento da filantropia empresarial, entre outras coisas, difundir uma boa imagem, na socieda- de, de suas instituições, passando pelas ONGs que surgem atreladas aos movimentos sociais os quais possuem, por assim dizer, um espírito mais revolucionário [...] Essa primeira ideia do que engloba o terceiro setor na sociedade mostra-nos uma complexidade no que se “esconde” por trás deste suposto “setor” (IPEA, 2011, documento on-line). Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II8 Yazbek (2002) assinala que, nesse contexto, as responsabilidades públicas são reduzidas, e seus mecanismos de atenção, desqualificados. Nos últimos anos, as intervenções do Estado têm encontrado dificuldades em cumprir a sua função de amenizar as desigualdades sociais e a condição de pobreza no País, consistindo em ações tímidas e incapazes de interferir efetivamente no cenário. A autora afirma ainda que “[...] o enfrentamento da desigualdade passa a ser tarefa da sociedade ou de uma ação estatal errática e pálida, caracterizada pela defesa de alternativas privatistas, que envolvem a família, as organizações sociais e a comunidade em geral [...]” (YAZBEK, 2002, documento on-line). Nesse sentido, retomam-se no cenário nacional práticas filantrópicas e de benemerência como “[...] expressão da transferência à sociedade de respostas às sequelas da Questão Social [...]” (YAZBEK, 2002, documento on-line). As Santas Casas de Misericórdia, presentes ainda hoje em muitos municípios, surgiram ligadas à filantropia e ao trabalho voluntário. Embora oficialmente no Brasil o terceiro setor tenha sido implementado na décadade 1980, a primeira Santa Casa de Misericórdia foi criada em Santos (SP) em 1543, dando início à presença do setor privado em ações de interesse público (YAZBEK, 2002). O terceiro setor é composto por organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do me- cenato e expandindo seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil (FERNANDES, 1997, p. 27 apud YAZBEK, 2002, documento on-line). Silva (2008) lembra que o Serviço Social, desde o início de sua história, trabalhou com entidades sociais. Logo, a presença da filantropia é uma constante, principalmente na área da assistência social. Hoje, na sua relação com o terceiro setor, o assistente social deve considerar as mudanças que ocorreram no mundo e identificar: 9Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II [...] o significado social dessas transformações, analisando as implicações para o exercício da profissão e, somente com uma postura crítica, poderá dar respostas inovadoras aos dilemas impostos pelo sistema capitalista e pelas novas consequências causadas por esse sistema para tanto, é necessário pen- sar o Serviço Social como profissão inserida nas transformações históricas, que sofre com a falta de recursos, com os baixos salários, desemprego, com as exigências feitas pelo mercado de trabalho, já que somos trabalhadores assalariados. Porém, não se pode esquecer do projeto ético e político dessa profissão direcionado a colaborar para uma transformação social, fortalecen- do o verdadeiro sentido de democracia entre a classe trabalhadora (SILVA, 2008, p. 84-85). Quanto ao trabalho desenvolvido pelo assistente social, Silva (2008) pontua que ele é dinâmico e envolve a maior parte das áreas das entidades do terceiro setor, passando pela inscrição, pela avaliação socioeconômica e pela inserção de integrantes. Além disso, envolve a mobilização da rede de apoio e inclusão em políticas públicas, bem como a elaboração e o gerenciamento de programas e projetos para captação de recursos. O trabalho com famílias também pode ser desenvolvido nessas entidades, dependendo do seu foco de atuação. Costa (2005) lista as atribuições do assistente social no terceiro setor: implantar, no âmbito institucional, a PNAS, conforme as diretrizes da LOAS e do SUAS, de acordo com a área e o segmento em questão; subsidiar e auxiliar a administração na elaboração, na execução e na avaliação do plano gestor institucional, tendo como referência o plane- jamento estratégico para organizações do terceiro setor; desenvolver pesquisas junto aos usuários da instituição, definindo o perfil social dessa população e obtendo dados para a implantação de projetos sociais interdisciplinares; identificar necessidades individuais e coletivas apresentadas pelos segmentos que integram a instituição, na perspectiva do atendimento social e da garantia de seus direitos, implantando e administrando benefícios sociais; realizar seleção socioeconômica, quando for o caso, de usuários para as vagas disponíveis (a partir de critérios preestabelecidos e sem perder de vista o atendimento integral e de qualidade social e o direito de acesso universal ao atendimento); estender o atendimento social às famílias dos usuários da institui- ção, com projetos específicos e formulados a partir de diagnósticos preliminares; Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II10 intensificar a relação da instituição com as famílias, objetivando uma ação integrada de parceria na busca de soluções de problemas; fornecer orientação social e encaminhar a população usuária aos recursos da comunidade, integrando e utilizando a rede de serviços socioassistenciais; participar, coordenar e assessorar com a equipe técnica estudos e dis- cussões de casos relacionados à política de atendimento institucional e à política de assistência social; realizar perícia, laudos e pareceres técnicos relacionados à matéria espe- cífica da assistência social no âmbito da instituição, quando solicitado. Além de se inserir em organizações ligadas ao terceiro setor, o assis- tente social também tem um histórico de lutas pela efetivação de direitos. Isso acontece especialmente por meio dos movimentos sociais, um tipo de organização cuja ação coletiva organizada busca a defesa, a promoção ou até mesmo algum tipo de transformação, especialmente na área dos direitos. O Serviço Social insere-se em vários espaços socio-ocupacionais voltados para a luta e a defesa de direitos. A profissão tem contribuído em espaços como associações de moradores, cooperativas, sindicatos, grupos organizados de mulheres, idosos, população LGBT+ e outros grupos con- siderados minoritários. As próprias legislações do Serviço Social, como a lei de regulamentação da profissão, o Código de Ética Profissional e as diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABEPSS), destacam o compromisso da categoria com a defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora e, consequentemente, com suas formas de organização, incluindo os movimentos sociais. Moro e Marques (2011) apontam que o primeiro contato do Serviço Social com os movimentos sociais ocorreu pela articulação político-organizativa de entidades representativas da categoria, o que teve sua origem em 1983, com a criação da Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS). Segundo os autores, a ANAS foi responsável por fortalecer “[...] os vínculos da profissão com as lutas gerais da classe trabalhadora, além de garantir o encaminhamento das demandas específicas da categoria, tais como o plano de cargos e carreiras dos servidores públicos federais (PCC) e as condições de trabalho, salário e carga horária dos assistentes sociais [...]” (MORO; MARQUES, 2011, p. 26). Os autores destacam ainda que muitas vezes o trabalho do assistente social junto aos movimentos sociais consiste no fortalecimento da participação institucional, favorecendo a atuação da sociedade no setor público. Esse forta- lecimento manifesta-se de diversas formas; entre elas, por meio da capacitação 11Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II do maior número possível de sujeitos para participar dos conselhos de direitos, priorizando a formulação e a execução de políticas públicas. Como você viu, as instituições ligadas ao terceiro setor e aos movimentos sociais são mais um espaço de atuação para o Serviço Social. Independente- mente da área em que atua, o assistente social deve considerar os princípios estabelecidos em seu Código de Ética, na lei de regulamentação da profissão e nas legislações sociais existentes no País, trabalhando sempre em consonância com os princípios estabelecidos no Projeto Ético-Político do Serviço Social. A ideia é assegurar a efetivação de direitos e a emancipação dos sujeitos sociais, lutando pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária. ALENCAR, M. M. T. O trabalho do assistente social nas organizações privadas não lu- crativas. In: CFESS; ABEPSS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. AMARAL, A. S.; CESAR, M. J. O trabalho do assistente social nas empresas capitalistas. In: CFESS; ABEPSS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. ABREU, S. L. L. R. G.; COSTA, D. V. F.; FERREIRA, V. C. P. Como tem se dado a atuação do assistente social nas empresas privadas? Revista de Carreiras e Pessoas, São Paulo, v. 6, n.1, p. 100–116, 2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 out.2019. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promo- ção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. 1990. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em: 23 out. 2019. BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistên- cia Social e dá outras providências. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L8742compilado.htm. Acesso em: 23 out. 2019. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social PNAS/ 2004. Brasília: MDS, 2005. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/ Normativas/PNAS2004.pdf. Acesso em: 23 out. 2019. CFESS. Subsídios para atuação de assistentes sociais na política de educação. Brasília: CFESS, 2013. (Série Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Sociais). Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II12 CFESS. Parâmetros para atuação do assistente social na política de saúde. Brasília: CFESS, 2010. (Série Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Públicas Sociais). COSTA, S. F. O serviço social e o terceiro setor. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 7, n. 2, 2005. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v7n2_selma.htm. Acesso em: 23 out. 2019. IAMAMOTO, M.V. Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social. In: CFESS; ABEPSS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. IPEA. Desafios contemporâneos acerca do terceiro setor e Serviço Social: entre o novo trato da questão social e a negação da solidariedade de classes. In: CIRCUITO DE DEBATES ACADÊMICOS, 1., 2011, Brasília. Anais [...]. Brasília: IPEA, 2011. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area2/area2-artigo12.pdf. Acesso em: 23 out. 2019. MORO, M. D.; MARQUES, M. G. A relação do serviço social com os movimentos sociais na contemporaneidade. Temporalis, Londrina, v. 11, n. 21, p. 13–47, 2011. MOTA, A. E. Espaços ocupacionais e dimensões políticas da prática do assistente social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 120, p. 694–705, 2014. SILVA, L. L. O trabalho do assistente social no “terceiro setor”: a superação das dificuldades e a construção de caminhos. 2008. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. YAZBEK, M. C. Voluntariado e profissionalidade na intervenção social. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 6, n. 2, 2002. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos. ufma.br/index.php/rppublica/article/view/3718/1749. Acesso em: 23 out. 2019. 13Os diferentes espaços socio-ocupacionais do assistente social e suas características II ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS EM SERVIÇO SOCIAL I Mariana Oliveira Decarli O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer as intervenções do profissional de Serviço Social e a apropriação de diferentes saberes. Analisar a categoria cotidiano e os seus significados para o Serviço Social. Identificar os principais teóricos da categoria cotidiano e suas teorias. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a esfera do cotidiano de uma perspec- tiva crítica. A ideia é que os tópicos deste capítulo auxiliem você em sua atuação como assistente social. Afinal, em seu fazer profissional, você vai intervir na esfera do cotidiano. Como você vai ver, esse tema foi amplamente explorado por diversos autores de distintas linhas teóricas. Ao longo do texto, você vai verificar que a esfera do cotidiano pode ser considerada alienante, pois representa o espaço de reprodução de toda a sociedade. Por isso, é fundamental que os assistentes sociais sejam capazes de intervir no cotidiano de forma crítica. A ideia é que busquem a essência dos fenômenos e que o seu fazer esteja baseado nos princípios do Código de Ética e na lei de regulamentação da profissão. O trabalho cotidiano do assistente social É no cotidiano profi ssional que se expressa todo o arcabouço teórico-meto- dológico, ético-político e técnico-operativo do assistente social. Por meio da sua atuação cotidiana, esse profi ssional materializa o seu conhecimento, a sua cultura e a sua sociabilidade. É também no cotidiano — na realidade objetiva e nas respostas que suas ações imprimem nessa realidade — que os profi ssionais enfrentam desafi os e contradições. Você deve refl etir sobre isso de maneira crítica, vinculando a sua refl exão a uma atividade criadora ao longo de todo o seu percurso. Não há apenas uma forma de se apropriar dos saberes relacionados ao Serviço Social, assim como não há um padrão predeterminado de formação. Contudo, existem as diretrizes da Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino do Serviço Social (ABEPSS). Tais diretrizes pretendem tornar mais homo- gêneos a formação e os processos de apropriação dos conceitos de Serviço Social por parte dos estudantes. Essa tarefa, entretanto, encontra resistências em diversos sentidos. A primeira dessas resistências envolve a seguinte situação: embora exista um processo hegemônico crítico no interior da profissão, há também um processo conservador e neoconservador no Serviço Social, nas escolas e nas faculdades dedicadas a essa área. Assim, não existe apenas uma visão acerca do Serviço Social. Embora a compreensão crítica seja hegemônica, a perspectiva conservadora vem ganhando cada vez mais espaço. A segunda resistência é que há uma diversidade própria do ser humano que insere subjetividade nas formas do fazer cotidiano. Por isso, é necessária uma unidade, um código de ética que unifique de maneira universal as singularidades. A reflexão sobre as diferentes formas de atuar no cotidiano é central. Por meio da materialização do fazer, se constitui uma perspectiva conservadora ou uma perspectiva emancipatória a respeito dos usuários e daqueles aos quais o Serviço Social dedica o seu trabalho. As contradições da sociedade ganham as suas próprias determinações no Serviço Social. A contradição central do trabalho do assistente social vinculado ao Estado, generalizada a partir do marco do capitalismo monopolista, é a seguinte: o assistente social tem o papel de, por um lado, garantir a exploração da força de trabalho, sua manutenção na produção e na reprodução cotidiana; por outro lado, esse profissional deve consolidar uma perspectiva emancipatória, de transformação social. Outro ponto fundamental é a diversidade de campos de atuação. O assistente social pode trabalhar nas áreas que envolvem as políticas de seguridade social — saúde e previdência social, por exemplo —, bem como nas áreas da educação, do judiciário, entre outras. Essa diversidade faz com que a formação dos profissionais seja generalista. Dessa forma, ao longo da graduação, a base curricular costuma ser homogênea e atentar para todas as áreas de atuação possíveis. O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano2 Ao mesmo tempo, você deve ter em mente que a atuação profissional não se dá de forma descolada ou deslocada da realidade. Ela, na verdade, ocorre em interação, o que cria diversos desafios. Segundo Faleiros (2014, p. 708), na perspectiva marxista, [...] a atuação profissional está condicionada profundamente pelas determina- ções econômicas, articuladas às determinações políticas, sociais e culturais, tanto do ponto de vista da demanda como do ponto de vista da provisão dos serviços sociais. Não se trata, pois, de uma evolução de formas de bem-estar, nem de melhoria do modo de viver pela ação das classes dominantes. Amplamente empregado pelo Estado, o profissional de Serviço Social e o seu trabalho sofrem as inflexões que atingem a formulaçãoe a promoção das políticas sociais junto aos trabalhadores e que impactam diretamente a consolidação dos seus direitos. Além disso, contratados pelas instituições privadas ou do terceiro setor, os assistentes sociais estão sujeitos ao mesmo tratamento de inflexão de orçamento que ocorre no âmbito público, sendo afetados também pelas relações de trabalho. Faleiros (2014, p. 709) também afirma que: A prestação de serviços sociais está, assim, condicionada pela legislação, pelo orçamento e pela gestão dos serviços num processo de trabalho dependente de uma subordinação gerencial, e por relações trabalhistas de um contrato salarial, seja em termos de CLT ou de serviço público. A profissão do assistente social e os saberes com os quais ele embasa a sua ação em mediação com o cotidiano estão inscritos em um momento histórico. Portanto, se relacionam a determinado momento do desenvolvimento das forças produtivas e a certo processo ideológico e cultural. Hoje, a atuação desse profissional está inscrita na realidade social do capitalismo em sua fase imperialista. Isso significa dizer que é sempre fundamental relacionar o cotidiano profissional com o todo no qual está inserido. Sempre de maneira dialética, crítica e criadora. 3O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano O cotidiano e a sua relação com o Serviço Social A categoria cotidiano não é absoluta e não se sustenta somente em uma perspectiva. Aqui, você vai ver a perspectiva crítica, histórica e materia- lista do cotidiano, desenvolvida por Lukács e Heller. Essa perspectiva busca compreender o cotidiano desde o complexo do ser social, da sua constituição. Segundo Heller (1972), o espaço do cotidiano é aquele no qual as pessoas devem responder de maneira imediata e contínua a diversas questões que circunscrevem a sua existência. É nesse espaço que se materializa a existência singular. Assim, a esfera da vida cotidiana tende a exigir determinada rotina. Além disso, envolve o cumprimento de tarefas e diversos processos de vivência muito dinamizados pelo imediatismo. Por isso, a autora caracteriza a esfera do cotidiano como uma esfera de alienação, de ações que tendem a buscar o senso comum, a superficialidade. Mas o cotidiano não é somente o lugar da alienação ou o lugar onde a alienação apresenta-se de forma sistemática. Nele também há a possibilidade de se construírem posicionamentos éticos. Ou seja: nesse espaço, os seres singulares são colocados em contradição com a realidade cotidiana, podendo refletir acerca de suas ações e tomadas de decisão. Para refletir, os seres singulares em constante interação necessitam tomar decisões políticas — relacionadas a processos sociais e morais e tomadas de posição. Assim, é na esfera do cotidiano que os próprios seres singulares se veem em contradição. Abre-se então uma possibilidade de reflexão que se vincula às necessidades mais coletivas. É dessa forma que os sujeitos podem se conectar ao humano universal (BARROCO, 2010). Até aqui, você viu que o cotidiano é o lugar comum em que o assis- tente social materializa a sua prática. Mas você sabe como ocorre essa prática? Afinal, as ações do profissional, como você viu, estão restritas a um cotidiano tomado como espaço alienante. Segundo Netto (2007, p. 107), citado por Lacerda (2014, p. 23), considere: A superficialidade e heterogeneidade do cotidiano é solo fértil ao sincretismo envolvido na prática do assistente social, “reiterando procedimentos formali- zados abstratamente e revelando sua in-diferenciação operatória. Combinando senso comum, bom-senso e conhecimentos extraídos de contextos teóricos [...]”. O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano4 Lacerda (2014, p. 25) ainda aponta o seguinte: Para Barroco (2003), a sociedade é uma totalidade organizada por várias totalidades cuja reprodução pressupõe uma totalidade maior que se efetua de formas peculiares, com regularidades próprias. Na análise do cotidiano do exercício profissional do assistente social estamos considerando que essa é uma totalidade subsumida a outros complexos causais maiores: políticas sociais, Estado, crise estrutural do capital, etc. Conforme a sociedade se complexifica, essas esferas podem ganhar certa autonomia, o que gera a falsa impressão de que elas são independentes; porém isso é apenas a aparência que estamos buscando transpor. É nesse processo contraditório — e precisamente no cotidiano de uma sociedade cindida pela luta de classes — que o assistente social deve se inserir. É por meio da esfera cotidiana que ele dinamiza o seu trabalho. Um profissional da área de saúde, por exemplo, tem de se vincular à esfera do cotidiano para atender aos usuários na instituição na qual trabalha. Além disso, há também a divisão de local de trabalho. É preciso considerar que o profissional que trabalha em uma unidade básica de saúde e o que trabalha em um hospital enfrentam desafios diferentes, assim como realidades distintas e cotidianos de trabalho díspares. O assistente social possui autonomia relativa no que diz respeito às suas ações profissionais. Ele é resguardado por seu projeto ético-político, pelo Código de Ética e pela lei de regulamentação da profissão. Por meio desses documentos, o profissional adquire autonomia no que diz respeito às suas ações. Além disso, tais documentos garantem uma série de direitos que devem ser assegurados, além, é claro, de deveres. Mas todas essas condições que resguardam o assistente social, tanto no sentido prático como no político, possuem elas mesmas as limitações próprias a uma profissão que contém uma contradição fundante. O Serviço Social, enquanto especialização sociotécnica do trabalho, foi criado a partir das necessidades e novas demandas do capital, da so- ciedade capitalista, em determinado momento de seu desenvolvimento. O processo de reconceituação pelo qual a categoria profissional passou nos anos 1960 consolidou uma perspectiva de defesa das classes trabalhadoras e do povo, o que se coloca em contradição com as razões da criação da própria profissão. Isso significa dizer que, no interior do Serviço Social, 5O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano há, constantemente, as demandas apresentadas pelo capital. Nesse sentido, o profissional deve saber ler, compreender, formar juízo crítico e intervir a favor do trabalhador. Além disso, existem as demandas da classe tra- balhadora, da qual o profissional é parte e pela qual busca desenvolver o seu trabalho cotidiano. As limitações que se apresentam ao profissional em seu fazer cotidiano não são de menor importância. Ao contrário: elas compõem a realidade cotidiana do fazer profissional. Todos os dias, o assistente social se coloca em processos de contradição, deve assumir posicionamentos políticos e tomar decisões. Além disso, os assistentes sociais são confrontados pelas limitações impostas pelas instituições nas quais atuam, sejam elas de nível federal, estadual ou municipal, de âmbito privado ou sem fins lucrativos. Principais teóricos do cotidiano Agora, você vai conhecer alguns teóricos que escreveram sobre o cotidiano. É o caso de Faleiros (2014), Lacerda (2014) e Mendes e Hallack (2013). Como você viu, a perspectiva crítica é amplamente utilizada neste capítulo. Isso acontece porque é fundamental que você, enquanto estudante e futuro profi ssional, compreenda esse viés. Só assim a sua atuação no cotidiano pode se afastar do determinismo e se construir sobre uma base de práxis. Lacerda (2014) baseia-se na compreensão de Heller (2008) sobre o co- tidiano. Esta autora destaca a contradição central da sociedade capitalista e preocupa-se em mostrar como o espaço do cotidiano articula-se para valorizar a aparência no lugar da essência. Além disso, Lacerda (2014) se mune da compreensão de Netto (2007). Este autor demonstra que o cotidiano é solo fértil para se desenvolverem a perspectiva e a prática do sincretismo profissional. Sincretismosignifica a junção de ideias difusas e diversas acerca de uma totalidade complexa. Netto (2011) defende que o sincretismo é o fio condutor do desenvolvimento do Serviço Social brasileiro e que se sustenta até os dias de hoje. O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano6 No link a seguir, você pode aprender mais sobre o sincretismo no Serviço Social. https://goo.gl/t1E2Vg Os posicionamentos de Mendes e Hallack (2013, p. 1) baseiam-se em diferentes autores da teoria social crítica. Eles afirmam o seguinte: Não por outro motivo, o cotidiano foi abordado em ensaios publicados por Maria do Carmo Brant Carvalho e José Paulo Netto, em 1987, sob o título “Cotidiano: conhecimento e crítica”. Neles, os autores, ambos assistentes sociais, identificam os estudos de Henri Lefebvre, Agnes Heller e Karel Kosik como os mais representativos da tradição marxista, nas últimas décadas, aptos “a configurar [...] os componentes essenciais de uma teoria da vida cotidiana” (CARVALHO; NETTO, 2007, p. 65). Kosik (1976) trata da vida cotidiana em sua obra “Dialética do concreto”. Heller (2002 e 2008), por sua vez, escreve sobre o cotidiano em “O cotidiano e a história” e em “Sociología de la vida cotidiana”, desenvolvendo elementos formulados originalmente por Lukács. Lefebvre destina quatro títulos ao tema e se ocupa dele durante, no mínimo, trinta e cinco anos de sua vida intelectual. Embora haja especificidades no pensamento de cada autor, há também pontos de convergência. Todos os autores entendem que o cotidiano é o espaço de reprodução da vida social, de valores, tradições e ideologias. Como você viu, o cotidiano está permeado pela produção e pela reprodução de relações alienadas e alienantes, posto que as relações de produção são elas mesmas relações sociais de produção. Isso significa que a relação alienante estabelecida no cotidiano da produção se reproduz também no cotidiano da vida social. Faleiros (2014) também apresenta uma visão crítica acerca do cotidiano e busca estabelecer nexos com autores como Gramsci e Mészáros. Tais autores detalham como se dá o processo de alienação do cotidiano e o seu papel na manutenção da ordem estabelecida. Ou seja, eles mostram que o próprio ca- pitalismo utiliza a alienação do cotidiano. Nesse sentido, a forma superficial com que o cotidiano se apresenta aos sujeitos dificulta a compreensão da essência dos fenômenos que ocorrem no espaço social. 7O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano O espaço do cotidiano interfere de diversas formas no trabalho do assistente social. Os exemplos tornam-se mais claros quando se busca a essência dos acontecimentos do cotidiano em contraposição à sua aparência. Exemplo importante é a Cracolândia, espaço no Centro de São Paulo onde ocorre consumo de substâncias ilícitas, violência e violação de direitos humanos. Esse espaço abriga uma população em situação de rua e diversas outras expressões da Questão Social. No cotidiano, esse local se mostra na sua aparência. Ou seja, ele pode ser tomado como um lugar violento, sujo, onde vivem pessoas que não estão buscando melhores alternativas para a sua vida. No entanto, um olhar aprofundado, que se preocupa com a essência e foge da armadilha da alienação imposta pelo cotidiano, demonstra que as pessoas que vivem e convivem nesse espaço muitas vezes percorreram um longo percurso de exclusão social, perda de direitos básicos e violações por parte do Estado, que deveria garantir-lhes condições humanas de existência. BARROCO, S. L. Maria ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez, 2010. FALEIROS, V. O Serviço Social no cotidiano: fios e desafios. Serviço Social & Sociedade, n. 120, out./dez. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n120/07.pdf>. Acesso em: 25 set. 2018. HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1972. LACERDA, L. E. P. Exercício profissional do assistente social: da imediaticidade às possi- bilidades históricas. Serviço Social & Sociedade, n. 117, p. 22-44, jan./mar. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-66282014000100003&script=sci_ abstract&tlng=pt>. Acesso em: 25 set. 2018. MENDES, C.; HALLACK, M. Cotidiano: produção social da existência humana. Revista Conexão Geraes, n. 3, 2013. Disponível em: <http://cress-mg.org.br/publicacoes/Home/ PDF/50>. Acesso em: 25 set. 2018. NETTO, P. J. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2011. Leitura recomendada PEREZ, D. Davi Machado Perez: sincretismo profissional, ecletismo e pluralismo. You- Tube, maio, 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3QIBwqD2byI>. Acesso em: 25 set. 2018. O conhecimento e a atuação do Serviço Social no cotidiano8 Conteúdo: ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS DE SERVIÇO SOCIAL I Camila Muniz Assumpção Relação profissional com usuários do Serviço Social Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar no código de ética profissional e na lei de regulamenta- ção da profissão a relação estabelecida entre o assistente social e os usuários do Serviço Social. Descrever o processo de construção da relação entre assistente social e usuário no desenvolvimento da profissão no Brasil. Analisar os avanços e os entraves na garantia de direitos dos usuários dos serviços sociais pelos profissionais. Introdução Neste capítulo, você vai entender a relação profissional com usuários do Serviço Social, definida pela lei que regulamenta a profissão e pelo código de ética que define os parâmetros do seu exercício. No decorrer do texto, você também vai verificar pontos importantes da história do Serviço Social, bem como os avanços e os entraves a que estão sujeitos os profissionais para garantir os direitos dos usuários dos serviços sociais. A relação entre o assistente social e os usuários do serviço O Serviço Social surgiu no Brasil na década de 1930. Nesse período, ocorreram mudanças signifi cativas no processo de industrialização e urbanização, e, nesse contexto, fi caram claras as contradições e os diferentes interesses das classes sociais do país. A questão social e suas múltiplas expressões interferiram na sociedade como um todo. Entende-se por questão social, conforme apontam Iamamoto e Carvalho (1983, p. 77), “[...] o conjunto das expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade”. Nesse período, o Estado buscava medidas sociais que pudessem conter os exageros do capitalismo, com o apoio do projeto conservador da Igreja Católica. O Serviço Social era uma aliança entre Estado e Igreja que tinha como objetivo amenizar as contradições da relação entre capital e trabalho. A formação profissional era de responsabilidade da Igreja. O projeto profissional compreendia a questão social como uma desordem social, que deveria ser enfrentada a partir de uma educação moral, por meio de forças coercitivas, conforme leciona Araldi (2007). Prevaleciam, assim, os valores cristãos. Dessa maneira, os primeiros Códigos de Ética, em especial os de 1947, 1965 e 1975, expressavam o primeiro momento de defesa do projeto socie- tário, conservador e tradicional. Eles visualizavam a relação dos problemas sociais com a decadência moral dos indivíduos e tinham uma perspectiva de neutralidade em relação ao Estado e às autoridades. Na década de 1960, a América Latina vivenciou uma tomada de consciência crítica e política dos assistentes sociais, que questionavam o seu papel na sociedade. No caso do Brasil, isso ocorreu em meio à Ditadura Militar, que se instalou em 1964. Na transição da década de 1980 para a década de 1990, pode-se destacar mudanças significativas nas esferas políticas, sociais e eco- nômicas no Brasil, com a conquista da democracia e a organização política dos trabalhadores. Isso influenciou diretamente a profissão, dando origem ao Código de Ética de 1986,
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