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A legitimidade democrática do STF para julgar a descriminalização do aborto justificada na teoria da constituição aberta de Peter Häberle

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A legitimidade democrática do STF para julgar a descriminalização do aborto 
justificada na teoria da constituição aberta de Peter Häberle. 
 
 
Francisca Geneci Braga Viana1 
Faculdade Luciano Feijão-Curso de Direito-geneciviana13@gmail.com 
Raissa Carly Fernandes Macêdo Osterno2 
Mestra em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Santa Cataria - UFSC 
 
Resumo: 
 O seguinte estudo teve como proposta abordar a temática da legitimidade 
democrática do STF para o julgamento da ADPF 442 (descriminalização do aborto), 
justificando-a na teoria da constituição aberta de Peter Häberle. Utilizando-se de uma 
pesquisa bibliográfica e método indutivo. Em primeiro instante a pesquisa cuidou em 
desmembrar a teoria do supracitado autor e após utilizá-la para ponderar sobre a 
legitimidade democrática do tribunal supremo. 
Palavras Chaves: legitimidade. democracia. aborto. Descriminalização. 
 
Abstract: 
The following study aimed to address the issue of the democratic legitimacy of the STF 
for the trial of ADPF 442 (decriminalization of abortion) justifying it in Peter Häberle's 
theory of open constitution from a literature search using the inductive method. At first 
the research took care to dismember the theory of the aforementioned author and then 
use it to ponder the democratic legitimacy of the supreme court. 
Keywords: legitimacy. democracy. abortion. decriminalization 
 
 
Introdução: 
Atualmente o aborto é crime no Brasil e quem o pratica pode ser preso por até 3 
anos. Várias questões, entre elas o direito fundamental a vida justifica o fato de a conduta 
ser criminalizada de acordo com os artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro – CPB. 
Contudo, em março de 2017 o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o Instituto de Bioética 
(Anis) ajuizaram perante o STF a ADPF 442 solicitando à Corte que a mesma declare a 
não recepção dos artigos supracitados e também a possibilidade do aborto até a décima 
segunda semana de gestação. Sustentam essencialmente que os motivos que justificavam 
a criminalização do aborto à época do CP de 1940 (anterior a Constituição Federal de 
1988) não perduram até os dias atuais, sendo necessário que se privilegie antes de tudo a 
dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres. 
Em agosto de 2018 o STF fez o chamamento para a realização de audiências 
públicas dentro do processo supramencionado, tendo em vista a temática envolver o 
interesse social. Dessa forma, várias instituições fizeram o pedido para participarem 
enquanto amicus curiae, entre elas o Partido Social Cristão, a União dos Juristas Católicos do 
Estado de São Paulo e o Instituto de Defesa da Vida e da Família, entre outros. 
 Até então a corte ainda não proferiu decisão sobre o processo, o que ainda pode 
levar um bom tempo se verificada o histórico de casos semelhantes como o da ADPF 54 
(anencefalia) que foi protocolada em 2004 e decidida somente em 2012. 
 Contudo, apesar de peticionada a apenas dois anos o processamento e julgamento 
sobre a legalização do aborto até a décima segunda semana de gestação feita pelo STF já 
levantou muita divergência quanto a legitimidade democrática do tribunal para discutir e 
decidir sobre o assunto, haja vista ser o único poder contramarjorítário, ou seja, os seus 
membros não são eleitos mais sim indicados pelo presidente, o que para alguns realça um 
viés político. 
 Afinal o Supremo Tribunal Federal teria ou não tal legitimidade? É justamente a 
essa indagação que o estudo aqui apresentado visa responder fundamentado na teoria 
hermenêutica da sociedade aberta de intérpretes da constituição, do autor Peter Häberle. 
 
Metodologia: 
 O Método empregado como base para a pesquisa foi o indutivo a partir de pesquisa 
em livros, artigos e documentos, especialmente nas peças processuais da ADPF 442 que 
tramitam no STF. 
 
Resultados e Discussão: 
1.A teoria hermenêutica da sociedade aberta de interpretes da constituição de Peter 
Häberle: 
 
Häberle desenvolveu sua teoria tendo como pressuposto a existência de uma 
sociedade fechada de intérpretes em que a interpretação do texto constitucional estaria 
restringida aos detentores do conhecimento jurídico como juízes que utilizam de 
formalidades para desmembrarem o texto. Tendo em vista tal fenômeno, Häberle propõe 
essencialmente em sua tese que a hermenêutica do texto constitucional seja feita por todos 
os agentes sociais que de alguma forma vivem a norma. Segundo o autor, “todo aquele 
que vive a Constituição é um seu legítimo intérprete” (HÄBERLE, 1997, p.09). 
 Desse modo, seria possível um trabalho hermenêutico que privilegiasse a 
democracia necessária, de tal forma que os instrumentos de intervenção desses agentes 
sociais deveriam ser ampliados e densificados como, por exemplo, a realização de 
audiências públicas, e até mesmo no caso da novidade do código de processo civil de 
2015, o amicus curiae. 
É inegável a ligação existente entre a teoria supracitada e a teoria democrática, 
uma vez que as diretrizes estabelecidas por Häberle em sua obra constituem instrumentos 
singulares de concretização da democracia, ao passo em que se desmopoliza a exegese da 
Carta Magma do poder estatal e a ramifica para diversos personagens sociais. 
Para o autor, quanto mais pluralista for uma sociedade, mais aberto deverá ser o 
processo de interpretação. Assim, consegue-se superar um modelo hermenêutico clássico 
construído a partir de uma sociedade fechada, para um modelo que o número de 
intérpretes não é mais taxativo ou limitado. Nesse sentido 
No processo de interpretação constitucional estão potencialmente 
vinculados todos os órgãos estatais, todas as potencias públicas, 
todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um 
elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da 
Constituição. Interpretação Constitucional tem sido até agora 
conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam 
parte apenas os interpretes jurídicos “vinculados às corporações” 
e aqueles participantes formais do processo constitucional. A 
interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento 
da sociedade aberta. Todas as potencias públicas, participantes 
materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a 
um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um 
elemento formador ou constituinte dessa sociedade. Os critérios 
de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos 
quanto mais pluralista for a sociedade. (HABERLE, 2002, p.13) 
 
O advento da teoria desenvolvida por Häberle é incontestavelmente razoável e útil 
para que o Estado consiga lidar com problemas contínuos de sociedades pluralistas como 
por exemplo no Brasil. Para um conflito como a descriminalização do aborto ou não, por 
exemplo, restaria difícil imaginar como o mesmo seria dirimido sem a participação de 
determinados sujeitos sociais como o que ocorreu com o supramencionado caso da ADPF 
442, com a abertura para audiências públicas. . 
A teoria do professor Häberle cita a existência de quatro grupos de intérpretes da 
constituição, o primeiro deles seria os próprios servidores estatais estabelecidos pela 
própria constituição que tem poder de decisão vinculante. Já o segundo grupo se refere as 
partes do processo propriamente ditas autor e réu, ou seja, os diretamente interessados no 
diálogo processual e também os terceiros que apesar de não serem partes do processo 
podem se manifestar no mesmo ou até mesmo serem chamados a se manifestar. 
A seguir, temos o terceiro grupo, aquele que realmente encorpa a teoria de Peter 
Häberle, ou seja, a opinião pública a interpretação dada pela sociedade propriamente dita 
quando está se encontra diante de um caso de grande repercussão amplamente divulgado 
pelos instrumentos de informação, nesse caso a interpretação do texto constitucional é 
feita por indivíduos que apesar de não estarem objetivamente vivendo o processovivem 
a constituição. Por fim, e não menos importante temos o quarto grupo, a doutrina, aqueles 
que fazem suas análises e considerações sobre os demais grupos e com isso também 
acabam por fazerem um trabalho hermenêutico. (HÄBERLE, 2002, p.19 a 23.) 
 
Desta forma fica claro que são legítimas para interpretar a constituição todas as 
forças sociais, de modo que isto acaba por legitimar a própria constituição, ou seja, sem 
a participação popular no processo hermenêutico constitucional a carta magma não 
passaria de um pedaço de papel desconectada da realidade daqueles que a vivem em um 
processo orgânico de desenvolvimento contínuo. 
 
1.2 A legitimidade democrática do STF para julgar a ADPF 442 justificada pela 
teoria pluralista de Peter Häberle. 
 
 A legitimidade democrática do STF para revisar leis e atos normativos incendeia 
uma discussão socialmente recorrente, afinal um poder contramarjorítário estaria revendo 
as disposições de indivíduos eleitos democraticamente pelo povo. Contudo, o guardião 
legitimo da constituição é o Supremo Tribunal Federal, principalmente quando atua para 
a proteção dos direitos fundamentais nela estabelecidos, nas palavras do ministro Gilmar 
Mendes: 
É certo que nas democracias, como regra geral, o poder deve 
emanar das maiorias e, portanto, do Congresso e suas instituições, 
que expressam a vontade majoritária. Mas em alguns momentos 
a vontade, mesmo majoritária, precisa ser submetida a uma razão 
iluminista. 
 
Vale ainda considerar que esse papel de mobilização da corte que reflete a 
judicialização se dá em razão da degradação dos órgãos de representação democrática 
como bem colocado pelo professor Oscar Vilhena Vieira. “As cortes podem ter se 
mobilizado em razão da desidratação do papel dos órgãos de representação democrática.” 
(VIEIRA, 2017.) 
Ao abrir o círculo de interpretes constitucionais para discutir sobre a 
descriminalização do aborto no Brasil no âmbito do julgamento da ADPF 442, o STF 
acaba por concretizar a teoria da constituição aberta do professor Peter Häberle, 
utilizando-se de instrumentos que garantem sua legitimidade democrática para o 
julgamento do assunto. 
 
Conclusão: 
Sendo assim, baseado nas considerações feitas sobre a Teoria pluralista de Peter 
Häberle e tendo em vista a íntima relação que a mesma guarda com a teoria democrática, 
é de certo afirmar que quando o Supremo Tribunal Federal se utiliza de ferramentas como 
a realização de audiências públicas e o amicus curiae, como no caso do julgamento da 
ADPF 442 ainda em andamento, envolvendo Estado, cidadãos, órgãos públicos, grupos 
sociais, ele opera uma verdadeira democratização do processo hermenêutico 
constitucional, contribuindo assim para a efetivação de uma democracia real dando á 
minorias, como é o caso de mulheres favoráveis a descriminalização do aborto, a 
efetuação de garantias que delas são de Direito e que de modo algum podem ser 
esquecidas. 
 
Referências: 
 
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional - A sociedade aberta dos interpretes da 
Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da 
Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 13. 
 
GARCIA, José. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos interpretes da 
constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da 
constituição. (Influência do “Pensamento Jurídico do Possível” nas decisões do Supremo 
Tribunal Federal contribuindo para a formação do Direito Constitucional Brasileiro.). 
pucrs, 2017. Disponível em: http://www.pucrs.br/direito/wp-
content/uploads/sites/11/2017/09/jose_hudson_20171.pdf. Acesso em: 20 de julho.de 
2019. 
 
MELO, Kleber. A teoria de interpretação constitucional de Peter Häberle: a 
sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, um método pluralista. Jus 
navigandi, 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42152/a-teoria-de-
interpretacao-constitucional-de-peter-haberle-a-sociedade-aberta-dos-interpretes-da-
constituicao-um-metodo-pluralista. Acesso em: 23 de julho. de 2019. 
 
A democracia formal e a democracia real. Movimento Humanista, 2015. Disponível em: 
http://www.movimentohumanista.org/documento-humanista/49-a-democracia-formal-e-
a-democracia-real.html. Acesso em: 10 de ago. de 2019.

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