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A Relação Cultura-Discurso-Texto

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DESCRIÇÃO
Os processos de textualização na interface de produção textual oral e sinalizada, assim como
as práticas discursivas resultantes da interação entre a cultura e a língua.
PROPÓSITO
Compreender os processos de textualização das práticas discursivas orais e sinalizadas, e a
inter-relação cultura-língua para a ampliação da competência comunicacional.
PREPARAÇÃO
Tenha em mãos um dicionário de Linguística para consultar os termos específicos da área. Na
Internet, você pode acessar o Dicionário de termos linguísticos hospedado no Portal da língua
portuguesa.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar os processos de textualização nas tradições oral e sinalizada
MÓDULO 2
Identificar o processo de transformação de discursos culturais brasileiros em textos
MÓDULO 3
Reconhecer os discursos na cultura surda transformados em textos
INTRODUÇÃO
Qual é a relação entre a cultura, o texto e o discurso? Como a cultura está presente nos textos
escritos, orais e sinalizados? Essas são algumas das questões que trabalharemos neste texto,
discutindo aspectos relacionados ao conceito de textualização e à sua aplicação para a
formatação de textos orais, escritos e sinalizados.
Também discutiremos a universalidade existente na produção textual, assim como os princípios
que incidem na formação de textos múltiplos e diversos e em diferentes modalidades
linguísticas. Desenvolveremos ainda uma discussão sobre aspectos culturais e ideológicos,
social e historicamente determinados, que se refletem em práticas discursivas diversas
materializadas em textos.
Desse modo, veremos que existe uma certa universalidade na tríade texto-discurso-prática
social. Afinal, há um reforço das ideologias e dos aspectos culturais nas práticas discursivas
em línguas orais e de sinais, proporcionando avanços sociais e/ou perpetuando valores e
preconceitos profundamente enraizados nas sociedades.
MÓDULO 1
 Identificar processos de textualização nas tradições oral e sinalizada
OS AVANÇOS DA LINGUÍSTICA DO TEXTO
(LT)
 
Foto: Khakimullin Aleksandr/shutterstock.com
A LT tornou-se um campo de investigação de fortíssima tradição no Brasil, proporcionando
grande avanço aos estudos voltados para a produção de textos escritos ou orais. De fato, ao
longo dos últimos anos, houve no país estudos dedicados ao entendimento de questões
referentes ao modo como as múltiplas formas textuais orais e escritas acontecem.
Esses estudos mostraram como os textos apresentam complexidade própria em termos
linguísticos, sociais e cognitivos, sempre em função da expressividade e da comunicação bem-
sucedidas. Tal empreitada favorece, assim, a ampliação significativa de estudos sobre o
português do Brasil, impactando o ensino de L1 (língua materna) e L2 (segunda língua).
Além disso, ela permite um maior empoderamento social daqueles que tiveram oportunidade
de acesso à visão segundo a qual a estruturação linguística se trata de algo que extrapola o
nível sentencial (da frase ou da sentença) e que está profundamente comprometida com
questões voltadas para as relações sociais determinadas histórica, cultural e ideologicamente.
Os avanços científicos oriundos da LT no âmbito das línguas orais podem proporcionar ainda
avanços significativos para o entendimento, a descrição e o registro dos processos de
textualização nas línguas de sinais.
Haveria certa universalidade entre o que se verifica em termos de caracterização textual
das línguas orais e de sinais. Se tratamos o tempo todo do mesmo objeto, a língua, por que
deveria haver processos de textualização e características intrínsecas tão distintas entre as
línguas dessas modalidades?
A despeito das diferenças pragmáticas e materiais que diferenciam as características
linguísticas e de textualização existentes entre elas, não faria sentido pensar que, em um nível
mais abrangente, os processos de textualização poderiam ser os mesmos para todas as
realidades? Apostamos que sim.
ASPECTOS TEXTUAIS COMUNS A LÍNGUAS
ORAIS E DE SINAIS
 
Foto: Rawpixel.com/shutterstock.com
Defendemos que não existe uma diferenciação de línguas orais e de sinais ― não no sentido
abrangente dos processos de textualização. A identificação de aspectos de textualidade
específicos de línguas de modalidades diferentes é um fato, vide o que já sabemos a respeito
das diferenças entre a sistematização de línguas orais e escritas.
adjetivo Que é prático, direto; que realiza algo de maneira objetiva sem se desviar do seu propósito; prático, objetivo, direto
Entretanto, também estamos cientes de que os macroprocessos ― de ordem linguística, social
e cognitiva ― que permeiam o fazer textual são os mesmos. Nossa abordagem diz respeito
exatamente a essa relação de uniformização.
Em seu trabalho Produção textual, análise de gêneros e compreensão, de 2008, Luiz Antônio
Marcuschi apresenta uma ampla e completa discussão sobre a produção textual. O autor nos
mostra, entre outras coisas, que a análise da língua com base nessa produção oferece uma
forma potente de entendimento, no e para além do nível sentencial, sobre o funcionamento da
língua e sobre o que se sabe ao falar uma língua.
Marcushi (2010) apresenta, assim, uma lista de pontos observáveis sobre o conhecimento
linguístico a partir de uma abordagem que focaliza a análise — e o ensino — da produção
textual.
Essas questões tratam de aspectos como:
Os fatos históricos linguísticos e extralinguísticos refletidos no uso.
O funcionamento autêntico do sistema por parte de falantes reais.
A variação linguística.
O funcionamento da língua em seus diferentes níveis (morfossintático, fonológico,
semântico e pragmático-discursivo).
As intenções e as implicaturas pragmáticas da produção.
As relações sobre organização tópica e progressão temática.
O tratamento da capacidade de argumentação, resumo e ampliação de textos.
Os gêneros discursivos.
Os problemas residuais da alfabetização.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Observamos, portanto, que uma abordagem voltada para o entendimento sobre os processos
linguísticos, sociais e cognitivos envolvidos no curso da produção textual permite uma visão
mais abrangente acerca do conhecimento linguístico a despeito da modalidade de produção.
Em outras palavras, queremos dizer que os aspectos acima apresentados, além de tantos
outros que ainda poderíamos apontar, permeiam a produção e a compreensão de textos orais
e escritos. São esses aspectos que Marcushi se dedica a discutir em seu livro.
 ATENÇÃO
O ponto que queremos desenvolver, neste texto, consiste na possibilidade de articulação
daquilo que tradicionalmente sabemos sobre a produção e a compreensão de textos orais e
escritos como fatores para o entendimento do funcionamento das línguas de sinais.
A RELAÇÃO LÍNGUA/TEXTO COM FOCO NA
PRODUÇÃO SINALIZADA
Para a continuidade de nossa discussão, será necessário, portanto, fazer referência a dois
conceitos que estão na base de nossa discussão: o de língua e o de texto.
PARÂMETROS
Para a discussão sobre a produção dos textos sinalizados, comparando-a com a produção dos
textos orais, devemos observar os aspectos que mostram a equivalência existente entre as
línguas de modalidade sinalizada e as de modalidade oral.
Para tal, utilizaremos cinco parâmetros:
FORMA/ESTRUTURA
Do ponto de vista estrutural, as línguas de sinais possuem as mesmas características que as
de qualquer língua. Elas são compostas por itens simbólicos (pareamentos forma-sentido) que
se combinam na produção de unidades maiores com significados.
Desse modo, formam-se sentenças e textos de palavras soltas (os sinais) a partir de
possíveis (inter)combinações (a gramática). Estruturalmente, podemos identificar restrições
e possibilidades de combinação para a formação de micro e macroexpressões de sentido.
Podem ser identificados alguns aspectos nesse processo. Destacaremos dois deles a seguir:
ASPECTOS COESIVOS
Aspectos coesivos existentes entre os elementos formativosda sentença e do texto.
FORMAS PRÓPRIAS
Formas próprias de fazer referência ao que há de interno e externo à língua.
Esses aspectos são tradicionalmente observados para o entendimento do papel do elemento
estrutural na interface da produção/compreensão de textos.
 EXEMPLO
Nas línguas de sinais, encontram-se regras gramaticais, itens conectivos e formas diversas de
se estabelecer referências, como as relações anafóricas, catafóricas e dêiticas.
PAPEL INSTRUMENTAL
O papel instrumental das línguas também é identificado na produção/compreensão das
chamadas línguas sinalizadas. Pelo fato de representar os indivíduos pertencentes às suas
comunidades de fala (em geral, a comunidade surda), as línguas de sinais se materializam
em textos sinalizados com tipos e gêneros discursivos diversos, cumprindo, assim, seu
papel social de comunicação.
Em termos de tipologia textual (tipos de texto), por exemplo, é possível:
Narrar fatos (narração).
Descrever cenas (descrição).
Dar ordens (injunção).
Apresentar um fato (exposição).
repetição de uma palavra ou grupo de palavras no início de duas ou mais frases sucessivas, para enfatizar o termo repetido (p.ex.: este amor que tudo nos toma, este amor que tudo nos dá, este amor que Deus nos inspira, e que um dia nos há de salvar ).
substantivo feminino Colocação de termos no final de uma frase que especificam e determinam algo anterior, mas introduzem uma informação nova; geralmente assinalados por isto é, ou seja, a saber , seguidos de dois-pontos.
Já a catáfora faz referência a um termo que será citado posteriormente no texto. Fica mais fácil de entender visualizando os exemplos: “A reação da sociedade mediante a um possível novo aumento dos preços quer dizer isto: indignação.” — aqui, o pronome demonstrativo “isto” referencia o termo “indignação”.
Exemplos de expressões dêiticas são verbos como trazer, levar, ir, vir, advérbios como hoje, ontem, amanhã, aqui, aí, lá, pronomes pessoais, como eu e você, nós e vocês, e pronomes demonstrativos, como este, esse, aquele. ´Dêixis´ é uma palavra que vem do grego e significa “a ação de mostrar”.
Argumentar contra ou a favor de qualquer coisa (argumentação).
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Tais possibilidades estão associadas à produção/compreensão textual em qualquer gênero
discursivo (gênero textual), seja no domínio conversacional, acadêmico, jornalístico, ficcional,
político, educacional etc.
ATIVIDADE COGNITIVA
Como uma atividade cognitiva, tal como qualquer língua oral, uma língua de sinais pode ser
vista de dois pontos de vista ou aspectos:
Primeiro aspecto
Consiste no conhecimento gramatical cognitivamente armazenado na mente de seus usuários.
A língua, como objeto cognitivo, pode ser entendida, independentemente da teoria linguística
que subjaz seu entendimento, por um conjunto de itens lexicais (Itens que formam o léxico,
nosso dicionário mental.) combináveis a partir de possibilidades e restrições que caracterizam
o que tradicionalmente chamamos de gramática.
Tal conhecimento é de extrema complexidade e está associado a um segundo aspecto
cognitivo sinalizado a seguir.
Segundo aspecto
Está relacionado ao fato de acessarmos conhecimentos diversos — ao produzirmos e/ou
compreendermos um texto — que são constituídos em um contínuo.
Esse contínuo aponta em duas direções:
 
Imagem: Kubko/shutterstock.com
O trabalho cognitivo na produção/compreensão textual dos usuários de línguas de sinais
também é o mesmo: grosso modo, espelha uma gama de atividades complexas e rebuscadas
sobre as relações gramaticais e as de ordem sociais e cognitivas maiores, sendo ambas
fundamentais para a produção de sentidos por meio dos textos.
ATIVIDADE SOCIOINTERACIONAL SITUADA
Todo texto é uma atividade sociointeracional. Isso significa dizer que a língua reflete
formatações específicas de seu uso como instrumento de comunicação em situações
comunicativas específicas.
Desse modo, a forma como a morfossintaxe emerge, a escolha das palavras, a adesão a um
ou outro gênero discursivo — tudo isso torna-se controlado a partir das demandas
sociocomunicativas impostas pelo contexto comunicativo maior.
Papéis sociais dos interlocutores, intenções, funções da linguagem, ideologias – todo um
conjunto de fatores que permeiam a produção textual está relacionado ao fato de que o texto é
uma atividade sociointeracional situada, o que também ocorre com textos sinalizados.
Os usuários de línguas de sinais estão sujeitos a uma produção textual condizente com as
expectativas sociocomunicativamente impostas para o uso da língua. Os sinalizantes poderão
obter um menor sucesso comunicativo — ou mesmo um forte prejuízo — se não apresentarem
domínio que, a priori, é da ordem do inconsciente, sobre tais questões.
A mesma coisa pode ser dita sobre a compreensão de textos sinalizados: sem o domínio dos
diversos aspectos sociointeracionais envolvidos na produção, a compreensão será sempre
parcial acerca das múltiplas possibilidades de sentidos contidas nas sinalizações.
HETEROGENEIDADE
 
Foto: Prostock-studio/shutterstock.com
A priori é uma expressão usada para fazer referência a um princípio anterior à experiência. A priori é uma locução adverbial da língua latina, que não se encontra no dicionário da língua portuguesa, mas é muito usada para indicar “aquilo que vem antes de”.
A heterogeneidade linguística também é um dos fatores fundamentais para compreendermos a
relação língua/texto na perspectiva da produção sinalizada. Questões como a variação
linguística, a mudança, a adesão a registros (formal/informal) e as especificidades de usos de
comunidades linguísticas podem ser alguns dos pontos que evidenciam as línguas de sinais
como emparelhadas com as orais.
Elas são pontos que impactam a produção/compreensão da sinalização, tal como ocorre na
fala e na escrita.
Qualquer usuário de uma língua de sinais, ao produzir um texto, espelhará:
Aspectos referentes à sua variante linguística;
Maior ou menor conhecimento sobre as formas mais ou menos associadas ao
modo formal/informal de expressão;
Marcas associadas ao seu grau de escolaridade, à idade, ao gênero ou à região.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Tais aspectos, que se referem à própria heterogeneidade linguística (também encontrada nas
línguas de sinais), hão de caracterizar a produção/compreensão dos textos sinalizados,
impactando sempre a produção e a negociação de sentidos.
REFLEXÕES
Diante dos fatos até aqui apresentados sobre a relação língua/texto no contexto das línguas de
sinais, é possível afirmar que a abordagem da LT para o estudo da produção/compreensão
dessas línguas é absolutamente viável.
O estudo do caráter linguístico-gramatical das línguas de sinais na interface com a produção
textual não parece ser suficientemente diferenciado do que já foi observado sobre essa mesma
relação no escopo das línguas orais. Com isso, possibilitamos a ampliação do conceito de
texto, incorporando para o seu entendimento os aspectos referentes à produção/compreensão
no âmbito da micromodalidade sinalizada.
é o nome dado para o modo como ocorre a “comunicação” entre duas partes distintas e que não podem se conectar diretamente
ponto em que se mira; alvo
Apesar das diferenças referentes à modalidade gesto-visual em relação à oral-auditiva, os
processos linguísticos que se referem à produção sinalizada são os mesmos encontrados nos
processos de produção e compreensão das línguas orais.
CONCEITUANDO O TEXTO
Uma pergunta importante que precisamos nos fazer é: afinal o que é um texto? Uma visão
mais tradicional poderia associar a ideia dele exclusivamente à do texto escrito; entretanto, os
estudos da linguagem vão muito além dessa visão.
A oralidade é vista como o espaço de produção de múltiplos tipos de textos, tal como também
o é o campo da escrita. Nesse sentido, os textos produzidos em línguas de sinais são análogos
ao que entendemospor texto no nível da fala das línguas orais.
A produção corrente (on-line) nas duas modalidades é permeada por aspectos linguísticos,
sociais e textuais típicos dos diferentes gêneros discursivos falados, sejam eles orais ou
sinalizados. A discussão sobre a natureza e a multiplicidade de textos orais, escritos e
sinalizados exige, portanto, uma definição sobre o mesmo texto que abarque as três
modalidades.
Assim, independentemente do tipo de produção textual tratado, podemos nos apoiar na visão
de Beaugrande (1997, p. 10), que define o texto como “um evento comunicativo em que
convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”.
Tal perspectiva já foi (em parte) apresentada quando discutimos os diferentes aspectos
linguísticos, sociais e cognitivos referentes ao conhecimento linguístico internalizado que atuam
na produção e na compreensão de textos em geral. Tratamos disso em relação a qualquer
língua e modalidade.
Para aprofundarmos um pouco mais nossa definição do conceito de texto, abarcando inclusive
os textos sinalizados, trataremos agora de dois conceitos universais na produção e
compreensão textual: o conceito de textualidade e o de textualização.
A palavra “texto” é etimologicamente oriunda da mesma fonte da qual se origina o termo
“tecido”. O vocábulo latino textum dá origem a “texto” no português a partir da ideia de trama,
ou seja, de um conjunto coesivo que, organizado por princípios internos, compõe um todo de
sentido final coerente e refinado.
Analogia é uma relação de semelhança estabelecida entre duas ou mais entidades distintas. O termo tem origem na palavra grega “analogía” que significa “proporção”. Pode ser feita uma analogia, por exemplo, entre cabeça e corpo e entre capitão e soldados. Cabeça (cérebro) e capitão são duas entidades análogas.
relação de semelhança entre coisas ou fatos distintos.
A associação entre as palavras “tecido”, “trama” e “texto” parece ser mesmo inevitável e muito
útil para entendermos o modo como a tessitura acontece, seja ela construída no tecido ou no
texto.
TESSITURA
Alguns dicionários preferem a grafia tecitura. O termo foi dicionarizado pela primeira vez
em língua portuguesa no final do século XIX, no Dicionario Contemporâneo da Lingua
Portugueza, pelo professor e lexicógrafo português Caldas Aulete (1826-1878).
O conceito de tessitura aqui adotado mira a ideia de um conjunto harmônico, milimetricamente
desenhado e organizado, resultado de uma produção que requer um conhecimento específico
sobre as relações internas e externas referentes a esse mesmo produto.
 
Foto: Taras Pozdnyakov/shutterstock.com
Nesse sentido, tessitura é um sinônimo para o que chamamos de textualidade.
 ATENÇÃO
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O texto será sempre o resultado de relações tanto linguísticas e estruturais quanto situacionais
e sociocognitivas, as quais, juntas, são responsáveis pela produção de um todo de sentido
único e particular.
RELAÇÕES E FATORES COTEXTUAIS E
CONTEXTUAIS
RELAÇÕES
Em termos técnicos, referimo-nos aqui às relações cotextuais e às contextuais que interagem
na produção do conjunto textual e de sua textualidade.
RELAÇÕES COTEXTUAIS
Dizem respeito às possibilidades de ligações intra e intersentenciais que produzem efeitos
lógicos e possíveis de sentido.
RELAÇÕES CONTEXTUAIS
Referem-se à produção de sentido situado em um contexto social, histórico e cultural maior,
assim como à própria coerência interna das informações providas no texto.
Uma sequência de frases pode demonstrar a complexa interação de aspectos cotextuais e
contextuais inerentes à formação da tessitura, ou seja, da textualidade.
 EXEMPLO
Vejamos a seguinte sequência:
A menina reclamou do partido. O time do Botafogo é o melhor. Maria foi à escola. Os vizinhos
não se falam. Fomos ao show; por isso, o carro não pegou. O prefeito não ficou doente; logo, o
sol nasceu mais cedo.
Associada à falta de relações conceituais lógicas entre as sentenças, a ausência de conectivos
próprios, assim como a própria falta de comunicação com a realidade, confirma que, sem essa
interação, temos apenas uma sequência sem sentido de palavras e/ou de frases soltas. Textos
orais, escritos e sinalizados são textos porque são resultantes de processos complexos e
inerentes denominados processos de textualização.
Esses processos, como produto, garantem:
A tessitura.
A textualidade.
O todo de sentido.
A mensagem final.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Pode-se dizer que a mesma coisa acontece no curso de produção e compreensão dos textos
sinalizados. Questões estruturais e situacionais/contextuais interagem na produção dos
sentidos, ou seja, na emergência do significado negociado no processo sociointeracional.
FATORES
Os parâmetros mais gerais apontados como responsáveis pela esquematização linguística,
social e cognitiva dos textos são, conforme indica o esquema a seguir, os fatores de
textualização cotextuais e contextuais:
FATORES COTEXTUAIS
I. Coesão;
II. Coerência;
FATORES CONTEXTUAIS
III. Aceitabilidade;
IV. Informalidade:
V. Situcionalidade;
VI. Intertextualidade;
VII. Intencionalidade.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Abordaremos agora cada um dos fatores cotextuais e contextuais, considerando, para tal, a
produção textual e seus sentidos – inclusive nas línguas sinalizadas.
COESÃO
O processo de textualização da coesão consiste nas relações que geram a progressão textual
baseada na forma. Em termos gerais, podemos dizer que existem dois tipos de
macroprocessos coesivos:
Coesão referencial
Refere-se às relações de sentido oriundas das relações semânticas estabelecidas no nível do
texto.
 EXEMPLO
Recursos como a sinonímia, a hiperonímia, a referenciação pronominal e o uso de expressões
adverbiais.
Dois tipos importantes de relações de sentido estabelecidas na coesão referencial são a:
ANÁFORA
Refere-se a relações de sentido estabelecidas retrospectivamente entre os itens atualizados e
os referentes anteriores.
Significado de situacionalidade: Conjunto de fatores que tornam um texto relevante para a situação.
Oriundo é um adjetivo utilizado na língua portuguesa para qualificar algo como originário de determinado lugar
O que é sinonímia e exemplos?
É a relação que se estabelece entre duas ou mais palavras que apresentam significados iguais ou semelhantes - SINÔNIMOS.
Hiperonímia = como o próprio prefixo já nos indica, esta palavra confere-nos uma ideia de um todo, sendo que desse todo se originam outras ramificações, como é o caso de frutas.
Frutas: maçã, banana, abacate ...

CATÁFORA
Diz respeito às relações de natureza mais prospectiva entre esses itens e as informações do
porvir.
Coesão sequencial
Possui uma natureza mais gramatical relacionada a recursos de sequenciação calcados em
elementos conectivos, o que permite a continuidade das ideias.
 ATENÇÃO
Os dois macroprocessos coesivos podem ser observados na produção textual sinalizada. As
línguas de sinais apresentam aspectos próprios relacionados à estruturação da sequência,
sejam eles da base semântica ou sintática, tal como ocorrem nas línguas de modalidade oral.
O ato de apontar, por exemplo, pode possuir uma função de identificação dêitica com um papel
anafórico, localizando no tempo e/ou no espaço os referentes (os tópicos) de que tratam os
textos ou trechos deles.
COERÊNCIA
A coerência é o processo de textualização referente à conexão de informações e à produção
de sentidos no nível mais conceitual. As relações de sentido se manifestam entre os
enunciados, em geral, por diferentes aspectos coesivos.
No entanto, essas relações também podem aparecer:
De maneira global.
De forma não localizada.
A partir de aspectos cognitivos, pragmáticos e conceituais.
A partir do próprio conhecimento de mundo dos interlocutores.
O que é catáfora e exemplos?
Já a catáfora faz referência a um termo que será citado posteriormente no texto. Fica mais fácilde entender visualizando os exemplos: “A reação da sociedade mediante a um possível novo aumento dos preços quer dizer isto: indignação.” — aqui, o pronome demonstrativo “isto” referencia odignação”.
Colocação de termos no final de uma frase que especificam e determinam algo anterior, mas introduzem uma informação nova; geralmente assinalados por isto é, ou seja, a saber , seguidos de dois-pontos
substantivo feminino O que se vê ao longe; que se relaciona com o futuro.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
É no nível da coerência que itens diversos atuam/acionam o conjunto de conhecimentos do
interlocutor para a construção do sentido final do texto.
 ATENÇÃO
Tais habilidades não se restringem às possibilidades específicas das línguas orais por serem
elas próprias do processo comunicativo humano – independentemente da modalidade em que
ele se manifesta.
INTENCIONALIDADE E ACEITABILIDADE
Novamente trataremos de aspectos que extrapolam o nível da discussão sobre as
modalidades. Afinal, este tópico trata de uma questão de conhecimento mais geral, dizendo
muito mais respeito às formas superiores de comunicação humana.
INTENCIONALIDADE
O processo da intencionalidade refere-se especificamente ao locutor, ao produtor do texto e às
suas pretensões e intenções identificadas na leitura literal e nas próprias implicaturas textuais e
suas sutilezas.

ACEITABILIDADE
Por outro lado, a aceitabilidade é mais centrada no receptor e na sua habilidade de maior ou
menor apreensão de um todo coeso e coerente provido de significado.
SITUCIONALIDADE
Um aspecto importante para a construção da textualidade é o fator situcionalidade, que diz
respeito à relação do evento textual com uma situação social/cultural maior.
O texto sempre será adequado a uma ou outra situação sociocomunicativa específica. A
quebra das expectativas referentes à adesão contextual também pode comprometer a
construção do sentido, ou seja, da textualidade. A adequação ao contexto sociocomunicativo
diz respeito ainda ao uso apropriado de gêneros discursivos em situações associadas ao seu
surgimento.
Mais uma vez, é possível afirmar que o caráter da situcionalidade não se refere apenas à
produção/compreensão de textos orais, mas também à produção/compreensão sinalizada, que
pode ter sua construção de sentido comprometida, dada a quebra de certas expectativas na
interface contexto/texto.
INTERTEXTUALIDADE
A intertextualidade diz respeito ao caráter relacional existente entre um dado texto e os outros
textos aos quais fomos previamente expostos na nossa experiência com o uso da língua.
Como aspecto inter-relacional entre as formas de linguagem, a intertextualidade é identificada
em diferentes contextos.
A ilustração a seguir demonstra como a construção do sentido da figura (a) é intrinsecamente
ligada ao conhecimento advindo de (b):
 
Foto: Coldcreation/Wikimedia commons/Domínio Público
(a) LHOOQ, por Marcel Duchamp (1919).

 
Foto: Dcoetzee/Wikimedia commons/Domínio Público
(b) Mona Lisa, por Leonardo da Vinci (1517).
Sem o conhecimento do famoso quadro de Leonardo Da Vinci, Mona Lisa (b), é possível que
alguém não consiga abstrair a totalidade de sentidos presente na imagem (a), já que a figura
de Marcel Duchamp traz uma referência à da Mona Lisa.
Aliás, em (a), ainda há referências a outras obras de Duchamp, pois a imagem de Mona Lisa
utilizada por ele é de um cartão postal, o que torna esta obra também um ready-made, isto é, a
transformação de um objeto utilitário em obra de arte, como em sua famosa obra A Fonte.
Essas inter-relações também ocorrem nos múltiplos textos aos quais somos expostos o tempo
todo. De certa forma, eles sempre estão relacionados, de modo mais ou menos direto, a tantos
outros textos e experiências linguísticas e imagéticas anteriores.
Esse ponto merece particular destaque para a educação de surdos.
Além de a intertextualidade constituir, em si, um aspecto obviamente presente na
produção/compreensão sinalizada, ela pode ser um instrumento poderoso no ensino de
produção/compreensão escrita em L2 por intermédio de uma abordagem interacional entre
imagens e textos escritos como metodologia de trabalho docente.
INFORMATIVIDADE
O último processo de textualização é a informatividade. Como tal, ela se refere à coerência
prevista na expressividade do texto, ou seja, no desenvolvimento dos tópicos eleitos e nos
conteúdos da produção textual.
A produção de sentidos vai além das unidades informacionais imediatamente identificadas em
um texto. Sobretudo, ela está na junção de tais unidades às implicaturas, às ideologias e às
escolhas em geral, todas elas responsáveis pela criação da informatividade de um texto, seja
ele oral, escrito ou sinalizado.
A CONFIGURAÇÃO LINGUÍSTICA E A
SITUAÇÃO COMUNICATIVA
A configuração linguística e a situação comunicativa devem ser levadas em conta para a
análise da produção de sentidos via textos sinalizados, tal como já é feito no âmbito da LT
voltada para as línguas orais.
Essa abordagem pode contribuir significativamente para:
O entendimento das línguas de sinais como línguas naturais humanas.
A análise do discurso (AD) é uma área que trata apenas das línguas de sinais em
situações concretas de uso da língua.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
O esquema a seguir destaca a interação dos fatores de textualização. Ele se baseia no
princípio que coloca os interlocutores como pontos de partida para a formação do texto em si:
 
Imagem: Da fala para a escrita: atividades de retextualização, p. 96, MARCUSCHI, 2010.
 Esquema de textualidade.
Esse esquema salienta os dois lados da constituição da textualidade, já que apresenta dois
elementos em sua configuração:
FORMAL (OU LINGUÍSTICO)
Inclui estes fatores cotextuais: coesão e coerência.
COMUNICATIVO
Alcança os níveis do conhecimento social e de mundo em geral, inclui os seguintes fatores
contextuais: intencionalidade, aceitabilidade, intertextualidade e situcionalidade.
RESUMINDO
Identificamos, neste módulo, os principais conceitos referentes a processos de textualização de
práticas discursivas orais e escritas que também podem ser observados em práticas
discursivas sinalizadas. Tudo isso evidencia as línguas de sinais como línguas naturais,
segundo a perspectiva da comunicação via textos reais.
Não abordamos aqui as questões ideológicas e culturais refletidas na montagem da linguagem.
Faremos isso nos próximos módulos.
Agora, o Prof. Dr. Roberto de Freitas Jr. oferece mais explicações e exemplos sobre os fatores
cotextuais e contextuais em textos de línguas orais e de sinais.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A PARTIR DO CONCEITO DE TEXTUALIZAÇÃO E DOS PROCESSOS DE
TEXTUALIZAÇÃO DE LÍNGUAS ORAIS E SINALIZADAS, CONSIDERE AS
AFIRMAÇÕES A SEGUIR: 
 
I. OS PROCESSOS DE TEXTUALIZAÇÃO RESULTAM EM TEXTOS ORAIS,
ESCRITOS E SINALIZADOS. 
 
II. OS PROCESSOS DE TEXTUALIZAÇÃO PERMITEM A TESSITURA OU A
TEXTUALIZAÇÃO COM TEXTOS ORGANIZADOS COMO UM TODO DE
SENTIDO. 
 
III. SEJA NOS TEXTOS ESCRITOS, ORAIS OU SINALIZADOS, OS
ASPECTOS ESTRUTURAIS E CONTEXTUAIS INTERAGEM NA
COMPREENSÃO OU NA PRODUÇÃO DE SENTIDO. 
 
IV. A PRODUÇÃO DE SENTIDO E A COMPREENSÃO DOS TEXTOS NÃO
ENVOLVEM O PROCESSO SOCIOINTERACIONAL, POIS ELE É
EXCLUSIVAMENTE LINGUÍSTICO. 
 
ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA.
A) As afirmativas I e II estão corretas.
B) As afirmativas I e III estão corretas.
C) As afirmativas I e IV estão corretas.
D) As afirmativas I, II e III estão corretas.
E) As afirmativas I, III e IV estão corretas.
2. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA CONSIDERANDO O CONCEITO
DE TEXTUALIZAÇÃO QUE VOCÊ APRENDEU NESTE MÓDULO.
A) Os processos mais gerais de ordem linguística, social e cognitiva que permeiam o fazer
textual são os mesmos nas línguas orais e nas línguas de sinais.
B) Apenas os processos mais gerais de ordem cognitiva que permeiam o fazer textual são os
mesmos nas línguas orais e nas línguas de sinais.C) Apenas os processos mais gerais de ordem social que permeiam o fazer textual são os
mesmos nas línguas orais e nas línguas de sinais.
D) É impossível identificar os aspectos de textualidade de línguas de sinais, pois o texto é
sempre escrito ou oral.
E) É impossível afirmar que haja textos sinalizados, pois a textualização está circunscrita às
línguas orais.
GABARITO
1. A partir do conceito de textualização e dos processos de textualização de línguas
orais e sinalizadas, considere as afirmações a seguir: 
 
I. Os processos de textualização resultam em textos orais, escritos e sinalizados. 
 
II. Os processos de textualização permitem a tessitura ou a textualização com textos
organizados como um todo de sentido. 
 
III. Seja nos textos escritos, orais ou sinalizados, os aspectos estruturais e contextuais
interagem na compreensão ou na produção de sentido. 
 
IV. A produção de sentido e a compreensão dos textos não envolvem o processo
sociointeracional, pois ele é exclusivamente linguístico. 
 
Assinale a alternativa correta.
A alternativa "D " está correta.
 
Seja nas línguas orais ou sinalizadas, o texto depende dos chamados processos de
textualização, ou seja, dos vários fatores que contribuem para que ele seja um todo organizado
de sentido. A textualização tem como resultado o que pode ser chamado de tessitura (a
mensagem final “tecida” ou elaborada). Na recepção desses textos, ou seja, no processo de
produção de sentido ou de compreensão de sua mensagem, é preciso considerar os aspectos
estruturais e contextuais. Eles são a dimensão sociointeracional na elaboração do texto.
2. Assinale a alternativa correta considerando o conceito de textualização que você
aprendeu neste módulo.
A alternativa "A " está correta.
 
A identificação de aspectos de textualidade específicos de línguas de modalidades diferentes é
um fato; entretanto, os processos mais gerais de ordem linguística, social e cognitiva que
caracterizam a textualidade estão presentes tanto nos textos escritos e orais quanto nos
sinalizados.
MÓDULO 2
 Identificar o processo de transformação de discursos culturais brasileiros em textos
ANÁLISE DO DISCURSO (AD)
CONTRIBUIÇÃO
Uma importante área dos estudos da linguagem é a AD. Ela entende a interação verbal como o
lócus da materialização, da prática, dos valores sociais estabelecidos.
Com isso, comportamentos e ideologias que perpassam o pensamento social vigente são
entendidos como formados e reformados pela e na linguagem.
Dessa forma, é possível:
Observar as questões culturais e ideológicas presentes nos discursos e
materializadas em textos.
Verificar características e os valores de um indivíduo, de uma comunidade de
prática ou de uma sociedade.
Analisar a cultura brasileira via observação do discurso desenvolvido na
multiplicidade de textos em português.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Do mesmo modo, a observação sobre as diferentes formas de discurso da comunidade surda
permite a identificação de aspectos ideológicos, identitários e de crenças da cultura surda. Em
uma comunidade de prática, os seus sujeitos se constituem à medida que interagem com seus
pares.
Dessa maneira, a consciência e o conhecimento de mundo resultam de um processo de
negociação de sentidos, de ideologias e de valores espelhados na língua e nas múltiplas
situações sociocomunicativas. A linguagem resulta e forma o contexto social e histórico mais
amplo, constituindo os valores da sociedade.
Para o filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), as interações acontecem, em um contexto
social e histórico mais amplo, “no interior e nos limites de uma determinada formação, sofrendo
as interferências, os controles e as seleções impostas por essa” mesma sociedade (BAKHTIN,
1986, p. 6).
Dessa forma, é na linguagem que as ideologias são produtivas e históricas, podendo ser
ratificadas ad aeternum ou até reconstruídas a partir de limites novos e emergentes –
conscientemente ou não – nos grupos sociais. A AD, em linhas gerais, faz referência a
conceitos relacionados ao estudo da língua em uso, à língua além do nível da sentença, como
significado na interação verbal em contextos situacionais e culturais específicos.
Precisamos fazer uma distinção entre a análise NO discurso e a DO discurso:
ANÁLISE DO DISCURSO
Preocupada de modo mais direto com a relação ideologia/práticas sociais/linguagem, ela se
concentra inicialmente em aspectos culturais, históricos e ideológicos presentes no uso das
línguas.

ANÁLISE NO DISCURSO
As abordagens “no discurso” debruçam-se, ao menos como objetivo primário, na descrição e
no entendimento da aquisição, da arquitetura e do uso da linguagem como instrumental
comunicativo da espécie humana. Estudos linguísticos de abordagem “no discurso” podem ser
identificados, entre outros, com o funcionalismo, a LT e a sociolinguística.
Essa distinção não impede que essas distintas áreas dos estudos linguísticos possam se
comunicar de diferentes formas. Dessa maneira, a AD salienta o uso da língua como prática
social e performance de atores sociais que cumprem papéis previstos nas relações sociais e
identitárias, revelando relações de poder, de desigualdade social e de lutas sociais.
O uso da língua é visto sob tal perspectiva como uma questão de “práticas/ações”, e não
apenas como uma questão de organização estrutural ou de um sistema. Esse é o modelo que
o linguista britânico Norman Fairclough desenvolveu para o que ele chama de análise crítica
do discurso.
Tal modelo pode ser representado resumidamente da seguinte forma:
Para sempre, eternamente, sem fim à vista
 
Imagem: O conceito tridimensional, FAIRCLOUGH, 2001. Adaptado por Alan Gadelha.
 O conceito tridimensional de discurso.
A INTERFACE LÍNGUA/DISCURSO/PRÁTICAS
Podemos desenvolver uma prática observacional crítica sobre os valores e as práticas de dada
sociedade por meio da AD, a qual, por sua vez, pode apresentar um viés mais ou menos crítico
para a observação da interface língua/discurso/práticas.
ESTUDO DA LÍNGUA
Refere-se a padrões de uso da língua em geral: tudo aquilo que pertence (ou não) a certa
comunidade discursiva. Esse estudo focaliza como a língua reflete práticas e posicionamentos
em grupos e demonstra como é convencionalmente utilizada.
ESTUDO DO DISCURSO
Seria uma maneira particular de se investigar a forma como os indivíduos se posicionam e
interpretam o mundo.
O discurso é visto como uma prática comunicativa global que descreve significados sociais,
representações e hábitos que estão para além do texto em si, sendo partilhados pelo senso
comum de determinada comunidade discursiva com ideias e pensamentos/atitudes
semelhantes. Tal fato pode marcar fatores identitários por um lado, mas alavanca questões de
preconceitos por outro.
ESTUDO DAS PRÁTICAS
Evidencia que as práticas sociais medeiam tanto as estruturas sociais abstratas, as quais, por
sua vez, marcam as crenças de dada sociedade, quanto os eventos sociais de ordem mais
concreta.
Essas práticas revelam os conjuntos de crenças daquela sociedade: as relações harmônicas e
as hegemônicas existentes e reveladas nos discursos materializados em textos orais, escritos
e sinalizados. Tais textos podem ser identificados nas múltiplas ocorrências de eventos sociais.
DISCURSOS QUE SE TRANSFORMAM EM
TEXTOS
Para evidenciarmos a transformação de discursos em textos, pretendemos verificar a seguir
algumas situações de uso da linguagem a partir da relação entre ela, o discurso e as práticas
sociais.
Para falarmos de discursos na cultura brasileira que se transformam em textos, escolhemos o
tema do machismo. Ele reflete bastante a forma como a tríade texto/discurso/prática social
funciona.
Em matéria publica no portal de notícias G1 e no jornal O Globo, no dia 5 de maio de 2014, a
manchete chamava a atenção para uma pesquisa que teria evidenciado o fato de mulheres
bonitas terem mais oportunidades profissionais. A pesquisafoi realizada pelo Instituto Data
Popular, com mulheres e homens, a partir de 16 anos, num universo de 1.500 entrevistados,
em 50 cidades de todas as regiões do país. A pesquisa indicou que 57% dos brasileiros
acreditam que mulher bonita tem mais chance de crescimento na vida profissional. Para 51%
dos entrevistados, decotes ou roupas justas são problemas para a carreira profissional. Além
disso, 54% dos entrevistados afirmou conhecer uma mulher que tenha sido discriminada no
trabalho. A pesquisa refletiria o comportamento e os valores da própria população, indicando a
influência de uma sociedade machista no mundo do trabalho e a discriminação pela qual passa
a mulher (G1, 2014).
Pela análise das respostas reproduzidas no texto, podemos interpretar que, segundo os
entrevistados, tais possibilidades estão associadas a algumas características relacionadas à
mulher como objeto de desejo (mulher bonita), porém elas são diminuídas a partir da opção de
sua vestimenta, o que também a coloca como objeto de desejo.
Nas duas situações (sucesso e insucesso), percebemos como a mulher é percebida o tempo
inteiro do ponto de vista da categoria “objeto de desejo”, e não do ponto de vista profissional.
De certa forma, ela será aceita se for bonita e se estiver enquadrada numa representação
social de “adequação e aceitabilidade” sobre como e o que uma mulher deve vestir.
Acima de todas essas representações, subjaz ainda — podemos dizer — uma categoria social
que coloca as mais independentes como ameaças a espaços de força e poder associados, em
geral, ao universo masculino, algo comum até no mundo corporativo. Ao se mostrarem
detentoras de vontade própria e opinião, as mulheres tornam-se mais vulneráveis ao insucesso
no campo profissional, já que o próprio mundo corporativo pode acabar impossibilitando a
progressão de carreira delas.
As escolhas lexicais “mulher bonita”, “roupa justa” e “decote” acionam representações sociais
identificadas no discurso sexista e nas práticas sociais machistas em geral. Nesse sentido,
vemos a tríade texto/discurso/prática social em funcionamento.
As possibilidades e os impedimentos das mulheres no âmbito do mercado de trabalho estão
fortemente associados ao discurso machista: hegemônico nessa cultura, tal discurso é
identificado em categorias sociocognitivas enraizadas na sociedade e materializadas na língua
e na vida prática dessas pessoas.
Ainda sobre o texto do G1, vale citar que 20% dos brasileiros entrevistados têm a crença de
que as mulheres que progridem rapidamente na carreira “dormiram com o chefe”. Tal
expressão confirma o arquétipo dela como “objeto de desejo” e o do homem como o “ser de
desejo socialmente legitimado”.
Além do texto que acabamos de analisar, poderíamos resgatar imagens do dia a dia em que a
mulher é vista insistente e inconvenientemente desde um olhar que a reduz como mero objeto
de desejo. Em pinturas ou cenas de filmes, não é raro encontrar a figura da mulher retratada de
modo frágil e como objeto de desejo, muitas vezes contrastando com a figura masculina
retratada a partir da força física e do exercício de algum tipo de poder.
 ATENÇÃO
Diversos textos escritos ou imagéticos permitem quase que uma infinidade de análises que
mostrariam níveis cada vez mais profundos de como nossa sociedade é profundamente
organizada em padrões cognitivos calcados nas relações de poder e materializados na língua,
nos discursos e nas práticas sociais diversas.
O uso da língua, o discurso e a interação verbal refletem a organização social em que são
evidenciadas as relações de poder, de dominação e de desigualdade entre grupos. Assim, a
AD — particularmente a da versão crítica de Fairclough — cria uma ponte teórica para uma
análise linguística mais abrangente e que denuncia as práticas sociais injustas
reveladas no discurso.
A noção de poder é central para qualquer abordagem crítica do discurso que se dedica a
descrever situações de controle social de grupos e/ou instituições. Poder social significa
controle.
Os grupos terão mais ou menos poder social se forem capazes de controlar as mentes dos
membros de outros grupos em maior ou menor intensidade. Tal habilidade pressupõe
privilégios, como a força bruta, o dinheiro, o status social, a fama, o conhecimento, assim como
determinados modelos culturais e linguísticos.
O controle se dá em práticas claramente observáveis no dia a dia, sendo confirmadas e
reproduzidas nos diferentes tipos de textos e discursos.
ABORDAGEM DE TEXTOS E DISCURSOS
BASEADA NA AD
Publicada em 2013, uma charge do ilustrador e ativista carioca Carlos Latuff pode ajudar a
exemplificar uma rápida abordagem baseada na AD.
Ela traz a imagem de um policial de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) atirando em
um jovem negro caído no chão. O policial grita a palavra “UPP”. Na charge, a fala dele
(gritando “UPP”) se junta a algumas onomatopeias que reproduzem o barulho dos tiros
(“UPPOW! POW! POW! POW!”).
A charge faz referência ao período em que se instauraram as chamadas Unidades de Polícia
Pacificadora (as UPPs) no Rio de Janeiro. Para a população em geral, era divulgada a imagem
de que se tratava de grupos policiais que, como esperado, estavam a serviço da paz e da
segurança de comunidades mais carentes.
Seria o Estado cumprindo o seu papel junto a essas populações. Na prática, contudo, a
abordagem de alguns policiais era, em muitos casos, truculenta, abusiva e falseada no
discurso da integração social.
A charge denuncia essa verdade usando, além da força da imagem, uma associação entre os
fonemas referentes à sigla UPP e o som produzido por uma arma. Ela o faz em um contexto
violento e de controle autoritário, consequência principalmente do discurso racista de nossa
sociedade.
Grupos que controlam os discursos mais influentes também possuem mais chances de
controlar a mente e as ações de outros indivíduos.
Nesse sentido, o discurso midiático possui forte vantagem, pois ele possui o domínio de
conteúdos e estruturas linguísticas apropriadas e coerentemente previsíveis pelos acordos
pragmático-discursivos de diferentes gêneros discursivos e práticas comunicativas
hegemônicas.
A relação texto-conteúdo revela como membros de grupos socialmente mais favorecidos
decidem acerca da formatação dos diferentes gêneros discursivos a serem adotados em
distintas práticas discursivas dominantes. Ela também revela como ouvintes/leitores tendem a
aceitar crenças, conhecimentos e opiniões por meio do discurso de quem eles reconhecem
como autoridade no assunto, ou seja, daquele “reconhecido” por certo grau de credibilidade.
Observemos esta reprodução de capa de jornal e as matérias destacadas nos círculos em
vermelho:
 
Imagem: Shutterstock.com / Adobe Stock / Adaptado por Allan Gadelha.
Como você pode perceber, o destaque dado à matéria referente à temática do futebol é distinto
de outro conferido à matéria sobre educação. Claramente, essa distinção evidencia os valores
culturais de nossa sociedade que dizem respeito ao status que jogadores e professores
possuem nesse contexto.
Em nenhum momento foi dito que a questão do adoecimento dos professores não seja
importante: isso, na verdade, ocorre de modo muito sutil. A escolha por uma manchete maior,
com fotos ocupando grande espaço da matéria, revela e confirma a hierarquia social, em
termos de poder e status profissional, desses indivíduos na sociedade brasileira.
RESUMINDO
A AD lida tanto com as relações de discurso e poder quanto com as diferentes formas pelas
quais elas são reproduzidas nos textos orais, escritos e sinalizados. Ela desenvolve, portanto,
estudos de base crítica acerca do papel do discurso na (re)produção dos valores e das
macroestruturas sociais.
Em particular, a AD permite o apontamento da desigualdade, por meio do abuso de poder e de
dominação, por parte de determinados grupos. Ela ainda indica como os alvos dessas relações
são o público em geral: as massas, os clientes, os alunos eos grupos dependentes de
relações institucionais e de organização e poder.
A AD também aborda criticamente diferentes gêneros discursivos (institucionais e/ou
profissionais) existentes e controlados pelas estruturas sociais vigentes, como, por exemplo, o
discurso pedagógico ou midiático, além de conversas situacionalmente localizadas.
Agora o Prof. Dr. Roberto Freitas Jr. oferece mais explicações e exemplos sobre discursos da
cultura brasileira, em especial o discurso midiático, se transformando em textos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. OBSERVE A SEGUINTE IMAGEM:
 
CONSIDERANDO A REPRODUÇÃO DESTA CAMPANHA PUBLICITÁRIA
REALIZADA PELO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E O QUE
VOCÊ ESTUDOU SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DISCURSO E TEXTO,
ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA.
A) O texto escrito e imagético reflete a falta de vínculo ou associação entre linguagem e
práticas sociais.
B) A peça publicitária é exemplo que reflete a relação discurso, linguagem e práticas sociais.
C) A peça publicitária se resume a um texto ideológico e sem qualquer informação,
comprovando sua função política.
D) O texto é parte de uma campanha publicitária que recorre a discursos sensacionalistas que
visam atenção por imagens chocantes.
E) A peça publicitária trabalha com diferentes linguagens para representar uma atitude
impositiva, autoritária e de desinformação.
2. CONSIDERE AS SEGUINTES AFIRMATIVAS: 
 
I. A ANÁLISE DO DISCURSO (AD) É UMA ÁREA QUE TRATA DAS
MANIFESTAÇÕES ORAIS DA LÍNGUA EM SITUAÇÕES PÚBLICAS. 
 
II. A AD TRAZ POUCA CONTRIBUIÇÃO PARA A RELAÇÃO ENTRE A
LINGUAGEM E A CULTURA PORQUE SE CONCENTRA NO ESTUDO DA
LÍNGUA NO NÍVEL DA SENTENÇA, EM BUSCA DA DESCRIÇÃO
LINGUÍSTICA. 
 
III. O ESTUDO DA LÍNGUA COMO RESULTANTE DA INTERAÇÃO VERBAL
EM CONTEXTOS SITUACIONAIS E CULTURAIS ESPECÍFICOS ESTÁ
RELACIONADO COM A AD. 
 
É CORRETO O QUE SE AFIRMA EM:
A) I.
B) II.
C) III.
D) I e III.
E) II e III.
GABARITO
1. Observe a seguinte imagem:
 
Considerando a reprodução desta campanha publicitária realizada pelo Governo do
Estado do Rio de Janeiro e o que você estudou sobre a relação entre discurso e texto,
assinale a alternativa correta.
A alternativa "B " está correta.
 
A partir da contribuição da Análise do Discurso, podemos identificar a relação
língua/discurso/práticas no uso da língua ou nos textos. No caso da peça publicitária
reproduzida aqui, encontramos um texto que reflete por meio dos recursos da escrita e da
imagem um discurso que procura persuadir as pessoas a aderirem à campanha da vacinação
contra a Covid-19. A linguagem, tanto verbal quanto visual, oferece informação sobre o início
da vacinação, procura convencer ou persuadir a população e ainda oferece recomendações de
prevenção da doença. A frase “O Rio abraça a vacina. O Rio abraça a vida” reflete uma
determinada postura em relação aos diferentes discursos sobre a vacinação e a pandemia.
Assim, fica evidente a relação entre a linguagem, o discurso e as práticas sociais do contexto
da pandemia de Covid-19.
2. Considere as seguintes afirmativas: 
 
I. A análise do discurso (AD) é uma área que trata das manifestações orais da língua em
situações públicas. 
 
II. A AD traz pouca contribuição para a relação entre a linguagem e a cultura porque se
concentra no estudo da língua no nível da sentença, em busca da descrição linguística. 
 
III. O estudo da língua como resultante da interação verbal em contextos situacionais e
culturais específicos está relacionado com a AD. 
 
É correto o que se afirma em:
A alternativa "C " está correta.
 
A AD volta-se para estudo da língua em uso, procurando evidenciar os sentidos ou significados
implicados nos textos, nas interações verbais, considerando o contexto e aspectos culturais
pertinentes.
MÓDULO 3
 Reconhecer os discursos na cultura surda transformados em textos
DISCURSOS E TEXTOS NA CULTURA
SURDA
 
Foto: Andrey_Popov/shutterstock.com
APRESENTAÇÃO
A relação existente entre língua (texto)/discurso e práticas sociais também será obviamente
observável nas comunidades surdas. De fato, as comunidades surdas em todo o planeta
evidenciam muitos dos pontos que aqui já discutimos sobre a forma como a língua evidencia os
macrovalores sociais e como, ao mesmo tempo, pela língua podemos mudar as estruturas que
regem, muitas vezes de forma bastante injusta, nossas relações sociais.
Queremos destacar alguns discursos na cultura surda que se transformam em textos para
mostrarmos como:
A relação língua/cultura/práticas pode confirmar os macrovalores de uma
determinada comunidade, fortalecendo comportamentos equivocados e de
dominação.
Novas práticas, também possivelmente relacionadas a equívocos e injustiças
sociais, podem emergir e serem materializadas na língua.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Para iniciarmos nossa discussão, precisamos, no entanto, firmar um compromisso com o
entendimento sobre qualquer que seja a abordagem de AD que adotemos. Seja lá qual for a
abordagem adotada, as investigações linguísticas serão calcadas em princípios gerais da AD.
Os princípios gerais da AD entendem a linguagem como ação social, colaborativa e implicada
nas relações humanas diversas e não apenas como estrutura gramatical!
 
Foto: fizkes/shutterstock.com
CONQUISTAS E AVANÇOS
As comunidades surdas foram, e ainda são em vários contextos, objetos de preconceito e
atitudes que desvalorizam o indivíduo surdo.
Tais ideias, em geral, estão relacionadas a princípios equivocados que, por exemplo, associam:
A surdez à deficiência cognitiva,
As línguas de sinais às formas não linguísticas de comunicação, à inabilidade do
surdo aprender uma língua escrita como L2 e à ideia de que acessibilidade não é
exatamente um direito, mas apenas arranjos sociais que podem ser alcançados em
prol dessas comunidades.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Por isso, vamos articular esses equívocos e preconceitos com práticas sociais e de linguagem
que a todo momento encontramos nos diversos contextos sociais.
O primeiro equívoco diz respeito à associação da surdez a alguma forma de deficiência
cognitiva. Tal ideia é evidenciada em falas e práticas encontradas na escola, por exemplo,
quando a comunidade escolar separa crianças surdas de ouvintes na crença de que elas não
aprendem o conteúdo formal escolar, ao menos no nível do ouvinte.
Falas como “o surdinho não aprende nada”, “Ah! Ele é surdo não vai entender isso!” ou ainda
“O surdo não tem linguagem como ele pode aprender alguma coisa?” são comuns no contexto
escolar e mostram como as crianças surdas podem sofrer preconceitos e serem prejudicadas
por conta de tais valores.
Isso é representado num meme, encontrado na Internet, em que aparece a pergunta “Se uma
pessoa nasce surda-muda em qual língua ela pensa?” junto à imagem de um macaco fazendo
pose de que está pensando.
O meme classifica o indivíduo surdo como “surdo-mudo” (um termo equivocado e ofensivo aos
surdos, já que não são necessariamente mudos) e ignora a existência e/ou o papel das línguas
de sinais como línguas naturais. Daí emerge, ainda, o questionamento sobre a forma como
surdos pensam, já que eles não teriam “uma língua”.
Na prática, o que a ciência nos mostra muito bem é que dadas as condições ideais para que a
criança surda possa ter seu desenvolvimento escolar garantido, isso ocorrerá naturalmente. A
associação surdez/deficit cognitivo não possui nenhuma sustentação científica que a justifique.
Por outro lado, não podemos negar que a ausência de práticas de ensino condizentes com as
realidades de qualquer aluno pode levar ao fracasso educacional em algum nível.
No caso da surdez, questões como a privação linguística ainda podem acentuar as
dificuldades, já que podem levar a certo bloqueio da interação social e do acesso ao
conhecimento, além de impactar o desenvolvimento global do indivíduo. Entretanto, a
associação surdez/deficit cognitivo pode acabarpor confirmar a não necessidade de que
superemos as limitações de ensino em função de garantir acesso adaptado e de direito do
ensino ao indivíduo surdo.
A comunidade surda brasileira, por outro lado, também evidencia como pela língua podemos
alterar as estruturas sociais injustas nas quais nos encontramos.
A insistência da comunidade surda pelo uso do termo surdo (em vez de surdo-mudo), como
forma de identificação dos membros dessa comunidade, e pelo uso da expressão “Libras é
nossa L1”, além de outras falas associadas ao conceito de acessibilidade como direito,
produziu e ainda produz mudanças em nossa sociedade.
Assim, surdos passam a ser reconhecidos como surdos, não necessariamente mudos. A
Língua Brasileira de Sinais (Libras) passa à condição legal de Língua da comunidade surda
(mesmo se não for a língua de aquisição do indivíduo surdo) e cada vez mais vemos, por
exemplo, a presença de tradução-interpretação Português-Libras em programas televisivos em
geral.
Além disso, podemos mencionar a conquista, baseada na Lei de Libras (Lei nº 10.436, de 24
de abril de 2002), da garantia do ensino da Libras nas licenciaturas, o que favorece maior
inclusão do surdo nas escolas brasileiras.
Aos poucos, pela linguagem, mudam-se as estruturas sociais marcadas por interesse de
dominação, controle e poder que favorecem uns em detrimento de outros. Ainda há muito a ser
modificado, mas espaços amplos de conquista e modificação social foram alcançados ao longo
dos últimos anos pela comunidade surda no Brasil.
RELAÇÃO TEXTO/DISCURSO/PRÁTICA SOCIAL
Essa luta evidencia com clareza a relação texto/discurso/prática social que queremos salientar.
Se pela língua mantemos relações injustas de dominação e poder, é também pela língua que
questionamos e buscamos rearranjos sociais mais justos de práticas e direitos.
As campanhas que trazem o mote “acessibilidade: direito de todos” exemplificam o uso da
linguagem verbal e não verbal na busca por práticas e direitos justos. No conjunto dos valores
e questões culturais da comunidade surda, como em qualquer outro contexto sociocultural,
podem existir também questões equivocadas, refletidas na língua e nas práticas sociais desse
grupo social.
Expressões como “intérprete bengala” e “só o surdo sabe ensinar Libras” exemplificam
questões sociais e emocionais encontradas na história da comunidade surda e que se refletem
na língua. Os dois conceitos apontam para o longo período de negligência e preconceitos
sofridos por parte da comunidade surda e que explicam os motivos de expressões como
“intérprete bengala”, assim como falas relacionadas à especificidade do ensino de Libras de
qualidade acontecer via professor surdo.
Claramente, a expressão “intérprete bengala” aponta para um movimento de resistência por
parte de algumas pessoas da comunidade surda a intérpretes de línguas de sinais, em geral,
ouvintes e que são vistos, pelo que podemos depreender dos contextos de uso em que a fala
emerge, como dispensáveis e possíveis aproveitadores das causas surdas para benefício
próprio.
Da mesma forma, falas que relacionam o ensino de Libras como de menor qualidade, se
ocorrer via instrutor ouvinte, também revelam movimento de resistência, justificado pelas
batalhas sofridas por surdos no curso da história.
Precisaram lutar – e ainda precisam – pelo reconhecimento, pelos usos das línguas de sinais e
pelas conquistas de espaços profissionais dignos. Nesse sentido, o ensino de Libras oferecido
por indivíduos surdos é uma causa justificável e de fato um objeto de luta da parte da
comunidade surda.
Entretanto, nem a função do profissional tradutor-intérprete é, de fato, desnecessária ou
detentora de qualquer conotação de exploração de oportunidades, nem um professor de L1 ou
L2 será necessariamente melhor professor se for nativo, quando o é de fato, daquela língua.
Do ponto de vista prático, profissional, essas funções estão, na verdade, presentes em
diferentes contextos de uso de línguas maternas e adicionais. Essas funções não apresentam,
em tais contextos, associações de resistência, como uma análise do discurso de muitas falas
de comunidades surdas pode denunciar.
Outro pensamento profundamente enraizado em algumas falas identificadas em comunidades
surdas e que possui valor equivocado de verdade diz respeito à possibilidade de um surdo
aprender uma L2 escrita com proficiência e boa capacidade de articulação morfossintática.
O impacto do preconceito — que advém do contexto social maior — sobre a dificuldade do
surdo em aprender a língua oral na modalidade escrita faz com que muitos surdos acreditem
não serem capazes de aprender, e que a língua em questão é mais difícil do que a língua de
sinais por eles utilizada ou, ainda, que haja uma imposição por parte dos ouvintes de que o
surdo use a sua língua. Novamente, observamos uma série de falas e práticas relacionadas a
isso.
O não engajamento de surdos no processo de ensino-aprendizagem da L2, a resistência em
usar a língua escrita e os múltiplos problemas de autoestima relacionados à questão podem
ser evidenciados nas seguintes expressões:
competência, capacidade, mestria
“É só um monte de formiguinhas” (uma referência ao texto escrito).
“Não é minha língua de conforto.”
“Português é muito difícil.”
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Obviamente, nenhuma dessas falas é cientificamente consistente.
Como já dissemos, não há nenhuma associação necessária entre surdez e deficit cognitivo.
Em geral, dificuldades de leitura e interpretação, assim como de produção textual dos surdos,
estão muito mais ligadas a:
Metodologias ineficazes de L2 escrita para surdos.
Compreensão equivocada (quando há alguma) sobre gramática (estruturas e
funções).
Legitimidade do próprio papel instrumental relacionado ao uso de uma L2 em
apenas uma ou outra habilidade.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Em suma, a relação existente entre língua (texto)/discurso e práticas sociais é observável nas
comunidades surdas, evidenciando os valores e crenças sociais enraizadas nas comunidades
de prática.
Se observarmos do ponto de vista macrossocial, no qual a comunidade surda encontra-se
como parte de um todo e em posição, em geral, desfavorecida nas relações de poder,
perceberemos as marcas desses padrões sociais na língua e nas práticas diárias desse grupo.
Essas práticas são impactadas por tais forças, que dialogam com o contexto social maior.
Da mesma forma, se observarmos a comunidade surda do ponto de vista microssocial,
veremos também valores e crenças, refletidos na língua, nos discursos e práticas, que refletem
relações sociais específicas do grupo e que, da mesma forma que nas relações macrossociais,
podem espelhar práticas equivocadas de relação de poder.
OS DESAFIOS À COMUNIDADE SURDA
Como vimos, a língua, o discurso e as práticas são conceitos interligados e formadores das
nossas sociedades como tais. Entretanto, vimos também que pela língua podemos mudar as
estruturas que regem, positivamente ou não, nossas relações.
Destacamos, assim, alguns discursos na cultura surda que se transformam em textos, tentando
mostrar exatamente como a relação língua/cultura/práticas pode ratificar e/ou retificar os
macrovalores de uma sociedade.
Por serem comunidades linguísticas e de prática, com valores, línguas e comportamentos
sociais, tal como ocorrem nas comunidades linguísticas ouvintes, as comunidades surdas são
ideologicamente formadas e reformadas. E isso ocorre a todo o tempo pela troca de valores e
crenças com o contexto social maior e, de modo exógeno (externo), entre os próprios
indivíduos dessa comunidade.
O entendimento sobre essas questões pode empoderar os indivíduos dessa comunidade e
proporcionar leitura mais crítica sobre as relações sociais diversas, às quais estão o tempo
todo submetidos.
Permitirá identificar o “lobo em pele de cordeiro” de discursos aparentementeinclusivos, mas
que na prática são calcados em crenças que colocam o surdo em posição de inferioridade e
desprestígio social. Assim, tais indivíduos estarão sempre sujeitos às pressões sociais e
culturais advindas das relações de poder.
Poderão assimilar ou rechaçar certas ideologias, como bem nos ensina a própria comunidade
surda com suas lutas pela acessibilidade e reconhecimento do indivíduo surdo como cidadão
de direito.
Apenas fica a seguinte recomendação: há de se cuidar para que no seio desse mesmo grupo
social não se estabeleçam outras formas injustas de dominação e poder, reveladas nos textos,
nos discursos e nas práticas sociais em geral.
“corrigir alguma coisa”
“confirmar alguma coisa”.
Agora o Prof. Dr. Roberto Freitas Jr oferece mais explicações e exemplos sobre discursos
transformando-se em textos na cultura surda.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. CONSIDERE O SEGUINTE TEXTO:
 
LEVANDO EM CONTA O TEXTO ACIMA E O QUE VOCÊ ESTUDOU,
ASSINALE A ALTERNATIVA CUJA AFIRMATIVA RECONHECE
CORRETAMENTE A RELAÇÃO ENTRE DISCURSO E TEXTO NO
CONTEXTO DA CULTURA SURDA.
A) O entendimento equivocado de que a surdez implica deficit cognitivo e de que a Libras não
é língua se manifesta em memes ou falas preconceituosas.
B) A Libras é reconhecida por toda a sociedade brasileira como língua natural; por isso, não há
manifestação de discurso preconceituoso sobre o status das línguas de sinais.
C) As línguas de sinais, assim como as orais, impedem a manifestação de discursos marcados
por valores ou crenças culturais.
D) Diferentemente dos memes, que percorrem anonimamente as redes sociais, os discursos
que circulam na sociedade não refletem práticas sociais.
E) A expressão “surdo-mudo” deve ser entendida como um termo técnico e uma expressão
social e linguisticamente adequada para os usuários de línguas de sinais.
2. A LÍNGUA EVIDENCIA OS MACROVALORES SOCIAIS. POR ELA,
PODEMOS MUDAR AS ESTRUTURAS QUE REGEM — MUITAS VEZES, DE
FORMA BASTANTE INJUSTA — NOSSAS RELAÇÕES SOCIAIS. POR
ISSO, É CORRETO AFIRMAR QUE ESSE ASSUNTO...
A) Não se relaciona com as lutas da comunidade surda.
B) Confunde desnecessariamente os papéis sociais definidos.
C) Revela como linguagem e ideologias são conceitos não relacionados.
D) Relaciona-se profundamente com a comunidade surda e suas demandas.
E) Desenvolve a percepção de que grupos majoritários devem deter o poder.
GABARITO
1. Considere o seguinte texto:
 
Levando em conta o texto acima e o que você estudou, assinale a alternativa cuja
afirmativa reconhece corretamente a relação entre discurso e texto no contexto da
cultura surda.
A alternativa "A " está correta.
 
O texto ou meme que abre o enunciado desta questão exemplifica a relação ou o processo de
transformação do discurso em texto. No caso, trata-se de um discurso que se refere ao
contexto da comunidade surda, revelando uma atitude preconceituosa sobre as línguas de
sinais e os surdos. Isso se manifesta no uso inadequado da expressão “surdo-mudo”, na
insinuação de relação entre surdez e limitações cognitivas e no não reconhecimento da Libras
como língua natural. Esses discursos não encontram respaldo nas ciências que estudam as
línguas e os processos cognitivos, constituindo, portanto, discursos que materializam posições
preconceituosas.
2. A língua evidencia os macrovalores sociais. Por ela, podemos mudar as estruturas
que regem — muitas vezes, de forma bastante injusta — nossas relações sociais. Por
isso, é correto afirmar que esse assunto...
A alternativa "D " está correta.
 
Por meio da análise crítica do discurso, a comunidade surda pode identificar formas e
manifestações de visões ou práticas de injustiças sociais ocorridas contra ela, criando, assim,
condições de corrigir essas injustiças.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Centramos nossa discussão em dois pontos específicos sobre a linguagem: o conceito de texto
e o de discurso. Iniciamos pela apresentação de aspectos referentes aos processos de
textualização na interface de produção textual oral e sinalizada. Em seguida, finalizamos essa
abordagem com uma discussão sobre as práticas discursivas resultantes da interação entre a
cultura e a língua.
Graças a tal debate, pudemos descrever os principais conceitos referentes aos processos de
textualização de práticas discursivas orais. Demonstramos ainda que esses processos podem
ser observados em práticas discursivas sinalizadas, assim como na inter-relação existente
entre a cultura e a língua.
Tudo isso contribuirá para seu entendimento das comunidades surdas e das línguas de sinais
como realidades sociais e cognitivas equivalentes em todos os níveis com comunidades
ouvintes e suas línguas orais.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986.
BEAUGRANDE, R. New foundations for a science of text and discourse: cognition,
communication, and the freedom of access to knowledge and society. Norwood: Ablex, 1997.
FAIRCLOUGH, N. Language and power. Abingdon: Routledge, 2001.
G1. Pesquisa aponta que mulher bonita tem mais chances profissionais. In: Concursos e
empregos. Publicado em: 5 mai. 2014. Consultado na Internet em: 8 abr. 2021.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
EXPLORE+
Leia os textos a seguir:
ESTEVES, P. M. da S. Língua, discurso, cultura: reflexões discursivas sobre o processo
linguístico de atribuições nomes (próprios?). In: Gragoatá. v. 42. n. 48. Niterói. jan.-abr.
2019. p. 25-49.
MEURER, J. L.; DELLAGNELO, A. K. Análise do discurso. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina, 2008.
Assista a dois vídeos no YouTube:
ASSOLINI, E. Introdução à Linguística – língua, cultura e identidade. In: Univesp.
Publicado em: 3 mar. 2021. Consultado na internet em: 8 abr. 2021.
PACÍFICO, S. Produção de texto e comunicação – o texto jornalístico e suas
linguagens (Libras). In: Univesp. Publicado em: 22 mar. 2021. Consultado na internet em:
8 abr. 2021.
CONTEUDISTA
Roberto de Freitas Junior
 CURRÍCULO LATTES
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