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DESCRIÇÃO Os processos de textualização na interface de produção textual oral e sinalizada, assim como as práticas discursivas resultantes da interação entre a cultura e a língua. PROPÓSITO Compreender os processos de textualização das práticas discursivas orais e sinalizadas, e a inter- relação cultura-língua para a ampliação da competência comunicacional. PREPARAÇÃO Tenha em mãos um dicionário de Linguística para consultar os termos específicos da área. Na Internet, você pode acessar o Dicionário de termos linguísticos hospedado no Portal da língua portuguesa. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar os processos de textualização nas tradições oral e sinalizada MÓDULO 2 Identificar o processo de transformação de discursos culturais brasileiros em textos MÓDULO 3 Reconhecer os discursos na cultura surda transformados em textos INTRODUÇÃO Qual é a relação entre a cultura, o texto e o discurso? Como a cultura está presente nos textos escritos, orais e sinalizados? Essas são algumas das questões que trabalharemos neste texto, discutindo aspectos relacionados ao conceito de textualização e à sua aplicação para a formatação de textos orais, escritos e sinalizados. Também discutiremos a universalidade existente na produção textual, assim como os princípios que incidem na formação de textos múltiplos e diversos e em diferentes modalidades linguísticas. Desenvolveremos ainda uma discussão sobre aspectos culturais e ideológicos, social e historicamente determinados, que se refletem em práticas discursivas diversas materializadas em textos. Desse modo, veremos que existe uma certa universalidade na tríade texto-discurso-prática social. Afinal, há um reforço das ideologias e dos aspectos culturais nas práticas discursivas em línguas orais e de sinais, proporcionando avanços sociais e/ou perpetuando valores e preconceitos profundamente enraizados nas sociedades. MÓDULO 1 Identificar processos de textualização nas tradições oral e sinalizada OS AVANÇOS DA LINGUÍSTICA DO TEXTO (LT) A LT tornou-se um campo de investigação de fortíssima tradição no Brasil, proporcionando grande avanço aos estudos voltados para a produção de textos escritos ou orais. De fato, ao longo dos últimos anos, houve no país estudos dedicados ao entendimento de questões referentes ao modo como as múltiplas formas textuais orais e escritas acontecem. Esses estudos mostraram como os textos apresentam complexidade própria em termos linguísticos, sociais e cognitivos, sempre em função da expressividade e da comunicação bem- sucedidas. Tal empreitada favorece, assim, a ampliação significativa de estudos sobre o português do Brasil, impactando o ensino de L1 (língua materna) e L2 (segunda língua). Além disso, ela permite um maior empoderamento social daqueles que tiveram oportunidade de acesso à visão segundo a qual a estruturação linguística se trata de algo que extrapola o nível sentencial (da frase ou da sentença) e que está profundamente comprometida com questões voltadas para as relações sociais determinadas histórica, cultural e ideologicamente. Os avanços científicos oriundos da LT no âmbito das línguas orais podem proporcionar ainda avanços significativos para o entendimento, a descrição e o registro dos processos de textualização nas línguas de sinais. Haveria certa universalidade entre o que se verifica em termos de caracterização textual das línguas orais e de sinais. Se tratamos o tempo todo do mesmo objeto, a língua, por que deveria haver processos de textualização e características intrínsecas tão distintas entre as línguas dessas modalidades? A despeito das diferenças pragmáticas e materiais que diferenciam as características linguísticas e de textualização existentes entre elas, não faria sentido pensar que, em um nível mais abrangente, os processos de textualização poderiam ser os mesmos para todas as realidades? Apostamos que sim. ASPECTOS TEXTUAIS COMUNS A LÍNGUAS ORAIS E DE SINAIS Defendemos que não existe uma diferenciação de línguas orais e de sinais ― não no sentido abrangente dos processos de textualização. A identificação de aspectos de textualidade específicos de línguas de modalidades diferentes é um fato, vide o que já sabemos a respeito das diferenças entre a sistematização de línguas orais e escritas. Entretanto, também estamos cientes de que os macroprocessos ― de ordem linguística, social e cognitiva ― que permeiam o fazer textual são os mesmos. Nossa abordagem diz respeito exatamente a essa relação de uniformização. Em seu trabalho Produção textual, análise de gêneros e compreensão, de 2008, Luiz Antônio Marcuschi apresenta uma ampla e completa discussão sobre a produção textual. O autor nos mostra, entre outras coisas, que a análise da língua com base nessa produção oferece uma forma potente de entendimento, no e para além do nível sentencial, sobre o funcionamento da língua e sobre o que se sabe ao falar uma língua. Marcushi (2010) apresenta, assim, uma lista de pontos observáveis sobre o conhecimento linguístico a partir de uma abordagem que focaliza a análise — e o ensino — da produção textual. Essas questões tratam de aspectos como: Os fatos históricos linguísticos e extralinguísticos refletidos no uso. O funcionamento autêntico do sistema por parte de falantes reais. A variação linguística. O funcionamento da língua em seus diferentes níveis (morfossintático, fonológico, semântico e pragmático-discursivo). As intenções e as implicaturas pragmáticas da produção. As relações sobre organização tópica e progressão temática. O tratamento da capacidade de argumentação, resumo e ampliação de textos. Os gêneros discursivos. Os problemas residuais da alfabetização. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Observamos, portanto, que uma abordagem voltada para o entendimento sobre os processos linguísticos, sociais e cognitivos envolvidos no curso da produção textual permite uma visão mais abrangente acerca do conhecimento linguístico a despeito da modalidade de produção. Em outras palavras, queremos dizer que os aspectos acima apresentados, além de tantos outros que ainda poderíamos apontar, permeiam a produção e a compreensão de textos orais e escritos. São esses aspectos que Marcushi se dedica a discutir em seu livro. ATENÇÃO O ponto que queremos desenvolver, neste texto, consiste na possibilidade de articulação daquilo que tradicionalmente sabemos sobre a produção e a compreensão de textos orais e escritos como fatores para o entendimento do funcionamento das línguas de sinais. A RELAÇÃO LÍNGUA/TEXTO COM FOCO NA PRODUÇÃO SINALIZADA Para a continuidade de nossa discussão, será necessário, portanto, fazer referência a dois conceitos que estão na base de nossa discussão: o de língua e o de texto. PARÂMETROS Para a discussão sobre a produção dos textos sinalizados, comparando-a com a produção dos textos orais, devemos observar os aspectos que mostram a equivalência existente entre as línguas de modalidade sinalizada e as de modalidade oral. Para tal, utilizaremos cinco parâmetros: FORMA/ESTRUTURA Do ponto de vista estrutural, as línguas de sinais possuem as mesmas características que as de qualquer língua. Elas são compostas por itens simbólicos (pareamentos forma-sentido) que se combinam na produção de unidades maiores com significados. Desse modo, formam-se sentenças e textos de palavras soltas (os sinais) a partir de possíveis (inter)combinações (a gramática). Estruturalmente, podemos identificar restrições e possibilidades de combinação para a formação de micro e macroexpressões de sentido. Podem ser identificados alguns aspectos nesse processo. Destacaremos dois deles a seguir: ASPECTOS COESIVOS Aspectos coesivos existentes entre os elementos formativos da sentença e do texto. FORMAS PRÓPRIAS Formas próprias de fazer referência ao que há de interno e externo à língua. Esses aspectos são tradicionalmente observados para o entendimento do papel do elementoestrutural na interface da produção/compreensão de textos. EXEMPLO Nas línguas de sinais, encontram-se regras gramaticais, itens conectivos e formas diversas de se estabelecer referências, como as relações anafóricas, catafóricas e dêiticas. PAPEL INSTRUMENTAL O papel instrumental das línguas também é identificado na produção/compreensão das chamadas línguas sinalizadas. Pelo fato de representar os indivíduos pertencentes às suas comunidades de fala (em geral, a comunidade surda), as línguas de sinais se materializam em textos sinalizados com tipos e gêneros discursivos diversos, cumprindo, assim, seu papel social de comunicação. Em termos de tipologia textual (tipos de texto), por exemplo, é possível: Narrar fatos (narração). Descrever cenas (descrição). Dar ordens (injunção). Apresentar um fato (exposição). Argumentar contra ou a favor de qualquer coisa (argumentação). Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Tais possibilidades estão associadas à produção/compreensão textual em qualquer gênero discursivo (gênero textual), seja no domínio conversacional, acadêmico, jornalístico, ficcional, político, educacional etc. ATIVIDADE COGNITIVA Como uma atividade cognitiva, tal como qualquer língua oral, uma língua de sinais pode ser vista de dois pontos de vista ou aspectos: Primeiro aspecto Consiste no conhecimento gramatical cognitivamente armazenado na mente de seus usuários. A língua, como objeto cognitivo, pode ser entendida, independentemente da teoria linguística que subjaz seu entendimento, por um conjunto de itens lexicais combináveis a partir de possibilidades e restrições que caracterizam o que tradicionalmente chamamos de gramática. Tal conhecimento é de extrema complexidade e está associado a um segundo aspecto cognitivo sinalizado a seguir. Segundo aspecto Está relacionado ao fato de acessarmos conhecimentos diversos — ao produzirmos e/ou compreendermos um texto — que são constituídos em um contínuo. Esse contínuo aponta em duas direções: O trabalho cognitivo na produção/compreensão textual dos usuários de línguas de sinais também é o mesmo: grosso modo, espelha uma gama de atividades complexas e rebuscadas sobre as relações gramaticais e as de ordem sociais e cognitivas maiores, sendo ambas fundamentais para a produção de sentidos por meio dos textos. ATIVIDADE SOCIOINTERACIONAL SITUADA Todo texto é uma atividade sociointeracional. Isso significa dizer que a língua reflete formatações específicas de seu uso como instrumento de comunicação em situações comunicativas específicas. Desse modo, a forma como a morfossintaxe emerge, a escolha das palavras, a adesão a um ou outro gênero discursivo — tudo isso torna-se controlado a partir das demandas sociocomunicativas impostas pelo contexto comunicativo maior. Papéis sociais dos interlocutores, intenções, funções da linguagem, ideologias – todo um conjunto de fatores que permeiam a produção textual está relacionado ao fato de que o texto é uma atividade sociointeracional situada, o que também ocorre com textos sinalizados. Os usuários de línguas de sinais estão sujeitos a uma produção textual condizente com as expectativas sociocomunicativamente impostas para o uso da língua. Os sinalizantes poderão obter um menor sucesso comunicativo — ou mesmo um forte prejuízo — se não apresentarem domínio que, a priori, é da ordem do inconsciente, sobre tais questões. A mesma coisa pode ser dita sobre a compreensão de textos sinalizados: sem o domínio dos diversos aspectos sociointeracionais envolvidos na produção, a compreensão será sempre parcial acerca das múltiplas possibilidades de sentidos contidas nas sinalizações. HETEROGENEIDADE A heterogeneidade linguística também é um dos fatores fundamentais para compreendermos a relação língua/texto na perspectiva da produção sinalizada. Questões como a variação linguística, a mudança, a adesão a registros (formal/informal) e as especificidades de usos de comunidades linguísticas podem ser alguns dos pontos que evidenciam as línguas de sinais como emparelhadas com as orais. Elas são pontos que impactam a produção/compreensão da sinalização, tal como ocorre na fala e na escrita. Qualquer usuário de uma língua de sinais, ao produzir um texto, espelhará: Aspectos referentes à sua variante linguística; Maior ou menor conhecimento sobre as formas mais ou menos associadas ao modo formal/informal de expressão; Marcas associadas ao seu grau de escolaridade, à idade, ao gênero ou à região. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Tais aspectos, que se referem à própria heterogeneidade linguística (também encontrada nas línguas de sinais), hão de caracterizar a produção/compreensão dos textos sinalizados, impactando sempre a produção e a negociação de sentidos. REFLEXÕES Diante dos fatos até aqui apresentados sobre a relação língua/texto no contexto das línguas de sinais, é possível afirmar que a abordagem da LT para o estudo da produção/compreensão dessas línguas é absolutamente viável. O estudo do caráter linguístico-gramatical das línguas de sinais na interface com a produção textual não parece ser suficientemente diferenciado do que já foi observado sobre essa mesma relação no escopo das línguas orais. Com isso, possibilitamos a ampliação do conceito de texto, incorporando para o seu entendimento os aspectos referentes à produção/compreensão no âmbito da micromodalidade sinalizada. Apesar das diferenças referentes à modalidade gesto-visual em relação à oral-auditiva, os processos linguísticos que se referem à produção sinalizada são os mesmos encontrados nos processos de produção e compreensão das línguas orais. CONCEITUANDO O TEXTO Uma pergunta importante que precisamos nos fazer é: afinal o que é um texto? Uma visão mais tradicional poderia associar a ideia dele exclusivamente à do texto escrito; entretanto, os estudos da linguagem vão muito além dessa visão. A oralidade é vista como o espaço de produção de múltiplos tipos de textos, tal como também o é o campo da escrita. Nesse sentido, os textos produzidos em línguas de sinais são análogos ao que entendemos por texto no nível da fala das línguas orais. A produção corrente (on-line) nas duas modalidades é permeada por aspectos linguísticos, sociais e textuais típicos dos diferentes gêneros discursivos falados, sejam eles orais ou sinalizados. A discussão sobre a natureza e a multiplicidade de textos orais, escritos e sinalizados exige, portanto, uma definição sobre o mesmo texto que abarque as três modalidades. Assim, independentemente do tipo de produção textual tratado, podemos nos apoiar na visão de Beaugrande (1997, p. 10), que define o texto como “um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”. Tal perspectiva já foi (em parte) apresentada quando discutimos os diferentes aspectos linguísticos, sociais e cognitivos referentes ao conhecimento linguístico internalizado que atuam na produção e na compreensão de textos em geral. Tratamos disso em relação a qualquer língua e modalidade. Para aprofundarmos um pouco mais nossa definição do conceito de texto, abarcando inclusive os textos sinalizados, trataremos agora de dois conceitos universais na produção e compreensão textual: o conceito de textualidade e o de textualização. A palavra “texto” é etimologicamente oriunda da mesma fonte da qual se origina o termo “tecido”. O vocábulo latino textum dá origem a “texto” no português a partir da ideia de trama, ou seja, de um conjunto coesivo que, organizado por princípios internos, compõe um todo de sentido final coerente e refinado. A associação entre as palavras “tecido”, “trama” e “texto” parece ser mesmo inevitável e muito útil para entendermos o modo como a tessitura acontece, seja ela construída no tecido ou no texto. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) TESSITURA Alguns dicionários preferem a grafiatecitura. O termo foi dicionarizado pela primeira vez em língua portuguesa no final do século XIX, no Dicionario Contemporâneo da Lingua Portugueza, pelo professor e lexicógrafo português Caldas Aulete (1826-1878). O conceito de tessitura aqui adotado mira a ideia de um conjunto harmônico, milimetricamente desenhado e organizado, resultado de uma produção que requer um conhecimento específico sobre as relações internas e externas referentes a esse mesmo produto. Nesse sentido, tessitura é um sinônimo para o que chamamos de textualidade. ATENÇÃO O texto será sempre o resultado de relações tanto linguísticas e estruturais quanto situacionais e sociocognitivas, as quais, juntas, são responsáveis pela produção de um todo de sentido único e particular. RELAÇÕES E FATORES COTEXTUAIS E CONTEXTUAIS RELAÇÕES Em termos técnicos, referimo-nos aqui às relações cotextuais e às contextuais que interagem na produção do conjunto textual e de sua textualidade. RELAÇÕES COTEXTUAIS Dizem respeito às possibilidades de ligações intra e intersentenciais que produzem efeitos lógicos e possíveis de sentido. RELAÇÕES CONTEXTUAIS Referem-se à produção de sentido situado em um contexto social, histórico e cultural maior, assim como à própria coerência interna das informações providas no texto. Uma sequência de frases pode demonstrar a complexa interação de aspectos cotextuais e contextuais inerentes à formação da tessitura, ou seja, da textualidade. EXEMPLO Vejamos a seguinte sequência: A menina reclamou do partido. O time do Botafogo é o melhor. Maria foi à escola. Os vizinhos não se falam. Fomos ao show; por isso, o carro não pegou. O prefeito não ficou doente; logo, o sol nasceu mais cedo. Associada à falta de relações conceituais lógicas entre as sentenças, a ausência de conectivos próprios, assim como a própria falta de comunicação com a realidade, confirma que, sem essa interação, temos apenas uma sequência sem sentido de palavras e/ou de frases soltas. Textos orais, escritos e sinalizados são textos porque são resultantes de processos complexos e inerentes denominados processos de textualização. Esses processos, como produto, garantem: A tessitura. A textualidade. O todo de sentido. A mensagem final. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Pode-se dizer que a mesma coisa acontece no curso de produção e compreensão dos textos sinalizados. Questões estruturais e situacionais/contextuais interagem na produção dos sentidos, ou seja, na emergência do significado negociado no processo sociointeracional. FATORES Os parâmetros mais gerais apontados como responsáveis pela esquematização linguística, social e cognitiva dos textos são, conforme indica o esquema a seguir, os fatores de textualização cotextuais e contextuais: FATORES COTEXTUAIS I. Coesão; II. Coerência; FATORES CONTEXTUAIS III. Aceitabilidade; IV. Informalidade: V. Situcionalidade; VI. Intertextualidade; VII. Intencionalidade. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Abordaremos agora cada um dos fatores cotextuais e contextuais, considerando, para tal, a produção textual e seus sentidos – inclusive nas línguas sinalizadas. COESÃO O processo de textualização da coesão consiste nas relações que geram a progressão textual baseada na forma. Em termos gerais, podemos dizer que existem dois tipos de macroprocessos coesivos: Coesão referencial Refere-se às relações de sentido oriundas das relações semânticas estabelecidas no nível do texto. EXEMPLO Recursos como a sinonímia, a hiperonímia, a referenciação pronominal e o uso de expressões adverbiais. Dois tipos importantes de relações de sentido estabelecidas na coesão referencial são a: ANÁFORA Refere-se a relações de sentido estabelecidas retrospectivamente entre os itens atualizados e os referentes anteriores. CATÁFORA Diz respeito às relações de natureza mais prospectiva entre esses itens e as informações do porvir. Coesão sequencial Possui uma natureza mais gramatical relacionada a recursos de sequenciação calcados em elementos conectivos, o que permite a continuidade das ideias. ATENÇÃO Os dois macroprocessos coesivos podem ser observados na produção textual sinalizada. As línguas de sinais apresentam aspectos próprios relacionados à estruturação da sequência, sejam eles da base semântica ou sintática, tal como ocorrem nas línguas de modalidade oral. O ato de apontar, por exemplo, pode possuir uma função de identificação dêitica com um papel anafórico, localizando no tempo e/ou no espaço os referentes (os tópicos) de que tratam os textos ou trechos deles. COERÊNCIA A coerência é o processo de textualização referente à conexão de informações e à produção de sentidos no nível mais conceitual. As relações de sentido se manifestam entre os enunciados, em geral, por diferentes aspectos coesivos. No entanto, essas relações também podem aparecer: De maneira global. De forma não localizada. A partir de aspectos cognitivos, pragmáticos e conceituais. A partir do próprio conhecimento de mundo dos interlocutores. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal É no nível da coerência que itens diversos atuam/acionam o conjunto de conhecimentos do interlocutor para a construção do sentido final do texto. ATENÇÃO Tais habilidades não se restringem às possibilidades específicas das línguas orais por serem elas próprias do processo comunicativo humano – independentemente da modalidade em que ele se manifesta. INTENCIONALIDADE E ACEITABILIDADE Novamente trataremos de aspectos que extrapolam o nível da discussão sobre as modalidades. Afinal, este tópico trata de uma questão de conhecimento mais geral, dizendo muito mais respeito às formas superiores de comunicação humana. INTENCIONALIDADE O processo da intencionalidade refere-se especificamente ao locutor, ao produtor do texto e às suas pretensões e intenções identificadas na leitura literal e nas próprias implicaturas textuais e suas sutilezas. ACEITABILIDADE Por outro lado, a aceitabilidade é mais centrada no receptor e na sua habilidade de maior ou menor apreensão de um todo coeso e coerente provido de significado. SITUCIONALIDADE Um aspecto importante para a construção da textualidade é o fator situcionalidade, que diz respeito à relação do evento textual com uma situação social/cultural maior. O texto sempre será adequado a uma ou outra situação sociocomunicativa específica. A quebra das expectativas referentes à adesão contextual também pode comprometer a construção do sentido, ou seja, da textualidade. A adequação ao contexto sociocomunicativo diz respeito ainda ao uso apropriado de gêneros discursivos em situações associadas ao seu surgimento. Mais uma vez, é possível afirmar que o caráter da situcionalidade não se refere apenas à produção/compreensão de textos orais, mas também à produção/compreensão sinalizada, que pode ter sua construção de sentido comprometida, dada a quebra de certas expectativas na interface contexto/texto. INTERTEXTUALIDADE A intertextualidade diz respeito ao caráter relacional existente entre um dado texto e os outros textos aos quais fomos previamente expostos na nossa experiência com o uso da língua. Como aspecto inter-relacional entre as formas de linguagem, a intertextualidade é identificada em diferentes contextos. A ilustração a seguir demonstra como a construção do sentido da figura (a) é intrinsecamente ligada ao conhecimento advindo de (b): (a) LHOOQ, por Marcel Duchamp (1919). (b) Mona Lisa, por Leonardo da Vinci (1517). Sem o conhecimento do famoso quadro de Leonardo Da Vinci, Mona Lisa (b), é possível que alguém não consiga abstrair a totalidade de sentidos presente na imagem (a), já que a figura de Marcel Duchamp traz uma referência à da Mona Lisa. Aliás, em (a), ainda há referências a outras obras de Duchamp, pois a imagem de Mona Lisa utilizada por ele é de um cartão postal,o que torna esta obra também um ready-made, isto é, a transformação de um objeto utilitário em obra de arte, como em sua famosa obra A Fonte. Essas inter-relações também ocorrem nos múltiplos textos aos quais somos expostos o tempo todo. De certa forma, eles sempre estão relacionados, de modo mais ou menos direto, a tantos outros textos e experiências linguísticas e imagéticas anteriores. Esse ponto merece particular destaque para a educação de surdos. Além de a intertextualidade constituir, em si, um aspecto obviamente presente na produção/compreensão sinalizada, ela pode ser um instrumento poderoso no ensino de produção/compreensão escrita em L2 por intermédio de uma abordagem interacional entre imagens e textos escritos como metodologia de trabalho docente. INFORMATIVIDADE O último processo de textualização é a informatividade. Como tal, ela se refere à coerência prevista na expressividade do texto, ou seja, no desenvolvimento dos tópicos eleitos e nos conteúdos da produção textual. A produção de sentidos vai além das unidades informacionais imediatamente identificadas em um texto. Sobretudo, ela está na junção de tais unidades às implicaturas, às ideologias e às escolhas em geral, todas elas responsáveis pela criação da informatividade de um texto, seja ele oral, escrito ou sinalizado. A CONFIGURAÇÃO LINGUÍSTICA E A SITUAÇÃO COMUNICATIVA A configuração linguística e a situação comunicativa devem ser levadas em conta para a análise da produção de sentidos via textos sinalizados, tal como já é feito no âmbito da LT voltada para as línguas orais. Essa abordagem pode contribuir significativamente para: O entendimento das línguas de sinais como línguas naturais humanas. A análise do discurso (AD) é uma área que trata apenas das línguas de sinais em situações concretas de uso da língua. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal O esquema a seguir destaca a interação dos fatores de textualização. Ele se baseia no princípio que coloca os interlocutores como pontos de partida para a formação do texto em si: Esquema de textualidade. Esse esquema salienta os dois lados da constituição da textualidade, já que apresenta dois elementos em sua configuração: FORMAL (OU LINGUÍSTICO) Inclui estes fatores cotextuais: coesão e coerência. COMUNICATIVO Alcança os níveis do conhecimento social e de mundo em geral, inclui os seguintes fatores contextuais: intencionalidade, aceitabilidade, intertextualidade e situcionalidade. RESUMINDO Identificamos, neste módulo, os principais conceitos referentes a processos de textualização de práticas discursivas orais e escritas que também podem ser observados em práticas discursivas sinalizadas. Tudo isso evidencia as línguas de sinais como línguas naturais, segundo a perspectiva da comunicação via textos reais. Não abordamos aqui as questões ideológicas e culturais refletidas na montagem da linguagem. Faremos isso nos próximos módulos. Agora, o Prof. Dr. Roberto de Freitas Jr. oferece mais explicações e exemplos sobre os fatores cotextuais e contextuais em textos de línguas orais e de sinais. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Identificar o processo de transformação de discursos culturais brasileiros em textos ANÁLISE DO DISCURSO (AD) CONTRIBUIÇÃO Uma importante área dos estudos da linguagem é a AD. Ela entende a interação verbal como o lócus da materialização, da prática, dos valores sociais estabelecidos. Com isso, comportamentos e ideologias que perpassam o pensamento social vigente são entendidos como formados e reformados pela e na linguagem. Dessa forma, é possível: Observar as questões culturais e ideológicas presentes nos discursos e materializadas em textos. Verificar características e os valores de um indivíduo, de uma comunidade de prática ou de uma sociedade. Analisar a cultura brasileira via observação do discurso desenvolvido na multiplicidade de textos em português. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Do mesmo modo, a observação sobre as diferentes formas de discurso da comunidade surda permite a identificação de aspectos ideológicos, identitários e de crenças da cultura surda. Em uma comunidade de prática, os seus sujeitos se constituem à medida que interagem com seus pares. Dessa maneira, a consciência e o conhecimento de mundo resultam de um processo de negociação de sentidos, de ideologias e de valores espelhados na língua e nas múltiplas situações sociocomunicativas. A linguagem resulta e forma o contexto social e histórico mais amplo, constituindo os valores da sociedade. Para o filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), as interações acontecem, em um contexto social e histórico mais amplo, “no interior e nos limites de uma determinada formação, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por essa” mesma sociedade (BAKHTIN, 1986, p. 6). Dessa forma, é na linguagem que as ideologias são produtivas e históricas, podendo ser ratificadas ad aeternum ou até reconstruídas a partir de limites novos e emergentes – conscientemente ou não – nos grupos sociais. A AD, em linhas gerais, faz referência a conceitos relacionados ao estudo da língua em uso, à língua além do nível da sentença, como significado na interação verbal em contextos situacionais e culturais específicos. Precisamos fazer uma distinção entre a análise NO discurso e a DO discurso: ANÁLISE DO DISCURSO Preocupada de modo mais direto com a relação ideologia/práticas sociais/linguagem, ela se concentra inicialmente em aspectos culturais, históricos e ideológicos presentes no uso das línguas. ANÁLISE NO DISCURSO As abordagens “no discurso” debruçam-se, ao menos como objetivo primário, na descrição e no entendimento da aquisição, da arquitetura e do uso da linguagem como instrumental comunicativo da espécie humana. Estudos linguísticos de abordagem “no discurso” podem ser identificados, entre outros, com o funcionalismo, a LT e a sociolinguística. Essa distinção não impede que essas distintas áreas dos estudos linguísticos possam se comunicar de diferentes formas. Dessa maneira, a AD salienta o uso da língua como prática social e performance de atores sociais que cumprem papéis previstos nas relações sociais e identitárias, revelando relações de poder, de desigualdade social e de lutas sociais. O uso da língua é visto sob tal perspectiva como uma questão de “práticas/ações”, e não apenas como uma questão de organização estrutural ou de um sistema. Esse é o modelo que o linguista britânico Norman Fairclough desenvolveu para o que ele chama de análise crítica do discurso. Tal modelo pode ser representado resumidamente da seguinte forma: O conceito tridimensional de discurso. A INTERFACE LÍNGUA/DISCURSO/PRÁTICAS Podemos desenvolver uma prática observacional crítica sobre os valores e as práticas de dada sociedade por meio da AD, a qual, por sua vez, pode apresentar um viés mais ou menos crítico para a observação da interface língua/discurso/práticas. ESTUDO DA LÍNGUA Refere-se a padrões de uso da língua em geral: tudo aquilo que pertence (ou não) a certa comunidade discursiva. Esse estudo focaliza como a língua reflete práticas e posicionamentos em grupos e demonstra como é convencionalmente utilizada. ESTUDO DO DISCURSO Seria uma maneira particular de se investigar a forma como os indivíduos se posicionam e interpretam o mundo. O discurso é visto como uma prática comunicativa global que descreve significados sociais, representações e hábitos que estão para além do texto em si, sendo partilhados pelo senso comum de determinada comunidade discursiva com ideias e pensamentos/atitudes semelhantes. Tal fato pode marcar fatores identitários por um lado, mas alavanca questões de preconceitos por outro. ESTUDO DAS PRÁTICAS Evidencia que as práticas sociais medeiam tanto as estruturas sociais abstratas, as quais, por sua vez, marcam as crenças de dada sociedade, quanto os eventos sociaisde ordem mais concreta. Essas práticas revelam os conjuntos de crenças daquela sociedade: as relações harmônicas e as hegemônicas existentes e reveladas nos discursos materializados em textos orais, escritos e sinalizados. Tais textos podem ser identificados nas múltiplas ocorrências de eventos sociais. DISCURSOS QUE SE TRANSFORMAM EM TEXTOS Para evidenciarmos a transformação de discursos em textos, pretendemos verificar a seguir algumas situações de uso da linguagem a partir da relação entre ela, o discurso e as práticas sociais. Para falarmos de discursos na cultura brasileira que se transformam em textos, escolhemos o tema do machismo. Ele reflete bastante a forma como a tríade texto/discurso/prática social funciona. Em matéria publica no portal de notícias G1 e no jornal O Globo, no dia 5 de maio de 2014, a manchete chamava a atenção para uma pesquisa que teria evidenciado o fato de mulheres bonitas terem mais oportunidades profissionais. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Data Popular, com mulheres e homens, a partir de 16 anos, num universo de 1.500 entrevistados, em 50 cidades de todas as regiões do país. A pesquisa indicou que 57% dos brasileiros acreditam que mulher bonita tem mais chance de crescimento na vida profissional. Para 51% dos entrevistados, decotes ou roupas justas são problemas para a carreira profissional. Além disso, 54% dos entrevistados afirmou conhecer uma mulher que tenha sido discriminada no trabalho. A pesquisa refletiria o comportamento e os valores da própria população, indicando a influência de uma sociedade machista no mundo do trabalho e a discriminação pela qual passa a mulher (G1, 2014). Pela análise das respostas reproduzidas no texto, podemos interpretar que, segundo os entrevistados, tais possibilidades estão associadas a algumas características relacionadas à mulher como objeto de desejo (mulher bonita), porém elas são diminuídas a partir da opção de sua vestimenta, o que também a coloca como objeto de desejo. Nas duas situações (sucesso e insucesso), percebemos como a mulher é percebida o tempo inteiro do ponto de vista da categoria “objeto de desejo”, e não do ponto de vista profissional. De certa forma, ela será aceita se for bonita e se estiver enquadrada numa representação social de “adequação e aceitabilidade” sobre como e o que uma mulher deve vestir. Acima de todas essas representações, subjaz ainda — podemos dizer — uma categoria social que coloca as mais independentes como ameaças a espaços de força e poder associados, em geral, ao universo masculino, algo comum até no mundo corporativo. Ao se mostrarem detentoras de vontade própria e opinião, as mulheres tornam-se mais vulneráveis ao insucesso no campo profissional, já que o próprio mundo corporativo pode acabar impossibilitando a progressão de carreira delas. As escolhas lexicais “mulher bonita”, “roupa justa” e “decote” acionam representações sociais identificadas no discurso sexista e nas práticas sociais machistas em geral. Nesse sentido, vemos a tríade texto/discurso/prática social em funcionamento. As possibilidades e os impedimentos das mulheres no âmbito do mercado de trabalho estão fortemente associados ao discurso machista: hegemônico nessa cultura, tal discurso é identificado em categorias sociocognitivas enraizadas na sociedade e materializadas na língua e na vida prática dessas pessoas. Ainda sobre o texto do G1, vale citar que 20% dos brasileiros entrevistados têm a crença de que as mulheres que progridem rapidamente na carreira “dormiram com o chefe”. Tal expressão confirma o arquétipo dela como “objeto de desejo” e o do homem como o “ser de desejo socialmente legitimado”. Além do texto que acabamos de analisar, poderíamos resgatar imagens do dia a dia em que a mulher é vista insistente e inconvenientemente desde um olhar que a reduz como mero objeto de desejo. Em pinturas ou cenas de filmes, não é raro encontrar a figura da mulher retratada de modo frágil e como objeto de desejo, muitas vezes contrastando com a figura masculina retratada a partir da força física e do exercício de algum tipo de poder. ATENÇÃO Diversos textos escritos ou imagéticos permitem quase que uma infinidade de análises que mostrariam níveis cada vez mais profundos de como nossa sociedade é profundamente organizada em padrões cognitivos calcados nas relações de poder e materializados na língua, nos discursos e nas práticas sociais diversas. O uso da língua, o discurso e a interação verbal refletem a organização social em que são evidenciadas as relações de poder, de dominação e de desigualdade entre grupos. Assim, a AD — particularmente a da versão crítica de Fairclough — cria uma ponte teórica para uma análise linguística mais abrangente e que denuncia as práticas sociais injustas reveladas no discurso. A noção de poder é central para qualquer abordagem crítica do discurso que se dedica a descrever situações de controle social de grupos e/ou instituições. Poder social significa controle. Os grupos terão mais ou menos poder social se forem capazes de controlar as mentes dos membros de outros grupos em maior ou menor intensidade. Tal habilidade pressupõe privilégios, como a força bruta, o dinheiro, o status social, a fama, o conhecimento, assim como determinados modelos culturais e linguísticos. O controle se dá em práticas claramente observáveis no dia a dia, sendo confirmadas e reproduzidas nos diferentes tipos de textos e discursos. ABORDAGEM DE TEXTOS E DISCURSOS BASEADA NA AD Publicada em 2013, uma charge do ilustrador e ativista carioca Carlos Latuff pode ajudar a exemplificar uma rápida abordagem baseada na AD. Ela traz a imagem de um policial de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) atirando em um jovem negro caído no chão. O policial grita a palavra “UPP”. Na charge, a fala dele (gritando “UPP”) se junta a algumas onomatopeias que reproduzem o barulho dos tiros (“UPPOW! POW! POW! POW!”). A charge faz referência ao período em que se instauraram as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs) no Rio de Janeiro. Para a população em geral, era divulgada a imagem de que se tratava de grupos policiais que, como esperado, estavam a serviço da paz e da segurança de comunidades mais carentes. Seria o Estado cumprindo o seu papel junto a essas populações. Na prática, contudo, a abordagem de alguns policiais era, em muitos casos, truculenta, abusiva e falseada no discurso da integração social. A charge denuncia essa verdade usando, além da força da imagem, uma associação entre os fonemas referentes à sigla UPP e o som produzido por uma arma. Ela o faz em um contexto violento e de controle autoritário, consequência principalmente do discurso racista de nossa sociedade. Grupos que controlam os discursos mais influentes também possuem mais chances de controlar a mente e as ações de outros indivíduos. Nesse sentido, o discurso midiático possui forte vantagem, pois ele possui o domínio de conteúdos e estruturas linguísticas apropriadas e coerentemente previsíveis pelos acordos pragmático-discursivos de diferentes gêneros discursivos e práticas comunicativas hegemônicas. A relação texto-conteúdo revela como membros de grupos socialmente mais favorecidos decidem acerca da formatação dos diferentes gêneros discursivos a serem adotados em distintas práticas discursivas dominantes. Ela também revela como ouvintes/leitores tendem a aceitar crenças, conhecimentos e opiniões por meio do discurso de quem eles reconhecem como autoridade no assunto, ou seja, daquele “reconhecido” por certo grau de credibilidade. Observemos esta reprodução de capa de jornal e as matérias destacadas nos círculos em vermelho: Como você pode perceber, o destaque dado à matéria referente à temática do futebol é distinto de outro conferido à matéria sobre educação. Claramente, essa distinção evidencia os valores culturais de nossa sociedade que dizem respeito ao status que jogadores e professores possuem nesse contexto.Em nenhum momento foi dito que a questão do adoecimento dos professores não seja importante: isso, na verdade, ocorre de modo muito sutil. A escolha por uma manchete maior, com fotos ocupando grande espaço da matéria, revela e confirma a hierarquia social, em termos de poder e status profissional, desses indivíduos na sociedade brasileira. RESUMINDO A AD lida tanto com as relações de discurso e poder quanto com as diferentes formas pelas quais elas são reproduzidas nos textos orais, escritos e sinalizados. Ela desenvolve, portanto, estudos de base crítica acerca do papel do discurso na (re)produção dos valores e das macroestruturas sociais. Em particular, a AD permite o apontamento da desigualdade, por meio do abuso de poder e de dominação, por parte de determinados grupos. Ela ainda indica como os alvos dessas relações são o público em geral: as massas, os clientes, os alunos e os grupos dependentes de relações institucionais e de organização e poder. A AD também aborda criticamente diferentes gêneros discursivos (institucionais e/ou profissionais) existentes e controlados pelas estruturas sociais vigentes, como, por exemplo, o discurso pedagógico ou midiático, além de conversas situacionalmente localizadas. Agora o Prof. Dr. Roberto Freitas Jr. oferece mais explicações e exemplos sobre discursos da cultura brasileira, em especial o discurso midiático, se transformando em textos. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Reconhecer os discursos na cultura surda transformados em textos DISCURSOS E TEXTOS NA CULTURA SURDA APRESENTAÇÃO A relação existente entre língua (texto)/discurso e práticas sociais também será obviamente observável nas comunidades surdas. De fato, as comunidades surdas em todo o planeta evidenciam muitos dos pontos que aqui já discutimos sobre a forma como a língua evidencia os macrovalores sociais e como, ao mesmo tempo, pela língua podemos mudar as estruturas que regem, muitas vezes de forma bastante injusta, nossas relações sociais. Queremos destacar alguns discursos na cultura surda que se transformam em textos para mostrarmos como: A relação língua/cultura/práticas pode confirmar os macrovalores de uma determinada comunidade, fortalecendo comportamentos equivocados e de dominação. Novas práticas, também possivelmente relacionadas a equívocos e injustiças sociais, podem emergir e serem materializadas na língua. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Para iniciarmos nossa discussão, precisamos, no entanto, firmar um compromisso com o entendimento sobre qualquer que seja a abordagem de AD que adotemos. Seja lá qual for a abordagem adotada, as investigações linguísticas serão calcadas em princípios gerais da AD. Os princípios gerais da AD entendem a linguagem como ação social, colaborativa e implicada nas relações humanas diversas e não apenas como estrutura gramatical! CONQUISTAS E AVANÇOS As comunidades surdas foram, e ainda são em vários contextos, objetos de preconceito e atitudes que desvalorizam o indivíduo surdo. Tais ideias, em geral, estão relacionadas a princípios equivocados que, por exemplo, associam: A surdez à deficiência cognitiva, As línguas de sinais às formas não linguísticas de comunicação, à inabilidade do surdo aprender uma língua escrita como L2 e à ideia de que acessibilidade não é exatamente um direito, mas apenas arranjos sociais que podem ser alcançados em prol dessas comunidades. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Por isso, vamos articular esses equívocos e preconceitos com práticas sociais e de linguagem que a todo momento encontramos nos diversos contextos sociais. O primeiro equívoco diz respeito à associação da surdez a alguma forma de deficiência cognitiva. Tal ideia é evidenciada em falas e práticas encontradas na escola, por exemplo, quando a comunidade escolar separa crianças surdas de ouvintes na crença de que elas não aprendem o conteúdo formal escolar, ao menos no nível do ouvinte. Falas como “o surdinho não aprende nada”, “Ah! Ele é surdo não vai entender isso!” ou ainda “O surdo não tem linguagem como ele pode aprender alguma coisa?” são comuns no contexto escolar e mostram como as crianças surdas podem sofrer preconceitos e serem prejudicadas por conta de tais valores. Isso é representado num meme, encontrado na Internet, em que aparece a pergunta “Se uma pessoa nasce surda-muda em qual língua ela pensa?” junto à imagem de um macaco fazendo pose de que está pensando. O meme classifica o indivíduo surdo como “surdo-mudo” (um termo equivocado e ofensivo aos surdos, já que não são necessariamente mudos) e ignora a existência e/ou o papel das línguas de sinais como línguas naturais. Daí emerge, ainda, o questionamento sobre a forma como surdos pensam, já que eles não teriam “uma língua”. Na prática, o que a ciência nos mostra muito bem é que dadas as condições ideais para que a criança surda possa ter seu desenvolvimento escolar garantido, isso ocorrerá naturalmente. A associação surdez/deficit cognitivo não possui nenhuma sustentação científica que a justifique. Por outro lado, não podemos negar que a ausência de práticas de ensino condizentes com as realidades de qualquer aluno pode levar ao fracasso educacional em algum nível. No caso da surdez, questões como a privação linguística ainda podem acentuar as dificuldades, já que podem levar a certo bloqueio da interação social e do acesso ao conhecimento, além de impactar o desenvolvimento global do indivíduo. Entretanto, a associação surdez/deficit cognitivo pode acabar por confirmar a não necessidade de que superemos as limitações de ensino em função de garantir acesso adaptado e de direito do ensino ao indivíduo surdo. A comunidade surda brasileira, por outro lado, também evidencia como pela língua podemos alterar as estruturas sociais injustas nas quais nos encontramos. A insistência da comunidade surda pelo uso do termo surdo (em vez de surdo-mudo), como forma de identificação dos membros dessa comunidade, e pelo uso da expressão “Libras é nossa L1”, além de outras falas associadas ao conceito de acessibilidade como direito, produziu e ainda produz mudanças em nossa sociedade. Assim, surdos passam a ser reconhecidos como surdos, não necessariamente mudos. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) passa à condição legal de Língua da comunidade surda (mesmo se não for a língua de aquisição do indivíduo surdo) e cada vez mais vemos, por exemplo, a presença de tradução-interpretação Português-Libras em programas televisivos em geral. Além disso, podemos mencionar a conquista, baseada na Lei de Libras (Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002), da garantia do ensino da Libras nas licenciaturas, o que favorece maior inclusão do surdo nas escolas brasileiras. Aos poucos, pela linguagem, mudam-se as estruturas sociais marcadas por interesse de dominação, controle e poder que favorecem uns em detrimento de outros. Ainda há muito a ser modificado, mas espaços amplos de conquista e modificação social foram alcançados ao longo dos últimos anos pela comunidade surda no Brasil. RELAÇÃO TEXTO/DISCURSO/PRÁTICA SOCIAL Essa luta evidencia com clareza a relação texto/discurso/prática social que queremos salientar. Se pela língua mantemos relações injustas de dominação e poder, é também pela língua que questionamos e buscamos rearranjos sociais mais justos de práticas e direitos. As campanhas que trazem o mote “acessibilidade: direito de todos” exemplificam o uso da linguagem verbal e não verbal na busca por práticas e direitos justos. No conjunto dos valores e questões culturais da comunidade surda, como em qualquer outro contexto sociocultural, podem existir também questões equivocadas, refletidas na língua e nas práticas sociais desse grupo social. Expressões como “intérprete bengala” e “só o surdo sabe ensinar Libras” exemplificam questões sociais e emocionais encontradas na história da comunidade surda e que se refletemna língua. Os dois conceitos apontam para o longo período de negligência e preconceitos sofridos por parte da comunidade surda e que explicam os motivos de expressões como “intérprete bengala”, assim como falas relacionadas à especificidade do ensino de Libras de qualidade acontecer via professor surdo. Claramente, a expressão “intérprete bengala” aponta para um movimento de resistência por parte de algumas pessoas da comunidade surda a intérpretes de línguas de sinais, em geral, ouvintes e que são vistos, pelo que podemos depreender dos contextos de uso em que a fala emerge, como dispensáveis e possíveis aproveitadores das causas surdas para benefício próprio. Da mesma forma, falas que relacionam o ensino de Libras como de menor qualidade, se ocorrer via instrutor ouvinte, também revelam movimento de resistência, justificado pelas batalhas sofridas por surdos no curso da história. Precisaram lutar – e ainda precisam – pelo reconhecimento, pelos usos das línguas de sinais e pelas conquistas de espaços profissionais dignos. Nesse sentido, o ensino de Libras oferecido por indivíduos surdos é uma causa justificável e de fato um objeto de luta da parte da comunidade surda. Entretanto, nem a função do profissional tradutor-intérprete é, de fato, desnecessária ou detentora de qualquer conotação de exploração de oportunidades, nem um professor de L1 ou L2 será necessariamente melhor professor se for nativo, quando o é de fato, daquela língua. Do ponto de vista prático, profissional, essas funções estão, na verdade, presentes em diferentes contextos de uso de línguas maternas e adicionais. Essas funções não apresentam, em tais contextos, associações de resistência, como uma análise do discurso de muitas falas de comunidades surdas pode denunciar. Outro pensamento profundamente enraizado em algumas falas identificadas em comunidades surdas e que possui valor equivocado de verdade diz respeito à possibilidade de um surdo aprender uma L2 escrita com proficiência e boa capacidade de articulação morfossintática. O impacto do preconceito — que advém do contexto social maior — sobre a dificuldade do surdo em aprender a língua oral na modalidade escrita faz com que muitos surdos acreditem não serem capazes de aprender, e que a língua em questão é mais difícil do que a língua de sinais por eles utilizada ou, ainda, que haja uma imposição por parte dos ouvintes de que o surdo use a sua língua. Novamente, observamos uma série de falas e práticas relacionadas a isso. O não engajamento de surdos no processo de ensino-aprendizagem da L2, a resistência em usar a língua escrita e os múltiplos problemas de autoestima relacionados à questão podem ser evidenciados nas seguintes expressões: “É só um monte de formiguinhas” (uma referência ao texto escrito). “Não é minha língua de conforto.” “Português é muito difícil.” Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Obviamente, nenhuma dessas falas é cientificamente consistente. Como já dissemos, não há nenhuma associação necessária entre surdez e deficit cognitivo. Em geral, dificuldades de leitura e interpretação, assim como de produção textual dos surdos, estão muito mais ligadas a: Metodologias ineficazes de L2 escrita para surdos. Compreensão equivocada (quando há alguma) sobre gramática (estruturas e funções). Legitimidade do próprio papel instrumental relacionado ao uso de uma L2 em apenas uma ou outra habilidade. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Em suma, a relação existente entre língua (texto)/discurso e práticas sociais é observável nas comunidades surdas, evidenciando os valores e crenças sociais enraizadas nas comunidades de prática. Se observarmos do ponto de vista macrossocial, no qual a comunidade surda encontra-se como parte de um todo e em posição, em geral, desfavorecida nas relações de poder, perceberemos as marcas desses padrões sociais na língua e nas práticas diárias desse grupo. Essas práticas são impactadas por tais forças, que dialogam com o contexto social maior. Da mesma forma, se observarmos a comunidade surda do ponto de vista microssocial, veremos também valores e crenças, refletidos na língua, nos discursos e práticas, que refletem relações sociais específicas do grupo e que, da mesma forma que nas relações macrossociais, podem espelhar práticas equivocadas de relação de poder. OS DESAFIOS À COMUNIDADE SURDA Como vimos, a língua, o discurso e as práticas são conceitos interligados e formadores das nossas sociedades como tais. Entretanto, vimos também que pela língua podemos mudar as estruturas que regem, positivamente ou não, nossas relações. Destacamos, assim, alguns discursos na cultura surda que se transformam em textos, tentando mostrar exatamente como a relação língua/cultura/práticas pode ratificar e/ou retificar os macrovalores de uma sociedade. Por serem comunidades linguísticas e de prática, com valores, línguas e comportamentos sociais, tal como ocorrem nas comunidades linguísticas ouvintes, as comunidades surdas são ideologicamente formadas e reformadas. E isso ocorre a todo o tempo pela troca de valores e crenças com o contexto social maior e, de modo exógeno (externo), entre os próprios indivíduos dessa comunidade. O entendimento sobre essas questões pode empoderar os indivíduos dessa comunidade e proporcionar leitura mais crítica sobre as relações sociais diversas, às quais estão o tempo todo submetidos. Permitirá identificar o “lobo em pele de cordeiro” de discursos aparentemente inclusivos, mas que na prática são calcados em crenças que colocam o surdo em posição de inferioridade e desprestígio social. Assim, tais indivíduos estarão sempre sujeitos às pressões sociais e culturais advindas das relações de poder. Poderão assimilar ou rechaçar certas ideologias, como bem nos ensina a própria comunidade surda com suas lutas pela acessibilidade e reconhecimento do indivíduo surdo como cidadão de direito. Apenas fica a seguinte recomendação: há de se cuidar para que no seio desse mesmo grupo social não se estabeleçam outras formas injustas de dominação e poder, reveladas nos textos, nos discursos e nas práticas sociais em geral. Agora o Prof. Dr. Roberto Freitas Jr oferece mais explicações e exemplos sobre discursos transformando-se em textos na cultura surda. VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Centramos nossa discussão em dois pontos específicos sobre a linguagem: o conceito de texto e o de discurso. Iniciamos pela apresentação de aspectos referentes aos processos de textualização na interface de produção textual oral e sinalizada. Em seguida, finalizamos essa abordagem com uma discussão sobre as práticas discursivas resultantes da interação entre a cultura e a língua. Graças a tal debate, pudemos descrever os principais conceitos referentes aos processos de textualização de práticas discursivas orais. Demonstramos ainda que esses processos podem ser observados em práticas discursivas sinalizadas, assim como na inter-relação existente entre a cultura e a língua. Tudo isso contribuirá para seu entendimento das comunidades surdas e das línguas de sinais como realidades sociais e cognitivas equivalentes em todos os níveis com comunidades ouvintes e suas línguas orais. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986. BEAUGRANDE, R. New foundations for a science of text and discourse: cognition, communication, and the freedom of access to knowledge and society. Norwood: Ablex, 1997. FAIRCLOUGH, N. Language and power. Abingdon: Routledge, 2001. G1. Pesquisa aponta que mulher bonita tem mais chances profissionais. In: Concursos e empregos. Publicado em: 5 mai. 2014. Consultado na Internet em: 8 abr. 2021. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2010. EXPLORE+ Leia os textos a seguir: ESTEVES, P. M. da S. Língua, discurso,cultura: reflexões discursivas sobre o processo linguístico de atribuições nomes (próprios?). In: Gragoatá. v. 42. n. 48. Niterói. jan.-abr. 2019. p. 25-49. MEURER, J. L.; DELLAGNELO, A. K. Análise do discurso. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2008. Assista a dois vídeos no YouTube: ASSOLINI, E. Introdução à Linguística – língua, cultura e identidade. In: Univesp. Publicado em: 3 mar. 2021. Consultado na internet em: 8 abr. 2021. PACÍFICO, S. Produção de texto e comunicação – o texto jornalístico e suas linguagens (Libras). In: Univesp. Publicado em: 22 mar. 2021. Consultado na internet em: 8 abr. 2021. CONTEUDISTA Roberto de Freitas Junior CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); javascript:void(0); javascript:void(0); javascript:void(0); javascript:void(0);
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