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Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Travessa do Ouvidor, 11 – Térreo e 6º andar – 20040-040 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 3543-0770 – Fax: (21) 3543-0896 faleconosco@grupogen.com.br | www.grupogen.com.br O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98). Capa: Danilo Oliveira Produção digital: Ozone mailto:faleconosco@grupogen.com.br http://www.grupogen.com.br ■ ■ Fechamento desta edição: 17.07.2018 CIP – BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE. SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. E83p Esteves, Diogo Princípios Institucionais da Defensoria Pública / Diogo Esteves, Franklyn Roger Alves Silva. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-8200-3 1. Direito constitucional – Brasil. 2. Defensorias públicas – Brasil. I. Silva, Franklyn Roger Alves. II. Título. 18-50746 CDU: 342(81) Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária CRB-7/6439 Seja a mudança que você deseja ver no mundo. (MAHATMA GANDHI – 1869/1948) Para meu pai, Jance (in memoriam), e minha mãe, Tereza, pela minha formação. Para meus eternos mestres e amigos, Dr. Marcelo Barucke, Dr. José Aurélio de Araújo e Dr. Raymundo Cano, cujos ensinamentos me permitiram ingressar na carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro. Para meus amigos, Dr. Cleber Francisco Alves e Dr. José Augusto Garcia, eternos companheiros na pesquisa acadêmica e na efetivação prática do acesso igualitário à justiça para todos. Para minha esposa, Amanda, e minha filha, Scarlet, razão e inspiração para a busca por um mundo mais justo. DIOGO ESTEVES Dedico este livro ao meu pai e à minha mãe (in memoriam), como agradecimento pelo carinho que me dedicaram, cujo sentimento também é recíproco. Se pude ter a oportunidade de escrever um trabalho deste porte, o fiz graças aos meus pais, que se empenharam em me fornecer subsídios e formação moral durante minha vida. Não posso deixar de destacar que o trabalho também é fruto do amor e carinho de minha esposa Raquel Nery, que aceitou abrir mão da minha atenção nas inúmeras noites em claro e sempre confiou e torceu pelo meu desempenho profissional. Ao meu pequeno Matheus, que me proporciona alegria diária com suas risadas e movimentos graciosos enquanto descobre o mundo. A família Nery também merece registro, em especial a minha pequena Luísa, pelo carinho que já cativa pelo “dindo”. FRANKLYN ROGER ALVES SILVA Este livro é uma singela homenagem a todos os Defensores Públicos, que se empenham diariamente em conferir dignidade e cidadania às parcelas mais esquecidas da sociedade. A terceira edição desta obra é especialmente dedicada à memória do Defensor Público José Fontenelle Teixeira da Silva, cuja vida foi dedicada à construção da Defensoria Pública e à edificação pioneira da doutrina institucional. OS AUTORES PREFÁCIO A história da Defensoria Pública caracteriza-se por constantes superações e afirmações. Instituição vocacionada à tutela dos direitos humanos mediante o patrocínio das pretensões individuais e coletivas da população desfavorecida, seu poder político institucional não é suficiente para ombrear--se com os poderes republicanos tradicionais em um Estado culturalmente autoritário, mesmo em época de manifestações sociais. O processo de criação e estruturação de nossa Instituição, no âmbito da República, sempre esteve atrelado ao raro sentimento social dos nossos governantes e ao caminho trilhado pelos defensores. Lamentamos que o produto desse esforço de crescimento tenha nos deixado cicatrizes dolorosas que acabaram desviando nosso olhar e nosso caminho. Ora a Defensoria Pública se curva subserviente e gostosamente aos poderes tradicionais, notadamente o executivo, ora se aproxima, também de forma subserviente, de movimentos ditos sociais, apropriados por forças partidárias tradicionais e veículos de interesses políticos partidários. Nossa função é, e sempre será, servir como acesso à justiça para os mais desfavorecidos. Contudo, para que isso aconteça da melhor forma possível, não podemos ser subservientes a quem quer que seja. É claro que o diálogo com poderes tradicionais deve ser constante, mas saudável: não somos um órgão subordinado à Corte ou uma banca de advocacia para associações. Nesse desencontro, acabamos esquecendo a verdadeira razão pela qual existimos como instituição, passando a empreender nossos maiores esforços não no atendimento ao destinatário de nossos serviços, mas numa luta condominial desnecessária e ridícula. Então, nos omitimos e vivemos passivos no seio de uma sociedade de iniquidades, cumprindo os desígnios canonizados pelo famoso verso de um dos autores citados neste livro, DANTE ALIGHIERI: “Os lugares mais sombrios do Inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral”. Somente a independência “para fora” e a união “para dentro” é que propiciarão crescimento sólido e duradouro. Pois o pior não é a escolha por um ou por outro senhor, mas o fratricídio que se instalou entre nós e destroçou a cláusula mínima de diálogo e de respeito mútuo pelo reconhecimento do outro como defensor público. Portanto, nada melhor que um livro como este que, por sua elevação acadêmica, representa a boa afirmação institucional, pois fortalece nossa independência, e a proveitosa união de toda doutrina anterior construída ao longo de nossa história. Muitos doutrinadores-defensores precederam este livro; grandes defensores públicos retiraram do pó a doutrina que firmou as bases dessa Instituição. Todos, grandes em seus temas, estão presentes nas citações ou nos debates expressos no livro: JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA, HUMBERTO PEÑA DE MORAES, LIGIA MARIA BERNARDI, PAULO CESAR RIBEIRO GALLIEZ, JOSÉ AUGUSTO GARCIA, CLEBER FRANCISCO ALVES, para citar apenas alguns em homenagem a todos. No entanto, jamais alcançamos tamanha extensão exigida pelo tema como neste livro, pois seus autores foram fiéis ao apuro científico, mediante a análise e a validação dos institutos e dos enunciados argumentativos no seu confronto com as diversas matérias e doutrinas de Direito aplicáveis, experimentando e testando, no livre saber, não somente doutrinas pretéritas, mas suas próprias convicções. O texto evita ainda, sabiamente, a mera submissão ao esprit de corps. É o gosto pela altitude, pelos cumes, pelo ar rarefeito que a real doutrina e o espírito científico exigem. A diferença entre gratuidade de justiça e assistência jurídica gratuita – conceitos aplicados a todo tempo de maneira atécnica –, bem como a busca pela sistematização e classificação das doutrinasacerca da presunção iuris tantum de pobreza são alguns exemplos desse elevado esforço. Temos, finalmente, séria doutrina sobre a intervenção da curadoria especial nos processos da infância e da juventude – questão que tem levado a jurisprudência a debates infindáveis, sem a consideração dos mais comezinhos institutos de Direitos Humanos ou de Direito Processual: “Desde o advento da Declaração de Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia- Geral da ONU em 1959, a criança deixou de ser encarada como simples recipiente passivo e passou a ser vista como autêntico sujeito de direitos”. É nada menos que desumano pretender reduzir a participação das diversas instituições obrigadas a zelar pela defesa de crianças e adolescentes à disputa de vaidades institucionais por espaço pretensamente valioso. Mas esse espaço é unicamente o do sofrimento da família destroçada. Nada mais justo e adequado que o equilíbrio da colegialidade formada pelos juízes, serventuários, equipes técnicas, Ministério Público e Defensoria Pública para caminhar em direção à melhor solução humana possível para o conflito que representa a tragédia humana. Lembremo-nos todos que somos muitas vezes “humanos demasiados humanos”, colocando-nos avessos à mudança de opinião e à pretensão diversa daquela que elegemos inicialmente, não havendo nada mais eficaz do que o contraditório participativo para demonstrar que nos equivocamos. Como foi possível observar nas recentes adoções “apressadas” impostas às famílias do nordeste, amplamente divulgadas pela imprensa, a celeridade sem contraditório só gera injustiça. Pelo todo dito, o título Princípios Institucionais da Defensoria Pública não dá ao leitor a verdadeira extensão do livro que terá em suas mãos, pois, além dos princípios de nossa Instituição, em verdade, a obra trata da Defensoria Pública ou da Assistência Jurídica Gratuita. Sorte daqueles que estão vindo, pois não vão precisar buscar e juntar aqui e acolá os dispersos pedaços de doutrina institucional criada a marteladas e cujas partes, muitas das vezes, nunca dialogaram entre si. Agradeço aos autores, honrado, a oportunidade a mim dada de prefaciá- los como também às fraternas citações, parabenizando-os enfim pela bela arquitetura montada sobre as bases sedimentadas por todos que lhes precederam nessa persistente e teimosa história da Defensoria Pública. JOSÉ AURÉLIO DE ARAUJO Defensor Público. Mestre e Doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da UERJ. Professor de Processo Civil da FESUDEPERJ. APRESENTAÇÃO Ao cuidar da evolução da Defensoria Pública no Brasil, em texto de alguns anos atrás, citei “A flor e a náusea”, de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: “Uma flor nasceu na rua! / Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. / Uma flor ainda desbotada / ilude a polícia, rompe o asfalto. / Façam completo silêncio, paralisem os negócios, / garanto que uma flor nasceu”. A cada dia que passa, o poema diz mais sobre a trajetória nativa da Defensoria Pública. Bem como a flor de DRUMMOND, nascida em pleno asfalto, a Defensoria soava francamente implausível em nosso solo, marcado por iniquidades seculares. Mesmo assim, a instituição resistiu, vingou. E não parou de avançar, apesar das muitas pedras no caminho (ainda DRUMMOND...). Fazendo pouco de maus presságios, a flor virou floresta. Não se trata de retórica vazia. Coroando sucessivas conquistas – iniciadas, sobretudo, a partir de 1988, com a constitucionalização da Defensoria –, a edição da Lei Complementar nº 132, em 2009, rompeu o selo da maioridade da instituição, que assumiu o papel de uma grande agência nacional de afirmação e efetivação dos direitos humanos, voltada para quem deles mais precisa: as pessoas e grupos carentes. Pois bem, era de se esperar que, ao avanço da Defensoria no País, correspondesse o florescimento de uma doutrina institucional igualmente pujante. Tal expectativa é confirmada, com sobras, pelo livro que tenho a honra de apresentar, Princípios Institucionais da Defensoria Pública, de DIOGO ESTEVES e FRANKLYN ROGER. A quem escreve uma apresentação incumbe ressaltar os pontos positivos da obra. Aqui, a tarefa se apresenta ao mesmo tempo tranquila e complexa, dependendo do ângulo examinado. Tranquila porque há muito a destacar nesse formidável trabalho. Complexa em função justamente da abundância de conteúdos relevantes trazidos pelos autores – não é fácil selecionar dentro de um conjunto tão vasto. Acabei de falar em abundância, e eis aí um termo bastante apropriado para definir a doutrina de FRANKLYN ROGER e DIOGO ESTEVES. Impressionam na obra não só a variedade dos assuntos versados, mas também a profundidade empreendida pelos autores. No que toca à abundância, digamos, horizontal do livro, saliente-se que os temas são explorados e problematizados nas mais diversas perspectivas, contribuindo para tanto a vivência prática de ESTEVES e ROGER, combativos defensores públicos no Estado do Rio de Janeiro. Ao leitor é dado um panorama amplo acerca das vicissitudes, atuais ou potenciais, de cada matéria. Tome-se, por exemplo, o capítulo sobre as prerrogativas dos defensores, especialmente a intimação pessoal e o prazo em dobro. Dado o extenso raio das abordagens, descobrir algum aspecto não cogitado pelos autores torna-se quase uma tarefa de gincana. Melhor, abre-se espaço para questões que, conquanto sejam pouco visitadas pela doutrina em geral, revelam-se de grande importância para o acesso substancial à justiça prometido constitucionalmente. É o caso da gratuidade em relação a atividades cartorárias extrajudiciais. Como de hábito, o tema se vê esquadrinhado profusamente pela obra, que, além disso, não foge da discussão mais decisiva do tópico, a saber: quais as medidas cabíveis diante de um indevido indeferimento da gratuidade no plano cartorário? Ainda no ponto da abrangência das abordagens, vale assinalar que os autores também não se furtaram a enfrentar o impacto, na seara da Defensoria Pública, de inovações recentes ocorridas no sistema de justiça brasileiro. Vejam-se a propósito as lúcidas considerações do livro acerca das repercussões, nas garantias e prerrogativas dos defensores, do processo eletrônico e da tendência de uniformização de entendimentos jurisprudenciais e formação de precedentes vinculantes. Tanta extensão horizontal não prejudicou a profundidade das análises, muito pelo contrário. Também esse apuro analítico, no plano vertical, merece ser sublinhado. A obra que vem a lume revela um trabalho de pesquisa admirável, em termos doutrinários e jurisprudenciais. No entanto, não é só. Dados históricos e referências ao Direito estrangeiro são largamente empregados. ROGER e ESTEVES exibem ainda muito conhecimento sobre os atos internos da Defensoria Pública, notadamente as Defensorias da União e do Estado do Rio de Janeiro. Dominando todas essas fontes, os autores proporcionam ao leitor uma grande riqueza de informações. Os temas são perscrutados meticulosamente e, sempre que há alguma controvérsia, declinam-se as várias correntes de pensamento a respeito da matéria. Por sinal, tamanho é o aprofundamento dado a alguns assuntos que eles poderiam, sem qualquer dúvida, merecer uma obra à parte. Bom exemplo disso é o capítulo sobre gratuidade de justiça e assistência jurídica gratuita. O mesmo se diga do capítulo acerca da curadoria especial. Em substância, portanto, são vários os livros aninhados nos Princípios Institucionais de DIOGO ESTEVES e FRANKLYN ROGER. Acrescente-se que os autores não se escondem atrás das múltiplas fontes e correntes apresentadas na obra. Invariavelmente, eles se posicionam sobre as polêmicas relevantes. À guisa de ilustração, mencione-se a controvérsia atinente à aplicabilidade do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) aos defensores públicos. De forma vigorosa, e valendo-se de argumentação farta, ESTEVES e ROGER rejeitam a aplicabilidade do Estatuto, ao mesmo tempo em que afirmam a constitucionalidade plena do § 6º do art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994 (incluído pela LeiComplementar nº 132/2009), segundo o qual “[a] capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público.” Peço licença, no ponto, para subscrever enfaticamente o pensamento dos autores. Não duvido que, em lato sensu, os defensores exercem advocacia (coisa que se dá com os próprios membros do Ministério Público, quando atuam de maneira parcial). De resto, é algo que muito me honra. Daí não deriva, todavia, a conclusão de que os defensores, integrantes de uma instituição dita essencial e autônoma pela Constituição da República, devam ficar compulsoriamente vinculados à gloriosa Ordem dos Advogados do Brasil, com a possibilidade inclusive de responsabilização correicional (além, naturalmente, da que já está prevista no seio da própria Defensoria). Onde está, em nossa Constituição, uma base mínima, implícita que seja, para esse estupendo salto hermenêutico? Não consigo ver, positivamente. Teria então a OAB algum direito não escrito, natural ou fundamental, à subordinação dos defensores? Decerto que não. Pudesse se acreditar na submissão dos defensores à OAB, em que pese a ausência completa de autorização constitucional, as consequências seriam absurdas. De fato, a OAB teria poderes para sancionar qualquer defensor público até mesmo com a suspensão das atividades postulatórias, desfalcando os quadros não raro deficitários da Defensoria. Isso estorvaria o exercício de múnus constitucional, prejudicando a assistência jurídica integral às pessoas carentes. Em outras palavras, interesse puramente corporativo atropelaria a força normativa da Constituição de 1988, sobretudo no que diz respeito a direitos fundamentais nela encartados. Difícil imaginar contrassenso maior. Prossiga-se. Outro ponto alto da obra de FRANKLYN ROGER e DIOGO ESTEVES é a veemência com que se repudiam eventuais ingerências espúrias do poder político na atuação da Defensoria. O chefe institucional, apesar de escolhido pelo Governador do Estado (ou pelo Presidente da República, no caso da Defensoria Pública da União), não pode jamais ceder a tais pressões, por exemplo, manobrando para evitar que determinada ação seja proposta em face do poder público. Reputam os autores extremamente grave tal conduta, valendo lembrar que “[a]s funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público” (§ 2º do art. 4º da Lei Complementar), norma caríssima ao perfil independente da instituição. Decididamente, os méritos da obra não são poucos. Entre eles também se alinham o equilíbrio e a rejeição a posições corporativas destituídas de razoabilidade. Ao mesmo tempo em que preconizam uma Defensoria Pública forte e altiva, respeitando-se ao máximo as garantias e prerrogativas dos seus integrantes, os autores não perdem a oportunidade de ressalvar que a independência funcional da Defensoria não é absoluta, assim como não são absolutas as garantias dos seus membros. Quase encerrando, sinto-me tentado, diante de obra tão amiga da argumentação e da dialética, a debater algumas questões específicas, em relação às quais ouso divergir dos abalizadíssimos autores. Apesar da temeridade desse proceder, vamos lá. Um primeiro ponto concerne ao sentido da expressão “assistência jurídica integral e gratuita”, presente no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição brasileira. Para os autores, acompanhados por outros doutrinadores ilustres, o constituinte originário “acabou sendo contaminado pela balbúrdia existente em nossa ordem jurídica, negligenciando a adequada separação terminológica dos institutos” (da assistência jurídica e da gratuidade). Penso um pouco diferente. É certo que a balbúrdia apontada realmente existe, frequentemente confundindo a legislação pátria os institutos da assistência e da gratuidade. Sem embargo, não faço críticas ao constituinte. “Assistência jurídica integral e gratuita” pode ser entendida, sem qualquer inconveniente, como assistência lato sensu, abarcando a assistência em senso estrito (nas precisas palavras dos autores, “a prestação não onerosa de serviço de orientação legal e de defesa dos direitos do necessitado econômico, em juízo ou fora dele”) e a gratuidade de justiça. Dessa forma se deixa claro que não só a assistência jurídica propriamente dita está tutelada constitucionalmente, mas também o direito à gratuidade, inclusive no que tange a emolumentos extrajudiciais, compreensão extremamente relevante para o acesso à justiça. Ou seja, embora de certa forma reproduza uma confusão terminológica, parece-me que, no final das contas, a expressão constitucional se mostra feliz, reforçando os direitos fundamentais dos necessitados. Feitas essas considerações sobre algumas poucas discordâncias que tenho em relação ao alentado conteúdo da obra, parece-me que o meu prazo já está esgotado (ainda que pudesse ser contado em dobro...). É hora enfim de concluir. Minha última palavra só pode ser de agradecimento. Agradeço em primeiro lugar como defensor público. O livro de DIOGO ESTEVES e FRANKLYN ROGER, repleto de excelência, é um verdadeiro presente para a instituição, contribuindo para que ela se fortaleça ainda mais. E agradeço também em nome próprio. A extrema gentileza dos autores, ao convidar-me para fazer esta apresentação, permitirá que meu nome esteja de alguma forma associado, perenemente, a uma obra notável, que marcará por muito e muito tempo, e certamente por várias edições, a doutrina institucional da Defensoria Pública. É, certamente, “carona” das mais generosas que já tive em minha vida. JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA Defensor Público. Mestre e Doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da UERJ. Professor de Teoria Geral do Processo e Processo Civil da UERJ e da FGV/RJ. 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5. 1.6. 1.7. 1.7.1 1.7.2 1.7.3 1.7.4 1.7.5 SUMÁRIO Introdução Capítulo 1 – Acesso à Justiça O acesso à justiça nos Estados contemporâneos Barreiras econômicas impostas à equalização do acesso à justiça O acesso à justiça e o enquadramento nas dimensões dos direitos fundamentais Os modelos de assistência jurídica dos Estados contemporâneos O modelo brasileiro de assistência jurídica estatal gratuita Serviços legais não tradicionais, modernos ou inovadores: uma breve análise da assessoria jurídica popular na América Latina Contemporânea releitura das ondas renovatórias do movimento de acesso à justiça Primeira onda renovatória: assistência jurídica aos pobres Segunda onda renovatória: representação e defesa dos interesses metaindividuais Terceira onda renovatória: procedimentos judiciais, custos e tempo de duração Quarta onda renovatória: a dimensão ética e política do direito Quinta onda renovatória: a internacionalização da proteção dos Direitos Humanos 2.1. 2.2. 2.2.1 2.2.2 2.2.3 3.1. 3.2. 3.2.1. 3.2.2 3.2.3 3.2.4 Capítulo 2 – Histórico da Gratuidade de Justiça e da Assistência Jurídica Gratuita no Brasil Do desenvolvimento da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita no âmbito nacional Do desenvolvimento da Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro Do modelo de Defensoria Pública implementado pelo Distrito Federal e posteriormente mantido pelo Estado da Guanabara Do modelo de Assistência Judiciária criado pelo antigo Estado do Rio de Janeiro Da fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e da unificação do modelo de Defensoria Pública a partir de 1975 Capítulo 3 – A Constituição Federal e a Defensoria Pública Posição constitucional da Defensoria Pública no Estado Democrático de Direito contemporâneo Da autonomia constitucional da Defensoria Pública Da natureza constitucional originária da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública Do movimento internacional de consolidação da autonomia do salaried staff latino-americano Do reconhecimento constitucional da autonomia funcional, administrativa e financeira das Defensorias Públicas dos Estados (EC nº 45/2004), da Defensoria Pública do Distrito Federal (EC nº 69/2012) e daDefensoria Pública da União (EC nº 74/2013) Autonomia funcional 3.2.5 3.2.6 3.3. 3.4. 3.4.1 3.4.2 3.5. 3.5.1 3.5.2 3.5.3 3.6. 3.7. 3.7.1 3.7.2 3.7.3 3.7.4 3.8. Autonomia administrativa Autonomia financeira Delimitação conceitual da Defensoria Pública na Constituição Federal A Defensoria Pública como cláusula pétrea e norma de repetição obrigatória pelas Constituições Estaduais Das limitações impostas ao poder constituinte derivado reformador e do reconhecimento da Defensoria Pública como cláusula pétrea Das limitações impostas ao poder constituinte derivado decorrente e do reconhecimento da Defensoria Pública como norma de repetição obrigatória pelas Constituições Estaduais Repartição constitucional de competências legislativas Da competência para legislar sobre a Defensoria Pública dos Estados Da competência para legislar sobre a Defensoria Pública da União Da competência para legislar sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios Da iniciativa legislativa da Defensoria Pública Da regulamentação normativa da Defensoria Pública Constituição Federal Lei Complementar nº 80/1994 Constituições Estaduais Leis Estaduais regulamentadoras das Defensorias Públicas dos Estados Da ausência de vinculação entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil 3.9. 4.1. 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.2. 4.2.1 4.2.2. 4.2.3 4.2.4 4.2.5 4.2.6 4.2.7 4.2.8 4.2.9 4.2.10 4.2.11 Da impossibilidade de criação de Defensorias Públicas Municipais Capítulo 4 – Da Gratuidade de Justiça e da Assistência Jurídica Gratuita Conceitos e distinções fundamentais Gratuidade de justiça: definição Assistência judiciária e assistência jurídica: diferenciação Gratuidade de justiça e assistência jurídica estatal gratuita: separação ontológica dos institutos Da gratuidade de justiça Titularidade do direito à gratuidade de justiça Critério de elegibilidade dos destinatários do direito à gratuidade de justiça Abrangência do direito à gratuidade de justiça Da gratuidade de justiça parcial Da mitigação da regra do recolhimento antecipado das despesas processuais e da possibilidade de pagamento parcelado ou postergado Do momento processual adequado para a formulação do pedido de gratuidade de justiça e do procedimento judicial adotado para a análise e reconhecimento do direito Do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça ex officio Do reconhecimento do direito ao pagamento parcelado ou postergado ex officio Da controvérsia acerca do reconhecimento implícito da gratuidade de justiça Da impugnação à gratuidade de justiça Revogação ou cassação da gratuidade ex officio 4.2.12 4.2.13 4.2.14 4.2.15 4.2.16 4.2.17 4.2.18 4.2.19 4.3. 4.3.1 4.3.2 4.3.3 4.3.4 4.3.5 4.3.6 Da necessidade de fundamentação da decisão judicial que resolve a questão da gratuidade de justiça Do alcance temporal da decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça Das formas de denegação do direito à gratuidade de justiça e dos efeitos temporais produzidos pelas respectivas decisões Do recurso cabível contra as decisões de indeferimento, cassação e revogação da gratuidade de justiça Da gratuidade de justiça nas hipóteses de sucessão processual Da condenação sucumbencial do beneficiário da gratuidade de justiça Gratuidade de justiça na Justiça do Trabalho Gratuidade de justiça e atividades cartorárias extrajudiciais Da assistência jurídica gratuita Titularidade e elegibilidade do direito à assistência jurídica gratuita Da atribuição exclusiva do Defensor Público para reconhecer o direito à assistência jurídica estatal gratuita Abrangência do direito à assistência jurídica estatal gratuita Assistência jurídica parcial Do momento adequado para a formulação do pedido de assistência jurídica estatal gratuita e do procedimento administrativo indicado para a análise e reconhecimento do direito Impugnação à assistência jurídica gratuita 4.3.7 4.4. 5.1. 5.2. 5.3. 5.3.1. 6.1. 6.2. 6.2.1 6.2.2 6.2.3 6.2.4 6.3. 7.1. 7.2. Assistência jurídica gratuita na Justiça do Trabalho Da inexigibilidade de comprovação da perspectiva de êxito da demanda como requisito para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita e da gratuidade de justiça Capítulo 5 – Da Natureza Jurídica da Defensoria Pública e dos Defensores Públicos Da natureza jurídica da Defensoria Pública Da natureza jurídica do Defensor Público Da relação jurídica estabelecida entre assistido e Defensoria Pública Da dispensa objetiva de mandato para a prática dos atos ordinários do processo e da necessidade de autorização específica do assistido para a prática de atos que demandem poderes especiais Capítulo 6 – Princípios Institucionais Definição Dos princípios institucionais em espécie Da unidade Da indivisibilidade Da independência funcional A previsão legal exemplificativa dos princípios institucionais e a extensão pan-principiologista preconizada pela doutrina Princípios institucionais estabelecidos nas legislações estaduais Capítulo 7 – Objetivos Definição Dos objetivos em espécie 7.2.1 7.2.2 7.2.3 7.2.4 8.1. 8.2. 8.2.1 8.3. 8.4. 8.4.1 8.4.2 8.4.3 8.4.4 8.4.5 8.4.6 A primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais A afirmação do Estado Democrático de Direito A prevalência e efetividade dos direitos humanos A garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório Capítulo 8 – Funções Institucionais Definição Da tradicional classificação das funções institucionais em típicas e atípicas Da moderna classificação das funções institucionais em típicas e atípicas Da nova classificação das funções institucionais em tradicionais (ou tendencialmente individualistas) e não tradicionais (ou tendencialmente solidaristas) Das funções institucionais em espécie Prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados Busca da solução extrajudicial de conflitos mediante emprego de métodos alternativos Difusão e conscientização sobre os direitos humanos, cidadania e das normas existentes no ordenamento jurídico Assistência interdisciplinar dos órgãos de apoio Assistência jurídica perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias Representação nos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos 8.4.7 8.4.8 8.4.9 8.4.10. 8.4.11 8.4.12 8.4.13 8.4.14 8.4.15 8.4.16 8.4.17 8.4.18 8.4.19 8.5. 8.6. Legitimação para a propositura de ação civil pública, demandas coletivas e instrumentos de uniformização e coletivização sob diferentes vertentes Impetração de ações constitucionais em defesa das funções e prerrogativas institucionais Promoção da defesa dos direitos fundamentais dos necessitados Defesa dos interesses da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis Acompanhamento de inquérito policial Patrocínio da ação penal nos casos admitidos em lei e a legitimação autônoma da Defensoria Pública Exercer a curadoria especial Atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes Atuar em favor de vítimas de tortura, abusos sexuais ou qualquer forma de discriminação, opressão ou violência Atuar nos Juizados Especiais Participar dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais Execução das verbas de sucumbência – honorários advocatícios Convocação de audiências públicas O tratamento das funções institucionais pela legislação estadual das defensorias públicas Da legitimidade do Defensor Público-Geral para o ajuizamento da Representação de Inconstitucionalidade 8.7. 8.8. 8.9. 8.10. 8.11. 8.12. 9.1. 9.2. 9.2.1 9.2.2 9.2.3 9.2.4 9.2.5 9.2.6 9.2.7 9.2.8 Da legitimidade do Defensor Público-Geral Federal para apresentar proposta de edição de Súmula Vinculante Teoria dos poderes implícitos e investigação criminal defensiva A necessidade de reflexão acerca da repartição do ônus probatório e a fase da descoberta (discovery) Atuação em caráter itineranteInstituição de força-tarefa no âmbito da Defensoria Pública Atuação da defensoria pública em espaços não estatais de exercício e limitação de direitos Capítulo 9 – Da Curadoria Especial Definição Hipóteses legais de atuação da curadoria especial Incapaz sem representante legal (art. 72, I, 1ª parte, do CPC/2015 e art. 142, parágrafo único, 2ª parte, do ECA) Incapaz quando os interesses deste colidirem com os do representante legal (art. 72, I, 2ª parte, do CPC/2015 e art. 142, parágrafo único, 1ª parte, do ECA) Pessoas portadoras de deficiência em condição de vulnerabilidade (art. 12, item 3, da Convenção de Nova Iorque) Réu preso revel (art. 72, II, 1ª parte, do CPC/2015) Réu revel citado por edital ou com hora certa (art. 72, II, 2ª parte, do CPC/2015) Citando impossibilitado de receber citação (art. 245 do CPC/2015) Idoso com comprovada incapacidade (art. 10, § 2º, da Lei nº 8.842/1994) Ausente (art. 671, I, do CPC/2015) 9.2.9. 9.2.10 9.2.11 9.2.12 9.2.13 9.2.14 9.2.15. 9.3. 9.4. 9.4.1 9.4.2 9.4.3 9.5. 9.6. 10.1. 10.2. 10.2.1 10.2.2 10.2.3 Incapaz quando concorrer na partilha com o seu representante legal e houver colisão de interesses (art. 671, II, do CPC/2015) Ação de curatela (art. 752, § 2º, do CPC/2015) Criança ou adolescente em situação de risco por conduta omissiva ou comissiva de seu representante legal: inconstitucionalidade e inconvencionalidade do art. 162, § 4º, do ECA Da controvérsia acerca da atuação da curadoria especial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis A curadoria especial no âmbito processual penal A curadoria especial no procedimento para apuração de ato infracional A curadoria especial nos procedimentos administrativos Natureza jurídica da curadoria especial Dos poderes e dos limites da curadoria especial Da atuação do curador especial no polo passivo Da atuação do curador especial no polo ativo A curadoria especial e os negócios processuais Da condenação sucumbencial do curatelado Dos honorários devidos à curadoria especial Capítulo 10 – Direitos dos Assistidos Definição Dos direitos dos assistidos em espécie Do direito à informação Do direito à qualidade e à eficiência do atendimento Do direito de revisão da pretensão no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público 10.2.4 10.2.5 10.3. 10.3.1 11.1. 11.2. 11.2.1 11.2.2 11.2.3 11.2.4 11.3. 12.1. 12.2. 12.2.1 12.2.2. 12.2.3 12.2.4 12.2.5 12.2.6 Do direito ao patrocínio dos direitos e interesses pelo Defensor Público natural Do direito à atuação de Defensores Públicos distintos no caso de colidência ou de antagonismo de interesses entre os destinatários de suas funções Direitos dos assistidos estabelecidos nas legislações estaduais Direito à participação democrática na gestão da Defensoria Pública Capítulo 11 – Garantias Definição Das garantias em espécie Independência funcional Inamovibilidade Irredutibilidade de vencimentos Estabilidade Legitimidade para defesa judicial das garantias Capítulo 12 – Prerrogativas Definição Das prerrogativas em espécie Intimação pessoal Prazo em dobro Restrições quanto à prisão dos Defensores Públicos Recolhimento diferenciado à prisão Uso de vestes talares e insígnias privativas da Defensoria Pública Vista dos processos judiciais ou dos procedimentos administrativos 12.2.7 12.2.8 12.2.9 12.2.10 12.2.11 12.2.12 12.2.13 12.2.14 12.2.15 12.2.16 12.2.17 12.2.18 12.2.19 12.2.20 12.3. 12.4. 12.4.1 12.4.2 12.4.3 Comunicação pessoal e reservada com o assistido e livre trânsito em estabelecimentos prisionais Exame de autos de flagrante, inquérito e processos Manifestação por meio de cota Poder de requisição Representação processual independentemente de mandato Prerrogativa de não ajuizamento de demanda Tratamento isonômico Oitiva como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados Investigação policial de infração penal praticada por membro da Defensoria Pública Acesso a banco de dados de caráter público e a locais que guardem pertinência com as atribuições da Defensoria Pública Certificação da autenticidade de cópias de documentos Intimação judicial de testemunhas arroladas pela Defensoria Pública Contestação por negativa geral Direito de apresentação do preso para entrevista com o Defensor Público Foro privativo por prerrogativa de função estabelecido em favor dos membros da Defensoria Pública em Constituição Estadual Prerrogativas estabelecidas nas legislações estaduais Porte de arma de fogo Utilização de meios de comunicação do Estado e dos municípios Dispensa de revista 12.4.4 12.5. 12.5.1 12.5.2 12.6. 13.1. 13.2. 13.2.1 13.2.2 13.2.3 13.2.4 13.2.5 13.2.6 13.2.7. 13.3. 13.3.1 13.3.2 13.3.3 13.3.4 13.3.5 13.3.6 Expedição de notificações Dos negócios processuais e da calendarização do processo no âmbito da Defensoria Pública Negócios processuais que atinjam o regime jurídico da Defensoria Pública e necessária participação de presentante institucional Negócios processuais, calendarização do processo e prerrogativas dos membros da Defensoria Pública Legitimidade para defesa judicial das prerrogativas Capítulo 13 – Deveres Definição Dos deveres em espécie Residência na localidade onde atua Desempenho regular das funções Representação ao Defensor Público-Geral sobre irregularidades Fornecimento de informações à administração superior Presença no órgão de atuação e nos atos judiciais Arguição da suspeição e impedimento Interpor os recursos cabíveis e promover revisão criminal Deveres estabelecidos nas legislações estaduais Irrepreensível conduta na vida pública e particular Urbanidade Sigilo Zelar pelos bens confiados a sua guarda Humanizar o atendimento prestado ao público Elaborar relatórios e fundamentar manifestações 13.3.7 13.3.8 13.3.9 13.4. 14.1. 14.2. 14.2.1 14.2.2 14.2.3 14.2.4 14.2.5 14.3. 14.3.1 14.3.2 14.3.3 14.3.4 14.3.5 14.3.6 Zelar pelo recolhimento ou promover a cobrança de honorários Cooperação institucional Decálogo do Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro Deveres decorrentes do sistema processual Capítulo 14 – Proibições Definição Das proibições em espécie Exercício da advocacia Atividades que conflitem com o cargo ou com princípios éticos Recebimento de qualquer quantia ou vantagem em razão de suas atribuições Exercer o comércio ou participar de sociedade comercial Exercício de atividade político-partidária e atuação na Justiça Eleitoral Deveres Impostos pelas legislações estaduais Divulgação de segredos e exibição midiática Postura incompatível com a dignidade do cargo Emprego de expressões ou prática de condutas ofensivas ou desrespeitosas Utilização da qualidade de membro da Defensoria Pública para obter vantagem pessoal ou para exercer atividade estranha às funções institucionais Abandono da função Afastamento do exercício das funções da Defensoria Pública durante o período de estágio confirmatório 14.3.7 15.1. 15.1.1 15.1.2 15.1.3 15.1.4 15.2. 15.2.1 15.3. 15.3.1 15.4. 15.4.1 15.5. 15.6. 15.6.1 Acumulação ilícita de cargos ou funções Capítulo 15 – Atribuição, Impedimento e Suspeição dos Membros da Defensoria Pública Da atribuição Conceito de atribuição A natureza jurídica da atribuição Dos critérios a serem utilizados para a fixação das atribuições Da consequência jurídica da ausência de atribuição A capacidade postulatória do membro da Defensoria Pública Privatividade do exercício do cargo de Defensor Público e impossibilidade de delegação Da classificação das atribuições A distinção entre designação especial e auxílio no plano da divisão de atribuições Princípio do Defensor Público Natural e sua relação direta com a atribuição A impossibilidade de nomeação automática da Defensoria Pública no curso do processo – avaliação da atribuição para atuar como atividade privativa do membro da Defensoria Pública A aferição da possibilidade de atuação em favor do assistido: avaliação da natureza da função e da condição de vulnerabilidade pela Defensoria Pública como fases prévias da aferição de atribuição O conflito de atribuições entre membros da mesma DefensoriaPública A impossibilidade de se suscitar dúvida de atribuição 15.7. 15.8. 15.8.1. 15.9. 15.10. 15.11. 15.11.1 15.11.2 15.11.3 15.11.4 15.11.5 16.1. 16.1.1 16.2. 16.2.1 16.2.2 O conflito de atribuições entre membros de Defensorias Públicas diversas A Defensoria Pública tabelar – órgão com atribuição residual para substituição A impossibilidade de utilização do tabelamento como hipótese de substituição ocasional Das atribuições legais em espécie A atribuição como antecedente do impedimento e da suspeição Das causas obstativas de atuação O impedimento Da suspeição Do acolhimento do impedimento e da suspeição Da perenidade do impedimento e suspeição Da falibilidade de alguns critérios de substituição dos membros da Defensoria Pública Capítulo 16 – Estrutura e Organização Administrativa da Defensoria Pública Delimitação jurídica do tema Dos eventuais conflitos existentes entre a Lei Complementar Nacional nº 80/1994 e a Legislação Estadual ou Distrital das Defensorias Públicas Composição nacional da Defensoria Pública Da modificação estrutural realizada pela Emenda Constitucional nº 69/2012 no âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios Da atuação das Defensorias Públicas dos Estados e da Defensoria Pública do Distrito Federal perante as Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar 16.2.3 16.3. 16.3.1 16.3.2 16.3.3 16.3.4 16.3.5 16.3.6 16.3.7 16.3.8 16.3.9 16.4. 16.4.1 16.4.2 16.4.3. 16.4.4 16.4.5 16.4.6 16.4.7 16.4.8 16.5. Da controvérsia acerca da exclusividade da Defensoria Pública da União para atuação nos Tribunais Superiores Os órgãos de composição da Defensoria Pública O Defensor Público-Geral O Subdefensor Público-Geral O Conselho Superior A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública Os órgãos de atuação da Defensoria Pública Os órgãos de execução da Defensoria Pública A Ouvidoria-Geral Da pretendida criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública As Associações de Classe e o Conselho de Defensores Públicos Gerais – CONDEGE A carreira de Defensor Público O escalonamento da carreira na Defensoria Pública da União O escalonamento da carreira na Defensoria Pública do Distrito Federal O escalonamento da carreira nas Defensorias Públicas dos Estados O ingresso na carreira de Defensor Público A nomeação e posse na Defensoria Pública A lotação dos membros da Defensoria Pública As modalidades de remoção dos membros da Defensoria Pública A promoção dos membros da Defensoria Pública Os estagiários da Defensoria Pública 16.6. 17.1. 17.1.1 17.2. 17.2.1 17.3. 17.3.1 17.3.2 17.4. 18.1. 18.2. 18.3. 19.1. 19.2. 19.3. 19.4. A previsão de cursos oficiais e a criação de uma escola nacional para formação e aperfeiçoamento de defensores públicos Capítulo 17 – Orçamento e Remuneração Da elaboração do orçamento da Defensoria Pública O veto à inserção da Defensoria Pública na Lei de Responsabilidade Fiscal – O Projeto de Lei Complementar nº 114/2011 A submissão da Defensoria Pública ao controle do Tribunal de Contas e ao limite prudencial Controle externo do Poder Legislativo e limitação constitucional A remuneração dos membros da Defensoria Pública A forma remuneratória das Defensorias Públicas Estaduais O teto remuneratório da Defensoria Pública Reserva de lei para modificação da disciplina remuneratória Capítulo 18 – Férias e Afastamentos dos Membros da Defensoria Pública Das férias dos membros da Defensoria Pública Dos afastamentos dos membros da Defensoria Pública Do direito de greve no âmbito da Defensoria Pública Capítulo 19 – Regime Disciplinar da Defensoria Pública Delimitação jurídica do tema Correição no âmbito da Defensoria Pública Infrações disciplinares O tratamento da matéria disciplinar no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 19.4.1 19.4.2 19.4.3 19.4.4 19.5. 19.6. 19.7. A sindicância O processo disciplinar Revisão do processo disciplinar O uso abusivo do poder disciplinar A não submissão dos membros da Defensoria Pública ao Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil Responsabilidade civil por atos praticados pela Defensoria Pública – responsabilização da pessoa jurídica de direito público O entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a responsabilidade do Estado por atos praticados pela Defensoria Pública Bibliografia INTRODUÇÃO Ao longo dos anos, a produção acadêmica e a atuação prática construíram posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais extremamente interessantes sobre a Defensoria Pública. No entanto, o tempo não perdoa ninguém. Com o passar dos anos, palavra cobre palavra e de tanto que se escreve e se publica, aquilo que não se repete acaba sendo esquecido pelas gerações. Justamente por isso, muito daquilo que já se escreveu sobre a Defensoria Pública acabou ficando esquecido nas prateleiras empoeiradas das bibliotecas e dos velhos sebos, sendo as ideias materializadas nas obras consumidas pelo decurso do tempo. Diante dessa realidade de oblívio, esta obra possui o objetivo de localizar e resgatar esse conhecimento adormecido, realizando um trabalho quase arqueológico de pesquisa. Assim como escrita é a prova do fracasso da memória, a escrita também é a prova de que podemos perpetuar o pensamento. E, dentro desse quadro, o livro é uma forma de recuperar os principais posicionamentos institucionais e de reuni-los em um único lugar, não só para que possamos revisitar as ideias do passado, mas também para que possamos preservá-las para o futuro. Paralelamente ao processo de restauração do conhecimento clássico, a obra procura também absorver as contemporâneas produções científico- institucionais. Analisando a linha histórica de evolução do modelo de assistência jurídica brasileiro, podemos observar a ocorrência de um fenômeno interessante nos últimos anos. Primeiramente, a estruturação normativa da Defensoria Pública passou por inédito processo de transformação constitucional e legislativa, com a edição de sucessivas Emendas Constitucionais (ECs nº 45/2004, nº 69/2012, nº 74/2013 e nº 80/2014) e de relevantes diplomas infraconstitucionais (Lei nº 11.448/2007, Lei Complementar nº 132/2009, Lei nº 13.105/2015 ‒ Novo Código de Processo Civil, etc.); ainda, no âmbito normativo das Defensorias Públicas Estaduais, diversas leis orgânicas foram editadas e muitas outras foram atualizadas (LCE/RN nº 617/2018, LCE/GO nº 130/2017, LCE/AP nº 86/2014, LCE/SC nº 575/2012, LCE/PB nº 104/2012, LCE/RS nº 14.130/2012, LCE/PR nº 136/2011, LCE/AL nº 29/2011, LCE/SE nº 183/2010, LCE/RR nº164/2010, LCE/TO nº 55/2009, LCE/SP nº 988/2006, LCE/PA nº 54/2006 e LCE/AC nº 158/2006). Além desse processo de transformação normativa, a Defensoria Pública vem atravessando vertiginosa evolução jurisprudencial, consolidando diversos posicionamentos institucionais relevantes junto ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Por último, mas não menos importante, houve o recente surgimento de uma nova geração de doutrinadores institucionais, cujas mentes brilhantes proporcionaram verdadeira explosão de conhecimento acadêmico sobre a Defensoria Pública, ocasionando amplo desenvolvimento científico da matéria; de fato, nunca se pesquisou e nunca se escreveu tanto sobre a Defensoria Pública como agora. Por tudo isso, podemos afirmar que atualmente o estudo dos Princípios Institucionais da Defensoria vive sua “Renascença”, com a abertura de novos caminhos normativos, a crescente evolução jurisprudencial e a ascensão do espírito de pesquisa. Nesse contexto, o presente livro busca conjugar o conhecimento clássico do passado institucional com as inovações trazidas pela contemporaneidade renascentista. E uma das principais preocupações nesse processo é justamente preservar o caráter democrático das ideias e do conhecimento conjugados na obra. Para tanto, não foram reunidos no livro apenas os posicionamentos pessoais dos autores. Afinal, como diria OSCAR WILDE, “não somos jovens o suficiente para sabermos tudo”, nem para estarmos sempre certos. Destarte, sempre quea análise de algum tema enfrentou alguma controvérsia doutrinária ou jurisprudencial, foram sistematizadas as diversas correntes relevantes sobre a matéria, mesmo aquelas que se mostraram absolutamente contrárias aos pensamentos e convicções dos autores. Isso permite que o leitor tenha uma compreensão plúrima e ampla sobre os princípios institucionais da Defensoria Pública, para que possa exercer livremente a faculdade de pensar, refletir e escolher. Destinamos esse livro aos membros das diversas Defensorias Públicas espalhadas pelo País, a magistrados, promotores, advogados, professores e pesquisadores que se debruçam sobre o estudo da matéria institucional. Para os candidatos a concurso público para provimento de cargos da Defensoria Pública, o trabalho se apresenta como importante fonte de consulta e estudo, garantindo ampla análise vertical e horizontal das principais questões institucionais. O livro adota divisão didática, apresentando os temas conforme sua aplicabilidade no âmbito da Defensoria Pública da União, da Defensoria Pública do Distrito Federal e das Defensorias Públicas dos Estados, indicando os dispositivos das leis orgânicas locais pertinentes. Posições políticas e ideológicas não se confundem com o trabalho acadêmico aqui proposto, de sorte que o leitor terá à disposição um material técnico acerca dos Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 1.1. Capítulo 1 ACESSO À JUSTIÇA O ACESSO À JUSTIÇA NOS ESTADOS CONTEMPORÂNEOS O acesso à justiça constitui requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos1. Como sintetiza HILARY SOMMER-LAD, sem o direito de acesso à justiça os demais direitos são essencialmente ilusórios2. Em linhas gerais, o direito de acesso à justiça deriva diretamente da própria teoria do contrato social, como matriz fundante do Estado e da ordem social. Quando os indivíduos abrem mão de determinados direitos, inclusive o direito de resolver suas disputas por meio da força, recebem em troca do Estado a correspondente promessa de justiça, paz e bem-estar social. Tendo o Estado assumido o monopólio da jurisdição, assumiu também o compromisso de assegurar a igualdade de todos perante a lei, bem como garantir a igualdade de oportunidades para acessar a ordem jurídica justa. Seguindo essa linha de raciocínio, leciona o professor EARL JOHNSON JR., em clássico artigo dedicado ao estudo da matéria: Most European nations were ruled for centuries by kings and emperors, absolute monarchs many of whom claimed the source of their power descended from God, and consequently they possessed a divine right to Família Abençoada Realce govern the lesser mortals who populated their countries. But then a group of brilliant political philosophers began to write about a brand new vision – what they called the social contract. As men like Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes, and John Locke explained, a government’s right to govern did not descend from God in heaven, but from the consent of the governed right here on earth. These philosophers argued that individual citizens surrendered their rights, including their right to settle disputes through the use of force, only in exchange for a sovereign’s promise to provide all of those citizens justice, peace, and the possibility of a better life. This fundamental notion came to be called the “social contract” – an agreement among a nation’s individual citizens and between those citizens and that nation’s government. One of the essential terms of that social contract is the guarantee of “equality before the law” – the principle or “precept” that citizens from different economic classes will stand equal in the courts or other forums the government provides for resolving disputes. It is based on the notion that individuals would not give up their natural right to settle disputes through force unless the sovereign offered a peaceful alternative in which they have a fair chance to prevail if in the right, no matter whether they are rich, poor, or something in between. (JOHNSON JR., Earl. Ėquality Before the Law and the Social Contract: When Will the United States Finally Guarantee Its People the Equality Before the Law that the Social Contract Demands?, in Fordham Urban Law Journal, volume n. 37, Issue n. 1, 2009, pág. 159/160)3 A efetividade do direito de acesso igualitário à justiça possui como pressuposto não apenas a proibição de qualquer mecanismo ou barreira que impeça o exercício do direito de ação, mas também apresenta uma dimensão positiva, que se traduz exatamente na obrigação imposta ao Estado de assegurar que todos tenham condições efetivas de postular e de defender seus direitos perante o sistema de justiça, independentemente de sua condição de fortuna4. As barreiras econômicas que impedem ou dificultam o acesso à justiça não devem ser superadas unicamente na dimensão negativa, mediante isenção de cobrança de despesas processuais, sendo também indispensável a Família Abençoada Realce viabilização da paridade de armas, garantindo ao litigante pobre assistência jurídica prestada por profissional devidamente qualificado5. Como o reconhecimento formal de direitos pelo ordenamento jurídico não implica diretamente em sua efetivação prática, aquele que se vê impedido de acessar o sistema de justiça acaba sendo também impedido de usufruir dos próprios direitos que lhe seriam atribuídos enquanto integrante do corpo social. Como observa MARIA TEREZA AINA SADEK, “o direito de acesso à justiça é o direito primeiro, é o direito garantidor dos demais direitos, é o direito sem o qual todos os demais direitos são apenas ideais que não se concretizam”6. Justamente por isso, a negativa de acesso à justiça, por ação ou por omissão, representa a ruptura das bases fundamentais do contrato social, gerando a exclusão e a marginalização da parcela mais pobre da sociedade7. 1.2. BARREIRAS ECONÔMICAS IMPOSTAS À EQUALIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA Na medida em que assumiu o monopólio da prestação jurisdicional e criou todo um aparato burocrático dotado de extrema complexidade para o desempenho dessa função, o Estado chamou para si a obrigação de garantir a possibilidade real e efetiva de não ser prejudicada a defesa dos direitos e interesses legítimos do cidadão em razão da insuficiência de recursos econômicos para custear as despesas inerentes ao acionamento dessa máquina estatal8. De outra forma, o Estado acabaria favorecendo a indevida discriminação entre os indivíduos, permitindo que os mais ricos violassem impunemente os direitos dos mais pobres, na certeza de que estes estariam legalmente impedidos de exercer a autotutela de seus interesses, bem como estariam impossibilitados de acessar o sistema de justiça e de requerer a tutela jurisdicional devida, por não possuírem condições de arcar com as despesas necessárias para viabilizar um enfrentamento justo no tribunal9. Embora a pobreza constitua fenômeno multifacetado, que acaba arrastando consigo uma série de consequências que impedem ou dificultam o acesso dos pobres à justiça, existem duas grandes barreiras econômicas que globalmente impedem os carentes de recursos de acessarem o sistema de justiça: (i) as despesas judiciais; e (ii) os honorários advocatícios. Esses são considerados os dois grandes obstáculos, os dois grandes vilões que, por estarem diretamente ligados à necessidade de disponibilização de recursos financeiros, possuem o potencial de impossibilitar o acesso à justiça por aqueles que nada têm e que de tudo necessitam. Para garantir que todos os membros da sociedade sejam capazes de participar de forma igualitária do estabelecimento da ordem jurídica, independentemente de sua particular condição de fortuna, o ordenamento jurídico fundamentalmente prevê dois instrumentos de equalização do acesso à justiça: (i) a gratuidade de justiça; e (ii) a assistência jurídica gratuita. 1.3. O ACESSO À JUSTIÇA E O ENQUADRAMENTO NAS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A consagração progressivae sequencial dos direitos humanos ao longo da história conduziu à idealização das chamadas gerações dos direitos fundamentais. Essa nomenclatura, entretanto, vem sendo criticada por parcela da doutrina, tendo em vista o potencial de induzir ao equivocado entendimento de que uma geração sucederia a outra; como a evolução dos direitos fundamentais possui caráter cumulativo, sendo cada geração acrescida à anterior na formação do conjunto de direitos fundamentais atualmente existentes, parcela da doutrina tem considerado mais adequada a utilização da denominação dimensões dos direitos fundamentais. A primeira dimensão de direitos fundamentais possui ligação com os direitos políticos, civis e individuais, tendo sido construída nas revoluções liberais (francesa e americana) ocorridas no final do Século XVIII. Esses movimentos tinham como principal reivindicação a imposição de limites aos poderes do Estado para garantir o respeito às liberdades individuais do cidadão. Justamente por isso, a primeira geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais condensa postulados de abstenção dos governantes (non facere), sendo tradicionalmente marcada por direitos a prestações negativas (ex.: direitos à liberdade, à vida, à inviolabilidade do domicílio, à propriedade, entre outros)10. A segunda dimensão de direitos fundamentais guarda ligação com os direitos sociais, culturais e econômicos, sendo fruto da revolução industrial europeia, a partir do século XX11. As pressões decorrentes da industrialização, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade acabaram gerando novas reivindicações, impondo ao Estado a adoção de uma postura ativa na efetivação da justiça social12. Por essa razão, a segunda geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais fomenta direitos a prestações positivas (facere), direcionados à redução das desigualdades no plano fático (ex.: direitos à saúde, ao trabalho, à alimentação, à educação, entre outros)13. A terceira dimensão dos direitos fundamentais, por sua vez, possui relação com os direitos metaindividuais ou transindividuais, destinados à proteção do gênero humano14 (ex.: direitos à paz, ao meio ambiente equilibrado, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, à solidariedade, à fraternidade etc.). Atualmente, a doutrina vem categorizando outras gerações de direitos fundamentais, sendo essa classificação, entretanto, permeada por várias divergências e variadas controvérsias. A quarta dimensão de direitos fundamentais, para NORBERTO BOBBIO, estaria ligada à engenharia genética (patrimônio genético de cada indivíduo)15. Por outro lado, para PAULO BONAVIDES, a quarta dimensão compreenderia os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo16. Seguindo posicionamento diverso, UADI LAMMÊGO BULOS associa a quarta dimensão ao direito dos povos, “relativos à saúde, informática, softwares, biociências, eutanásia, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos gerados por inseminação artificial, clonagens, dentre outros acontecimentos ligados à engenharia genética”17. A quinta dimensão de direitos fundamentais, segundo AUGUSTO ZIMMERMANN, guardaria correlação com o direito cibernético, envolvendo questões como a tutela de softwares e a proteção contra crimes virtuais18. Por sua vez, UADI LAMMÊGO BULOS19 e PAULO BONAVIDES20 sustentam que a quinta dimensão corresponderia ao direito à paz. Por fim, a sexta dimensão dos direitos fundamentais corresponderia ao direito de buscar a felicidade. Para UADI LAMMÊGO BULOS, por outro lado, à sexta dimensão corresponderiam a democracia, a liberdade de informação, o direito de informação e o pluralismo político21. Inegavelmente, os direitos que salvaguardam o acesso à justiça constituem direitos fundamentais, pois garantem a efetividade de todos os demais direitos humanos. Como observa o professor CLEBER FRANCISCO ALVES, “na ausência de acesso à justiça, de acesso à representação legal para os pobres e desfavorecidos através da assistência jurídica financiada pelos cofres públicos, não existem direitos humanos, apenas privilégios”22. No entanto, determinar o enquadramento dos direitos que salvaguardam o acesso à justiça dentro das gerações (ou dimensões) dos direitos fundamentais tem sido questão extremamente controvertida na doutrina. Tradicionalmente, os direitos que salvaguardam o acesso à justiça têm sido classificados como direitos fundamentais sociais, compondo a segunda geração dos direitos fundamentais. Nesse sentido, analisando especificamente o direito à assistência jurídica gratuita, ensina FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA: A Assistência Jurídica integral e gratuita se traduz em direito fundamental social, compondo a segunda dimensão dos direitos fundamentais, colimando corrigir a desigualdade material (concreta e fática) que é resultado da carência de recursos. Proporciona ao sujeito materialmente incapaz o usufruto das mesmas benesses jurídicas que um cidadão mais abastado desfrutaria, equilibrando pela via jurídica a desigualdade fatual existente (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. Salvador: JusPodivm, 2015, pág. 71)23 Por outro lado, em virtude de sua indispensabilidade à liberdade fundamental humana e à plena igualdade jurídica de todos os cidadãos perante a lei, os direitos que garantem o acesso à justiça têm sido considerados por alguns estudiosos como direitos fundamentais civis, como leciona o professor CLEBER FRANCISCO ALVES: Na nossa opinião, o direito de acesso à Justiça, incluída especialmente a assistência judiciária gratuita para os necessitados, se traduz num direito de caráter primordialmente civil – e não propriamente um direito social – indispensável mesmo ao exercício pleno da prerrogativa fundamental da liberdade humana e do respeito à igualdade jurídica de todos os cidadãos. (ALVES, Cleber Francisco. Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 38) Seguindo posição intermediária, o professor ROGER SMITH entende que o direito à assistência jurídica constituiria um direito “híbrido”, já que impõe uma obrigação positiva de financiamento ao Estado, semelhante a um direito econômico, embora seja parte integrante do direito civil e político a um julgamento justo24: The right to legal aid is a “hybrid” right in the sense that it imposes a positive obligation of funding on the state, akin to an economic right, although it is an integral part of the civil and political right to a fair trial. (SMITH, Roger. Human Rights and Access to Justice. International Journal of the Legal Profession, v. 14, n. 3, nov. 2007, pág. 261)25 Inaugurando uma nova linha de pensamento, o professor PEDRO GONZÁLEZ sustenta que os direitos que salvaguardam o acesso à justiça constituem direitos multifuncionais, estando ligados às três dimensões (ou gerações) dos direitos fundamentais. Além da dimensão civil e da dimensão social, o direito à assistência jurídica gratuita atenderia a verdadeiro interesse público na efetivação do acesso igualitário à justiça, assumindo caráter transindividual e, consequentemente, estabelecendo ligação com a terceira dimensão dos direitos fundamentais: A assistência jurídica gratuita atende a verdadeiro interesse público – o que denota seu caráter também de direito coletivo, típico da terceira dimensão dos direitos fundamentais. Isso porque, contribui para uma sociedade processualmente mais justa, uma sociedade em que a lei atinge o seu objetivo e é aplicada de forma legítima e igualitária, assegurando-se os direitos de defesa com os meios a ela inerentes. Colabora, outrossim, para a máxima efetividade do texto constitucional e dos direitos inscritos no ordenamento. (...) O acesso à Justiça e assistência jurídica gratuita apresentam-se multifuncionais, vinculando-se às diversas dimensões de direitos fundamentais. Sua nova configuração ressalta a importância de ambos para o fortalecimento da cidadania, para a participação no espaço público, para o exercício da liberdade,para o respeito à igualdade e para a integração ao pacto social. (GONZÁLEZ, Pedro. A Dimensão Político-Democrática do Acesso à Justiça e da Assistência Jurídica Gratuita. In: ALVES, Cleber Francisco; GONZALEZ, Pedro. Defensoria Pública no Século XXI – Novos Horizontes e Desafios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, pág. 118/121) Atualmente, entretanto, essa diferenciação teórica tem perdido relevância com a cada vez mais estreita aproximação das dimensões (ou gerações) dos direitos fundamentais. Em virtude das novas formas com que se tem encarado valores tradicionais, alguns clássicos direitos fundamentais vêm sendo revitalizados, ganhando importância e atualidade; com isso, determinadas noções lendárias sobre as dimensões dos direitos fundamentais vêm perdendo conteúdo, dificultando a identificação das fronteiras de cada uma das gerações. Além disso, o direito internacional proclama que os direitos humanos são interdependentes, interligados e indivisíveis. Como prevê o art. 5º da Declaração e Programa de Ação de Viena, “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”. Todavia, não obstante a aproximação das dimensões dos direitos fundamentais e a indivisibilidade dos direitos humanos, não podemos deixar de considerar que continua sendo bastante presente o discurso conservadorista segundo o qual os direitos civis gerariam obrigações negativas por parte do Estado e seriam judiciáveis, enquanto que os direitos sociais importariam em obrigações positivas e constituiriam meras aspirações limitadas pela “reserva do possível”26. Como observa CLEBER FRANCISCO ALVES, “apesar de ser rotulado como ultrapassado pela maioria dos estudiosos contemporâneos, esse discurso ainda está presente na interpretação dos direitos pelos tribunais e até mesmo pelas organizações internacionais”27. Por essa razão, independentemente do enquadramento dado entre as gerações dos direitos fundamentais, os direitos que salvaguardam o acesso à justiça devem ser considerados como elementos instrumentais da própria dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB), pois garantem a efetividade de todos os demais direitos fundamentais. Justamente por isso, devem ser compreendidos como parte indissociável do mínimo existencial e elemento indispensável para a vida humana digna, não estando limitados, portanto, pela reserva do possível28. 1.4. OS MODELOS DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA DOS ESTADOS CONTEMPORÂNEOS Para adimplir o compromisso de prestar a assistência jurídica aos necessitados, os Estados contemporâneos, influenciados pela cultura e pela história local, adotaram caminhos diversos e desenvolveram modelos variados. Por essa razão, antes de conhecermos nosso próprio sistema de assistência jurídica, com suas virtudes e deficiências, passaremos a analisar de forma rápida e sucinta os cinco principais sistemas ou modelos jurídico- assistenciais presentes no mundo: (i) modelo pro bono; (ii) modelo judicare; (iii) salaried staff model; (iv) sistema híbrido; e (v) modelo socialista. A) MODELO PRO BONO: No modelo pro bono, a assistência jurídica aos necessitados é prestada por intermédio de advogados particulares, que atuam sem receber qualquer espécie de contraprestação pecuniária dos cofres públicos29. Atualmente, esse modelo apresenta três subdivisões básicas: (a) pro bono liberal; (b) pro bono universitário; e (c) pro bono associativo. No pro bono liberal, a atividade jurídica é exercida por profissionais liberais, que atuam em regime assistencial caritativo e imbuídos do aspecto humanitário. Os advogados não recebem qualquer contraprestação estatal ou remuneração do cliente, laborando de forma gratuita ou em regime de contingency fee (ou conditional fee), condicionando o pagamento de honorários ao final êxito no litígio30. Não obstante constitua modelo arcaico e anacrônico, o pro bono liberal ainda possui grande importância em países do continente americano, especialmente no que tange à assistência judiciária nas causas cíveis31. Por outro lado, no pro bono universitário, a assistência jurídica é prestada por profissionais vinculados a universidades particulares, por intermédio de escritórios modelos que oferecem aos estudantes a possibilidade de obter a prática jurídica necessária ao exercício da advocacia. O atendimento é prestado à população pelos estudantes universitários, sob a supervisão de advogado devidamente habilitado, que auxilia na prestação da orientação jurídica e na elaboração das petições ou documentos. Embora o serviço jurídico-assistencial seja gratuito, não sendo admitida a cobrança de qualquer valor dos clientes, esses advogados são remunerados pelas universidades privadas, por intermédio dos valores arrecadados pela cobrança das mensalidades dos alunos. A característica básica no modelo pro bono, entretanto, permanece observada, não havendo nenhum repasse de dinheiro público para o custeio dos serviços assistenciais prestados pelas universidades particulares. Por fim, no pro bono associativo a assistência jurídica é prestada por advogados vinculados a associações não governamentais, que possuem o objetivo de garantir assistência jurídica aos necessitados (por exemplo, a Comissão Pastoral da Terra – CPT e o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, no Brasil; a National Association for the Advancement of Colored People – NAACP e a American Civil Liberties Union – ACLU, nos Estados Unidos; e a Japan Legal Aid Association – JLAA, entre 1952 e 1958, no Japão). O atendimento jurídico-assistencial é prestado à população de forma gratuita ou em regime de contingency fee (ou conditional fee), sendo as associações mantidas primordialmente por recursos oriundos da iniciativa privada e dos honorários advocatícios (sucumbenciais ou de êxito). B) SISTEMA JUDICARE: Assim como ocorre no modelo pro bono, no sistema judicare a assistência jurídica é também prestada por advogados particulares. Entretanto, nesse sistema a atividade desempenhada pelos profissionais liberais é remunerada pelos cofres públicos por cada caso concreto (case-by- case basis). Geralmente, nos países que adotam o sistema judicare, a análise dos requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita é realizada por órgãos públicos ou entidades não estatais, que avaliam casuisticamente a condição econômica da parte e o mérito da causa a ser proposta. Em sendo reconhecido o direito à assistência jurídica gratuita, a parte elege o advogado liberal que patrocinará sua causa, podendo escolher livremente qualquer dos profissionais habilitados previamente junto ao órgão público ou entidade não estatal competente32. Muitas vezes, essa escolha ocorre até mesmo antes da formulação do pedido de assistência jurídica gratuita, sendo o formulário preenchido pelo próprio advogado que pretende assumir a causa. Quando o pedido é formulado pela própria parte e, após o deferimento, ela não realiza a escolha do profissional, ocorre a indicação automática do advogado pelo próprio órgão público ou entidade não estatal, observando-se os critérios de rotatividade próprios de cada país. Após o término dos serviços jurídico-assistenciais, o profissional liberal recebe uma remuneração estatal pelos serviços prestados, pagas com recursos oriundos dos cofres públicos33. De acordo com CLEBER FRANCISCO ALVES, o sistema judicare até muito recentemente era predominante em vários países da Europa, especialmente na parte setentrional do continente. Durante o período áureo do Welfare State, o sistema atingiu seu apogeu no continente europeu, época em que os programas de assistência jurídica abarcavam não apenas as classes mais pobres, como também uma boa parte da classe média. No entanto, “nos últimos tempos, especialmente com a crise de financiamento do Estado do Bem-Estar Social, os sistemas europeus de judicare foram sofrendo alterações, não apenas no que se refere à redução do universo de beneficiários, mas também à implantação de novos programas que funcionam de acordo com o modelo de advogadosassalariados, passando assim a assumir feições de sistemas mistos”34. Atualmente, o sistema judicare pode ser subdividido em duas espécies distintas: (a) judicare direto; (b) judicare indireto. No judicare direto, o gerenciamento dos recursos públicos é realizado por organismos estatais, que mantém o cadastro dos advogados habilitados para prestar o serviço e analisam os pedidos de assistência jurídica formulados pelos necessitados, realizando o pagamento dos profissionais pela atuação em cada caso concreto (por exemplo, o Bureaux d’Aide Juridictionnelle, na França). Por outro lado, no judicare indireto o gerenciamento dos recursos públicos é realizado por entidades não estatais, via de regra sem fins lucrativos, que normalmente coordenam parcela do sistema de prestação da assistência jurídica gratuita, mantendo o cadastro de advogados e realizando o devido pagamento pelos serviços jurídicos prestados (por exemplo, a Legal Aid Society, em Nova York; e a Japan Legal Aid Association – JLAA, entre 1958 e 2007, no Japão). Embora sejam subsidiadas pelos cofres públicos, essas entidades também arrecadam fundos da iniciativa privadas, por intermédio de doações de escritórios, fundações, empresas e pessoas físicas35. O sistema judicare é considerado por muitos estudiosos como sendo o modelo de assistência jurídica mais adequado, tendo em vista ser outorgado ao hipossuficiente econômico a possibilidade de escolha do advogado particular que patrocinará seus interesses36. Segundo PIERO CALAMANDREI, o vínculo de confiança existente entre a parte e seu advogado constituiria garantia essencial à plenitude de defesa; por essa razão, deveria o pobre ter a mesma liberdade de escolha do advogado que tem aquele que paga a remuneração do seu patrono, sob pena de ser colocado em posição de flagrante inferioridade em relação ao seu adversário37. No entanto, para que a liberdade de escolha fosse efetivamente garantida, deveria o sistema judicare remunerar os advogados com os mesmos valores praticados por eles no mercado; somente assim seria possível atrair a totalidade dos profissionais liberais e evitar o desinteresse na prestação da assistência jurídica aos necessitados. Contudo, como o pagamento de remuneração em nivelamento com o mercado acarretaria custo extremamente elevado para o Estado, nenhum país do mundo adota esse utópico patamar contraprestacional; na grande maioria dos casos, os valores pagos pelo sistema judicare se mostram reduzidos e sequer se aproximam da média forense, o que desestimula muitos advogados a atuarem sob o regime da assistência jurídica gratuita. Com razão, portanto, leciona o professor CLEBER FRANCISCO ALVES, considerado uma das maiores autoridades no mundo no que tange ao estudo da assistência jurídica: Em tese, parece uma característica louvável, na medida em que permite que, assim como ocorre com as pessoas de melhor poder aquisitivo, também os menos favorecidos economicamente possam escolher e “contratar” os profissionais mais competentes e melhor qualificados para patrocinar sua causa. Todavia, de fato essa não é a realidade. Primeiramente porque os valores que são pagos pelo Estado como contraprestação pelos serviços prestados pelo advogado ao beneficiário da AJ dificilmente chegarão próximo dos honorários normalmente cobrados dos demais clientes particulares, em especial dos mais abastados economicamente, o que desestimula os advogados mais famosos e com uma extensa carteira de clientes a atuarem sob o regime da AJ. Essa circunstância, aliada ao fato de que o advogado procurado pelo virtual beneficiário da AJ não está obrigado a aceitar a causa, torna de fato bastante estreito o leque de alternativas disponíveis para escolha do profissional que assumirá o patrocínio da causa. (ALVES, Cleber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 182) C) SALARIED STAFF MODEL: Nosalariedstaffmodelosadvogadoslaboramemregimeempregatícioerecebemremuneraçãofixapor período de trabalho diário, independentemente da carga de serviço ou de tarefas efetivamente cumpridas38. Ao contrário do sistema judicare, portanto, o salaried staff model não é fundado no pagamento de remuneração casuística em virtude de cada atividade jurídica executada; nesse modelo, os advogados integram corpo de profissionais especializados na prestação de assistência jurídica gratuita aos necessitados, percebendo como contraprestação por seus serviços remuneração fixa. O salaried staff model se desdobra em três submodalidades: (a) salaried staff model direto; (b) salaried staff model indireto; e (c) salaried staff model universitário. No salaried staff model direto, “o próprio poder público opta pela criação de organismos estatais destinados à prestação direta dos serviços de assistência judiciária (e eventualmente também de assistência jurídica extrajudicial), contratando para tanto advogados que, neste caso, manterão vínculo funcional com o próprio ente público”39. Como exemplo, podemos citar a Defensoria Pública brasileira e o Ministério Público de la Defensa argentino. Por sua vez, no salaried staff model indireto “os serviços podem ser prestados por entidades não estatais, via de regra sem fins lucrativos, que recebem subsídios dos cofres públicos para custeio de suas despesas, inclusive para o pagamento dos advogados contratados cujo vínculo empregatício será estabelecido com essas respectivas entidades e não com o Estado”40. Como exemplo, podemos citar os Neighborhood Law Offices, implementados nos Estados Unidos na década de 1960. Por fim, no salaried staff model universitário a assistência jurídica é prestada por advogados vinculados a universidades públicas, que supervisionam o trabalho dos estudantes nos escritórios modelos. Não obstante o serviço jurídico-assistencial seja prestado de forma gratuita à população, o advogado supervisor recebe remuneração fixa proveniente dos cofres públicos, pelo exercício da atividade de docência universitária. Como exemplo, podemos citar o Escritório Modelo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No salaried staff model, como ocorre o pagamento de remuneração fixa aos advogados, todas as causas são tratadas de maneira igualitária, independentemente da relevância econômica do feito41. Além disso, a assistência jurídica é prestada de maneira integrada e especializada, garantindo--se tanto a defesa individualizada dos necessitados econômicos quanto a tutela coletiva das classes menos favorecidas. No entanto, por não proporcionar liberdade de escolha, o salaried staff model tem sido objeto de críticas por parte de alguns estudiosos. Outrossim, em virtude da crescente demanda, o salaried staff model em muitos países não tem sido capaz de estruturar-se de maneira adequada, de modo a prestar o serviço jurídico-assistencial de maneira rápida e efetiva. D) SISTEMA HÍBRIDO OU MISTO: O sistema híbrido ou misto não constitui propriamente um modelo cientificamente distinto de assistência jurídica aos necessitados; na verdade, trata-se da reunião dos modelos pro bono, judicare e salaried staff, em diversas combinações possíveis, caracterizando autêntica relação de complementaridade. Como exemplo, podemos mencionar o modelo de assistência jurídica atualmente existente no Japão. Criado em 10 de abril de 2006, o Japan Legal Support Center, também conhecido popularmente como Houterasu (法テラ ス)42, presta assistência jurídica gratuita em causas cíveis e criminais de forma híbrida, reunindo advogados que atuam em sistema judicare (judicare attorneys) e advogados contratados em regime de staff (staff attorneys). Como no Japão subsiste uma enorme carência de advogados, os profissionais contratados em regime de staff geralmente possuem sua atuação direcionada para regiões interioranas com déficit de serviços legais, além de serem utilizados para situações que demandam postura proativa (outreach legal services). Por outro lado, os judicare attorneys geralmente atuam nas regiões
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