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1 NOÇÕES DE ARGUMENTAÇÃO E PROGRESSÃO DISCURSIVA 2 Sumário 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 4 2. DE QUE MANEIRA O TEXTO “CAMINHA”? ............................................. 11 3. PROGRESSÃO TEXTUAL: ELEMENTO FUNDAMENTAL PARA UM BOM TEXTO.............. ......................................................................................... 13 4. ARGUMENTAÇÃO: ALGUNS PRESSUPOSTOS E CONCEPÇÕES ....... 15 4.1 A Argumentação como objeto de ensino ..................................... 17 5. MARCADORES DISCURSIVOS EM QUESTÃO ....................................... 23 5.1 Definições e funções principais dos MDs .................................... 32 6. CATEGORIAS E TIPOS ............................................................................ 35 6.1 Organizadores textuais ................................................................ 36 6.2 Os modalizadores ........................................................................ 38 6.3 Características funcionais e estruturais ....................................... 40 7. REFERÊNCIAS ......................................................................................... 53 3 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empre- sários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade ofere- cendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a partici- pação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber atra- vés do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 4 1. INTRODUÇÃO A tradição escolar tem desconhecido a pertinência do discurso argumentativo como objeto de ensino e aprendizagem nas séries iniciais, justificando-se, assim, sua ausência sistemática nas práticas escolares de letramento, em favorecimento do tipo narrativo, ora atualizado em fragmentos de texto literário, ora em adaptações simplificadas. Na justificativa para tal prática, o professor se defende como pode: "Meu aluno tem muita dificuldade pra escrever esse tipo de texto". "Eles (os alunos) não sabem organizar as ideias". "Eles só escrevem mesmo é histórias, porque são ainda pequenos". Tais julgamentos, muitas vezes, não ultrapassam o nível de comentários impressionistas, sem reflexão sistematizada, um senso comum que pouco colabora para o conhecimento dos processos sociocognitivos, psicológicos e das estratégias linguístico-discursivas, que envolvem o uso da linguagem em gêneros, especialmente os do tipo do argumentar pela criança. Com base no quadro descrito, o presente estudo propõe uma análise longitudinal do desenvolvimento do discurso argumentativo por crianças do ensino fundamental, que busque descrever estratégias sociocognitivas e linguístico-discursivas utilizadas para articular sequências textuais argumentativas na produção escrita de texto de opinião. O aporte teórico utilizado apoia-se na teoria de gênero do discurso e nos aspectos psicológicos específicos do desenvolvimento da criança para lidar com conceitos científicos. O processamento textual, tanto do ponto de vista de sua produção, quanto de sua recepção, é um processamento estratégico. Para construir um texto argumentativo, várias estratégias textuais são utilizadas para lhe dar sentido. O mecanismo da sequenciação, por exemplo, é o responsável por ampliar o texto, mantendo-o coerente do ponto de vista semântico e formal. Compreender os sentidos do texto, sob o ponto de vista da linguística textual, requer o conhecimento dessas estratégias. Assim, o estudo ao analisar algumas possibilidades de dar sequência ao texto através de conexões explícitas ou implícitas afim de favorecer a 5 compreensão das relações coesivas responsáveis por esta progressão. A gramática textual surgiu com finalidade de refletir sobre fenômenos linguísticos até então inexplicáveis pelas gramáticas tradicionais. O que a legitima é, pois, a descontinuidade existente entre enunciado e texto, já que há entre ambos uma diferença de ordem qualitativa (e não meramente quantitativa). Como o texto é muito mais que uma simples sequência de enunciado, a sua compreensão e a sua produção derivam de uma competência específica do falante, a competência textual que se distingue da competência frasal ou linguística em sentido escrito. Todo falante de uma língua tem a capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados, e esta é uma competência linguística – em sentido amplo. Para Weinrich, texto é uma “estrutura determinativa” cujas partes são interdependentes, sendo cada uma necessária para a compreensão das demais, e esta interdependência é devido aos diversos recursos de sequenciação existente na língua. Pode-se definir sequenciação textual como o mecanismo de procedimentos linguísticos por meio dos quais se estabelecem as conexões lógicas entre os segmentos do texto; Conhecer as estratégias de sequenciação é de fundamental importância no modo como se opera a progressão temática. Ela traz um novo conceito, denominado tema/rema, o qual inova o estudo das articulações do enunciado, com uma proposta diferente do tradicional sujeito/predicado. Apre- senta também esquemas cognitivos, ativados na memória do leitor/ouvinte, de modo que outros elementos do texto serão interpretados dentro de “frames”, quadros, o que permite, por exemplo, desfazer ambiguidades e avançar com perspectivas sobre o que deve vir em sequência no texto. A língua é prática, é ação. Assertiva essa, atualmente, plena de obviedade, haja vista o tanto de estudos linguísticos que assim demonstram operarem-se as línguas naturais. Contudo, a obviedade não vai além disso, pois explicitar como se processam as ações que as línguas ensejam é propriamente o escopo fundamental de todo empreendimento de pesquisa acerca da linguagem. Com efeito, buscar definir como se dão os atos de fala, o surgimento e o desenvolvimento dos gêneros textuais, a gramaticalização ou quaisquer outros fenômenos da linguagem é forjar o entendimento de como o sujeito age na linguagem e pela linguagem. Na verdade, os estudos linguísticos tentam 6 apreender a própria essência do homem. Esse homem, no entanto, sempre, sujeito a transformações de ordem cognitiva, social e história. Temos, dessa forma, um labirinto cuja construção, a cada interlocução, torna-se mais extenso, mais multifacetado. Daí, Fiorin ter asseverado que “linguagem, fenômeno multiforme e heteróclito, que tem desafiado o homem de todas as épocas e de todos os lugares”. De fato, a língua é algonunca acabado, sempre por fazer. E a incompletude da língua está no fato de que o sujeito dizente está, permanentemente, a (re)construir-se. Afinal, sujeito e língua indissociáveis em seu desenvolvimento: entrelaçamento infinito, em que produto e produtor não se delineiam efetivamente: Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a lín- gua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. (BAKHTIN/VOLOCHÍ- NOV, 2010, p. 111) Posto isso, foi inserido nessa trajetória infindável e necessária a que a língua nos impõe. Pesquisa esta que imergiu na encruzilhada, cada vez mais complexa, da relação entre língua e ensino. Dissemos complexa, porque a dinâmica social a que estamos submetidos tem assumido um viés de variedade contínua e incomensurável de vozes, ações, pensamentos, percepções, que muitas vezes convivem num mesmo espaço, numa mesma imagem, num mesmo conceito, num mesmo indivíduo. Panorama esse que configura uma instabilidade que requer um novo conjunto de teorias e práticas em todas as esferas da existência. A escola, dentro de seu propósito que é forjar um indivíduo hábil para inserir-se plenamente na dinâmica social, tem um desafio imenso nos dias correntes, porque está nossa sociedade fluída de representações, ações e linguagens requer um tipo de sujeito passível de capacidades múltiplas, capaz de responder às várias demandas sociais que se colocam com mais rapidez agora que em momentos outros da história. E o ensino de língua demanda uma construção ainda mais significativa. Assim é porque a língua é o fator estruturante de todas as ações, representações e linguagens. Afinal, como assevera Xavier (2013), a língua responde às demandas da elaboração intelectual e, consequentemente, possibilita o surgimento das outras linguagens. A língua tem, assim, moldando-se aos novos 7 dizeres, a todas as necessidades sociais e discursivas dos falantes enunciarem-se, por exemplo, através de formas textuais híbridas. E a escola, com seu ensino de língua, tem correspondido ao seu papel (que é forjar falantes críticos e dotados de letramentos múltiplos)? Possivelmente não em sua totalidade. Nem mesmo naquele que há mais tempo tem sido seu objeto privilegiado de ensino e aprendizagem, o ensino da gramática normativa, a escola tem alcançado resultados satisfatórios. De fato, os indicadores quanto ao fracasso das práticas de linguagem, na escola, estão expressos não apenas pelos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, Programa internacional de avaliação de estudantes, Sistema de Avaliação de Educação Básica e tantos outros processos avaliativos institucionais, mas também vários trabalhos demonstram uma realidade de baixa desenvoltura nos mesmos aspectos. Reconhecer que não há dissociabilidade entre leitura e escrita na prática de ensino e aprendizagem de língua materna. De fato, leitura e escrita: uma prática interface da outra. Daí, esse projeto contemplar os dois eixos de ensino e aprendizagem. Para falar de leitura, nos tempos correntes, devemos nos voltar para aquilo que perfilou em nossa sociedade as características que, hoje em dia, temos como a prática da leitura. Assim o deve-se fazer para ter uma visão mais acurada das origens das práticas correntes. Remontemos, então, para o último quartel do século passado e o que encontraremos, segundo Kleiman (2004) aponta, são duas principais abordagens: a abordagem psicossocial e abordagem sócio histórica. A abordagem psicossocial, que foi para além daquilo que o Behaviorismo estabelecia como prática de aprendizagem (uma metodologia baseada no estímulo resposta), vai tomar, em suas perspectivas teórico-procedimentais, o indivíduo como um ser com capacidades cognitivas mais amplamente ativas, a partir das quais, quando no processo de leitura, será capaz de construir hipóteses e fazer inferências, demonstrando, assim, inteligência, criatividade e imprevisibilidade. Essa perspectiva está diretamente em conexão com os pressupostos da Psicologia Cognitiva e da Sociolinguística, bem como pela Linguística Textual. Assim sendo, nos estudos relativos à leitura, forjou-se uma perspectiva de estudo quanto à relação entre compreensão (ou incompreensão) e legibilidade, 8 ou seja, queria-se entender como a presença ou ausência de mecanismos de textualidade, bem como as tipologias de texto (narrativa, descritiva e argumentativa) e a intertextualidade implicavam no processo de leitura. Por sua vez, a abordagem sócio histórica, ainda de acordo com Kleiman (2004), descentralizou, ao contrário do que propunha o Behaviorismo e a abordagem psicossocial, o indivíduo do plano construtor único da produção de conhecimento e, por conseguinte, de sentido frente aos textos. Daí, kleiman (ibid) dizer que a perspectiva sócio histórica ser uma efetiva ruptura epistemológica. De fato, essa perspectiva vai buscar, nas tessituras sociais e históricas que envolvem o indivíduo, os elementos que propiciaram uma determinada postura perante o ato de leitura. Tal perspectiva tem suas raízes presas a duas abordagens principais: a História Cultural da Leitura, oriunda da França, e a uma de origem inglesa, sendo vinculada aos estudos dos antropólogos Heath e Street. A vertente inglesa, que passou a dominar fortemente os estudos em Linguística Aplicada, tomou da Análise Crítica do Discurso, da Pragmática, das Teorias de Enunciação e da Sociolinguística Interacional suas bases de desenvolvimento. Essa visão de leitura é a que a Linguística Aplicada tomou para si, como nos esclarece Kleiman é a leitura como prática social, específica de uma comunidade, os modos de ler inseparáveis dos contextos de ação dos leitores, as múltiplas e heterogêneas funções da leitura ligadas aos contextos de ação desses sujeitos. Os modos de ler interessam pelo que nos podem mostrar sobre a construção social dos saberes em eventos que envolvem interações, textos multissemióticos e mobili- zação de gêneros complexos, tais como uma lição numa aula versus um cartaz numa assembleia versus um panfleto numa troca comercial. O pesquisador pro- cura entender o funcionamento da escrita nas práticas locais das diversas instituições e visa, ainda, a problematizar o uso da escrita, desnaturalizando sua relação de poder. Ou seja, em contraposição ao que tradicionalmente ainda é praticado, não concebemos o ensino aprendizagem da leitura (nem da escrita) como um processo de aquisição e desenvolvimento de competências e habilidades individuais. Na perspectiva da leitura como prática, de fato, o ato de ler não é desvinculado das práticas discursivas, assim como não está dissociado de suas 9 múltiplas funções nem dos contextos que propiciam seu desenvolvimento. Não é possível, dessa forma, distinguir a leitura dos modos pelos quais as outras práticas sociais se processam, isto é, de forma coletiva, com a participação de outros entes sociais, os quais têm suas habilidades, seus saberes e suas ideologias, e que com tais aspectos movimentam-se e fazem movimentar a di- nâmica social. Kleiman (2007) chama atenção, no entanto, parao esforço que tal perspectiva demanda do docente, uma vez que se faz necessária a ruptura frente ao paradigma tão largamente arraigado, qual seja: o planejamento e desenvolvimento de aulas baseadas em conteúdo. Em outras palavras, ao invés de ter os conteúdos como critério de pauta de planejamento e procedimento pedagógico, deve-se ter em vista as práticas sociais, as quais ensejam inevitavelmente as competências e habilidades que os professores desejavam ver construídas e os alunos precisam ter construídas. Assim, a busca deve dar-se em proporcionar aos educandos os textos relevantes para ele e seu entorno social, e não a uma prática de leitura que tenha como função ressaltar aspectos que estruturem alguma operação do sistema da língua ou das estruturas composicionais do gênero. Aliás, Kleiman (2007), faz relevante indicação para o fato de que as práticas sociais só se viabilizam por intermédio de gêneros, mas que isso não seja objeto para que a realidade pedagógica vá de encontro à realidade concreta, isto é, que a escola faça dos gêneros textuais um motivo para análises metalinguísticas tão ao gosto do trabalho que ainda se tende a fazer com a dimensão sistêmica da língua. De fato, tem havido certa problematização quanto ao uso dos gêneros em sala de aula, resultante de propostas que ora não se centralizam na obediência aos paradigmas de composição, estilo e estruturação dos gêneros didatizados, ora levam os gêneros ao patamar de normatização em que o estudo dos gêneros assume um papel similar àquele que a gramática normativa exerceu até pouco tempo atrás. (...) para que a mercadoria se tornasse palatável ao sistema, foi preciso esquecer a estabilidade relativa dos gêneros; o entrecruzamento genérico, a correlação genética com as atividades sociais e sua distinção entre gêneros primários e gêneros secundários deixa de ser processual para se tornar ontológica. Os gêneros passam a ser ‘entes’ e não processos disponíveis para a atividade discursiva que se realiza no interior das esferas de atividades humanas. Assim, desbastado de toda sua originalidade, o estudo bakhtiniano, mantida a referência à linguística da enunciação, se prestou a um deslocamento no ensino que vai das tentativas de centração na aprendizagem através das 10 práticas, para objetos definidos previamente, seriáveis, unificados e exigíveis em avaliações nacionais. Agora se ensina um gênero no qual o aluno pode se exercitar. O movimento vai do ensino à organização didática da aprendizagem. Não é preciso partir do capital cultural: dispõe-se da segurança do capital escolar. Voltamos a ter uma mercadoria, um capital escolar vendável e consumível. Retornamos ao passado sob o manto do recente, do novo, do atual (GERALDI, 2009, mimeo). A prática da produção textual tem de estar, tal como deve a da leitura, vinculada às práticas sociais que circundam a realidade do educando. Dizer isso é propor práticas de produção relevantes, que se configurem como um veículo de produção que faça sentido com a realidade situada social e historicamente. Assim o é porque em sua prática cotidiana o aprendiz tem objetivos precisos quando se propõe a escrever um SMS, um bilhete, uma postagem no Facebook, etc. Na escola, deve ser da mesma maneira, plena de sentido os atos de escrita. Do mesmo modo como apontamos que o exercício da leitura como prática requer o abandono da centralidade dos conteúdos, assim deve se dar com a produção. Abandono, também, deve ocorrer com a perspectiva da escrita como algo individual, sem seu caráter coletivo e dialógico. Ou seja: (...) preocupação em ensinar características textuais e discursivas de diferentes gêneros e não apenas em requerer a sua elaboração e o seu uso descontextualizados; há uma compreensão de que a atividade escrita precisa fazer sentido para o aluno e não constituir-se em um mero exercício vazio de significado (MARCUSCHI, 2006, p.71). Efetivamente, o processo de ensino-aprendizagem dos gêneros requerer uma reflexão constante, pois ainda é bastante problemático o uso dos gêneros em sala de aula. Afinal, a prática do ensino de língua materna deve ter como foco principal dotar o indivíduo de proficiência nas múltiplas linguagens, regida pela autonomia e criticidade. Com efeito, autonomia e criticidade que não têm emergido por estarmos ainda sob uma prática que se desenvolve sob os auspícios da normatividade – quer sob a roupagem da gramática normativa, quer sob invólucro dos gêneros. Sem dúvida, a escola tem trabalhado com alguns paradigmas bastante questionáveis que não exercitam a autonomia de pensamento e, por conseguinte, de criticidade. A argumentação é um deles. A argumentação, na dimensão escolar, tem sido delegada a um plano menor do que, de fato, ela expressa-se nas práticas linguísticas e sociais cotidianas. A escola tem tratado a argumentação como se ela não fosse um exercício constante, que é executado por intermédio de toda multiplicidade dos gêneros 11 textuais. O que pode ser percebido nas práticas sociais é a argumentação em todos os gêneros, e não em alguns poucos, ou seja, não apenas naqueles que são tradicionalmente tipificados como de opinião: A interação social por intermédio da língua caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade. Como ser dotado de razão e vontade, o homem, constantemente, avalia, julga, critica, isto é, forma juízos de valor. Por outro lado, por meio do discurso – ação verbal dotada de intencionalidade – tenta influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que compartilhe determinadas de suas opiniões. É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo. A neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende “neutro”, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade. (KOCH,2011, p.17). Em consonância com essa postura está a avaliação textual do Exame Nacional do Ensino Médio, que influencia fortemente o processo pedagógico do país. Essa prova, amplamente divulgada pelas diversas mídias e que tem sido determinante para a entrada dos alunos nas mais importantes universidades do país, sem dúvida, tem uma representação de argumentação que pode levar a crer que apenas alguns textos têm natureza argumentativa. 2. DE QUE MANEIRA O TEXTO “CAMINHA”? Escrever um texto é uma tarefa cujo sucesso não se completa, simplesmente, pela codificação das ideias ou das informações, através de sinais 12 gráficos. Mas sim, compreendendo etapas distintas e integradas de realização incluindo planejamento, operação e revisão, as quais, por sua vez, implicam da parte de quem escreve, uma série de decisões. Um texto, para ser criado, passa por vários procedimentos mesmo de forma involuntária, mas que necessita de um referencial e compreende várias etapas. Assim a função específica e a condição final do texto vão depender de como se respeitou cada uma dessas funções. O texto pode caminhar, quando o autor se preocupa em despertar nos leitores expectativas e vai tratando do assunto, com determinado rumo, mesmo que depois, com surpresa, descobrimos uma sequência lógica proposta no início da leitura. O encaminhamento se dá quando o escritor busca por umaaproximação maior, um contato mais direto com o leitor, por meio do pronome de tratamento você, por exemplo, e por criar desafios interrogando o leitor. Se o leitor não consegue entender com clareza o que o texto quer dizer, das duas, uma: ou não sabe ler direito, ou o texto não está bem organizado; e quando percebe-se um texto sem estrutura é porque faltou competência textual para desenvolvê-lo. Um texto para ter bom desenvolvimento depende da unidade de significação, coerência, coesão e criatividade. Ele tem unidade quando aborda do começo ao fim, o mesmo assunto, concluindo o que havia começado. Assim como todo texto tem uma introdução, é nela que estabelece, a relação autor/leitor, um lugar de negociação, em que o autor propõe um assunto e como pretende abordá-lo. O texto pode caminhar e se expandir quando tem referência e tematização; quando se organiza a partir de uma introdução, quando se apoia em um saber partilhado e com base nesse saber partilhado; acrescenta uma informação nova e assim cresce e ganha vida. A elaboração de um texto escrito é um produto de um plano de trabalho do qual fazem parte as informações e conceitos que vamos manipular, a posição crítica que queremos manifestar, o perfil da pessoa ou grupo a que nos dirigimos e o tipo de reação que nosso texto deve despertar. O texto deve ser produzido de forma a satisfazer os objetivos que nos propusemos a alcançar. 13 3. PROGRESSÃO TEXTUAL: ELEMENTO FUNDAMENTAL PARA UM BOM TEXTO Quando você lê um texto, é possível perceber diversas características que entrelaçam o entendimento do mesmo. Além de aspectos básicos relacionados à ortografia correta das palavras, a concordância e a regência nominal e verbal, a acentuação e a pontuação, existem outros aspectos fundamentais que formam a progressão textual. O mesmo deve acontecer ao escrevermos uma redação ou outro tipo de texto, é necessário desenvolvermos a progressividade! Para que este elemento fundamental seja visível de forma eficaz em nossos textos, deve- mos utilizar de diversos recursos linguísticos. E você aí pensando que é só escrever mais ou menos seguindo a linha de raciocínio do tema que está tudo certo, hein?! Mas afinal, o que é Progressão Textual? A progressão textual é um dos aspectos que compõe a construção de um texto, se esta não estiver presente, dificilmente você compreenderá bem o que está sendo dito, ou ainda pior, se estiver escrevendo um texto sem as características que ela traz, não conseguirá transmitir com eficácia o raciocínio desenvolvido ao produzir sua escrita! Para desenvolvê-la, existem diversas formas que até você use, talvez, mas nem sempre sabe o que é. Primeiro, é necessário citar que ao escrever um texto você deve compreender perfeitamente o tema e entender para quem você está escrevendo. Após identificar esses dois pontos básicos, é necessário começar a construir uma linha de raciocínio, ou 14 seja, organizar as ideias a serem abordadas. Feito isso, comece a identificar se você está inserindo itens que agregam coesão e coerência ao texto. E a partir desse movimento será possível analisar se o seu texto possui ou precisa melhorar os aspectos de progressividade. Quando você insere elementos de conexão a sua redação, naturalmente você cria progressão. Esses elementos podem reafirmar ou dar mais foco a ideias por meio das conjunções ou advérbios, por exemplo. Ou ainda podem retomar uma informação já dita por meio dos pronomes. Você ainda pode utilizar aspectos textuais como as figuras de linguagem para realizar a omissão de orações ou termos ditos em um período ou frase. E ainda, utilizar de paralelismo para dar valor de igualdade semântica na construção de alguma oração. Além dos aspectos citados, existem muitos outros que sim, devem ser estudados e identificados em sua escrita para que você possa sempre construir textos com progressividade. A forma de organização das suas ideias, como irá desenvolver a progressão do tema, se houver argumentação, como irá desenvolvê-la, a utilização de termos referenciais, como irá utilizar de paráfrases para retomada de algum item já citado são aspectos importantes que também compõem a progressão. Dessa maneira, fica claro que falar de progressividade é muito mais que citar um único item, pois agrega um conjunto de elementos que devem ser utilizados para conquistar uma excelente produção textual. Cada um dos itens citados é um “mergulho profundo” que deve ser dado, ou seja, é fundamental estudá-los! Afinal, são elementos importantes que devem compor a sua redação. Sem eles é impossível produzir um bom raciocínio com progressão textual atendendo ao tema e ao público destinado. Aprender a escrever um bom texto é um investimento intelectual que se leva levará para a vida toda! Além do mais, compreender o poder da comunicação por meio da escrita correta, sabendo os sentidos das expressões utilizadas e se o que está escrevendo será compreendido é um elemento indispensável para o crescimento do conhecimento, principalmente quando se trata de provas discursivas! 15 4. ARGUMENTAÇÃO: ALGUNS PRESSUPOSTOS E CONCEP- ÇÕES Na teoria da argumentação (TA) proposta por Perelman e Olbrechts-Tyteca, “o discurso se apoia sobre as crenças e as opiniões em voga no meio social: para começar a desenvolver uma argumentação, o orador deve estabelecer antes um acordo com o auditório”. Conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca, a nova retórica conserva da retórica aristotélica a ideia de auditório, referindo-se esse “ao conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.” Segundo os autores, essa ideia (auditório) “é imediatamente evocada assim que se pensa em um discurso. Todo discurso se dirige a um auditório.” De acordo com Paulinelli (2014), os estudos perelmanianos expressam a relevância dos fundamentos do discurso argumentativo: “dos tópicos, da doxa, do conhecimento partilhado do senso co- mum, no qual o locutor se fundamenta para construir desde as premissas iniciais até a conclusão”, de forma discursiva e “orientado para a persuasão de um auditório”. Contrapondo-se a essa ideia de auditório universal, Reboul (2010) defende que um auditório (para quem se argumenta) é sempre particular e diferente de outros auditórios, pela competência e pelas crenças e emoções. “Sempre há um ponto de vista, com tudo que esse termo comporta de relativo, limitado, parcial.” Lima (2006), embora considere a relevância da contribuição do TA destaca que, ainda que retomem a ideia aristotélica de auditório, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1958-2005) desconsideram o contexto, pois “sua análise não leva em conta as circunstâncias, as questões sociais e culturais”. Além disso, ao excluir do TA o 16 pathos, os autores apresentam uma visão limitada, uma vez que “não há como se pensar em argumentação sem levar em conta os três elementos: as paixões, a construção de imagens e a razão”. Ruth Amossy, em seus estudos, reconhece o papel relevante de Perelman e Olbrechts-Tyteca ao destacar a figura central do público, pois, é em função dele que “o locutor desenvolve suas estratégias argumentativas.” Mas, assim como Lima, (2006) discute a visão limitada que a Nova Retórica assume em relação à argumentação, na medida em que esta é reduzida a uma “tentativa de mobilizar os recursos da linguagem para suscitar a adesão dos espíritos àtese proposta ao assentimento”. Conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 213) “enquanto o orador argumenta, o ouvinte ficará inclinado a argumentar espontaneamente acerca desse discurso, a fim de tomar uma atitude a seu respeito, de determinar o crédito que lhe deve dar.” Fundada em um ponto de vista dialógico, a proposta de Ruth Amossy é ampliar essa visão limitada da nova retórica para a ideia de uma adesão não somente a uma tese, “mas também a modos de pensar, de ver, de sentir”; pois isso “permite à argumentação, tomada como sinônimo de retórica ou de arte de persuadir, tratar do vasto leque de discursos, tanto os privados, quanto os públicos, que circulam no espaço contemporâneo”. Abreu (2009) e Fiorin (2015) revisitam o TA e retomam os tipos de argumentos ali analisados. Partindo de um ponto de vista dialógico, eles apresentam os tipos de argumentos não apenas como técnicas de persuasão, mas como categorias discursivas, utilizadas com a finalidade de persuadir. Para Abreu (2009), argumentar é a arte de convencer e persuadir. Convencer é “gerenciar informação”, falar à razão do outro, demonstrando, provando; é construir algo no campo das ideias; é fazer o outro pensar como nós. Persuadir é saber gerenciar a relação, falar à emoção do outro; é construir no terreno das emoções; é “sensibilizar o outro a agir”. Em sua visão, portanto, argumentar é agir sobre o outro; “é a arte de, gerenciando informação, convencer o outro de alguma coisa no plano das ideias e de, gerenciando relação, persuadi-lo, no plano das emoções, a fazer alguma coisa que nós desejamos que ele faça”. Abreu (2009) define quatro condições para a argumentação: (1) definição da uma tese; 17 (2) linguagem comum com o auditório; (3) contato positivo com o auditório; (4) atitude ética. Em relação à distinção entre convencer e persuadir. Reboul (2010) salienta que “essa distinção repousa sobre uma filosofia – até mesmo uma ideologia – excessivamente dualista, visto que opõe no homem o ser de crença e sentimento ao ser de inteligência e razão, e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro, ou mesmo contra o primeiro”. (REBOUL, 2010, p. XV) Na visão de Fiorin (2014, 2015), todos os discursos são argumentativos, pois “são uma reação responsiva a outro discurso”; a argumentação, nesse sentido, é uma “tomada de posição contra outra posição”. Dessa forma, argumentar seria construir um discurso que tem a finalidade de persuadir. Com base na ideia de dialogismo de Bakhtin, todos os discursos podem ser considerados argumentativos, pois, “se a argumentação é a tomada de posição contra outra posição, a natureza dialógica do discurso implica que os dois pontos de vista não precisam ser explicitamente formulados”. Esta pesquisa adota, com Amossy (2000, 2006, 2011), Lima (2006), Abreu (2009) e Fiorin (2014, 2015) uma perspectiva discursiva sobre a argumentação. Concorda-se que “a argumentação é inseparável do funcionamento global do discurso”, e que “ela atravessa os discursos”. Argumentação e retórica, na tradição clássica, eram objetos claramente distintos. Nesse paradigma, a argumentação era conside- rada como um dos componentes da retórica, juntamente com a oratória. Reboul, em sua Introdução à Retórica destaca que argumentativo e retórico são dois aspectos “nem sempre fáceis de distinguir”. 4.1 A Argumentação como objeto de ensino Esta seção compõe-se de três subseções, as quais se articulam para organizar nossa reflexão sobre a argumentação como objeto de ensino na escola. Por que ensinar a argumentar? 18 Assumindo que o homem é um ser social que necessita interagir com seus semelhantes nas diferentes esferas da sociedade, e que essa interação se dá através da linguagem, segundo objetivos, intenções e necessidade de alcançar no outro uma determinada reação, podemos dizer, conforme Koch (2000) que “o uso da linguagem é essencialmente argumentativo”. Logo, ensinar a argumentar pode ser entendido como ensinar a atuar socialmente, para que o indivíduo possa modificar a realidade que o rodeia através da razão e da emoção, provocando no outro uma reação. Saber argumentar, de acordo com Abreu (2009, p. 10) é “saber integrar-se ao universo do outro”. Assim como Fiorin (2014, 2015), Koch (1996, p. 19) assume que argumentar é “orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia”. Todavia, o discurso do outro nem sempre é facilmente apreendido, tampouco é simples a ação de persuadir. Conforme postula Platin (2008, p. 64), “a argumentação é uma atividade custosa, tanto do ponto de vista cognitivo como do ponto de vista interpessoal; só nos engajamos nela pressionados pela resistência do outro à opinião que estamos expondo”. Argumentar, portanto, não é simplesmente enunciar o que se pensa sobre algo, pois, por trás de uma opinião há, ainda que inconscientemente, interesses e ideologias reproduzidos, ou seja, um ponto de vista é construído sempre a partir de um lugar social. Se, por um lado, a argumentação nasce da controvér- sia, do conflito, da polêmica; por outro lado é também uma renúncia à violência, pois, conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) argumentar é “uma ação que tende sempre a modificar um estado de coisas preexistentes”. Com base nisso acreditamos que o uso da argumentação implica que se tenha renunciado a recorrer unicamente à força, que se dê apreço à adesão do interlocutor, obtida graças a uma persuasão racional, que este não seja tratado como ob- jeto, mas que se apela à sua liberdade de juízo. (Perelman et. al., 2005, p.61). A argumentação está presente no cotidiano das pessoas, todo indivíduo tem suas opiniões, seus posicionamentos acerca de questões, seja de foro público ou privado. A dimensão dialógica da argumentação, que permite compreender todo discurso como argumentativo, não reduz a necessidade de 19 tomar argumentação como objeto de ensino. Buscamos em Ruth Amossy as noções de orientação e dimensão argumentativa, segundo as quais os discursos podem manifestar uma orientação argumentativa, adotando estratégias de persuasão; ou uma dimensão argumentativa, que pode ser menor ou maior em cada discurso. Contudo, conforme Amossy, independente disso, “a argumentação é sempre parte integrante do discurso em situação”. A proposta de ensino defendida nesta privilegia discursos com essa orientação argumentativa, por acreditarmos que argumentar (e argumentar por escrito) mo- biliza um conjunto de capacidades que vão além do falar e que exigem a orga- nização de ideias em uma rede de argumentos, fazendo-se uso de determinadas estratégias, numa tentativa de agir sobre o outro através do discurso, modificando, confirmando ou rejeitando um discurso anterior. Trata-se também de uma capacidade de dialogar com outros discursos. Conforme Graff (2011, p. XXII) “em uma sociedade cada vez mais diversificada, global, esta capacidade de dialogar com as ideias dos outros é especialmente crucial para uma cidadania democrática.” Para a retórica, a competência argumentativa não é uma competência semântica da língua (no sentido saussu- riano), mas uma técnica especializada do planejamento lógico-discursivo, uma competência da fala, de múltiplas dimensões (emocional, objetal, relacional). Não basta saber falar parasaber argumentar, são necessárias competências e um aprendizado específico (PLATIN, 2008, p. 35-36). Ampliamos para a competência escrita, também de múltiplas dimensões, essa visão defendida por Platin (2008). Estratégias argumentativas Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Abreu (2009) e Fiorin (2015) em suas obras, adotam expressões como “técnicas argumentativas ou discursivas”, estratégias argumentativas ou discursivas, para referir-se aos tipos de argumentos; técnicas as quais “permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes apresentam ao assentimento”. As técnicas argumentativas, em Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) referem-se aos esquemas, ou lugares da argumentação, são as diversas categorias de 20 argumentos: argumentos quase-lógicos (ligados ao pensamento formal), argu- mentos baseados na estrutura do real, argumentos que fundamentam a estrutura do real, argumentos que dissociam uma noção, formas de apresentar os argumentos. Para Abreu (2009), técnicas ou estratégias argumentativas referem-se aos “fundamentos que estabelecem a ligação entre as teses de ade- são inicial e a tese principal”. Dentre esses fundamentos, o autor inclui os argumentos quase-lógicos, os argumentos fundamentados na estrutura do real e as figuras de retórica. Nos estudos de Fiorin (2014, 2015) são estratégias argumentativas os argumentos e outros recursos, como os valores, os lugares comuns, os implíci- tos, as perguntas capciosas. Koch (1984), partindo de uma abordagem distinta da assumida por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Abreu (2009) e Fiorin (2015), apresenta como estratégias discursivas ou recursos retórico-argumenta- tivos os operadores lógico-discursivos, os operadores argumentativos e os mo- dalizadores. Percebemos, em diversos estudos sobre argumentação, a utiliza- ção tanto da expressão “estratégias argumentativas” quanto da expressão “técnicas argumentativas” para fazer referência aos diversos procedimentos discursivos e retóricos utilizados na busca da persuasão. Ao adotar, neste estudo, a expressão estratégias argumentativas, por crermos que se trata de um termo mais presente no universo docente. Assim, concebemos estratégias argumentativas como recursos linguísticos e retóricos que podem ser utilizados na construção do discurso argumentativo, tendo em vista o convencimento e a persuasão dos interlocutores, e mais, tentando alterar, neles, modos de ver e de sentir. Compreende-se, ainda, com base em Koch (1984), que a argumentação apresenta certas marcas linguísticas, as quais podem ser vistas como estratégias argumentativas. Dentre essas marcas, é selecionado os operadores e modalizadores discursivos que, além de articular os enunciados, propiciam a construção da coerência e coesão e possuem importante valor retórico. Os operadores, também conhecidos como “encadeadores de discurso”, já que têm a função de “estruturar os enunciados em textos, por meio de encadeamentos sucessivos de enunciados, sendo cada enunciado resultante de um ato de fala distinto” atuam na articulação do texto como “mecanismos de conexão”, pois se 21 relacionam “aos modos de encadeamento das ideias no texto”. Concebendo o texto como produção social, Bronckart (2007, p. 264-265) esclarece que os mecanismos de conexão, também denominados “organizadores textuais”, po- dem ser “unidades linguísticas de estatuto diverso”, que explicitam “as relações existentes entre os diferentes níveis de organização de um texto”. Ele agrupa essas unidades linguísticas em quatro categorias: 1. Advérbios ou locuções adverbiais; 2. Sintagmas preposicionais; 3. Conjunções coordenativas; 4. Conjunções de subordinação. Bronckart (2007) demonstra, então, que os mecanismos ou “marcas de conexão”, pertencem a categorias gramaticais distintas, podendo organizar-se em sintagmas também distintos e assumir funções específicas. Dentre essas funções está a introdução de relações discursivo-argumentativas - contrajunção, justificativa, explicação, generalização, entre outras (KOCH, 2003), as quais colaboram na construção dos pontos de vista assumidos nos textos argumentativos. No entanto, segundo Koch, (1996) Tanto nas gramáticas, como no ensino de língua materna tem-se dado maior ênfase ao estudo dos morfemas lexicais e dos morfemas gramaticais flexionais e derivacionais, relegando-se a um plano totalmente secundário os elementos aqui abordados. Desse modo, eles passam praticamente despercebidos ao aprendiz que – na melhor das hipóteses – limita-se a decorá-los, sem lhes dar maior atenção. (Koch, 1996, p.110) Para Bronckart (2007) os modalizadores são “mecanismos enunciativos” que têm a finalidade de expressar “comentários ou avaliações formulados a respeito de alguns elementos do conteúdo temático”. Diferentemente dos mecanismos de textualização, que “marcam a progressão e a coerência temática” e são “articulados à linearidade do texto”; as modalizações “são relativamente independentes dessa linearidade e dessa progressão”, pertencem “à dimensão configuracional do texto”, “contribuindo para o estabelecimento de sua coerência pragmática ou interativa” e “orientando o destinatário na interpretação de seu conteúdo temático”. Na visão Bronckart (2007), os 22 modalizadores são mecanismos enunciativos que traduzem distintos comentários sobre o conteúdo temático, enquanto na visão de Koch (2003), esses elementos servem para comentar a própria enunciação. A pesquisadora argumenta que os modalizadores ou “articuladores meta-enunciativos” referem-se a “Todos os elementos linguísticos diretamente ligados ao evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores das intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso. Estes elementos caracterizam os tipos de atos de fala que deseja desempenhar, revelam o maior ou menor grau de engajamento do falante com relação ao conteúdo proposicional veiculado, apontam as conclusões para as quais os diversos enunciados podem servir de argumento, selecionam os encadeamentos capazes de continuá-los, dão vida, enfim, aos diversos personagens cujas vozes se fazem ouvir no interior de cada discurso”. (KOCH, 1984, p. 138) A proposta de ensino da argumentação apresentada busca em Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Abreu (2009) e Fiorin (2015) os tipos de argumentos e as estratégias discursivas de persuasão; recorre a Koch (1984) para encontrar categorias linguísticas que podem servir à persuasão. Enfim, para este estudo, consideramos como as estratégias argumentativas os tipos de argumentos, os operadores argumentativos e os modalizadores do discurso. Apresentamos, na seção um levantamento das estratégias propostas e analisadas por cada um desses teóricos. Apresentando as estratégias argumentativas As estratégias argumentativas analisadas na obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), nos estudos de Abreu (2009) e de Fiorin (2015); é apontado, também, alguns recursos linguísticos analisadas por Koch (1984, 1996). Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005)descrevem os esquemas argumen- tativos como técnicas para levar o auditório a aceitar uma tese, sem, contudo, considerar a situação comunicativa. Este estudo, considera que é preciso notar como esses esquemas se inscrevem no discurso. “É preciso observar que os esquemas assim extraídos e descritos devem ser recolocados não somente num plano comunicacional, mas também na densidade de um discurso situado.” Para Amossy (2007) os esquemas explicitados no TA são “úteis”, “até mesmo indispensáveis”, pois eles “constituem formalizações que permitem, certamente, observar como o discurso antecipa um raciocínio que se quer convincente (ou 23 como ele fracassa ao fazê-lo).” Todavia ela destaca que, “tomados em si mesmos, eles são um esqueleto sem carne”. 5. MARCADORES DISCURSIVOS EM QUESTÃO Será apresentado uma breve consideração acerca da argumentação e algumas concepções sobre os marcadores discursivos, com destaque para as funções e categorias desses enunciados que desempenham no texto os papéis de articulação, marcam o ponto de vista dos interlocutores, bem como a posição sintática, semântica e discursiva dos marcadores no texto. Não há a intenção de esgotar as discussões acerca da argumentação e dos marcadores discursivos, mas apresentar um apanhado geral a respeito dessa questão. Considerações acerca da argumentação Argumentar requer dos sujeitos condições discursivas capazes de persuadir os interlocutores, bem como exigir dos interlocutores o uso de estratégias discursivas. Argumentar também se constitui como um embate dia- lógico que os interlocutores traçam um plano linguístico de cunho sintático, morfológico, semântico e pragmático para convencer o outro de que a sua fala é verdadeira. Na argumentação funda-se os recursos da persuasão e da retórica e, sobretudo, os acordos e as premissas desencadeadas a partir do uso dos mecanismos linguísticos. Ademais, na argumentação os falantes usam artifícios linguísticos que mesclam na maioria das vezes recursos da linguagem verbal e não verbal com o intuito de convencer ou converter situações conflituosas em paz. Na construção dos argumentos os interlocutores utilizam várias estratégias, 24 dentre essas, os conectores que são elementos essenciais para a orientação e organização dos discursos argumentativos do locutor. Assim, os conectores en- tram numa classe de expressões linguísticas que reagrupa três tipos de marcadores de conexão: os conectores contra argumentativos, os organizadores e marcadores textuais e os marcadores de responsabilidade enunciativa. Os tipos de marcadores discursivos (doravante MDs) apontados por Adam (2011), não condizem com o que está posto na gramática normativa, uma vez que esta não apresenta nenhuma seção sobre os MDs e evidencia apenas as funções das locuções, preposição, conjunções e advérbios. Além disso, também possibilita a leitura de que as funções dos conectores extrapolam os limites da estrutura. Para Barreto e Muñoz (1999) os MDs são itens linguísticos que contribuem na estruturação dos textos escritos e orais, bem como executam a função de conectar os enunciados e direcionar as inferências produzidas pela utilização dos MDs por parte dos interlocutores. Neste sentido, essas unidades linguísticas também são responsáveis pela organização estrutural do texto e da orientação discursiva. Contudo, o espaço ocupado por esses enunciados na gramática normativa ainda é incipiente. Os conectores servem ao discurso e são responsáveis pela construção da argumentação e da persuasão, pois convencer o outro não é uma tarefa fácil. Por isso, o uso dos mecanismos linguísticos, a exemplo dos MDs, da retórica e da persuasão facilita e suaviza essa empreitada. Pois, A organização argumentativa de um texto depende da competência comunicativa dos locutores e, particularmente, da competência argumentativa que o locutor apresenta ao selecionar determinados lexemas e mecanismos de encadeamento que deverá conduzir o enunciatário a determinadas conclusões. (ALOMBA RIBEIRO, 2005, p.114) A organização textual e a competência argumentativa dos enunciadores são dois fatores determinantes durante a argumentação, porque os locutores que são capazes de selecionar e encadear as unidades linguísticas conduzem o destinatário a conclusões que condizem com o seu projeto discursivo. Argumentar é guerrear, por isso os locutores selecionam os mecanismos linguísticos que mais se adequam às suas intenções comunicativas. O conector consecutivo assim também é capaz de apresentar outras funções, além da 25 conclusão. Isso quer dizer que as funções dos conectores não são exclusivas ou determinantes, como está posto na gramática normativa. Os papéis desempenhados pelos MDs dependem do contexto, da competência argumen- tativa e da intenção dos falantes. Não se trata de conceder aqui ou ali, na significação das frases, algumas marcas pragmáticas, mas de organizá-la como um conjunto de instruções que servem para determinar, uma vez conhecida a situação de discurso, o valor de ação pretendido pela enunciação. O contexto e a intenção dos locutores determinam o valor argumentativo da unidade linguística e, por conseguinte, a escala, isto é, o argumento pode ser fraco ou forte, dependendo da escolha do lexema e dos recursos linguísticos. E, no contexto, essa escolha é determinante. Segundo Plantin (2008, p.132), “o melhor argumento, capaz de vencer o mais total convencimento, não é um fato, mas o texto. As palavras podem falar mais alto que os fatos.” O objetivo do locutor é convencer, logo, os argumentos e o poder de persuasão dos locutores determinam a veracidade dos fatos, daí uma verdade pode tornar-se uma mentira ou equivocidade. A condição de verdade ou mentira está associada ao contexto, a intenção comunicativa dos falantes e a competência comunicativa do locutor e do interlocutor. Assim, o objetivo do locutor ao escrever um texto de tipologia argumentativa é convencer o outro de que as sentenças proferidas de forma oral ou escrita são verdadeiras. A escolha dos argumentos e das unidades linguísticas ajuda aos locutores a alcançar essa meta. E, de fato, os argumentos nascem, na maioria das vezes, da causa, e a melhor causa fornece sempre um maior número deles, de modo que, se ganhamos graças a eles, devemos saber que o advogado fez apenas o que devia. Mas fazer violência ao espírito dos juízes e desviá-lo precisamente da contemplação da verdade, esse é o papel próprio do orador. Isso o cliente não lhe ensina, isso não faz parte do conteúdo das atas do processo. Nessa batalha comunicativa entre enunciador e enunciatário, o que prevalece ou ganha o combate são os argumentos que mais causam impactos emocionais ou excluem a possibilidade da dúvida. O uso de um enunciado ambíguo ou que não guia a orientação discursiva correspondente ao que locutor pretende, determina a absolvição ou a culpa. É essa responsabilidade enunciativa que motiva os enunciatários a escreverem a partir do que pretendem dizer. O objetivo de toda 26 argumentação, como dissemos, é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida(ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno. Provocar ou aumentar a adesão dos interlocutores durante/perante um jogo argumentativo exige dos indivíduos envolvidos o domínio das formas/estratégias linguísticas que favoreçam os sujeitos arrastados, pois são elas que direcionam os argumentos para a construção de ideias de aprovação ou refutação dos fatos. As teses defendidas seguem a dois princípios. Dois argumentos pertencem ao mesmo campo quando os dados e as conclusões em cada um dos dois argumentos são, respectivamente, do mesmo tipo lógico; diz-se que eles vêm de campos diferentes quando o suporte ou as conclusões de cada um dos dois argumentos não são do mesmo tipo lógico. Os encadeamentos dos argumentos seguem parâmetros lógicos. As proposições são orientadas a conclusões condizentes com os autores. No entanto, o jogo argumentativo é imprevisível, uma vez que o assentimento dos argumentos depende do construto intelectual do outro, porque a discordância gera a réplica e, na maioria das vezes, a tréplica e também ainda, um diálogo inconcluso. Diante do exposto: A argumentação está presente nas mais diferentes esferas da vida diária. A ela recorremos em situações do dia a dia (decisões sobre compras, defesa dos direitos, apoio a causas, entre tantas outras), como no exercício de atividades profissionais e institucionalizadas (decisões em contexto médico, jurídico, educacional, político etc). (LEITÃO, 2011, p.14) Nesse sentido, é necessário que o ensino da tipologia argumentativa seja trabalhada com mais afinco por parte dos docentes nas instituições educacionais, principalmente na Educação Básica, uma vez que os falantes necessitam a todo instante da argumentação para ocupar os diversos espaços discursivos, dentre eles, o trabalho e a universidade. Pois, argumentar requer dos interlocutores o domínio de categorias linguístico-discursivas, dentre elas os MDs, apropriadas para a construção do jogo persuasivo e também o conhecimento de itens extralinguísticos, a exemplo do contexto. Além do contexto, os MDs representam um dos recursos linguístico discursivos que 27 contribuem para a construção dos argumentos. A constituição dos MDs atravessa os diversos campos linguísticos, dentre eles, a argumentação. Conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.18), “para argumentar, é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental.” Neste sentido, um dos recursos que possibilita os locutores conquistar o apreço e adesão dos interlocutores durante o processo argumentativo é o uso adequado os MDs, porque esses itens linguísticos guiam as inferências e as orientações discursivas dos interlocutores a favor dos argumentos apresentados pelos locutores. O uso dos MDs coopera para a organização discursiva dos falantes e na conquista do interlocutor. O conhecimento partilhado, a referenciação, o interdiscurso e a citação são também estratégias discursivas que contribuem para que o interlocutor compreenda os argumentos e os pontos de vista que estão explícitos e implícitos no texto. Esses elementos pertencem ao linguístico e ao extralinguístico e constituem-se como itens predominantes para entender a argumentação. A argumentação institui-se em um processo linguístico verbal e não verbal que evidencia acordos e premissas verdadeiras e falsas entre os interlocutores. Durante os acordos e as premissas estabelecidas entre os interlocutores, prevalece a força argumentativa dos enunciados. Nessa batalha comunicativa, inserem-se também as estratégias discursivas e os itens prosódicos. Leitão e Vargas (2011) dizem que a construção do conhecimento argumentativo se dá a partir dos processos dialógico, dialético e epistêmico. Ducrot (1987), por sua vez acrescenta que, durante o processo argumentativo encontram-se a presença do subentendido e pressuposto, da polifonia e dos argumentos por autoridade. Entendemos subentendido como formas do dizer implícitas que os interlocutores executam sem que sejam obrigados a assumir a responsabilidade dos enunciados, ainda que, muitas vezes, tenham o propósito de serem eximidos disso, a fim de evitar confrontos, contestações e o medo de ofender o outro, por exemplo. Em relação a pressuposto, compreendemos como enunciados explícitos e postos durante a enunciação. No que tange à polifonia, corroboramos com as ideias de Cabral (2011), quando diz que significa a constituição de diversos pontos de vista que pode conter um enunciado. Sendo assim, todo enunciado traz consigo diferentes 28 pontos de vista e os locutores são responsáveis por sua produção. A constituição dos argumentos por autoridade se dá a partir do momento em que os interlocutores utilizam mecanismos da língua, entre eles, os MDs ou a posição social que ocupam para autorizar o outro a formular conclusões ou a concluir o que o locutor deseja. De todo modo, quem invoca uma autoridade se compromete: não há argumento de autoridade que não repercuta em quem o emprega. As autorida- des invocadas são muito variáveis: ora será “parecer unânime” ou “a opinião comum”, ora certa categorias de homens, “os cientistas”, os “filósofos”, “os Padres da Igreja”, “os profetas”; por vezes a autoridade será impessoal: “a física”, “a doutrina”, “a religião”, “a Bíblia”; por vezes se tratará de autoridades designadas pelo nome. Isto quer dizer que além dos mecanismos linguísticos, a exemplo, da citação, dos discursos direto e indireto, a posição que ocupa o interlocutor constitui como um elemento predominante para autorizar outro a imprimir opiniões e chegar a determinadas conclusões. Sabe-se que a presença de um padre ou juiz em seus contextos representa mais que as palavras que serão proferidas. A presença já intimida o outro e o deixa na condição de reservar opiniões ou expressá-las de modo contido. Além dos argumentos de autoridades nos estudos que cercam a argumentação há também discussões acerca da escala argumentativa, que de acordo com Ducrot (1981, p.181) “na medida em que uma classe argumentativa comporta semelhante relação de ordem, chamamo-la escala argumentativa”. Assim, podemos perceber melhor esse conceito a partir do exemplo a seguir: Maria sabe muito, tem licenciatura e terminou o doutorado. Argumentos de mais peso são argumentos que apoiam a mesma conclusão (Maria sabe muito). Podem-se usar vários argumentos para apoiar uma mesma conclusão. Esse conjunto de argumentos coorientados forma uma classe argumentativa. O conjunto de uma classe argumentativa ordenada constitui uma escala argumen- tativa. Ocupa um lugar mais alto na escala argumentativa os que possibilitam a origem de diversos argumentos tendo a mesma orientação e possuindo diferentes forças. Ex: João não pode dirigir ônibus Mais força – João não tem carteira 29 João não tem experiência João tem antecedentes Segundo Portolés (2001), não se argumenta com uns enunciados que representam uns fatos, mas sim na mesma forma linguística destes enunciados.Daí favorecer algumas continuações do discurso e impedir outras. Isso se chama orientação argumentativa. Podemos organizar esses argumentos em uma escala argumentativa, e a língua também nos oferece os instrumentos para mar- car essa escala. A escala argumentativa se estabelece, então, quando explicita- mos, por meio de marcas linguísticas, uma hierarquia entre os argumentos de uma classe argumentativa. Por exemplo: Joana é sabida. Encontrará trabalho. Joana é sabida. Vai ser reprovada. O primeiro exemplo representa argumentos coorientados. O segundo favorece outras possíveis continuações, a não aprovação dessa conclusão chama- se de argumento antiorientado, ou seja, Joana é sabida, entretanto vai ser reprovada. 30 Assim, o argumento mais forte se sobressai em relação ao mais fraco, isto é, o locutor apresenta proposições fortes que suprimem as fracas e orientam o discurso do locutor para a aceitação do interlocutor. Essa orientação se dá, sobretudo, no uso de mecanismos linguísticos, dentre eles, os MDs. No exemplo citado acima, percebe-se que o uso do verbo de ligação no presente do indicativo direciona para o argumento de que Joana irá encontrar trabalho. O uso dos mecanismos da língua direciona o interlocutor para convencer o outro. Dentre as estratégias argumentativas há o ato de persuadir, que é chamado no estudo da argumentação de persuasão. Os estudos da persuasão ancoram o seu alicerce no discurso retórico e dialético. Nos discursos retóricos e dialéticos, encontram-se as representações sociais, culturais, as crenças, os valores e, principalmente a linguagem. Todos buscam alimentar a verdade ou aparente verdade, ou seja, muitas vezes, a representação da verdade se alimenta das incertezas. Em função dessa representação, as opiniões se tecem e se configuram em crenças, em valores que condicionam as relações sociais, políticas e econômicas. Nesse espaço do dizer, em que a habilidade no manejo do discurso se impõe potentemente para que o orador consiga mover seu auditório a favor de suas causas, habita a retórica. O discurso retórico se configura pela intenção de persuadir um auditório que se encontra diante de uma questão polêmica. (FERREIRA, 2010, p.14) Questão polêmica ou não, os falantes buscam através da linguagem convencer o outro, independente dos espaços discursivos em que estejam inseridos. Certamente que os locutores usam dos diversos recursos da língua, como a prosódia, a exploração do lado emocional e a entonação da voz. O uso desse aglomerado de recursos tem um objetivo: alcançar uma única finalidade, convencer o outro de que a verdade existe. Os estudos da persuasão transitam em três esferas: a primeira, a do ensinar, de transmitir noções intelectuais, considera-se a parte argumentativa do discurso. A segunda, o ato de comover, isto quer dizer, o uso dos sentimentos para convencer o interlocutor, considera- se o discurso emotivo. A terceira, os estudos da persuasão apresentam o discurso com o objetivo de agradar, ou seja, discursos movimentados para o gosto do outro. 31 Se a argumentação é, essencialmente, adaptação ao auditório, a ordem dos argumentos de um discurso persuasivo deveria levar em conta todos os fatores suscetíveis de favorecer lhes a acolhida pelos ouvintes. Três pontos de vista, pelo menos, podem ser adotados na escolha da ordem persuasiva: o da situação argumentativa, ou seja, da influência que terão sobre as possibilidades argumentativas de um orador, as etapas anteriores da discussão; o do condicionamento do auditório, ou seja, das modificações de atitude geradas pelo discurso; enfim, o das reações suscitadas, no auditório, pela apreensão de uma ordem no discurso. É a situação argumentativa que determina as estratégias argumentativas que o locutor irá utilizar para persuadir o interlocutor. Assim, a intenção principal dos locutores é possibilitar a acolhida do auditório das suas preposições, e no decorrer da discussão, caso seja necessário, o locutor modifica as suas estratégias e conduz os seus argumentos para que o interlocutor o aceite. Por essa razão é necessário que o locutor ordene os seus argumentos e faça a adaptação para que as orientações argumentativas não sejam refutadas. Por fim, o estudo da argumentação e dos seus respectivos componentes, retórica e persuasão, por exemplo, contribuem para que entendamos a língua como objeto também argumentativo, uma vez que a todo instante os locutores usam os mecanismos linguísticos e extralinguísticos para conquistar o interlocutor. Analisar algum enunciado a partir dos critérios argumentativos, a exemplo da escala argumentativa possibilita o analista conhecer as particularidades dos enunciados e a riqueza de estudá-los sob o ponto de vista sintático, semântico e pragmático. Corroboramos com as ideias de Ducrot (1998) de que o estudo da língua transita nesses três níveis, ou seja, comportam as três fases, a sintática, semântica e pragmática. Além disso, a relação entre os interlocutores são cons- tituídas a partir do encontro entre destinatários e ouvintes. Essa permite que os falantes estabeleçam o sentido dos itens linguísticos e também que os ouvintes aceitem ou recuse as proposições realizadas pelos interlocutores. Assim, a partir das considerações acerca da argumentação na próxima subseção apresentaremos algumas definições e funções dos marcadores discursivos. 32 Para exemplificar as funções dos marcadores discursivos, utilizamos fragmentos de textos jornalísticos extraídos dos manuais didáticos que estão sob análise. 5.1 Definições e funções principais dos MDs Na gramática tradicional são apresentados os marcadores discursivos como itens morfologicamente marcados, a saber, advérbios, preposições, con- junções e locuções. No entanto, sob a perspectiva discursiva e argumentativa, os MDs têm a função de unir um membro discursivo a outro, de organizar o texto e de guiar as inferências dos interlocutores no texto oral ou escrito. As proprie- dades sintáticas dos marcadores, a exemplo das conjunções subordinativas e coordenativas dos enunciados, colaboram para a construção da coesão conec- tiva e referencial do texto, bem como marcam os discursos implícitos e explícitos dos interlocutores, ou seja, as inferências que estão subentendidas e pressupos- tas nas esferas macro ou micro do texto. Além disso, a compreensão das carac- terísticas morfossintáticas dos MDs permite aos interlocutores entenderem que os morfemas e lexemas da língua são constituídos de sentido e estão a serviço do falante. Assim como, Portolés (2001), Ducrot (1987), também considera os MDs como itens linguísticos carregados de características morfossintáticas e são um dos itens responsáveis pela orientação das inferências dos falantes. Além disso, Ducrot (1987) afirma que do ponto de vista da pressuposição, os MDs agregam valor semântico e pragmático. Esse valor corresponde à pressuposição e ao subentendido, aspectos es- tudados por Ducrot (1987) que, atrelados às particularidades sintáticas que cons- tituem os MDs, contribuem para que os interlocutores formulem inferências. Es- tudar apenas a estrutura não contempla os aspectos que correspondem ao se- mântico, a exemplo da apreensão das inferências subentendidas. Estas exigem dos interlocutores entender os fatores extralinguísticos que estão presentes no texto, principalmente o contexto. A análise inferencial dos MDs a partirdo con- texto compreende a constituição dos valores sintáticos, semânticos e pragmáti- cos, os quais colaboram para a formulação de hipóteses, estabelecem uma re- lação intrínseca entre o sintático-semântico-discursivo e conduzem os interlocu- tores a compreenderem os movimentos superficiais e globais que as unidades linguísticas executam entre os enunciados. 33 Isso quer dizer que as gramáticas limitam as funções dos marcadores, pois, assim como a língua, os itens linguísticos são livres e quem determina a sua função são os falantes durante o processo comunicacional. A sistematização gramatical ignora as orientações discursivas desencadeadas a partir do uso dos mecanismos linguísticos, como também que os MDs são formados de uma se- mântica, morfologia e sintaxe própria que, no processo comunicacional, marcam as escolhas dos argumentos e evidenciam o ponto de vista dos interlocutores. Além do mais, os MDs sustentam os argumentos a favor ou ao contrário do pro- jeto discursivo dos locutores/interlocutores e também estabelecem o processo de persuasão e direcionam a ação interpretativa. Essas ações são decorrentes das escolhas lexicais dos sujeitos envolvidos e dos itens morfológicos, sintáticos e semânticos, que marcarão os pontos de vista, direcionarão e convencerão o outro. Além dessas ações e das considerações de Ducrot (1987); Portolés (2001) e Zorraquino e Duran (2008) sobre os MDs. Adarve e Rodríguez (2005) afirmam que, os marcadores são carregados de conteúdos semânticos, contêm instru- ções de processamento mental e são partículas pragmáticas que marcam a sen- tença de modo textual ou interativo. Essa relação tríplice entre conteúdo semântico, instruções de processa- mento mental e partícula pragmática dos MDs institui a complexidade e as inú- meras discussões acerca da conceituação desses itens linguísticos, sobretudo dos aspectos textuais e interativos que os compõem. O ponto de contato entre a Linguística Textual e as funções textuais dos MDs concentra-se na competência do falante ao usar essas unidades linguísticas, sobretudo nos aspectos corres- pondentes à coesão e à coerência. A coesão e a coerência são particularidades linguísticas que cooperam na organização discursiva dos falantes e os ajudam a formular inferências e também direcionam a orientação argumentativa dos inter- locutores. Zorraquino e Durán (2008) apontam que as funções textuais e as or- ganizações sintática e morfológica dos discursos obedecem aos estudos dos MDs relacionados à gramática de texto e que está auxilia a Linguística Textual. Isso quer dizer que as funções textuais dos marcadores discursivos situam-se no campo da sintaxe e morfologia, atribuindo, muitas vezes, aos advérbios e as preposições os papéis morfossintáticos. Além disso, os MDs executam os em- pregos de organizar os textos escritos e orais, determinam a competência textual 34 dos falantes e compreendem do ponto de vista discursivo e pragmático o seu uso efetivo. Nos estudos dos MDs, nos ramos linguísticos da Pragmática e da Linguís- tica Textual, constituem-se uma relação mútua e indissociável, isto é, ambas co- operam para compreender os mecanismos, as especificidades e as particulari- dades linguístico-discursivas dos enunciados que apresentam os MDs. Além dos estudos da Pragmática e da Linguística Textual, o fenômeno da gramaticalização também analisa os marcadores discursivos. Segundo Gonçalves et al (2007), o item linguístico ao alcançar o “status” de marcador discursivo é descaracteri- zado, ou seja, ele perde as suas funções prototípicas de advérbio, substantivo e verbo. E, em um processo de decategorização, passa a ocupar níveis mais abs- tratos e, assim, a exercer funções mais textuais. Essa perspectiva não corres- ponde a da argumentação que entende o marcador como item linguístico cons- tituído dos aspectos gramaticais, ou seja, exercem no texto as funções prototípi- cas e também a de orientador do discurso. Todos os enunciados são constituídos de sentido e servem para a forma- ção das concepções correlacionadas ao texto dito pelos falantes. Os MDs são carregados de sentidos e também de proposições intencionais, colaborando para a formação da orientação discursiva. Os enunciados são orientados de acordo com a intenção comunicativa dos interlocutores, pois a direção de um signo linguístico depende da permissão ou desautorização dos locutores envol- vidos no processo comunicativo, isto é, a orientação discursiva das sentenças oral ou escrita é guiada a partir do conjunto de itens linguísticos envolvidos, a exemplo das cortesias, prosódias e também da seleção lexical e, sobretudo do implícito e explícito, quesitos que ficam a cargo do locutor do texto. Os MDs instituem-se de marcas morfossintáticas, ou seja, os nomes, adje- tivos, advérbios e conjunções configuram as características prototípicas dos marcadores, isto é, pertencem aos fatores de textualidade. Na perspectiva prag- mática e discursiva, os marcadores estabelecem uma relação mútua entre a morfossintaxe e as particularidades textuais. Essa relação contribui para consi- derar os MDs como unidades linguísticas, assim como os nomes, verbos, adje- tivos, dentre outros que pertencem a todas as esferas gramaticais. Em nossa 35 abordagem, os MDs formam uma classe de unidades comparáveis às outras classes de unidades (nomes, verbos, adjetivos, advérbios etc.): as unidades que formam a classe dos MDs podem ser definidas por uma semântica específica e um conjunto de propriedades que correspondem à sua distribuição. Essa gama de autores com a fomentação dos diversos ramos linguísticos apontado por Alomba Ribeiro (2005) contribuiu para a construção da teoria ar- gumentativa, principalmente, Anscombre e Ducrot, que iniciaram a investigação sobre os MDs e a análise dos Topoi e da Retórica como produtos inerentes à língua. Essa análise é mais recorrente em textos jurídicos, embora atualmente não exista um número significativo de trabalhos nessa perspectiva. Portanto, o Ducrot (1987); o Portolés (2001); o Sanchez (2008); Velarde (2008) e Zorraquino e Duran (2008); consideram os MDs como itens linguísticos que exercem dupla funções, ou seja, a textual e a pragmática. Já Adarve e Rodriguez (2005) discorre sobre a função interacional dos MDs, enquanto Paillard (2011) afirma que os MDs estabelecem relações de ordem lógica e que são unidades linguísticas, as- sim como, os substantivos e os adjetivos. Por fim, o Gonçalves et al (2007) apon- tam uma perspectiva acerca dos MDs de acordo com a gramaticalização. Diante do exposto, os MDs constituem-se de aspectos linguísticos, discursivos e prag- máticos, assim, há necessidade de investigá-lo com mais afinco e inseri-los em um quadro teórico e metodológico que comporte as particularidades discursivas, pragmáticas e morfossintáticas. 6. CATEGORIAS E TIPOS 36 As marcas linguísticas e discursivas constituem dois itens que determinam as categorias e os tipos dos MDs. A partir dessas marcas, pode-se categorizá- los em três tipos: organizadores textuais; modalizadores e marcadores conver- sacionais. Os textos orais e escritos têm características específicas e são cons- tituídos de propriedades sintáticas, semânticas e discursivas. Essas sinalizam no texto a coerência e a coesão e marcam o ponto de vista do falante. Em rela- ção aos organizadores textuais, são itens linguísticos que servem mais ao texto escrito do que o texto oral. 6.1 Organizadores textuais Os organizadores textuais situam-se no plano do texto escrito. Estabele- cem os vínculos semânticos e pragmáticos em blocos enunciativos ou enuncia- dos menores e também direcionam a intenção comunicativa. Para Adam (2011) os organizadores textuais pertencem a maiores eixos de ordem na representa- ção discursiva que são: o tempo
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