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400 Tortora, Funke & Case Patologia, infecção e doença OBJETIVO DO APRENDIZADO 14-1 Identificar as contribuições de Paul Ehrlich e Alexander Fleming à quimioterapia. Patologia é o estudo científico das doenças (do grego pathos = so- frimento; logos = ciência). O primeiro objeto de estudo da patologia é a causa, ou etiologia, de uma doença. Em segundo lugar, ela lida com a patogênese, que é a maneira como uma doença se desenvol- ve. Por fim, a patologia analisa as mudanças estruturais e funcionais decorrentes da doença e seus efeitos finais no organismo. Embora os termos doença e infecção sejam eventualmente usa- dos como sinônimos, eles apresentam diferenças em seus signifi- cados. Infecção é a invasão ou colonização do corpo por micro- -organismos patogênicos; a doença ocorre quando uma infecção resulta em qualquer mudança no estado de saúde do hospedeiro. A doença é um estado anormal no qual parte ou todo o organismo não se apresenta propriamente ajustado ou é incapaz de desenvol- ver suas funções normais. Uma infecção pode existir na ausência de doença detectável. Por exemplo, o organismo pode ser infec- tado pelo vírus que causa a Aids, porém sem que haja qualquer sintoma de doença. A presença de um tipo particular de micro-organismo em uma parte do corpo onde ele normalmente não é encontrado também é chamada de infecção, podendo acarretar no surgimento de doença. Por exemplo, embora enormes quantidades de E. coli normalmente estejam presentes no intestino saudável, sua infecção no trato uri- nário em geral leva à doença. Poucos micro-organismos são patogênicos. De fato, a presença de alguns micro-organismos é até mesmo benéfica para o hospe- deiro. Portanto, antes de discutirmos o papel dos micróbios no de- senvolvimento de doenças, examinemos as relações entre os micro- -organismos e o organismo humano saudável. TESTE SEU CONHECIMENTO 3 Quais são os objetivos da patologia? 14-1 Microbiota normal OBJETIVOS DO APRENDIZADO 14-2 Definir microbiota normal e transiente. 14-3 Comparar comensalismo, mutualismo e parasitismo e dar exemplos de cada relação. 14-4 Contrastar as microbiotas normal e transiente com os micro-organismos oportunistas. Os animais, incluindo os seres humanos, geralmente são livres de micro-organismos quando no útero materno. Ao nascimento, no entanto, populações microbianas normais e características come- çam a se estabelecer. Imediatamente antes de a mulher dar a luz, lactobacilos em sua vagina se multiplicam rapidamente. O primei- ro contato entre o recém-nascido e os micro-organismos em geral ocorre com esses lactobacilos, que se tornam os micro-organismos predominantes no intestino do bebê. Com a respiração e o início da alimentação, mais micro-organismos são introduzidos no corpo do recém-nascido a partir do meio ambiente. Após o nascimento, E. coli e outras bactérias provenientes de alimentos começam a habitar o intestino. Esses micro-organismos permanecerão nesse sítio para o resto da vida do indivíduo e, em resposta a condições ambientais anormais, podem aumentar ou diminuir seu número e contribuir para o surgimento de doenças. Muitos outros micro-organismos normalmente inócuos tam- bém se estabelecem em outras partes do corpo saudável de um indivíduo adulto e em sua superfície. O corpo humano possui, tipicamente, 1 × 1013 células próprias. No entanto, contém um nú- mero estimado de 1 × 1014 células bacterianas (ou 10 vezes mais células bacterianas do que células humanas). Isso nos dá uma ideia da abundância de micro-organismos que normalmente re- sidem no corpo humano. Os micro-organismos que estabelecem uma residência mais ou menos permanente (colonizam), mas não geram doença em condições normais, são membros da micro- biota normal, ou flora normal, do corpo (Figura 14.1). Outros, denominados microbiota transiente, podem estar presentes por vários dias, semanas ou mesmo meses, e depois desaparecem. Os micro-organismos não são encontrados em todo o corpo huma- µ2 m µ2 m µ2 m (a) Bactérias (esferas alaranjadas) na superfície do epitélio nasal (b) Bactérias na superfície do estômago (c) Bactérias no intestino grossoMEV MEV MEV Figura 14.1 Representantes da microbiota normal em diferentes regiões do corpo. P Qual o número de células da microbiota normal? Tortora_14.indd 400 27/06/11 14:43 Microbiologia 401 no, mas estão localizados em certas regiões, como mostrado na Tabela 14.1, página 402. Muitos fatores determinam a distribuição e a composição da microbiota normal. Entre eles estão nutrientes, fatores físicos e químicos, defesas do organismo hospedeiro e fatores mecânicos. Os micróbios variam de acordo com os tipos de nutrientes que eles podem utilizar como fonte de energia. Consequentemente, esses micróbios colonizam apenas os sítios do corpo que podem supri- -los com os nutrientes apropriados. Esses nutrientes podem ser derivados de produtos celulares secretados ou excretados, subs- tâncias em fluidos corpóreos, células mortas e alimentos no trato gastrintestinal. Vários fatores físicos e químicos influenciam o crescimento dos micro-organismos e, assim, a composição e o crescimento da flora normal. Entre esses fatores estão o pH, a presença de oxigênio e dióxido de carbono, a salinidade e a luz solar. Será visto nos Capítulos 16 e 17 que o corpo humano possui cer- tas defesas contra os micróbios. Essas defesas incluem uma varieda- de de moléculas e células ativadas que matam micróbios, inibem seu crescimento, impedem sua adesão às superfícies das células do hos- pedeiro e neutralizam toxinas produzidas pelos micróbios. Embora essas defesas sejam extremante importantes contra os patógenos, seu papel na determinação e na regulação da microbiota normal ainda não está claro. Certas regiões do corpo estão sujeitas a forças mecânicas que podem afetar a colonização pela microbiota normal. Por exemplo, a ação de mastigação dos dentes e a movimentação da língua podem desalojar micro-organismos adsorvidos aos dentes e às superfícies mucosas. No trato gastrintestinal, o fluxo de saliva e secreções diges- tivas e os vários movimentos musculares da garganta, do esôfago, do estômago e dos intestinos podem remover micróbios desalojados. A ação de descarga da urina também pode remover micróbios soltos no trato urinário. No sistema respiratório, o muco prende micróbios, que são então propelidos em direção à garganta pelo movimento ci- liar das células desse sítio para posterior eliminação. As condições existentes em um determinado sítio do corpo humano variam de pessoa para pessoa. Entre os fatores que tam- bém afetam a microbiota normal estão idade, estado nutricional, dieta, estado de saúde, existência de deficiências, hospitalização, estado emocional, estresse, clima, localização geográfica, condi- ções de higiene pessoal, condições socioeconômicas, ocupação e estilo de vida. A microbiota normal principal em diferentes regiões do corpo e algumas das características distintivas de cada região estão lista- das na Tabela 14.1. A microbiota normal também é discutida mais especificamente na Parte Quatro deste livro. Animais sem microbiota podem ser obtidos e mantidos em con- dições laboratoriais. A maioria dos mamíferos livres de germes usados em pesquisa é obtida por sua criação em ambientes estéreis. Por um lado, pesquisas com animais livres de germes mostram que a presença de micróbios não é absolutamente necessária à vida animal. Por ou- tro lado, as mesmas pesquisas mostram que animais livres de germes apresentam sistema imune subdesenvolvido e são extremamente sus- cetíveis a infecções e doenças severas. Animais livres de germes tam- bém requerem mais calorias e vitaminas em sua alimentação do que animais normais. Relações entre a microbiota normal e o hospedeiro Uma vez estabelecida, a microbiota normal pode beneficiar o hos- pedeiro ao impedir o crescimento de micro-organismos potencial- mente perigosos. Esse fenômeno é conhecido como antagonismo microbiano,ou exclusão competitiva. O antagonismo micro- biano envolve a competição entre micróbios. Uma consequência dessa competição é o fato de que a microbiota normal protege o hospedeiro contra a colonização por micróbios potencialmente patogênicos ao competir com eles por nutrientes, produzir subs- tâncias prejudiciais aos micróbios invasores e afetar condições como o pH e a disponibilidade de oxigênio. Quando o equilíbrio entre a microbiota normal e os micróbios patogênicos é alterado, o resultado pode ser o surgimento de doenças. Por exemplo, a mi- crobiota bacteriana normal da vagina de uma mulher adulta man- tém o pH local em torno de 4. A presença da microbiota normal inibe o crescimento excessivo da levedura Candida albicans, que pode crescer quando o balanço entre a flora normal e os patógenos é alterado e o pH modificado. Se a população bacteriana é elimi- nada por antibióticos, pelo uso excessivo de ducha higiênica ou desodorantes, o pH da vagina é revertido até a neutralidade, con- dição em que a C. albicans floresce e se torna o micro-organismo predominante nesse local. Essa condição pode levar a uma forma de vaginite (infecção vaginal). Outro exemplo de antagonismo microbiano ocorre no intesti- no grosso. Células de E. coli produzem bacteriocinas, proteínas que inibem o crescimento de outras bactérias da mesma espécie ou pro- ximamente relacionadas, como as bactérias patogênicas Salmonella e Shigella. Uma bactéria que produz uma determinada bacteriocina não é afetada por ela, mas pode ser eliminada por outras. As bacte- riocinas são usadas na microbiologia médica para auxiliar na iden- tificação de diferentes cepas de bactérias. Essa identificação ajuda a determinar se um surto severo de doença infecciosa é causado por uma ou mais cepas de bactérias. Um exemplo final envolve a bactéria Clostridium difficile, tam- bém presente no intestino grosso. A microbiota normal do intestino grosso inibe de maneira eficiente o crescimento de C. difficile, possi- velmente tornando os receptores do hospedeiro indisponíveis para a bactéria, competindo por nutrientes, ou produzindo bacteriocinas. Entretanto, se a microbiota normal é eliminada (pelo uso de antibió- ticos, p. ex.), C. difficile pode se tornar um problema. Esse micróbio é responsável por quase todas as infecções gastrintestinais que se seguem à antibioticoterapia, gerando desde diarreias leves até colites (inflamação do colo) severas ou mesmo fatais. A relação entre a microbiota normal e o hospedeiro é chama- da de simbiose, uma relação entre dois organismos na qual pelo menos um é dependente do outro (Figura 14.2). Na relação simbi- ótica denominada comensalismo, um dos organismos se beneficia enquanto o outro não é afetado de forma alguma. Muitos micro- -organismos que fazem parte de nossa microbiota normal são co- mensais, incluindo as corinebactérias, que habitam a superfície dos olhos, e certas micobactérias saprofíticas, que habitam os ouvidos e a genitália externa. Essas bactérias vivem em secreções e células descamadas e não trazem nenhum benefício ou prejuízo aparente para o hospedeiro. Tortora_14.indd 401 11/07/11 14:24 402 Tortora, Funke & Case Mutualismo é um tipo de simbiose que beneficia ambos os orga- nismos. Por exemplo, o intestino grosso contém bactérias, como a E. coli, que sintetizam vitamina K e algumas vitaminas do complexo B. Essas vitaminas são absorvidas pelos vasos sanguíneos e distribuídas para serem usadas pelas células do corpo. Em troca, o intestino grosso provê nutrientes usados pelas bactérias, garantindo sua sobrevivência. O recente interesse na importância das bactérias para a saúde humana levou ao estudo dos probióticos. Probióticos (pro = para, bios = vida) são culturas de micróbios vivos que devem ser aplicadas ou ingeridas para que exerçam um efeito benéfico. Os probióticos podem ser administrados juntamente com prebióticos, substâncias químicas capazes de promover seletivamente o crescimento de bac- térias benéficas. Diversos estudos têm mostrado que a ingestão de bactérias do ácido lático (BALs) pode aliviar a diarreia e prevenir a colonização por Salmonella enterica durante a antibioticoterapia. Se essas BALs colonizam o intestino grosso, o ácido lático e as bacterio- cinas produzidas por elas podem inibir o crescimento de certos pa- tógenos. Pesquisadores estão testando também o uso de BALs para Representantes da microbiota normal por região do corpoTabela 14.1 Região Principais componentes Comentários Pele Propionibacterium, Staphylococcus, Corynebacterium, Micrococcus, Acinetobacter, Brevibacterium, Pityrosporum (fungo), Candida (fun- go), Malassezia (fungo) ■ A maioria dos micróbios em contato direto com a pele não se torna residente devido a secreções de glândulas de óleos e suor, que possuem propriedades antimicrobianas. ■ A queratina é uma barreira resistente, e o baixo pH da pele inibe muitos micróbios. ■ A pele também apresenta um conteúdo relativamente baixo de umidade. Olhos (conjuntiva) Staphylococcus epidermidis, S. aureus, difteroides, Propionibacterium, Corynebacterium, estreptococos, Micrococcus Olhos (conjuntiva) Intestino grosso Sistemas reprodutivo e urinário (uretra inferior em ambos os sexos e vagina nas mulheres) Nariz e garganta (sistema respiratório superior) Boca Pele ■ A conjuntiva, uma continuação da pele ou membrana muco- sa, contém basicamente a mesma microbiota encontrada na pele. ■ As lágrimas e o ato de piscar também eliminam alguns mi- cróbios ou impedem que outros colonizem. Com ensal ismo Um organ ismo se b enefi cia e o outro não é afeta do ParasitismoUm organismo se beneficia comprejuízo ao outro Mutualismo Ambos os organismos se beneficiam SIMBIOSE Figura 14.2 Simbiose. P Que tipo de simbiose é melhor representada pela relação entre humanos e E. coli? Tortora_14.indd 402 27/06/11 14:43 Microbiologia 403 prevenir infecções de feridas cirúrgicas causadas por Staphylococcus aureus e infecções vaginais causadas por E. coli. Em um estudo da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, a infecção por HIV foi reduzida em mulheres tratadas com uma cepa geneticamente modificada de BAL que produz a proteína CD4, a qual se liga ao HIV. Em uma outra forma de simbiose, um organismo se beneficia da extração de nutrientes, com prejuízo ao outro organismo; esta relação é chamada de parasitismo. Muitas bactérias causadoras de doenças são parasitas. Micro-organismos oportunistas Embora a categorização das relações simbióticas por tipo seja con- veniente, lembre-se de que, sob certas condições, as relações podem mudar. Por exemplo, em circunstâncias apropriadas, um organismo mutualístico como a E. coli pode se tornar prejudicial. A E. coli geral- mente é inofensiva enquanto permanece no intestino delgado de seu hospedeiro; mas, ao acessar outras regiões do corpo, como o trato uri- nário, pulmões, medula espinal ou feridas, ela pode causar infecções urinárias, infecções pulmonares, meningites ou abscessos, respectiva- mente. Micróbios como a E. coli são chamados de patógenos oportu- nistas. Eles normalmente não causam doença quando presentes em seu habitat normal em uma pessoa saudável. Entretanto, podem gerar doença quando em diferentes ambientes. Por exemplo, micróbios que penetram o corpo através da quebra da barreira da pele ou das mem- branas mucosas podem causar infecções oportunísticas. Alternativa- mente, se o hospedeiro se encontra enfraquecido ou comprometido por uma infecção, micróbios que normalmente são inofensivos po- dem causar doença. A Aids com frequência é acompanhada por uma infecção oportunística comum, a pneumonia causada pelo organismo oportunista Pneumocystis jirovecii (veja a Figura 24.20, página 698). Essa infecção secundária pode se desenvolver em pacientes com Aids, uma vez que seu sistema imune está suprimido. Antes da epidemia de Aids, esse tipo de pneumonia era raro. Patógenos oportunistas pos- suem outras característicasque contribuem para sua habilidade em causar doença. Por exemplo, eles estão presentes dentro ou fora do organismo, ou no meio ambiente, em números relativamente altos. Alguns patógenos oportunistas podem ser encontrados em locais do corpo, interna ou externamente, que são relativamente protegidos das defesas do organismo, e algumas dessas regiões também não podem ser alcançadas por antibióticos. Além dos simbiontes habituais, muitas pessoas transportam outros micro-organismos que geralmente são considerados como Representantes da microbiota normal por região do corpoTabela 14.1 Região Principais componentes Comentários Nariz e garganta (sistema respiratório superior) Staphylococcus aureus, S. epidermidis e difteroides aeróbicos no nariz; S. epidermidis, S. aureus, difteroides, Streptococcus peneumo- niae, Haemophilus e Neisseria na garganta. ■ Embora alguns membros da microbiota normal sejam poten- ciais patógenos, sua habilidade em causar doença é reduzida pelo antagonismo microbiano. ■ Secreções nasais matam ou inibem muitos micro-organis- mos, enquanto o muco e os movimentos ciliares removem muitos micróbios. Boca Streptococcus, Lactobacillus, Actinomyces, Bacteroides, Veillonella, Neisseria, Haemophilus, Fusobacterium, Treponema, Staphylococcus, Corynebacterium e Candida (fungo). ■ Umidade abundante, calor e a presença constante de alimen- tos fazem da boca um ambiente ideal que suporta uma vasta e diversa população microbiana na língua, nas bochechas, nos dentes e nas gengivas. ■ Entretanto, as mordidas, a mastigação, os movimentos da lín- gua e o fluxo de saliva desalojam diversos micróbios. A saliva contém várias substâncias antimicrobianas. Intestino grosso Escherichia coli, Bacteroides, Fusobacterium, Lactobacillus, Enterococcus, Bifidobacterium, Enterobacter, Citrobacter, Proteus, Klebsiella, Candida (fungo) ■ O intestino grosso contém os maiores números de micro-or- ganismos da microbiota residente no corpo, principalmente em razão da disponibilidade de umidade e nutrientes. ■ O muco e a descamação periódica previnem que muitos micro-organismos colonizem o revestimento do trato gastrin- testinal. Além disso, a mucosa produz uma série de substân- cias antimicrobianas. ■ A diarreia também acaba por eliminar parte da microbiota normal. Sistemas reprodutivo e urinário Staphylococcus, Micrococcus, Enterococcus, Lactobacillus, Bacteroides, difteroides aeróbicos, Pseudomonas, Klebsiella e Proteus na uretra; Lactobacilli, Streptococcus, Clostridium, Candida albicans (fungo) e Trichomonas vaginalis (protozoário) na vagina. ■ A parte proximal da uretra em ambos os sexos contém uma microbiota residente; a vagina possui uma população de micró- bios ácido-tolerantes em virtude da natureza de suas secreções. ■ O muco e a descamação periódica previnem que muitos micro-organismos colonizem o revestimento do trato genitu- rinário; o fluxo de urina remove micróbios mecanicamente. Além disso, o pH da urina e a ureias são antimicrobianos. ■ Cílios e muco expelem micróbios da cervice uterina para a vagina, e a acidez da vagina inibe ou mata muitos micróbios. Tortora_14.indd 403 27/06/11 14:43 404 Tortora, Funke & Case patogênicos, mas que não causam doença nessas pessoas. Entre os patógenos frequentemente carreados por pessoas saudáveis estão os ecovírus (ou Echovirus, sendo echo de enteric citopathogenic human orphan), que podem causar doenças intestinais, e os Adenovirus, que podem causar doenças respiratórias. A Neisseria meningitidis, que frequentemente reside de forma benigna no trato respiratório, pode causar meningite, uma doença que leva à inflamação dos te- cidos que recobrem a medula espinal e o cérebro. O Streptococcus pneumoniae, um residente normal do nariz e da garganta, pode causar um certo tipo de pneumonia. Cooperação entre micro-organismos Não é apenas a competição entre micróbios que pode causar doença; a cooperação entre micróbios também pode ser um fator importante na geração das doenças. Por exemplo, patógenos que causam a doença periodontal e a gengivite possuem receptores que não reconhecem os dentes em si, mas reconhecem os estreptococos que colonizam os dentes. TESTE SEU CONHECIMENTO 3 Como a microbiota normal difere da microbiota residente? 14-2 3 Dê vários exemplos de antagonismo microbiano. 14-3 3 Como os patógenos oportunistas causam infecções? 14-4 Etiologia das doenças infecciosas OBJETIVO DO APRENDIZADO 14-5 Listar os postulados de Koch. Algumas doenças, como a pólio, a doença de Lyme e a tubercu- lose, possuem etiologia claramente definida. Outras doenças, no entanto, possuem uma etiologia que ainda não é totalmente com- preendida; por exemplo, a relação entre certos vírus e câncer. Para algumas outras doenças, como a doença de Alzheimer, a etiolo- gia é totalmente desconhecida. É claro, nem todas as doenças são causadas por micro-organismos. A hemofilia, por exemplo, é uma doença hereditária (genética); as osteoartrites e a cirrose são doenças degenerativas. Existem ainda várias outras categorias de doenças, mas discutiremos apenas as doenças infecciosas, ou seja, aquelas causadas por micro-organismos. Para perceber como os microbio- logistas determinam a etiologia de uma doença, discutiremos em mais detalhe o trabalho de Robert Koch, introduzido no Capítulo 1 (páginas 9 a 11). Postulados de Koch Na revisão histórica da Microbiologia, apresentada no Capítulo 1, discutimos brevemente os famosos postulados de Koch. Lembre-se de que Koch foi um médico alemão que teve um papel importante no estabelecimento da ideia de que os micro-organismos podem causar doenças específicas. Em 1877, ele publicou alguns dos pri- meiros artigos sobre antraz, ou carbúnculo, uma doença do gado que também pode afetar os seres humanos. Koch demonstrou que certas bactérias, hoje conhecidas como Bacillus anthracis, sempre estiveram presentes no sangue de animais que tinham a doença e não estavam presentes em animais saudáveis. Ele sabia que a mera presença das bactérias não provava que elas haviam causado a doença; as bactérias poderiam estar como resultado da doença. As- sim, ali continuou suas experiências. Ele obteve uma amostra de sangue de um animal doente e inje- tou em um animal saudável. O segundo animal desenvolveu a mes- ma doença e morreu. Ele repetiu esse procedimento várias vezes, sempre obtendo os mesmos resultados. (Um critério-chave para a validação de qualquer prova científica se baseia no fato de que os resultados experimentais possam ser repetidos.) Koch também cul- tivou o micro-organismo em fluidos fora do corpo do animal, de- monstrando que a bactéria causaria a infecção mesmo após muitas transferências de cultura. Koch demonstrou que uma doença infecciosa específica (an- traz) é causada por um micro-organismo (B. anthracis) que pode ser isolado e cultivado em meios artificiais. Depois ele utilizou o mesmo método para demonstrar que a bactéria Mycobacterium tu- berculosis é o agente causador da tuberculose. A pesquisa de Koch fornece um modelo básico de estudo da etiologia de qualquer doença infecciosa. Hoje, nos referimos aos requerimentos experimentais de Koch como postulados de Koch (Figura 14.3). Eles podem ser resumidos da seguinte forma: 1. O mesmo patógeno deve estar presente em todos os casos da doença. 2. O patógeno deve ser isolado do hospedeiro doente e cultivado em cultura pura. 3. O patógeno obtido da cultura pura deve causar a doença quan- do inoculado em um animal de laboratório suscetível e saudá- vel. 4. O patógeno deve ser isolado do animal inoculado e deve ser, necessariamente, o organismo original. Exceções aos postulados de Koch Embora os postulados de Koch sejam úteis para se determinar o agente causador da maioria das doenças bacterianas, existem algu- mas exceções para sua aplicação. Alguns micróbios, por exemplo, apresentam requerimentos nutricionais únicos para seu cultivo. A bactéria Treponemapallidum é conhecida por causar a sífilis, mas ce- pas virulentas nunca foram cultivadas em meios artificiais. O agente causador da lepra, o Mycobacterium leprae, também nunca foi cul- tivado em meio artificial. Além disso, patógenos virais e riquétsias não podem ser cultivados em meios artificiais, pois se multiplicam apenas dentro de células. A descoberta de micro-organismos que não podem ser cultiva- dos em meios artificiais exigiu algumas modificações nos postula- dos de Koch e o uso de métodos alternativos de cultivo e detecção de certos micróbios. Por exemplo, quando pesquisadores procura- vam pela causa microbiana da legionelose (doença do Legionário), foram incapazes de isolar o micróbio diretamente de uma vítima da doença. Em vez disso, usaram a estratégia alternativa de ino- cular uma amostra de tecido pulmonar de uma vítima em cobaias (porquinhos-da-índia). Essas cobaias desenvolverams sintomas se- melhantes à pneumonia, típicos da doença, ao passo que cobaias inoculadas com amostras de pessoas saudáveis não apresentaram sintomas. Em seguida, amostras de tecido das cobaias doentes fo- ram cultivadas em gemas de ovos embrionados de galinha, um mé- Tortora_14.indd 404 27/06/11 14:43