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Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 1 O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica elaborada pelo autor OL42m O Ensino de Matemática: metodologias alternativas/ Guilherme Saramago de Oliveira (Org.).- Uberlândia, MG: FUCAMP, 2020. 112 p. : il. ISBN: 978-65-00-07706-3 (ebook) Inclui bibliografia. 1. Matemática - Metodologia. 2. Matemática - Prática Pedagógica. 3. Ensino - Metodologia. 4. Aprendizagem - Matemática. 5. Matemática - Estudo e ensino. I. Oliveira, Guilherme Saramago de CDU: 371.3 Reprodução proibida sem prévia autorização Art. 184 do Código Penal e Lei 9610 de 19 de fevereiro de 199 Av. Brasil Oeste, S/N, Jardim Zenith Monte Carmelo - MG / CEP 38.500-000 (34) 3842-5272 CAPITULO I Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 2 INTERDISCIPLINARIDADE: LITERATURA INFANTIL E MATEMÁTICA NA SALA DE AULA Kelma Gomes Mendonça Ghelli Guilherme Saramago de Oliveira Márcia Regina Gonçalves Cardoso Núbia dos Santos Saad [...] no desempenho de suas funções básicas a Língua Materna não pode ser caracterizada apenas como um código, enquanto que a Matemática não pode restringir- se a uma linguagem formal: a aprendizagem de cada uma das disciplinas deve ser considerada com a elaboração de um instrumental para um mapeamento da realidade, como a construção de um sistema de representação (MACHADO, 2001, p. 127). 1. Introdução Como desenvolver um trabalho interdisciplinar a partir da Literatura Infantil de forma agradável e prazerosa, despertando na criança o gosto pela leitura e principalmente o hábito de ler? Com o objetivo de trabalhar os vários conteúdos, das várias áreas de conhecimento, a escola sempre organizou sua estrutura em séries e em disciplinas específicas (matérias a serem ministradas), sem a preocupação com as conexões O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 3 existentes entre elas. Assim, o conhecimento nas instituições escolares é disseminado de forma fragmentada, não possibilitando ao aprendiz estabelecer relações entre o aprendido e assim adquirir uma visão mais ampla dos saberes. Para superar esse modelo de trabalho educativo, é necessário que as escolas e educadores busquem pensar e instituir práticas metodológicas que sejam capazes de contribuir efetivamente para que ocorra uma aprendizagem significativa dos conteúdos, de forma articulada, de tal maneira que o estudante consiga de fato alcançar seu pleno desenvolvimento. A própria definição do significado da expressão “conhecimento” remete a uma necessária totalidade, ou seja, conhecer qualquer objeto significa possuir amplas informações devidamente relacionadas. Para o aprendizado com sentido e aplicabilidade dos saberes matemáticos, um dos possíveis procedimentos metodológicos a serem adotados, é o estabelecimento de conexões entre a Matemática e outras áreas de conhecimento. Malba Tahan, por exemplo, foi considerado o pioneiro a realizar articulações entre os conteúdos da Matemática e a Literatura Infantil. Malba Tahan, heterônimo de Júlio César de Melo e Souza, nasceu em 1895, no Rio de Janeiro. Graduou-se em Engenharia Civil, lecionou durante muitos anos História, Geografia, Física, mas seu gosto mesmo era ensinar Matemática. Escreveu e publicou mais de 120 livros para alunos e professores, a maioria sobre conceitos matemáticos contextualizados e aplicados. Dentre as obras publicadas, as mais conhecidas são: “O homem que calculava” e “A Didática da Matemática”. Malba Tahan teve uma contribuição significativa no desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem na Educação Matemática, tendo se destacado pela sua prática diferenciada que marcou a geração em que viveu e que ainda hoje tem grandes repercussões. Faiguelernt e Nunes (2009) ressaltam que: Malba Tahan enriqueceu muito um dos maiores patrimônios que as crianças carregam – o imaginário infantil – que as escolas ainda teimam em ignorar, bloqueando a criatividade dos pequeninos. Ele produziu textos didáticos primorosos, praticou e inovou o ensino de Matemática, enfocando temas brilhantes, como o desenvolvimento cognitivo, a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade que encontrou os especialistas de hoje e que fazem parte de muitas pesquisas, de âmbito nacional e internacional (FAIGUELERNT; NUNES, 2009, p. 2). O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 4 Uma das principais estratégias de trabalho com a Matemática adotadas por Malba Tahan foi a utilização da Literatura. Ele, de maneira lúdica, integrou Matemática e Literatura, e contribuiu efetivamente para a divulgação da área e para a evidenciar as possibilidades de ensinar e aprender Matemática de forma aplicada e contextualizada, demonstrando o papel que ela exerce na vida das pessoas e da sociedade como um todo. Monteiro Lobato em sua carta de 1939, cita a obra “O homem que calculava” de Malba Tahan: “O homem que calculava” já me encantou duas vezes e ocupa lugar de honra entre os livros que conservo. Falta nele um problema – o cálculo da soma de engenho necessária para a transformação do deserto da abstração, necessária em tão repousante oásis. Só Malha Tahan faria obra assim, encarnação que ele é da sabedoria oriental – obra alta, das mais altas, e só necessita de um país que devidamente o admire, obra que ficará a salvo, das vassouradas do tempo como a melhor expressão do binômio “Ciência imaginação” (LOBATO, 1939, p. 65). Lobato percebia, nas obras de Tahan, a diferença entre uma linguagem abstrata, utilizada pela ciência e uma linguagem marcada pela imaginação de uma forma significativa e de fácil compreensão por todos. A compreensão de fato se dava, pela relação estabelecida de forma interdisciplinar, por uma adequada utilização da Literatura para explicar ideias matemáticas. A interdisciplinaridade foi então significativa para que o trabalho realizado por Tahan tivesse e tenha a merecida repercussão e se tornasse a referência que é até os dias atuais. Quando se fala de interdisciplinaridade, fala-se da busca de realizar conexões diversas entre os saberes, facilitando a compreensão e superando as possíveis complexidades que são postas por algumas formas de interpretar a realidade. Pela interdisciplinaridade, conforme o entendimento de Morin (1987), [...] procura-se estabelecer um método, o menos mutilante possível, que permita estabelecer o diálogo entre conhecimentos dispersos, fazendo-os desembocar numa compreensão da realidade o mais globalizadora possível. Para tanto, o operador do conhecimento deve tornar-se, ao mesmo tempo, o objeto e o agente do conhecimento (MORIN, 1987, p. 30). É importante esclarecer que quando se adota a interdisciplinaridade como uma metodologia para desenvolver as práticas pedagógicas, não há a necessidade de se descartarem as disciplinas, nem mesmo os saberes (conceitos) específicos de cada O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 5 LÍNGUA PORTUGESA área, mas desenvolver uma ação educativa com as devidas articulações entre os conhecimentos. O trabalho educativo na perspectiva interdisciplinar exige que as atividades realizadas sejam conectadas, trabalhadas em conjunto, e para tal, o uso da Literatura Infantil pode representar esse eixo de articulação. A Figura 1 representa a interligação de várias áreas com a Literatura Infantil, numa perspectiva interdisciplinar. Figura 1: Literatura Infantil como eixo para Atividades Interdisciplinares. Fonte: Autoria própria. É importante esclarecer que o trabalho pedagógico numa concepção interdisciplinar, que busca nas histórias infantis uma forma de ensinar que estabeleça conexõesentre saberes de diferentes áreas e que possibilita às crianças uma maneira mais atrativa e interativa de aprender, incentiva a participação do aluno e promove uma significação mais efetiva do conteúdo abordado. Nessa perspectiva, o aprendizado ocorre de forma gradativa e prazerosa, em que o aprendiz vivencia o ensino não só na sala de aula, mas também em sua vida diária. Para Nacarato, Mengali e Passos (2009), “[...] quando os alunos percebem e compreendem as situações Matemáticas em um simples texto de Literatura Infantil, seu interesse pela leitura aumenta e eles se sentem estimulados”. Os livros de Literatura apresentam uma estética ilustrativa encantadora e as histórias, geralmente, são permeadas por certa magia. Elas despertam o interesse e a curiosidade das crianças e favorecem o desenvolvimento do ensino e a aquisição de aprendizagens importantes por meio das histórias apresentadas nos livros. Silva e Rêgo (2006) destacam que uma proposta metodológica, que articula Literatura Infantil e conhecimentos matemáticos, favorece uma aprendizagem muito próxima do mundo imaginário da criança que, ao ler e escutar uma história O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 6 desenvolve habilidades de leitura de textos, análise, comparações, como também adquire uma linguagem específica da Matemática. Dessa forma, a criança aprende a interpretar e a explorar as ideias Matemáticas presentes nas histórias retratadas nos livros de Literatura. Nessa perspectiva, a abordagem de conteúdos matemáticos por meio da utilização da Literatura Infantil pode ocorrer de forma intencional, preparada ou intuitiva pelos professores. A Literatura Infantil é vista como um instrumento pedagógico essencial nas séries iniciais do Ensino Fundamental, pois oferece contribuições múltiplas para a formação do leitor. Pode ser usada como disparador de projetos pedagógicos, experiências didáticas, momentos de leitura dirigida ou de lazer para que os alunos desenvolvam habilidades de leitura e escrita dentro de um processo de alfabetização e letramento podendo ampliá-la para outras disciplinas (FERNANDES, 2014, p. 13). No processo de escolha do livro de Literatura Infantil que será trabalhado, o professor se depara com um acervo na atualidade, que apresenta uma diversidade de títulos que podem contribuir para uma atuação interdisciplinar mais efetiva e, ainda, encontra uma grande variedade de textos e de histórias de ficção, que são bastante interessantes e atraem o gosto das crianças, contribuindo para o acesso a conhecimentos diversos, estimulando a imaginação e a fantasia, e o encantamento pela leitura. Para que ocorra o adequado trabalho interdisciplinar entre Literatura e Matemática, faz-se necessária toda uma preparação do docente. É fundamental uma leitura detalhada do livro com antecedência e o domínio da história antes de apresentá-la aos estudantes. É preciso conhecer as possibilidades de trabalho e usá- las para explorar os conteúdos matemáticos durante a história, sem mudar o sentido, e explorar a obra, em sua plenitude, com ênfase e entusiasmo, de maneira a criar expectativas nas crianças e possibilitar o efetivo aprendizado. É importante considerar, tal como expresso por Smole, Cândido e Stancanelli (1997, p. 9), que “[...] a impressão fundamental da história não deve ser distorcida por uma ênfase indevida em um aspecto matemático”. Assim, é possível promover uma aula diferente, inovadora com atividades interessantes, que despertem a curiosidade dos estudantes, promovendo com sucesso, o seu aprendizado. Para efetivar esse tipo de proposta no contexto escolar, é necessária a instituição de um processo de formação continuada dos professores, uma vez que essa perspectiva teórica e prática, que estabeleça uma articulação O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 7 pedagógica entre Literatura e Matemática, é uma concepção relativamente atual de ensino. Além disso, faz-se necessário que o educador tenha uma mente aberta para mudanças e reflita sobre as práticas que corriqueiramente desenvolve, sem receio de buscar o novo, de arriscar e de ultrapassar os limites das concepções mais conservadoras de ensino. 2. Interdisciplinaridade e Matemática Desenvolver o trabalho educativo por meio de práticas pedagógicas alternativas, interdisciplinares e com temáticas diversas, possibilita ao estudante desenvolver diversas competências e habilidades fundamentais à sua formação. Possibilita ao aluno questionar, pôr em dúvida determinadas verdades e a partir delas elaborar suas explicações e formular conceitos e definições próprias. É nesse exercício de questionar, explicar e responder, dentro de suas capacidades intelectuais, que o aluno vai construindo sua capacidade de argumentar, refletir e inferir sobre determinado assunto, sobre determinado conteúdo, enfim, sobre a realidade da qual faz parte. Essa forma de pensar a prática pedagógica rompe com o modelos clássicos instituídos por algumas áreas, disciplinas, que concebem a aprendizagem como uma mera reprodução e memorização de conteúdos. É o caso da Matemática (FAZENDA, 1993). As discussões atuais sobre a aprendizagem da Matemática têm evidenciado uma nova perspectiva, onde o ensino passa a ser planejado e organizado com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento sistêmico, global, do ser humano, para que este possa vivenciá-la e aplicá-la em seu meio e transformar de forma significativa sua relação com o mundo. Percebe-se, com isso, a responsabilidade dos que trabalham com a Matemática. Para desenvolver um trabalho que possibilite ao indivíduo o acesso a um conhecimento mais reflexivo e uma aprendizagem mais significativa, os professores precisam implementar práticas pedagógicas que criem as condições necessárias para o estudante realizar comparações, deduções e principalmente conexões entre os diferentes saberes das diversas áreas. Várias pesquisas em Educação vêm tentando mudar o isolamento e a fragmentação dos conteúdos, ressaltando que o conhecimento disciplinar por si só não favorece a compreensão de forma global e abrangente de situações da realidade vividas pelo aluno, elegendo dois princípios básicos para o ensino de Matemática: o da contextualização e o da interdisciplinaridade (TOMAZ; DAVID, 2013, p. 14). O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 8 A Matemática precisa articular-se com as várias práticas e necessidades sociais; isso não significa que todo conhecimento parta da realidade do aluno. Outra forma de contextualização refere-se às inter-relações com outras áreas do conhecimento, que podem ser entendidas como uma estratégia interdisciplinar. O princípio da interdisciplinaridade pode ser caracterizado por meio de diferentes formas e concepções, dentre elas, a inter-relação entre a Matemática e outras áreas do saber, bem como outras disciplinas curriculares. Nessa perspectiva, a escola passa a buscar uma organização curricular dos conteúdos, tendo em vista as concepções da interdisciplinaridade e da contextualização. E a Matemática escolar passa a ser considerada de forma a levar o aluno à participação ativa na sociedade em que vive. Há, nesse sentido, uma preocupação com a formação integral do aluno, não só em um processo educativo, mas também como cidadão crítico e responsável, preparado para enfrentar os desafios sociais e econômicos desta sociedade. Os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais - BRASIL, 1997) destacam que: A Matemática é componente importante na construção da cidadania, na medida em que a sociedade se utiliza, cada vez mais, de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, dos quais os cidadãos devem se apropriar. (...) A aprendizagem em Matemática está ligadaà compreensão, isto é, à apreensão do significado; apreender o significado de um objeto ou acontecimento pressupõe vê-lo em suas relações com outros objetos e acontecimentos. Assim, o tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques e numa rígida sucessão linear deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam favorecidas e destacadas (BRASIL, 1997, p. 19). Assim, ressalta-se a formação geral do educando e não o domínio de técnicas; e busca-se a flexibilidade, tomando como parâmetro a contextualização dos conhecimentos e a interdisciplinaridade; e ela pode ser atingida quando os conhecimentos de outras disciplinas contribuem para resolver um problema ou compreender novos conceitos com pontos de vista diferentes. As séries iniciais são a base da introdução das primeiras noções, não só da Matemática, mas das diversas áreas do conhecimento, e representam a visão para novos conhecimentos que as crianças terão de aprender no futuro; e a forma pela qual esses conteúdos iniciais são trabalhados na escola pode determinar o sucesso ou o fracasso dos alunos no processo ensino/aprendizagem. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 9 Em se tratando, especificamente, da Educação Matemática nas séries iniciais, sabe-se que esse período de escolarização é responsável pela introdução das primeiras noções. Para tanto, aponta-se a importância do uso da Literatura Infantil no ensino, como forma de atrair e de instigar a criança ao ato de ler e de interpretar textos que envolvam conceitos e noções Matemáticas. A leitura e a escrita de números e de palavras do âmbito matemático muito contribuem para que o aluno realize uma leitura de mundo, buscando uma perspectiva além da simples decodificação dos numerais e resolução das quatro operações matemáticasbásicas. Busca-se refletir e analisar sobre as aulas de Matemática em que se trabalha a Literatura Infantil, em um diálogo que possibilite estabelecer relações entre conhecimentos matemáticos de forma que seja realizada uma interpretação mais crítica da realidade. Silveira, Gonçalves e Silva (2006) destacam que: Didaticamente falando, pensar em conexões nas aulas de Matemática significa assumir que os educandos aprendem enredando significados, o que acontece quando podem estabelecer relações entre uma noção, conceito ou procedimento matemático, com outra noção, conceito a procedimento da própria Matemática ou de outra área do conhecimento; como no caso da Literatura (SILVEIRA; GONÇALVES; SILVA, 2006, p. 154). Com a Literatura Infantil, pode-se desenvolver habilidades de linguagem, tanto natural como a Matemática, que possibilitam ao aluno, por meio das histórias, escrever e discutir sobre as questões Matemáticas. Silveira, Gonçalves e Silva (2006) ainda afirmam que: Dessa maneira a leitura contribui para o desenvolvimento da imaginação, da observação, da análise, da criatividade e da concentração, que são operações de pensamento necessárias à construção do conhecimento em qualquer área do saber. E ainda, ao explorar a Literatura Infantil e a Matemática concomitantemente, podemos envolver os alunos na fantasia e no sonho, possibilitando que aprendam Matemática de forma lúdica sem desconsiderar as especificidades desses conhecimentos (SILVEIRA; GONÇALVES; SILVA, 2006, p. 157). Nesse sentido, a partir do trabalho com a Literatura Infantil, o professor pode criar situações-problemas em sala de aula que oportunizem aos alunos a construção de significado e de conhecimentos. Atualmente, algumas pesquisas educacionais relacionam a Matemática e a O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 10 Literatura Infantil, entre as quais pode-se destacar o livro de Tomaz e David (2013), “Interdisciplinaridade e Aprendizagem da Matemática em sala de aula”, voltado para futuros professores e para profissionais da área que buscam de diversas formas refletir sobre a Educação Matemática; e de Smole, Cândido e Stancanelli (1997), intitulado “Matemática e Literatura Infantil”, que é uma proposta que reúne Matemática, Literatura, jogo e brinquedo, e que sugere atividades interdisciplinares e aponta as possibilidades didáticas da Matemática na Literatura e suas aplicações na vida e na escola. Figura 2: Imagens dos livros. Fonte: Digitalização. Outra obra, intitulada “Era uma vez na Matemática: uma conexão com a Literatura Infantil” de Smole, Cândido e Stancanelli (2004), mostra que a Literatura Infantil nas aulas de Matemática pode tornar essa disciplina mais interessante e motivadora, contribuindo para a diminuição dos elevados índices de insucesso matemático dos estudantes. Figura 3: Imagem do livro. Fonte: Digitalização. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 11 Pode ser citado, ainda, o livro “Aritmética da Emília”, em que o autor apresenta indícios de práticas de ensino e de aprendizagem de Matemática. Figura 4: Imagem do Livro. Fonte: Digitalização. Constata-se que, tanto as pesquisas educacionais quanto as obras literárias abordam sobre ligação entre a Matemática e a Literatura Infantil. O trabalho em apreço não busca apontar possibilidades de ensinar Matemática às crianças por meio da Literatura Infantil, mas sim, mostrar que é possível romper com as práticas tradicionais no ensino de Matemática e trabalhar com uma perspectiva interdisciplinar com a Literatura Infantil; e, além disso, demonstrar que a Matemática é tão importante e necessária quanto a Literatura, não só para as crianças, como também para estudantes em outros níveis de escolarização. São muitas a obras que permitem a integração da Matemática com a Literatura. Para Smole (2000): A Literatura infantil tem sido apresentada como uma prática pedagógica aberta, atual, que permite à criança conviver com relação não passiva entre linguagem escrita e falada. De algum modo a Literatura aparece à criança como um jogo, uma fantasia muito próxima ao real, uma manifestação do sentir e do saber, o que permite a ela inventar, renovar e discordar (SMOLE, 2000, p. 67-68). Savegnago e Schmitz (2014) destacam: A Literatura pode sim ser usada como ferramenta para o ensino- aprendizagem de alguns conceitos matemáticos, pois amplia a possibilidade de integração das diferentes dimensões do conhecimento, rompe com a monotonia, desperta a curiosidade, melhora a oralidade e a capacidade de argumentação e de estruturação do pensamento, e sem dúvida, aumenta enormemente a capacidade de interpretação das mais diferentes situações sejam elas Matemáticas ou não (SAVEGNAGO; SCHMITZ 2014, p. 9). O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 12 É possível haver uma adequada conexão entre a Literatura e a Matemática, visto que a Literatura é uma das ferramentas que pode proporcionar ao aluno a leitura e a compreensão dos elementos matemáticos. As pesquisas revelam que a Literatura Infantil nas aulas de Matemática as torna mais interessantes e motivadoras, contribuindo para a redução dos índices de insucesso discente. Segundo Smole (2000), Integrar Literatura nas aulas de Matemática representa uma substancial mudança no ensino tradicional da Matemática, pois, em atividades desse tipo, os alunos não aprendem primeiro a Matemática para depois aplicar na história, mas exploram a Matemática e a história ao mesmo tempo (SMOLE, 2000, p. 68). Essa integração representa uma mudança no ensino tradicional de Matemática e proporciona o desenvolvimento de habilidades Matemáticas e da linguagem. Essas aulas permitem, na perspectiva de Smole, Cândido e Stancanelli (2004), que habilidades Matemáticas e de linguagem desenvolvam-se juntas, enquanto os alunos leem, escrevem e conversam sobre as ideias Matemáticas.Além disso, as histórias infantis promovem o desenvolvimento da criança. A partir de um embasamento teórico obtido por meio das obras de estudiosos, tais como Smole (2000), dentre outros, notam-se argumentos plausíveis acerca dos benefícios do uso da Literatura Infantil nas aulas de Matemática no processo ensino- aprendizagem, tais como: o desenvolvimento de habilidades linguísticas e abordagem simultânea de conteúdos matemáticos; e o despertar da imaginação, da criatividade, da comunicação e do interesse na construção do conhecimento. Assim, a Literatura Infantil contribui de maneira significativa na aprendizagem das crianças, principalmente por ser uma atividade interdisciplinar, lúdica, contextualizada e interativa. 3. Literatura infantil: diretrizes para uma nova e possível abordagem para o ensino de Matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental Esta subseção tem por finalidade apresentar, analisar e sistematizar as principais diretrizes e abordagens referentes ao ensino de Matemática, por meio da Literatura Infantil, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, e que efetivamente contribuem para os processos e possibilitam uma aprendizagem significativa dos conteúdos matemáticos. Nota-se que há uma preocupação constante com o ensino da O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 13 Matemática, em busca de uma prática pedagógica que preencha as lacunas de sua aprendizagem. Dentre as muitas possibilidades de trabalho com as séries iniciais, uma proposta que vise à aproximação da Matemática com a Literatura Infantil, tem sido objeto de estudo de professores e pesquisadores. Para tanto, propõe-se a leitura de diferentes livros de Literatura Infantil que possibilitem o planejamento de sequências didáticas possíveis para o ensino de conteúdos matemáticos, paralelamente ao desenvolvimento de práticas de leitura e escrita. E essa opção pela Literatura Infantil deve-se, principalmente, à percepção de que a aprendizagem nas séries iniciais deve ser pautada pelo espírito lúdico. Rojas (s.d.) destaca: Ao sentir que as vivências lúdicas podem resgatar a sensibilidade, até então adormecida, ao perceber-se vivo e pulsante, o professor/aprendiz faz brotar o inesperado, o novo e deixa cair por terra que a lógica da racionalidade extingue o calor das paixões, que a Matemática substitui a arte e que o humano dá lugar ao técnico[..] permitindo construir alicerçado no afeto, no poder fazer, sentir e viver (ROJAS, s.d. p. 45). Diversos são os motivos pelos quais os professores utilizam a Literatura Infantil para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que possibilitam a aquisição de aprendizagens dos saberes matemáticos. Devido à importância que proporciona para o ensino de Matemática, muito se tem pesquisado, especialmente porque é uma ferramenta poderosa no ensino da Matemática, pois aloca a disciplina em um contexto significativo, favorece o estabelecimento de conexões dentro da Matemática com o cotidiano dos alunos e com outras áreas curriculares, bem como, gera interesse e motivação e pode representar conceitos matemáticos visualmente (COOK, 2009; HAURY, 2001). Esses autores ressaltam que, por isso, a Literatura Infantil merece destaque na aula de Matemática. A riqueza de imagens e contextos que a Literatura pode proporcionar é apontada por vários autores (COOK, 2009; HONG, 1996), que defendem a ideia de que a Literatura Infantil fornece um contexto interessante, significativo, de exploração de uma variedade de tópicos matemáticos, o que favorece a aprendizagem de Matemática. Esses autores apontam, ainda, o desenvolvimento da capacidade de O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 14 comunicação como outra razão importante para utilizar a Literatura Infantil, destacando que ela poderá melhorar a aprendizagem e a capacidade de comunicação Matemática. Nessa perspectiva, parece indispensável divulgar e estender o trabalho de se valer da Literatura Infantil, articulada com os saberes matemáticos, a todos os anos de Ensino Fundamental, pois se trata de uma metodologia que efetivamente possa contribuir para o desenvolvimento intelectual, social e emocional dos alunos. Sugestões práticas A título de exemplo, são apresentadas, a seguir, duas propostas de desenvolvimento da prática pedagógica numa perspectiva interdisciplinar, Literatura e Matemática: uma destinada a estudantes do primeiro e do segundo anos, e outra, a estudantes do quarto e quinto anos. A proposta destinada a estudantes dos dois anos iniciais foi organizada a partir do livro “Era uma vez um gato xadrez”, de Bia Vilela. É um livro que apresenta um texto que combina rimas, cores e formas. A proposta destinada a estudantes do quarto e quinto anos foi organizada a partir do livro “O bosque das figuras planas”, de Andreia Hall e ilustrações de Ângela Luiza. É um livro que apresenta um texto que trata das formas geométricas de maneira lúdica. O trabalho com os dois anos iniciais do Ensino Fundamental O livro “Era uma vez um gato xadrez”, de Bia Vilela, não trabalha especificamente os conceitos matemáticos, mas eles estão presentes em toda a obra, nos desenhos, e o texto permite várias interligações com a Matemática. Por isso foi escolhido, exatamente por não ser tão óbvia a relação com a Matemática e, assim, o professor pode perceber que é possível desenvolver um trabalho, com as histórias, desde que seja criativo para explorar o texto, sem que estejam especificamente relacionadas com a Matemática. Figura 5: Capa do livro “Era uma vez um gato xadrez”. Fonte: Digitalização. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 15 Todo o texto apresentado no livro “Era uma vez um gato xadrez” é ilustrado. Apenas para efeito de entendimento é apresentado no Quadro 1, o texto sem as ilustrações. Quadro 1: Texto sem as ilustrações. Fonte: livro “Era uma vez um gato xadrez”, de Bia Vilela. A seguir, para se ter uma ideia a respeito das ilustrações, são apresentadas algumas partes contendo figuras do livro “Era uma vez um gato xadrez”. Figura 6: Exemplos de ilustrações do texto do livro “Era uma vez um gato xadrez”. Fonte: livro “Era uma vez um gato xadrez”, de Bia Vilela. A história foi construída a partir de uma parlenda, conhecida por muitas pessoas no Brasil. O objetivo do seu uso nesta aula é associar o texto com os conceitos matemáticos de cor, forma, ordenação e contagem. A seguir são apresentadas, considerando a utilização do livro “Era uma vez um gato xadrez”, algumas estratégias e procedimentos pedagógicos que podem ser utilizados pelos professores quando do planejamento, organização e implementação da prática pedagógica numa perspectiva interdisciplinar. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 16 Preparação: O professor diz às crianças, por exemplo: Hoje, será contada uma história bem engraçada, que brinca com as cores, com os formatos e com as rimas. Mas, primeiro, será conversado um pouco sobre... GATOS!!! Quem aqui tem um gatinho em casa? De que cor ele é? (deixar as crianças falarem). O gato é diferente do cachorro, principalmente no gênio. Quem pode dizer quais são as diferenças entre cachorros e gatos? Pois é, existe uma escritora chamada Bia Vilela, que, além de escritora, é veterinária e gosta muito de figuras geométricas. Ele escreveu uma história sobre gatos de todas as cores e personalidades. O nome da história é: “Era uma vez um gato xadrez”. Desenvolvimento: O professor, na medida em que vai contando a história, fixa no quadro ilustrações de suas partes. Com isso, as figuras geométricas serão exploradas, vendo com quais delas os gatos foram desenhados,fazendo conexão com os conceitos matemáticos, de forma lúdica. Para tanto, o professor diz: 1. Os gatos da história têm cores dos gatos verdadeiros? Existe algum gato xadrez, azul, rosa, verde? Por que será que a autora colocou essas cores no texto? (porque na história, na imaginação, tudo é permitido). Quem gostaria de vir aqui no quadro, separar os gatos em dois grupos: em um lado do quadro, as cores de gatos verdadeiros, e do outro lado, as de gatos imaginários? Quando terminarem, o professor poderá mostrar que se formaram dois conjuntos de gatos. Quantos elementos existem em cada conjunto? 2. Quantos gatos, ao todo, existem na história? 3. Agora, a história será reordenada, conforme a autora contou (as ilustrações devem conter um número no alto, para que os estudantes possam reordená-las). 4. Vocês notaram uma coisa? Olhem que interessante! Se a ordem for alterada, não vai prejudicar o sentido da história! Apenas a última gravura que não pode ser mudada de lugar. Quem gostaria de vir aqui no quadro e reordenar de outra maneira? 5. Vocês notaram as rimas do texto? Agora, vocês farão rimas com os nomes dos colegas! Por exemplo, Gabriela, abre a janela? Rafael gosta de pastel... Quem quer fazer, primeiro, uma rima com o nome do colega? 6. Têm-se diversas figuras geométricas de papel colorido. Vocês sabem os nomes de cada figura? (levar as mais simples: círculo, quadrado, retângulo, círculo, O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 17 losango e deixar para mais tarde as mais complexas, tais como hexágonos, pentágonos etc.). O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 18 7. Agora, cada um vai montar o seu gato com as figuras que quiser, do jeito que desejar. Todos estão preparados? Quando terminarem, o professor convida dois ou três alunos para contar com que figuras fizeram os seus gatos. Em seguida, as crianças inventam histórias sobre seus gatos, podendo usar rimas ou não; e serão orientadas a escrever suas histórias e a fazer ilustração delas, utilizando figuras geométricas. Os alunos estudarão as figuras geométricas de forma lúdica, associada com a poesia, com as rimas e, indubitavelmente, gostarão bastante dessa atividade. O trabalho com o quarto e o quinto anos do Ensino Fundamental Para as crianças do quinto ano foi escolhida a história “O bosque das figuras planas”, com texto de Andreia Hall e ilustrações de Ângela Luiza, em obra publicada pela Editora Novaprint. Inicialmente, é necessário que se tenha cuidado, porque o livro é escrito no Português lusitano, uma vez que a autora é professora da Universidade de Aveiro. Assim, as conversas estão apresentadas na segunda pessoa do singular e os alunos poderão estranhar. Será uma boa oportunidade para o professor explicar essas diferenças, na aula de Língua Portuguesa. O texto é longo e está em português lusitano, motivo pelo qual sugere-se que o professor conte a história, com as adaptações necessárias, podendo optar por fazer a leitura dos trechos mais significativos, além de trabalhar as figuras geométricas com os alunos. Figura 7: Capa do livro “O bosque das figuras planas”. Fonte: digitalização. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 19 A seguir, são apresentados extratos de partes do texto da obra literária em questão: Quadro 2: Partes do texto da obra “O bosque das figuras planas”. Fonte: Livro “O bosque das figuras planas”. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 20 O referido livro trabalha uma clara e explícita intertextualidade com a história de Pinóquio, inclusive, na capa, aparece a frase “Aventuras Matemáticas de Pinóquio”. Por esse motivo, seria ideal que, antes de apresentar o livro, o professor recordasse a história. Sugere-se que o professor confeccione, em EVA, ou em papel colorido, diversas figuras geométricas e que essas sejam coladas no quadro, sem dizer às crianças do que se tratam, podendo ser colocadas legendas abaixo delas, mas de preferência encobertas. Isso deixará as crianças curiosas, com a atenção retida e o interesse despertado. Em seguida, o professor vai perguntando os nomes de cada figura, desde as mais simples às menos conhecidas, e vai desencobrindo as legendas. Figura 8: Figuras planas. Fonte: Autoria própria. Após essa etapa inicial, pergunta-se: Vocês sabem por que foram trazidas essas figuras? Porque, com elas, pode-se fazer muitas coisas. Aliás, tudo o que está no entorno das pessoas tem uma forma geométrica: suas casas, as panelas, os copos, a cama, a televisão, tudo... E uma escritora que mora noutro país, lá em Portugal, na Europa, cujo nome é Angela Hall, escreveu um livro em que essas figuras são personagens. Mas antes, será lembrada a história de Pinóquio. Em sequência, o professor prossegue com diversas questões, para com os seus alunos, prendendo sua atenção despertando o seu interesse, como por exemplo: 1. Hoje, você vai conhecer um livro muito interessante, que vai te ajudar a entender melhor o conteúdo de figuras geométricas, mas, antes, será lembrada a história do Pinóquio, de Carlo Collodi. Quem de vocês conhece a história? O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 21 2. Quem era Pinóquio? 3. Qual o grande sonho de Pinóquio? 4. Como se chamava o homem que fabricou Pinóquio? 5. Pois bem, neste livro, o adulto se chama João Pedro e tem o apelido de Jopeto, bem semelhante ao Gepetto da história original. O Pinóquio era feito de madeira, vocês se lembram disso? Pois o Pinóquio desta história foi feito com figuras de computador. Querem conhecê-lo? As figuras vão sendo retiradas do quadro, pelo professor, e à medida que for sendo contada a história, vão sendo fixadas novamente as figuras com as legendas, no quadro. Provavelmente, será necessária mais que uma aula para que todo o texto seja cumprido, com a devida exploração das figuras. E, então, o professor prossegue dizendo, por exemplo: No palácio da rainha, todas as figuras eram círculos, inclusive ela própria. Vocês são capazes de desenhar a rainha feita com círculos? Figura 9: A rainha feita de círculos. Fonte: Autoria própria. E o professor continua: De que outras figuras geométricas poderia a rainha ser feita? Como seria uma árvore formada por triângulos? E, então, após as crianças falarem, o professor mostra a montagem pensada pela autora no livro, conforme ilustra a Figura 10. Figura 10: A árvore feita de triângulos. Fonte: “O Bosque das Figuras planas”, de Ângela Hall. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 22 O professor prossegue: Por que os quadriláteros têm esse nome? Como seria uma árvore constituída por losangos? E por quadrados, como seria? O professor aguarda que as crianças se manifestem, dizendo, desenhando, e após isso, apresenta as figuras contidas no livro (Figura 11). Figura 11: Árvores feitas de quadriláteros. Fonte: “O Bosque das Figuras planas”, de Ângela Hall. Assim, vão sendo trabalhadas as figuras que aparecem no livro, dando-lhes nomes e mostrando-as recortadas em EVA de cores diferentes e vistosas. Terminada a história, o professor distribui entre as crianças figuras de todos os formatos, como as que foram afixadas no quadro e pede que elas construam algo com aquelas figuras, como por exemplo: bonecos, casas, robôs, castelos, trens de ferro, enfim, o que bem desejarem. Essas figuras deverão ficar expostas na sala de aula, ou mesmo no pátio, durante o recreio. E depois, as crianças poderão inventar e redigir suas próprias estórias, utilizando aquelas figuras geométricas, que, após corrigidas,poderão ser divulgadas por meio de um varal, disposto no corredor da escola, para serem apreciadas por todos. Os autores do presente trabalho pretendem, com essas sugestões, deixar uma contribuição prática, exemplificando como a Literatura Infantil pode ser utilizada como ferramenta no ensino-aprendizagem da Matemática, e, ao mesmo tempo, proporcionar leituras prazerosas às crianças. 4. Considerações finais No contexto escolar, no ensino da Matemática, ainda é predominante uma prática pedagógica que se caracteriza pela transmissão expositiva de conteúdos por parte do professor, e pela repetição das informações, com treinamento de resolução de exercícios padronizados, por parte dos estudantes. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 23 Nesse cenário, a Literatura Infantil aparece como alternativa metodológica e como proposta interdisciplinar nas séries iniciais do Ensino Fundamental que pode contribuir para que haja a implementação de novas ações educativas. Com a utilização da Literatura nas aulas de Matemática, os alunos são envolvidos no mundo do sonho e da fantasia, e são levados pela imaginação, ao mesmo tempo em que aprendem os conceitos matemáticos de uma maneira interessante, lúdica e contextualizada. Portanto, essa aproximação interdisciplinar entre o ensino da Matemática e a Literatura Infantil promove uma aprendizagem significativa, capaz de proporcionar mudanças na dinâmica das aulas, favorecer ao discente o gosto pela disciplina, motivar e despertar maior interesse e facilitar o processo de ensino e aprendizagem. A Literatura utilizada como um recurso que aproxima as crianças da Matemática pode tornar a aprendizagem mais interessante e prazerosa, possibilitando melhor compreensão e significado dos conceitos matemáticos. A Literatura coloca essa disciplina em um contexto significativo, e favorece o estabelecimento de conexões com outras áreas de conhecimento e dentro da própria Matemática. Contudo, para utilizar de forma produtiva a Literatura nas aulas de Matemática é necessário que o educador tenha o cuidado de conhecer e ler a história antes de apresentá-la aos alunos; saber as possibilidades de trabalho que ela permite; explorar os conteúdos matemáticos sem tirar o sentido da história; conhecer a preferência dos estudantes com relação às histórias; e, por fim, explorar o livro com alma e emoção, criando expectativas, despertando a curiosidade, ampliando ideias, possibilitando o desenvolvimento da criatividade, fomentando o interesse e a motivação discentes. Calvino (1992) coloca a Literatura como criadora de imagens e importante para desenvolver a capacidade de imaginar, de fantasiar e de criar, a partir das imagens visíveis do texto. Para ele, a Literatura pode ser vista como uma rede de significações, pois o texto literário não se limita a si mesmo, mas coloca-se na tangência de outros textos e do próprio leitor. Assim, a linguagem literária produz sentidos diversos para a criança que a traduz em forma de fantasia e imaginação, próximas da sua própria realidade, estimulando o gosto pela Língua escrita. O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 24 Por meio da Literatura, é possível que os alunos interpretem as histórias contadas nos livros, com o aprendizado simultâneo de conteúdos matemáticos, podendo, inclusive, recontá-las de diferentes maneiras e com a utilização de variadas linguagens, favorecendo, inclusive, a interdisciplinaridade. A esse respeito, Smole, Cândido e Stancanelli (1997) esclarecem: [...] o trabalho com a Matemática da pré-escola à quarta série seria enriquecido se pudesse ser feita uma conexão com a Literatura Infantil, isto é, acreditamos que a Literatura poderia ser um modo desafiante e lúdico para as crianças pensarem sobre algumas noções Matemáticas e, ainda, servir como um complemento para o material tradicionalmente utilizado nas aulas: a lousa, o giz e o livro didático (SMOLE; CÂNDIDO; STANCANELLI, 1997, p. 12). A integração da Literatura nas aulas, dessa forma, implicaria em uma mudança significativa no ensino escolar ainda hoje predominante, pois concilia a aprendizagem Matemática com a história apresentada na obra literária. Como dito anteriormente, além da interação, é possível imaginar, recriar e explorar lugares. Ao utilizar os livros infantis, os professores podem suscitar questões relacionadas à Matemática, por meio de questionamentos realizados aos alunos no decorrer da leitura, ao mesmo tempo em que eles vão se envolvendo com a história apresentada. Smole, Cândido e Stancanelli (1997) destacam que a Literatura pode ser usada como um estímulo para ouvir, ler, pensar e escrever sobre Matemática. Nesse sentido, é importante que o professor estimule a leitura e selecione as obras cujas histórias a serem estudadas possam possibilitar a elaboração de atividades pedagógicas adequadas à turma com a qual se está trabalhando. Welchman-Tischler (1992) classifica os modos de usar as histórias na aprendizagem da Matemática: 1. Para fornecer o contexto ou modelo para uma atividade com conteúdos matemáticos. 2. Para introduzir materiais manipuláveis que serão usados de diversas formas (não necessariamente como na história). 3. Para inspirar experiências criativas com Matemática. 4. Para propor um problema interessante. 5. Para preparar um conceito ou competência Matemática. 6. Para explicar um conceito ou competência Matemática. 7. Para rever um conceito ou competência Matemática (WELCHMAN-TISCHLER, 1992, p. 15). Smole, Cândido e Stancanelli (1997) ressaltam, ainda, que a história contribui para que os alunos aprendam Matemática, assim como explorem lugares, características e acontecimentos na história, o que permite que habilidades O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 25 Matemáticas e de linguagem desenvolvam-se juntas, enquanto os alunos leem, escrevem ou conversam sobre ideias Matemáticas que vão aparecendo ao longo da leitura. De fato, a leitura de uma história proporciona oportunidades e momentos de discussão livre e espontânea. Por meio dessa ligação entre a Literatura e a Matemática, Smole, Cândido e Stancanelli (1997) estabelecem que essa conexão pode implicar: a) relacionar as ideias Matemáticas à realidade, de forma a deixar clara e explícita sua participação, presença e utilização nos vários campos da atuação humana, valorizando assim o uso social e cultural da Matemática; b) relacionar as ideias Matemáticas com as demais disciplinas ou temas de outras disciplinas; c) reconhecer a relação entre diferentes tópicos da Matemática, relacionando várias representações de conceitos ou procedimentos umas com as outras; d) explorar problemas e descrever resultados usando modelos ou representações gráficas, numéricas, físicas e verbais (SMOLE; CÂNDIDO; STANCANELLI, 1997, p. 13). Smole (2000) apresenta, ainda, uma classificação dos livros infantis em quatro categorias, com a finalidade de organizá-los para um trabalho com a Matemática, a saber: [...] na primeira categoria inclui os livros de contagem e os livros de números que possibilitam a exploração de ideias e conceitos matemáticos tais como: adição, subtração, multiplicação, divisão, sequência numérica e até valor posicional, além de auxiliar os alunos a compreenderem noções e ideias ligadas ao conceito de número. Outra categoria de livros é a de histórias variadas que podem ser contos folclóricos, histórias de animais, fábulas ou outras histórias. O terceiro grupo de livros infantis engloba os livros conceituais. Estes exploram ideias Matemáticas específicas, diferente dos livros didáticos convencionais, pois são escritos de tal modo que encantam o leitor e, ao mesmo tempo, estimulam uma investigação mais profundados conceitos. O quarto grupo de livros é o de charadas. Através desses livros, o professor pode obter uma série de atividades que propiciam o desenvolvimento de habilidades de pensamento tais como: previsão, checagem, levantamento de hipóteses, tentativa e erro, que são importantes para o desenvolvimento da aprendizagem da Matemática e mais especificamente, essenciais para desenvolver a capacidade de resolver problemas e construir a linguagem Matemática (SMOLE, 2000, p. 26). Dessa forma, é importante o trabalho da Literatura Infantil na Educação Matemática, ou seja, no processo de ensino da Matemática na sala de aula, para que o aluno possa vivenciar situações significativas de aprendizagem. Tornar a Matemática O Ensino de Matemática: metodologias alternativas 2020 Guilherme Saramago de Oliveira (Org.) 26 acessível às crianças tem sido um dos maiores desafios que os professores têm que enfrentar para que a prática docente não esteja restrita à mera transmissão e repetição de conteúdos. Desse modo, a ideia de incorporação da prática da leitura e da Literatura Infantil nas aulas de Matemática pode efetivamente contribuir para a melhoria dos processos formativos e consequentemente para a aprendizagem do estudante. REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997. CALVINO, I. As Cosmicômicas. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1992. COOK, N. A bola dourada. Ilustrações de Nicole de Cock. São Paulo, SP: FTD, 2009. FAIGUELERNT, E. K.; NUNES, K. R. A. Tecendo Matemática como arte. Porto Alegre, RS: Artmed, 2009. FAZENDA, I. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo, SP: Cortez, 1993. FERNANDES, M. S. N. O. Literatura Infantil nas aulas de Matemática: uma estratégia facilitadora para o processo de ensino e de aprendizagem. Pindamonhangaba, SP: FUNVIC, 2014. HAURY, D. L. Literature-based mathematics in elementary school. 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