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Caricaturas e tipos cômicos no teatro Ismael Scheffler José Marconi Bezerra de Souza (Organizadores) Projeto gráfico: Maiara Miotti Cunha Tratamento de imagens: Letícia Máximo Supervisor do projeto gráfico: Marco André Mazzarotto Filho Revisão de língua portuguesa: Elza Aparecida Oliveira Filha Produção editorial: Ismael Scheffler A publicação deste livro é uma ação do projeto de extensão TUT – Teatro da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Curitiba, em parceria com o Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN). O desenvolvimento do projeto gráfico foi realizado pela aluna do Bacharelado em Design Maiara Miotti Cunha, que contou com a bolsa de extensão PROREC do Edital 02/2020 – PROREC – UTFPR. Dos trabalhos que integram esta publicação, os seguintes estudantes receberam Bolsa de Incentivo à Produção Artística e Cultural (BIPAC) do Edital 01/2021 – PROREC: Alan Rodrigues Rêgo, André Luís Vieira de Assis, Danka Farias de Oliveira, João Pedro Neto Teixeira Lopes e Vinícius Calegari Marocolo. O presente trabalho foi realizado com o apoio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Contato: Ismael Scheffler Av. Sete de Setembro, 3165 – Rebouças – Curitiba – PR – 80230-901 E-mail: scheffler@utfpr.edu.br Facebook: https://www.facebook.com/tut.utfpr Instagram: @tut_utfpr Site: https://tut.ct.utfpr.edu.br/ ESTE LIVRO NÃO PODE SER COMERCIALIZADO NEM DISTRIBUÍDO POR PLATAFORMAS QUE RESTRINJAM O ACESSO POR COBRANÇA DE QUALQUER TIPO. SUA DISTRIBUIÇÃO DEVE SER SEMPRE GRATUITA. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação C277 Caricaturas e tipos cômicos no teatro / organização : Ismael Scheffler e José Marconi Bezerra de Souza. – 1. ed. – Curitiba, PR : Arte Final, 2021. 1 arquivo texto (214 p.) : il., PDF; 27,1 MB e-ISBN: 978-65-993780-7-2 Inclui bibliografia e índice onomástico 1. Teatro brasileiro - Paraná. 2. Caricatura - Teatro. 3. Teatro - Criação. 4. Teatro da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. I. Scheffler, Ismael. II. Souza, José Marconi Bezerra de. III. Título. CDD: Ed. 23 -- 792.098162 Biblioteca Central da UTFPR, Câmpus Curitiba Bibliotecário: Adriano Lopes CRB-9/1429 https://www.facebook.com/tut.utfpr https://tut.ct.utfpr.edu.br/ Agradecimentos À diretora Rossana Aparecida Finau, pelo apoio constante ao TUT. À professora Elza Aparecida Oliveira Filha, pela gentil revisão dos textos deste livro. Ao professor Marco André Mazzarotto Filho que supervisionou o projeto gráfico deste livro durante a disciplina Design editorial, no curso de Tecnologia em Design Gráfico. À professora Simone Landal, por todo incentivo nos projetos do TUT. À Aline G. S. Scheffler, pelo apoio na produção do livro. Aos órgãos governamentais que apoiam a pesquisa e produção artística e científica em nosso país. Aos alunos que acreditaram no projeto e mergulharam nesta aventura dando os traços e as cores a este livro. Elenco do TUT no camarim, antes do início da apresentação do espetáculo Dentro do dentro, em 2006. Foto: Guto Souza Esse livro é dedicado a todas atrizes e atores que fizeram parte do TUT, às pessoas que colaboraram nos bastidores das produções e aos milhares de espectadores que vieram nos assistir. Figurinos do espetáculo O feitiço da Mariposa, em 2008. Foto: Ismael Scheffler Sumário Apresentação ..............................................................................................................................................................................................9 TUT ...........................................................................................................................................................................................................11 Desenho de teatro: um croqui do percurso .........................................................................................................................................13 Teatro em traços e tintas: registros visuais da comicidade e expressão ............................................................................................17 O cômico como um caminho pedagógico para vivenciar o teatro ...................................................................................................33 Caricaturas como documentação teatral ..............................................................................................................................................35 Auto de Natal (2005) – Danka Farias de Oliveira ................................................................................................................................39 Chufone (2006) – José Marconi Bezerra de Souza ..............................................................................................................................57 Dentro do dentro (2006) – André Vieira ...............................................................................................................................................73 O feitiço da Mariposa (2007) – Alan Rodrigues Rêgo ........................................................................................................................97 GerenTUT (2008) – Priscila Celeste Chiang ......................................................................................................................................115 Ubu Rei (2008) – Vinícius Calegari Marocolo ...................................................................................................................................125 A breve dança de Romeu e Julieta (2009) – João Pedro Neto ...........................................................................................................157 Onde você gostaria de estar agora? (2009) – Letícia Máximo ..........................................................................................................183 A rainha papa livros (2010) – Maiara Miotti Cunha .........................................................................................................................195 Referências .............................................................................................................................................................................................206 Autorretratos ..........................................................................................................................................................................................208 Índice onomástico dos atores e das atrizes ........................................................................................................................................210 Onde você gostaria de estar agora?, em 2009. Foto: Ismael Scheffler 9 Apresentação A produção artística apresentada neste livro é de desenhos realizados por estudantes de design interessados na expressividade do ser humano e no desenho de personagens. E, embora se possa situar este livro nos campos das artes visuais por propor a realização de desenhos, corresponde a um projeto interdisciplinar envolvendo a linguagem teatral, a fotográfica e a preservação de patrimônio cultural. No seu centro, está o acervo documental do TUT — Teatro da UTFPR–Curitiba, um projeto institucional da Universidade Tecnológica Federal do Paraná criado em 1972, e que segue em atividade até os dias de hoje. Em 2022 o TUT comemora seu cinquentenário, sendo um dos projetos mais antigos da UTFPR. Dos 113 anos que a UTFPR completa, por 50 anos o TUT fez parte de sua história, sendo um dos projetos de teatro amador estudantil mais duradouros do Brasil. Para o desenvolvimento do projeto deste livro, foram selecionadas nove ações teatrais, a maioria espetáculos, dirigidos pelo professor Ismael Scheffler entre os anos de 2005 e 2010, em sua primeira fase à frente do TUT. Desde que assumiu a direção do grupo, em 2005, Scheffler realizou diversos espetáculos e apresentações nos quais explorou com seus alunos-atores a interpretação de tipos cômicos, perpassando pela farsa, pela sátira, pelapalhaçaria e mimo, experimentando cores e expressividade em diversas personagens. No presente trabalho, retomam-se os registros fotográficos e fílmicos, bem como textos teatrais, como matérias-primas a serem desvendadas e conhecidas por novas pessoas, primeiramente pelos desenhadores que se debruçam sobre elas e realizam desenhos disponibilizados a todas as pessoas que se aproximam deste livro. O projeto foi idealizado por Ismael Scheffler e desenvolvido em parceria com o professor José Marconi Bezerra de Souza, artista e designer aficionado pela ilustração e representação gráfica do corpo humano expressivo. Diversas parcerias entre estes dois artistas-professores-pesquisadores já foram feitas. Este livro, portanto, é resultado de um processo de colaborações que se reinventam ao longo dos anos. Os alunos que integram o volume com seus desenhos são estudantes do Bacharelado em Design e do curso de Tecnologia em Design Gráfico, do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial, do qual Scheffler e Souza também 10 fazem parte. São oito estudantes em diferentes momentos da vida acadêmica, alguns ainda no primeiro ano e outros em anos mais adiantados. Os desenhos foram realizados em um período de três meses, em maio, junho e julho de 2021, como um projeto de extensão, com reuniões quase todas as semanas em um processo formativo, de experimentações e partilhamentos. Tudo realizado no mundo virtual durante a nefasta pandemia que exige o distanciamento social. Com a obtenção de cinco bolsas de Incentivo à Produção Artística- Cultural (BIPAC), do Edital 01/2021–PROREC (Pró-Reitoria de Relações Empresariais e Comunitárias), e com uma bolsa de extensão do Edital 02/2020–PROREC, contando ainda com duas alunas voluntárias, foi formado um time eclético com variadas experiências, habilidades, estilos e técnicas: Alan Rodrigues Rêgo, André Vieira, Danka Farias de Oliveira, João Pedro Neto, Letícia Máximo, Maiara Miotti Cunha, Priscila Celeste Chiang e Vinícius Calegari Marocolo. Um desafio proposto foi de cada desenhista buscar um estilo pessoal, ao mesmo tempo em que pretendíamos uma diversificação de estilos no conjunto. Assim, o livro compõe um panorama de variadas possibilidades do desenho de personagens no campo amplo das caricaturas. Muitas discussões provocativas foram empreendidas nesta aventura de desenhar “caricaturas de personagens caricatos”, considerando tanto a aparência mais externa das personagens teatrais destes espetáculos (figurinos, maquiagens, adereços e penteados), quanto a própria anatomia dos atores e atrizes que, entre 2005 e 2010, deram vida às personagens. Neste livro, portanto, temos uma produção artística (desenhos) realizada sobre outras criações artísticas (espetáculos de teatro) que, em alguns casos, foram produzidas a partir de outras obras (textos literários, como de Federico García Lorca, Alfred Jarry, William Shakespeare e Marilda Castanho). A obra é composta por nove seções, uma para cada produção cênica, e está organizada cronologicamente. Em cada uma, Scheffler elaborou um texto contextualizando o espetáculo e seu processo de criação, perfazendo assim uma retrospectiva histórica e artística do TUT, sendo seguido pelos desenhos das personagens, apresentando, por fim, um memorial escrito por cada desenhista sobre sua experiência e escolhas estéticas, além de fotografias que serviram de referência. Os leitores observarão que alguns atores e algumas atrizes, em determinadas produções, desempenharam mais de uma personagem e que alguns participaram de mais espetáculos. Assim, foi elaborado um índice onomástico para o deleite de quem quiser realizar uma observação cruzada, vendo como uma mesma pessoa pode se transformar em diferentes personagens e/ou ser desenhada com diferentes sensibilidades e estilos. 11 TUT O TUT – Teatro da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Curitiba é um projeto de extensão institucional iniciado em 1972. O TUT teve diversos nomes, conforme a nomenclatura da instituição também foi se alterando: TETEF – Teatro da Escola Técnica Federal (1972–1978), TECEFET – Teatro do CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná) (1978–2005), por fim, TUT – Teatro da Universidade Tecnológica (desde 2005). O projeto teve diferentes professores-diretores de teatro, sendo o primeiro o professor José Maria Santos, importante personalidade do teatro profissional em Curitiba, que empresta seu nome ao teatro vinculado ao Centro Cultural Teatro Guaíra, localizado na Rua 13 de Maio. Desde 2005, o professor Ismael Scheffler, contratado por meio de concurso público para docente efetivo para o TUT, está à frente do projeto. Scheffler é Doutor (2013) e Mestre (2004) em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Especialista em Teatro (2001) e Bacharel em Artes Cênicas - Direção Teatral pela Faculdade de Artes do Paraná (2000). Tem formação no Laboratório de Estudo do Movimento da Escola Internacional de Teatro Jacques Lecoq, em Paris, França (2011), e na Escola do Ator Cômico, em Curitiba (2007). É professor nas graduações de Bacharelado em Design e de Licenciatura em Letras/Português, ministrando, entre outras, disciplinas como Espaço cenográfico, Corpo- forma-movimento e Teoria do teatro e teatro brasileiro. Foi coordenador e professor do Curso de Especialização em Cenografia e do Curso de Especialização em Artes Híbridas; também foi professor nos cursos de Especialização em Narrativas Visuais, Especialização em Literatura Dramática e Teatro, e Especialização em Comunicação e Cultura (todos na UTFPR) e no Curso de Especialização em Atividades Acrobáticas no Circo e na Ginástica (PUCPR). Como atividades do TUT, são propostos cursos e oficinas de teatro, além da produção de espetáculos. Também são promovidas ações em interrelações com artes visuais, design, música, cinema, e promovidas palestras, eventos e exposições, buscando a articulação ensino-pesquisa-extensão universitária. O TUT tem aspectos de sua história registrados em artigos e outras publicações, todas disponíveis gratuitamente: TUT, TECEFET, TETEF: 35 anos de Teatro na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2008); Maquetes cenográficas 12 (2014); Babel: o processo de criação do espetáculo teatral (2013); José Maria Santos: entrevistas e embates (2017) – todos organizados por Scheffler e publicados pela Editora da UTFPR; OCO: memórias e olhares (2021), também organizado por Scheffler e lançado neste ano pela Editora Arte Final. Indubitavelmente, o TUT constitui-se em um patrimônio cultural não apenas da UTFPR, mas do teatro paranaense e nacional, visto sua longevidade, constância, impacto social e qualidade de trabalho artístico. Pelo grupo já passaram centenas de pessoas que participaram de espetáculos e outras ações, atingindo um número incontável de espectadores ao longo de 50 anos. Caricaturas e tipos cômicos no teatro inicia as comemorações do cinquentenário do TUT, já em 2021, sendo um resgate da memória do grupo. O livro também demonstra como esta arte tão efêmera que é o teatro, pode encontrar novos sentidos e repercussões imensuráveis mesmo após as cortinas se fecharem e os aplausos silenciarem. Apresentação do espetáculo Ubu rei, no palco das Ruínas de São Francisco, centro histórico de Curitiba, no Fringe - Festival de Teatro de Curitiba, em 2009. Foto: Ismael Scheffler 13 Desenho de teatro: um croqui do percurso Os professores José Marconi Bezerra de Souza (de desenho) e Ismael Scheffler (de teatro), do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial, da UTFPR, campus Curitiba, têm promovido, há vários anos, projetos de produção artística envolvendo artes visuais, design, artes cênicas, literatura e patrimônio. Desde 2013, José Marconi é cofundador e participa da coordenação do coletivo Croquis Urbanos, que semanalmente se reúne (em razão da pandemia os encontros estão suspensos) para desenhar a cidade de Curitiba,estabelecendo um local diferente da cidade ou um edifício em particular como tema. O coletivo tem finalidade de socialização, valorização do patrimônio público, da cidadania, de utilização do ambiente público urbano e desenvolvimento de aprendizado horizontalizado, uma vez que uma pessoa aprende com a outra ao partilhar suas técnicas e seus pontos de vista (pois não consiste em uma prática de ensino tradicional, mas sim de partilha). Do coletivo participam profissionais e estudantes, amadores e especialistas, pessoas das mais diferentes faixas etárias. Em 2015, atendendo a um convite do SESC Paço da Liberdade, um novo grupo foi criado como projeto de extensão chamado de Desenhadores1 de Rua, o qual desenhou o edifício Paço da Liberdade, prédio histórico construído em 1916, localizado no centro da cidade de Curitiba, tombado pelo patrimônio municipal, estadual e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Os desenhos realizados pelos participantes, tanto do interior quanto do exterior do prédio, foram levados à exposição Múltiplos Instantes – Croquis do Paço da Liberdade e integraram o livro comemorativo do centenário do Paço: Impressões – Diários Gráficos do Paço da Liberdade, organizado por Celise Helena Niero e José Marconi Bezerra de Souza (SESCPR, 2016). Esta atividade fez parte de uma ação de extensão da UTFPR coordenada por Souza (Niero; Souza, 2016). Outra iniciativa de extensão da UTFPR que seguiu este fluxo foi o projeto de extensão Desenhadores de Rua nos Palcos Urbanos, posteriormente abreviado como Desenhadores de Palco, 1O termo “desenhadores” visa dar um caráter mais informal ao ato de desenhar, reconhecendo que qualquer um, tendo técnicas apuradas ou não, pode desenhar junto. O termo “desenhista” se refere a uma atividade profissional especializada, o que poderia sugerir a necessidade de apuro técnico para fazer parte do coletivo. 14 que integrou a programação do Festival de Teatro de Curitiba, em março e abril de 2017. Encabeçado por Souza, com a colaboração de Scheffler, envolvendo estudantes, professores e comunidade externa, o projeto de extensão contou com diversas etapas de preparação e acompanhamento dos participantes que desenhavam presencialmente durante as apresentações teatrais em salas fechadas ou em ambientes urbanos. Este projeto ampliou o desenho de arquiteturas patrimoniais para o interior de edifícios em seu uso teatral e para as praças tornadas ambientes artísticos com os espetáculos ali apresentados, re- significando o uso cotidiano. Assim, os desenhos incluíram atores, bailarinos e artistas circenses em cena, personagens, espectadores, figurinos, cenografias, iluminações etc. As temáticas se ampliaram para o desenho de figuras humanas artisticamente expressivas (https://www.facebook.com/ desenhadoresderua ). Nesta atividade de 2017, foram produzidas cerca de 1200 páginas de desenhos realizados pelos 29 participantes do projeto de extensão. Uma seleção de trabalhos de todos os integrantes figurou em uma exposição na UTFPR durante o II Seminário de Design Cênico: elementos visuais e sonoros da cena, realizada em maio de 2017. Souza e Scheffler também apresentaram uma comunicação sobre o projeto neste evento de abrangência nacional. O proje to teve continuidade nos Festivais de Teatro de Curitiba em 2018 e em 2019. Neste último ano, foi impresso pelo SESC-PR o pacote de desenhos: Desenhadores de Rua no Festival de Teatro de Curitiba, que reuniu registros de 2018 e 2019, tendo como tema peças teatrais inspiradas em obras literárias e personagens de grandes clássicos. A publicação foi lançada na 38ª. Semana Literária SESC, em 2019. Todos estes movimentos motivaram os professores Scheffler e Souza a convidarem as professoras Anna Vörös e Figuras 1 e 2 – Desenhando o espetáculo Próspero e os Orixás – A Tempestade, do Grupo Tá Na Rua, que se apresentou na Praça Santos Andrade, no Festival de Curitiba, em abril de 2017. Fotos: Liliane Jochelavicius Figuras 3 e 4 – Em junho de 2018, o grupo Croquis Urbanos, que acolhe pessoas de qualquer idade, experimentou um desafio diferente: desenhar a Mostra Mundo Giramundo, exposição de bonecos da companhia mineira, na Caixa Cultural, em Curitiba. Fotos: Ismael Scheffler https://www.facebook.com/desenhadoresderua https://www.facebook.com/desenhadoresderua 15 Simone Landal, também da área de artes visuais e design, para criarem outro projeto de extensão: Desenhadores de Modelos Vivos em Cena. Com perfil mais pedagógico, envolveu as áreas de desenhos, história das artes visuais, teatro, análise de movimento e anatomia. O projeto associou docentes das graduações de design do campus Curitiba com o projeto institucional do TUT. Foram realizados sete encontros, um a cada mês, ao longo de 2019, propondo o desenho de figura humana em movimento e estática, experimentando metodologias de ensino e integrando conhecimentos históricos com a prática artística, perpassando sete propostas/temas, sempre distintos a cada encontro. Seguindo neste mesmo espírito, também em 2019 foi formado um grupo de desenhadores que acompanhou ensaios e apresentações do espetáculo OCO, produzido pelo TUT como ação de extensão na UTFPR. Alguns destes desenhos e um artigo de Souza integram o livro OCO: memórias e olhares, organizado por Scheffler e publicado no início de 2021. A pandemia de Covid-19 iniciada em 2020 impediu novas ações presenciais, sendo necessário o distanciamento social. Significativa parte das relações humanas precisaram migrar para plataformas digitais e a vida on-line passou a ser uma nova alternativa a ser desvelada. Um espaço rico de trocas foi a realização do Colóquio sobre cronofotografia e análise do movimento: repercussões nas artes e no design, entre 10 e 14 de agosto de 2020. O evento reuniu professores e ex-professores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná com diferentes formações e pesquisas. Foi realizado pela iniciativa do TUT em parceria com o Departamento Acadêmico de Desenho Industrial, Links – Núcleo de Dança Figuras 5, 6 e 7 – A aluna de design Mazi Moreto como modelo vivo utilizando figurino do acervo do TUT. Estudantes da UTFPR e pessoas da comunidade em desenho no LAPOC – Laboratório de Poéticas do Corpo.Alguns croquis realizados no encontro, reunidos para apreciação coletiva. Fotos: Alexandre Azevedo Perich 16 UTFPR-Curitiba; Cirthesis – Projeto de Extensão e Pesquisa em Pedagogia do Circo – DEDFIS/UFPR. Os estudos e experiências da cronofotografia, realizadas pelo francês Étienne-Jules Marey (1830–1904) e pelo inglês radicado nos Estados Unidos, Eadweard Muybridge (1830–1904), foram discutidos em palestras e debates, tanto compreendendo seus trabalhos quanto percebendo como eles repercutiram e influenciaram diferentes campos: Figura 8 - Desenho de José Marconi Bezerra de Souza que integra o livro OCO: memórias e olhares. Foto: Guto Souza medicina, fisioterapia, educação física, esporte; dança, circo e teatro; fotografia, animação e cinema; pintura, escultura e desenho; produção industrial e design, entre outros, dando- se ênfase a diferentes expressões artísticas e ao design (https://www.even3.com.br/coloquiomovimento2020/). Por fim, ainda em distanciamento social com a trágica permanência da pandemia, em 2021, foi criado um projeto novo, compartilhado neste livro: Caricaturas e tipos cômicos no teatro. https://www.even3.com.br/coloquiomovimento2020/ 17 Teatro em traços e tintas: registros visuais da comicidade e da expressão Ismael Scheffler Ao percorrermos os diferentes registros visuais produzidos pelo ser humano ao longo de sua história, iremos reconhecer os mais diferentes temas. Já nas pinturas rupestres podemos identificar a representação humana na realização de ações, como a caça ou a dança, algo reconhecível pelas posições corporais, pela inclusão de objetos (como lanças) e até por contextos narelação com outros elementos (como animais). Percorrendo diferentes culturas, encontraremos o ser humano representado em superfícies bidimensionais ou formas tridimensionais. Os suportes, técnicas e materiais são diversos: desenhos, pinturas, gravuras, tapeçarias e bordados, mosaicos, relevos e esculturas com estilos muito variados – e aqui estamos considerando do ponto de vista plástico, sem ponderar a fotografia e o cinema, por exemplo. As atividades representadas vão desde ações da vida cotidiana a rituais, festas, competições, esportes, guerras, momentos históricos considerados importantes, pessoas posando, pessoas existentes, do passado ou imaginadas. Também as expressões artísticas de música e dança são representadas, assim como diversas outras artes corporais e cênicas, quando o próprio ser humano empresta seu corpo para ser outro ser, fictício, uma personagem. Podemos considerar uma diversidade de manifestações, das mais antigas às mais contemporâneas, que envolvem o princípio de “se dar a ver artisticamente”. O teatro tem por característica tradicional a representação de personagens por um ator ou atriz que assume aparência e ações que lhe distinguem de si mesmo. Neste livro, é sobre isto que tratamos: de personagens teatrais. Na breve demonstração histórica que realizo neste capítulo, o enfoque é em reconhecer como personagens foram temas de interesse de inúmeros artistas. Aponto algumas obras que abordam o teatro, mas também flerto com estas outras artes cênicas, como a dança, as acrobacias, os bufões, os mimos, o circo, o teatro de bonecos, entre vários outros. O teatro foi tema de registros ao longo de toda sua existência e encontramos conteúdos diferentes acerca da atividade teatral. Por vezes, foram representados o local da apresentação (como espaços públicos das cidades ou arquiteturas construídas, permanentes ou temporárias, para este fim); outras vezes percebemos ornamentações e cenários utilizados; outras ainda mostram o público como 18 elemento importante desse evento social. Podemos identificar também as personagens com suas caracterizações de trajes e figurinos, com maquiagens ou máscaras, com valorização da expressividade do corpo em suas possibilidades plásticas e nas inter-relações que estabelecem com outras personagens, com o ambiente e objetos, com o próprio público. Os motivos dos registros são diversos, por vezes de ornamentação, ou com fim didático; de registro histórico ou da vida social; ou como exercício pictórico ou gráfico, ou ainda, quem sabe, por uma tendência de época. No que tange à representação de atores e personagens, em pinturas e desenhos, podemos mesmo ver como aparece esta ambiguidade: personagem e quem representa a personagem: o ator ou a atriz. Algumas obras demonstram a personagem em cena, vivendo uma situação ficcional. Outras mostram a personagem posando e não atuando. Outras, ainda, apresentam o ator preparado para a personagem, antes ou após a cena, e, embora possamos vê-lo caracterizado com figurino e maquiagem, reconhecemos que é o ator, e não a personagem que é mostrada, isto pela atitude e ações com que foi representado. E, por fim, ainda podemos identificar o ator posando sem ter elementos cênicos, algo que seria, tal qual feito com outras pessoas, um retrato – neste caso, não há a potência teatral presente e, portanto, não constitui o interesse desta revisão artística. O que pretendemos aqui é observar a representação de personagens na história das artes visuais, e daremos um pouco mais de atenção aos tipos cômicos e às comédias. Afinal, este foi o desafio proposto aos desenhistas que integram o projeto, de se dedicarem à representação de personagens de tendências cômicas nas produções do TUT, dirigidas por mim, entre 2005 e 2010. Personagens teatrais nas artes visuais O teatro como praticado em nosso contexto, provém da tradição artística referida como originária da Grécia antiga, iniciado do século V a.C., a partir de um processo evolutivo de festividades ao deus Dionísio. Foi graças aos diversos registros da antiguidade, da Grécia e do Império Romano, em pinturas, mosaicos e esculturas, que podemos ter referências de alguns aspectos do que tenha sido o teatro naquele período. No vaso de Promonos, datado entre 410 e 400 a.C, são retratados os deuses Dionísio e Ariadne cercados por músicos e atores de peça satírica (Figura 1). Destes atores, vemos alguns figurinos e eles segurando máscaras em suas mãos. Eles não estão em cena, se apresentando, mas como que se preparando, ainda descontraídos em conversação informal. Já no vaso cuja pintura é atribuída a autoria de Asteas, Figura 1 – Detalhe do vaso de Promonos (410 a 400 a.C) (Museo Archeologico Nazionale di Napoli) 19 feita entre 350 e 340 a.C., vemos uma cena de uma farsa flíaca (phlyakes), gênero de teatro cômico, que muitas vezes satirizava tragédias e a mitologia. Na cena que aparece na Figura 2, três personagens (Gynmilos, Kosios e Karion) roubam o avarento Kharinos, deitado sobre sua arca de dinheiro. A pintura mostra os atores em ação, como se fosse uma fotografia de um instante daquele espetáculo, com as personagens muito focadas na ação conflituosa que realizam. Vemos seus trajes e maquiagem, as expressões e as interações corporais entre as personagens, e delas com os objetos cenográficos. Outros materiais importantes em que encontramos o teatro desenhado são os livros, tanto por iluminuras quanto por gravuras. No livro Terêncio dos Duques, um manuscrito feito entre 1405 e 1410 em que compilaram peças do dramaturgo latino Terêncio, há uma ilustração de Luçon Master (c. 1390– 1417) em que podemos reconhecer a apresentação de uma peça com atores usando máscaras em cores, com diferentes expressões (Figura 3). Eles também se destacam pela gestualidade com que foram desenhados, se os compararmos aos demais. Observamos a presença de dramaturgo Terêncio no canto inferior esquerdo. A composição é evidentemente imaginativa, e demonstra como Luçon Master supunha tererem sido alguns elementos da comédia latina antiga. No livro Crônicas, de Jean Froissart, publicado entre 1470- 1472, encontramos iluminuras desenhadas por Philippe de Mazerolles (c. 1410/1430–1479). Numa delas (Figura 4), ele retrata um episódio histórico ocorrido no ano de 1393, envolvendo o rei Carlos VI de França. Durante um baile, o rei e outros cinco nobres se vestiram como homens selvagens para a realização de uma dança. Os figurinos eram feitos de linho e embebidos em resina, para que parecessem peludos e desgrenhados em todo corpo, incluindo uma máscara de mesmo material para os rostos. Durante a apresentação em que os dançarinos instigavam o público a adivinhar suas identidades ocultadas pelos trajes, em um frenesi, um deles tomou contato com fogo e incendiou seu traje, inflamável por conta da resina, alastrando o fogo também para os demais dançarinos. Quatro deles morreram, mas o rei sobreviveu e o episódio teve repercussões políticas, daí o interesse no registro deste incidente. Cerca de 80 anos Figura 2 – Detalhe de um vaso com pintura de uma farsa flíaca (350–340 a.C.), de Asteas (Altes Museum, Berlin) Figura 3 – Detalhe da iluminura de Luçon Master, no frontispício do livro Terêncio dos Duques (c. 1405–1410) (Bibliothèque de l’Arsenal, Bibliothèque Nationale de France, Paris) 20 distanciam o fato e o desenho de Mazerolles que, portanto, se baseia em referências de espetáculos de sua época ou imaginados de épocas passadas; quiçá outros desenhos de artistas do período. Na imagem, percebe-se o contraste na representação das expressões corporais dos bailarinos e dos demais nobres. Vemos o ambiente de um salão de corte onde a apresentação foi feita (não se tratou de um palco). Podemos observar também detalhes dos figurinos e máscaras dos dançarinos em chamas, evidentemente, um flagrante do momento entre a cena e a constatação do infortúnio,pois um dos atores já começa a se despir, ao passo que os espectadores ainda não se alarmaram com o fogo. No imaginário medieval, figuras selvagens ou alegóricas, como a morte e demônios, estavam também presentes no teatro e outras manifestações celebrativas, como nas festividades de carnaval, momento libertador naquela sociedade. O uso de trajes e máscaras permitia o mergulho na fantasia e o afloramento do espírito lúdico. As gravuras foram um meio importante de registros. Dentre os diversos eventos sociais e artísticos, nelas também encontramos os bufões e os bobos que participavam regularmente na vida das cortes, entre reis, nobres e clérigos. Eles foram presentes em todas as cortes europeias, tendo o apogeu no século XVI. Os bobos da corte eram tipos cômicos de acesso privilegiado, que deveriam entreter e fazer rir. São referidos como inteligentes, gozando de imunidade e podendo falar ao rei sem restrições, subvertendo e transgredindo os limites. Alguns se tornaram muito conhecidos. Na peça Hamlet, de Shakespeare, vemos a personagem-título conversando com o crânio do bobo Yorick. Os bufões costumavam usar roupas específicas de cores vivas, por vezes um chapéu com orelhas de burro ou guizos; alguns eram escolhidos por características físicas, por serem anões ou aleijados. Nesta representação de Caillette, bufão do rei Louis XII, da França, vemos a personagem posando com seu Figura 4 – Iluminura O baile dos ardentes (1470–1472), de Philippe de Mazerolles (British Library, Londres) Figura 5 – Caillette, bufão de Louis XII (séc XVI) (Bibliothèque Snteruniversitaire de Santé, Paris) 21 cetro e percebemos, mesmo sem cores, detalhes pormenores de seu traje bem conservado. O teatro avançava pelo Renascimento, sendo realizado em diferentes locais, em feiras e praças, igrejas, escolas e cortes, utilizando palcos improvisados – o primeiro teatro permanente (e em atividade até hoje) foi inaugurado em 1585, o Teatro Olímpico de Vicenza, sendo o primeiro fechado e coberto. Na gravura Farsa dos gregos (Figura 6), provavelmente de 1580, de Jean de Gourmont (c. 1537–1598), podemos ver os atores em um palco estreito e elevado, desprovido de cenário, com uma cortina que oculta outros atores (como vemos à esquerda). Não há muito espaço para a movimentação. Embora as duas personagens centrais pareçam estabelecer um diálogo, observamos os demais atores em uma relação bastante frontal com o público – estariam eles concentrados na cena ou olhando os espectadores? O público também é representado, estando evidentemente separado da área de atuação, em relação frontal com o palco. Gourmont parece ter interesse em demonstrar as expressões do público durante a apresentação. Não há elementos que permitam identificar se a apresentação retratada foi feita em uma sala fechada ou em um ambiente aberto. Além de registrar personagens e momentos de apresentações, também por meio de gravuras podemos conhecer hoje os complexos cenários em perspectiva elaborados para teatro, balés, óperas e festividades (como casamentos), realizados a partir do século XVI. A família de pintores, arquitetos e cenógrafos Galli Bibiena pode ser referida com uma produção intensa. Por várias gerações, entre os séculos XVII e XVIII, eles desenvolveram projetos grandiosos para muitas cortes europeias. Em Várias obras de Perspectiva, encontramos 72 gravuras em grande formato que documentam as primeiras atividades de Ferdinando Galli Bibiena (1657– 1743) como designer de cenários teatrais e arquitetura efêmera. O livro foi organizado por Pietro Giovanni Abbati (c. 1683–1745), aluno de Ferdinando, com gravações de Carlo Antonio Buffagnotti (c. 1660–1710). Figura 6 – Farsa dos gregos (séc. XVI), gravura de Jean de Gourmont (Bibliothèque de l’Arsenal, Bibliothèque Nationale de France, Paris) 22 Na gravura Desenho do novo teatro inaugurado em 1703 (Figura 7), vemos as configurações muito ornamentadas de características barrocas com explorações complexas de perspectivas angulares. Esta imagem apresenta um cenário de grande proporção, realizado como telão pintado, provavelmente o cenário de Germanico e Sertorio, obra montada para a inauguração do novo teatro durante o carnaval de 1703. Estabelece um interior de palácio com acesso a galerias, duas delas dando em um jardim externo, sendo um ambiente muito espaçoso revelado pelo contraste de escala com as duas personagens posicionadas bem à frente da imagem. Diversas manifestações artísticas ocorriam nas praças e feiras no final da Idade Média, desde acrobacias, equilibrismos e trovas, a procissões e apresentações teatrais. Por volta de meados do século XVI, na Itália, surgiu um estilo teatral que ganhou características muito marcantes e que se popularizou por toda Europa: a commedia all improviso, também chamada de comédia italiana e que, posteriormente (a partir do século XVIII), ficou conhecida como commedia dell’arte. Era caracterizada por ser uma criação coletiva na qual os atores e atrizes improvisavam, a partir de um enredo prévio, a movimentação e as falas, cada um tendo um personagem- tipo fixo. Havia as personagens dos jovens enamorados, dos velhos ridículos e dos criados (ou zannis), sendo que estes dois últimos grupos portavam meia-máscaras que acentuavam expressões do rosto de maneiras grotescas, com grandes narizes, verrugas, rugas, sobrancelhas e bigotes exagerados. De grande virtuosismo corporal, com gestualidades, andares, trejeitos e acrobacias, satirizavam diversos tipos sociais. Eram caricaturas de mercadores, intelectuais, militares, patrões e empregados, pais e filhos, velhos e jovens, miseráveis e apaixonados, de bolonheses, venezianos, napolitanos, bergamascos, espanhóis. Satirizavam autoridades e a moral, por meio destes tipos cômicos. As histórias envolviam quiprocós, intrigas, confusões, trapaças, trocadilhos; enganadores e enganados; disfarces e travestimentos com revelações elucidativas; enamorados Figura 7 – Gravura Desenho do novo teatro inaugurado em 1703 na Academia de Ill.s.mi SS.ri Ardenti al Porto dirigido por RR PP | Somaschi (c. 1707), de Ferdinando Galli Bibiena, gravado por Carlo Antonio Buffagnotti (Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque) 23 contrariados, empregados atrapalhados e sagazes; exploravam a libido, a malícia e o humor corporal com golpes e surras. Por toda a Europa, desde o século XVI, pintores como o holandês Karel Dujardin (1622–1678), o flamengo Peeter van Bredael (1629–1719), os italianos Canaletto (1697–1768) e Marco Marcola (1740–1793) e o espanhol Francisco Goya (1746–1828), entre vários outros, pintaram quadros em que retratavam a commedia dell’arte em contexto urbanos, nos fornecendo referências sobre a inserção desta arte na sociedade, demonstrando os atores em seus figurinos e máscaras sobre tablados ou palcos com o despojamento de cenários, bem como revelando a relação dos espectadores com o evento artístico (Figura 8). A comédia italiana, como ficou conhecida na França, também foi levada para salas fechadas e, posteriormente, autores escreveram peças influenciadas por esta arte, como o francês Molière (1622–1673) ou dando forma literária aos personagens, como o italiano Carlo Goldoni (1707–1793). No quadro Farsantes franceses e italianos (Figura 9), de 1670, podemos ler, como legendas, os nomes das personagens na base do quadro, quase como se formasse um catálogo dos tipos. Dos franceses, lemos nomes ou pseudônimos de atores de diferentes gerações da companhia Comédie-Française (incluindo Molière, à esquerda), e dos italianos temos a indicação de seus papéis-tipo, de maneira genérica. Vemos que as atitudes retratadas divergem, parecendo alguns estarem atuando, em ação e interação corporal expressiva, e outros, especialmente franceses, parecem estar recitando um texto com posição corporal mais sóbria, como era característico do teatro francês. Também na caracterização dos figurinosFigura 9 – Farsantes franceses e italianos (1670), referido como anônimo mas também atribuído a Verio (Comédie-Française, Paris) Figura 8 – Commedia dell'arte em uma paisagem italiana (séc. XVII/XVIII), de Peeter van Bredael. (Hampel Fine Art Auctions Munich) 24 percebemos distinção, entre roupas sociais da época e figurinos- tipo: italianos usando máscara ou tendo a cara “enfarinhada” (maquiagem branca) e franceses com o rosto natural. Intriga a representação de Arlequim plantado à frente da cena, não expressivo e acrobático como era característica da personagem. Este quadro retrata o palco do Teatro Real demonstrando o tipo de cenografia utilizada na época para comédias, com as fachadas de edifícios em planos de profundidade em perspectiva forçada, bem como a iluminação do espetáculo com candelabros e velas. (Existem outras variações desta composição, com diferentes títulos, como As delícias do gênero humano, que apresentam as mesmas personagens, mas em distribuição e espaçamento um pouco diferentes e em um ambiente de salão de palácio.) As personagens da commedia dell’arte, corporalmente expressivas e de estimulante plasticidade visual, fascinaram inúmeros pintores e gravadores interessados nos diferentes atributos de Pantalone, Dottore, Capitano, Pulcinella, Briguella, Scaramouche, Arlequim, Colombina e Pierrô, entre outros. Artistas como o holandês Rembrandt (1606–1669), que incluiu em seus desenhos, entre inúmeros tipos sociais, estas carismáticas personagens. No desenho Ator no papel de Pantalone na conversa (1633) (Figura 10), podemos observar as linhas rápidas e expressivas retratando a personagem em ação, dando a impressão de ser um registro que poderia ter sido feito durante uma apresentação, visto ser a captura de um instante fugidio. No início do século XVII, o trabalho do francês Jacques Callot (1592–1635) se destacou. Ele produziu vasta obra dedicada aos diversos personagens em cenas e situações distintas, por vezes inseridas em contextos, outras somente enfocando nas personagens, detalhando trajes e máscaras, valorizando a expressividade corporal, com corpos tensionados, ativos, em intensidade de presença (Figura 11). Figura 10 – Desenho Ator no papel de Pantalone na conversa (1633), de Rembrand (Rijksmuseum, Amsterdã) Figura 11 – Gravura Os dois Pantaleones se olhando (1617), de Jacques Callot (Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque) 25 Cerca de um século depois de Callot, o pintor Jean-Antoine Watteau (1684–1721), também francês, tomou os atores da comédia italiana como tema, retratando, porém, as personagens de maneira mais galante, graciosa, refinada, frequentemente em composições pastoris com traços delicados. Na pintura Pierrô, também chamado Gilles (1721) (Figura 12), vemos em primeiro plano Pierrô de pé, tomando grande área da pintura, em atitude melancólica, com os braços pendidos, tímido, encarando diretamente a nós, observadores. A atitude com que é representado em nada remete à versatilidade corporal da commedia dell’arte, como visto em Callot e característico da atuação. Ao fundo, observamos outras personagens da trupe, mais descontraídas em conversação, não se tratando, portanto, de um registro de espetáculo. Estaria o ator de Pierrô querendo nos dizer algo? Na pintura Comediantes franceses (Figura 13), de 1720, podemos observar os atores franceses com trajes formais, muito diferentes dos atores da commedia dell’arte, mais aristocráticos e pomposos. A entrada de um personagem da commedia, na cena, indica que a composição de Watteau é imaginária, e não o registro de algum espetáculo específico, pois estes dois estilos de teatro não se inter-relacionavam em cena. A vívida e expansiva commedia italiana foi sendo, com o passar do tempo, de certa forma domesticada, tanto para se adequar a questões políticas para sua permissão de existência e circulação, quanto ao processo de adequação em sua migração das praças, do agrado popular e seus diálogos improvisados, a teatros fechados, em contextos de corte e enquadramento a cânones literários vigentes. De certa maneira, a commedia dell’arte se adequou ao gosto burguês, tornando-se mais contida e polida. No final do século XVII, Giovanni Domenico Tiepolo (1727– 1804) pintou uma série de afrescos em um cômodo do palácio Figura 13 – Comediantes franceses (1720), Jean-Antoine Watteau (Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque) Figura 12 – Pierrô, também chamado Gilles (1721), Jean-Antoine Watteau (Musée du Louvre, Paris) 26 Ca’ Rezzonico, em Veneza. São diferentes pinturas nas paredes e teto, envolvendo vários personagens de Pulcinella realizando diferentes ações cotidianas. Em Pulcinella apaixonado (1793) (Figura 14), Tiepolo os representou com figurinos semelhantes em trajes brancos e altos chapéus, usando a meia-máscara característica escura e de traços rudes. Com uma paleta de tons pastéis e a leveza dos corpos (elementos aprazíveis à nobreza veneziana), algumas atitudes e gestos contrastam e remetem às características de astúcia e irreverência que, no caso da pintura, aparece na beberagem e na mão recebida com satisfação no seio da mulher, que também veste uma máscara de Pulcinella. Embora desapareça no século XIX, as influências das companhias italianas da commedia dell’arte podem ser percebidas em outras manifestações cênicas, como no teatro de bonecos, no mimo, no melodrama, no circo (e, posteriormente, também no cinema mudo e no desenho animado). Várias personagens da commedia passaram a ser apresentadas na forma de teatro de bonecos, já nos séculos XVII e XVIII, em espaços públicos, com uso de pequenas casinhas-palco. Uma delas é a personagem Burattini, como retratado na gravura de Bartolomeo Pinelli (1781–1835) (Figura 15). Podemos identificar influências bastante fortes, por diversos países europeus, com a carismática personagem Pucinella, que foi sendo recriada como fantoche, remanescendo aspectos da personalidade e das intrigas das histórias. Muitas vezes o próprio nome é identificável, como Punch (abreviação de Pucinella), na Inglaterra; Polichinelle (tradução de Pucinella), na França; Petrushka, na Rússica. Influenciou também o teatro de bonecos alemão Kasperl, Figura 14 – Afresco Pulcinella apaixonado (1797), de Giovanni Domenico Tiepolo (Ca' Rezzonico, Veneza) Figura 15 – Gravura A casinha de Burattini em Roma (1809), de Bartolomeo Pinelli (Wellcome Collection, Londres) 27 Don Cristobal, na Espanha e a tradição de Robertos, em Portugal. Estes teatros se tornaram populares e são ainda presentes em seus países. O Brasil também herdou influências, como é possível reconhecer no teatro de mamulengos, surgido no período colonial no interior do nordeste, apresentado em feiras e praças, com histórias cômicas e satíricas. A commedia dell’arte também tem relações com o mimo. O mimo pode ser definido como o desenvolvimento de apresentações que se baseiam em gestos, na ação corporal como uma arte do movimento. O termo é empregado para grande variedade de tipos de mimo, desde os silenciosos, aos que envolvem música ou mesmo texto recitado; do cômico e satírico ao sério e lírico. No Brasil, o estilo mais conhecido é a mímica, embora ela seja apenas uma das vertentes. Existem referências de práticas desde a Grécia e Roma antigas, onde tiveram significativa presença. Atravessando os séculos pela Idade Média, são poucas as referências de como os mimos sobreviveram, uma vez que as práticas eram proibidas, mas acredita- se que diversas modalidades gestuais permaneceram com saltimbancos em suas itinerâncias. Atribui-se também ao mimo das feiras e praças uma influência para a origem da commedia dell’arte e, de alguma maneira, o mimo estava presente em divertimentos propostos por bobos da corte. No início do século XIX, se vê surgir, em Paris, um mimo inspirado em personagens como Pierrô, Arlequim e Colombina que se popularizou e difundiu a partir de espetáculosde feiras. Essa arte silenciosa se valia da mímica expressiva, de gestos limpos e precisos, permeados de elegância. Jean-Gaspard Deburau (1796–1846) se tornou muito famoso por sua personagem Pierrô, de trajes brancos, blusa grande e mangas largas, rosto “enfarinhado”, sendo mais inteligente e refinado que o grosseiro Pierrô da commedia dell’arte. Surgiu, a partir dele, uma tradição da pantomima. Sua figura foi, e ainda é, amplamente representada, extrapolando contextos artísticos e também utilizando versões gráficas e materiais diversos, de produtos cotidianos dos mais variados tipos, até como chamariz publicitário. Nesta pintura de Arsène Trouvé (Figura 16), de 1832, observamos Pierrô com expressão melancólica, silencioso, com olhar perdido no horizonte, introvertido. Vemos a personagem Pierrô meditativa ou seria o ator Deburau? Ele está em cena ou fora da atuação? O circo foi outra arte em que repercutiu o cômico e a commedia Figura 16 – Pintura a óleo sobre porcelana Retrato de Jean- Baptiste Gaspard Deburau, mimo (1832), da pintora francesa Arsène Trouvé (Musée Carnavalet, Paris) 28 dell’arte. O circo moderno principiou na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, primeiramente com números equestres, herdeiro dos treinos de habilidades militares e do hipismo. Ele surgiu por iniciativa de empresários em shows apresentados em salas fechadas, em geral para a aristocracia e a burguesia (somente mais tarde adquiriu a característica de ser feito por companhias itinerantes, em lonas). Na diversificação dos números para dinamizar o show, foram envolvidos cavaleiros- acrobatas e, aos poucos, foram sendo incorporados novos números de habilidades de artistas de feiras e saltimbancos, como equilibristas, saltadores, malabaristas, prestidigitadores, adestradores, entre outros, assim como mimos e atores da commedia dell’arte que emprestavam sua expressividade corporal e humor. Os números cômicos apareciam como cavaleiros desajeitados e atrapalhados, passando-se posteriormente, conforme o repertório se diversificava, a satirizar também outros números do próprio circo, o que levava a alternância entre a tensão do risco das quedas e do sublime do equilíbrio, com a descontração da sátira e do ridículo. O clown, ou palhaço, surgiu neste contexto, no início do século XIX, sendo atribuído a Joseph Grimaldi sua origem na Inglaterra. A arte da palhaçaria se desenvolveu e difundiu ao longo do século, com jocosidade, corporalidade e elementos da caracterização influenciados pela commedia dell’arte, aproximando- se também, em alguns aspectos, a características grotescas dos bufões (Figura 17). Os p a l haços igu a lmente caricaturizam tipos sociais tendo, além da gestualidade que acentua comportamentos, traços exagerados na maquiagem que enfatizam elementos do rosto com expressividade excessiva. Eles ainda promovem acentuações corporais, com roupas coloridas, demasiadamente grandes ou curtas, ou simplesmente com o nariz vermelho. O circo trabalha provocando o público em sua sensorialidade, jogando com a expectativa, a tensão, o alívio, o belo e o grotesco. O circo foi, e ainda é, uma das fontes buscadas no século XX como recurso para a renovação da cena teatral, pela artificialidade da interpretação farsesca exagerada do palhaço, e o grotesco que quebram com a ideia de um teatro realista. Este tipo de espetáculo circense se popularizou e ocupa um espaço especial no imaginário. O circo atraiu a atenção de inúmeros artistas, como Henri de Toulouse-Lautrec (1864–1901) que desenhou e pintou várias cenas do Circo Figura 17 – Gravura Joseph Grimaldi como palhaço Joey (c. 1820), de George Cruikshank (1792–1878) (Islington Local History Centre, Londres) 29 ambientes, uma de suas formas de trabalho. Toulouse- Lautrec destacava a energia das personagens, a força das expressões faciais e dos movimentos corporais, assim como as caracterizações dos trajes e maquiagens, e os efeitos das diferentes luminosidades (bem representado na Figura 19), intercalando traços rápidos e grosseiros com linhas delicadas e o uso de cores intensas. Palhaços, Pierrôs e Arlequins foram temas recorrentes entre muitos artistas, explorados nos mais diversos estilos da pintura do final do século XIX e século XX, como Paul Cézanne (1839–1906), Pierre-Auguste Renoir (1841– Fernando. Em No Circo Fernando: Medrano com um leitão (Figura 18), vemos uma cena cômica com palhaço, como um flagrante, tendo ao fundo outros artistas e público, recriando a atmosfera do momento. A corporalidade, expressividade, o movimento, o grotesco, o inusitado, o apelo visual dos artistas instigaram Toulouse- Lautrec, que encontrava elementos provocativos também no Teatro de Variedades e nos cabarés, tomando rápidos instantes de apresentações e do público. A cantora Yvette Guilbert foi desenhada várias vezes (Figura 19). Ele utilizou diferentes técnicas, sendo o desenho rápido realizado nos próprios Figura 18 – No Circo Fernando: Medrano com um Leitão (1889), de Toulouse-Lautrec (Art Institute of Chicago) Figura 19 – Yvette Guilbert canta Linger Longer Loo (1894), de Toulouse-Lautrec (Museu Pushkin, Moscou) 30 1919), James Ensor (1860–1949), Andrè Derain (1880– 1954), Juan Gris (1887–1927), Marc Chagall (1887–1985), Pablo Picasso (1881–1973), Joan Mirò (1893–1983) e Cândido Portinari (1903–1962). O francês Honoré Daumier (1808–1879) foi um artista muito instigante, tanto para estudiosos de teatro quanto para os de desenho. Além da pintura, produziu muitos trabalhos em litogravura e desenhos, sendo um reconhecido caricaturista, chargista e ilustrador, produzindo para publicidade e para o mercado editorial. Daumier retratou diversos artistas no palco, mas também tinha grande interesse em representar o público em suas diversas expressões, sendo, inclusive, o público na plateia o tema de várias obras. Nestes ambientes teatrais, encontrava oportunidade para desenvolver a intensidade da expressividade cômica e caricaturas. A pintura Melodrama (Figura 20), de 1860, é um bom exemplo de sua obra, apresentando espectadores arrebatados pela cena de forte intensidade dramática apresentada no palco, como se vê na expressividade corporal dos atores. A valorização que ele dá à luz da cena e o brilho sobre o público, com os tons marrons, reforça esta vivacidade. O melodrama surgiu no final do século XVIII, na ascensão da burguesia, e teve grande repercussão entre o público. O gênero colocou em cena um maniqueísmo de personagens boas e más de maneira explícita, sem contradições humanas, explorando tipos como vilões e frágeis vítimas. O melodrama operava com sentimentos intensos e exagerados, de felicidade ou infelicidade absolutas, com a música intervindo nos momentos mais dramáticos. As personagens se exprimiam por gestual ampliado e enérgico, grandioso na intensidade, ao ponto do excessivo (e, por isso, muitas vezes risível e provocador de paródia). Este tipo de atuação reafirmava uma artificialidade teatral, algo também presente na farsa e na commedia dell’arte. O desenho e a pintura de personagens do teatro, da dança e do circo tomou impulso no final do século XIX, com o interesse pelos estudos do movimento humano, como os registros de ações humanas feitos pela cronofotografia de Étienne-Jules Marey (1830–1904) e de Eadweard Muybridge (1830–1904). O congelamento de um instante em uma fotografia, durante a realização de um movimento, trouxe grandes desafios. Edgar Degas (1834–1917), por exemplo, dedicou-se ao registro de bailarinas em salas de ensaio, ressaltando a delicadeza de gestos, dos trajes e das luminosidades em suas delicadas pinceladas. A intensidade e expressividade dos movimentos Figura 20 – Melodrama (1860), de Honoré Daumier (Neue Pinakothek, Monique) 31 ponto de serem admirados como obras em si. Para o artista, este exercício também conduz à formação de um repertório quepermite captar características e, assim, poder recriar posteriormente a qualidade expressiva vista previamente. Embora neste pequeno percurso histórico, aqui apresentado, tenhamos focado mais na arte ocidental, é preciso ao menos pontuar que também em outras tradições culturais as artes cênicas foram inspirações para outras produções artísticas. A publicação, de 1640, da peça chinesa A história do quarto ocidental (Xixiang ji), de Wang Shifu, possui xilogravuras coloridas de Min Qiji (1580- c. 1661). Ao ilustrar a cena do casamento das personagens Zhabg e Yingying, o gravurista o faz como se fosse um teatro de bonecos de fio. Na Figura 22, de dançarinas como Loïe Fuller (1862–1928) e Isadora Duncan (1877–1927) (ambas nascidas nos Estados Unidos), efervesceram inúmeros artistas que as representaram em croquis, desenhos, gravuras, pinturas e esculturas, tanto dedicados aos corpos expressivos quanto a suas vestimentas esvoaçantes. Os escultores Antoine Bourdelle (1861–1929) e Auguste Rodin (1840 – 1917), entre outros, desenharam, muitas vezes presencialmente, utilizando materiais de registros rápidos, como lápis e aquarelas. Estas técnicas também permitiam exprimir tanto a fluidez, quanto o movimento rápido e a leveza que as coreografias possuíam. No início do século XX, o interesse pelo oriente e a vinda de produções artísticas asiáticas à Europa extasiou diversos artistas com as novas referências que traziam. Rodin, ao assistir na França o grupo de dança Khmer, do Camboja, desenvolveu cerca de 150 croquis em uma semana, assistindo a ensaios dos dançarinos, tamanha sua fascinação. Nestes trabalhos, as mãos, tão importantes nessa dança cambojana, ganharam a atenção de Rodin (Figura 21). É interessante pensar que croquis rápidos são, por vezes, exercícios de observação e síntese que resultam em produções vívidas, que encantam ao Figura 21 – Aquarela Dançarina cambojana (1906–1907), de Auguste Rodin (Musée Rodin, Paris) Figura 22 – Xilogravura em seis cores do livro A história do pavilhão ocidental (folha 19) (1640), de Min Qiji (Museum für Ostasiatische Kunst, Colônia) 32 instigantes à documentação e divulgação teatral.Primeiramente, com atores posando (já que a tecnologia assim exigia para se ter uma qualidade de imagem que não fosse borrada em razão do movimento residual), mas prontamente o congelamento da expressão durante a atuação se mostrou muito atrativo. Questões sobre fotografia e artes cênicas abrem para outro tema. Mas importa destacar que a representação pictórica de encenações e personagens continua até o presente, sendo a fotografia um recurso para isto, trazendo outra possibilidade que não apenas a relação direta com a apresentação e a memória do que foi visto. Exemplos disso foram os projetos dos Desenhadores de palco na experiência presencial com espetáculos e, evidentemente, o presente projeto que só se tornou possível graças aos diferentes registros fotográficos e fílmicos arquivados. Figura 23 – Xilogravura Ichikawa Ebizō (Danjūrō V) no papel de Mongaku Shonin caraterizado como Yamagatsu da peça Kin no Menuki Minamotoya Kakutsub (1791), de Katsushika Hokusai (Shunrō). (Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque) podemos ver os atores-marionetistas realizando a animação dos bonecos e a trilha sonora. Observamos aspectos da técnica, assim como elementos da arquitetura cênica e da cenografia, sendo um retrato que documenta esta tradição teatral da China como realizada no século XVII. O pintor e gravurista japonês (estilo ukiyo-e) Katsushika Hokusai (1760–1849) registrou, na diversidade de seu trabalho, também personagens do tradicional teatro kabuki. Ele retratou personagens posando e em ação, revelando suas expressividades corporais e faciais, suas maquiagens e figurinos. Na Figura 23, datada de 1791, vemos o ator Ichikawa Ebizō interpretando a personagem Santo Mongaku com um grande machado. Com o desenvolvimento da fotografia e de filmagens, outros modos de representação apareceram. A fotografia trouxe possibilidades 33 O cômico como um caminho pedagógico para vivenciar o teatro Ismael Scheffler Vimos como o desenho e a pintura de personagens teatrais acompanham esta arte desde suas origens, com diferentes conteúdos, enfoques, finalidades e meios de representar (se da observação direta, da memória, da imaginação; se em estilos acabados ou rápidos etc). No que tange ao trabalho pedagógico do teatro com pessoas interessadas em se aventurar no teatro amador estudantil, a espontaneidade é muito importante. Um dos objetivos principais é possibilitar o desenvolvimento pessoal de suas capacidades expressivas, o que significa passar por processos de autoconsciência e percepção de novos aspectos potenciais. Um caminho pedagógico é o trabalho com jogos de improviso, tanto como processo de formação, quanto como metodologia de criação – o ator ousa e inova para além da cópia de modelos interiorizados previamente. A improvisação é um campo de exploração, de pesquisa, de descobertas. O ator que improvisa amplia sua consciência sobre teatro, se torna também um dramaturgo ao estabelecer roteiros (às vezes, o elabora ainda em forma textual) e, por vezes, se torna também cenógrafo, figurinista e maquiador, pois constrói cenas, indo além da atuação. O improviso também é um caminho de apropriação, porque ao improvisar – seja a partir de um argumento original, seja a partir de uma história preexistente – o ator conecta-se à história a partir do seu interior (e não como algo exterior que pouco lhe pertence e que deve decorar). Improvisar, com a fala ou somente com a expressão do corpo, é criar uma voz a mais na criação teatral. Esta foi uma das grandes contribuições, no início do século XX, que a redescoberta da commedia dell’arte e os palhaços trouxeram ao teatro, tão literário como era naquela época. Impulsionados pelas propostas pedagógicas da Escola Nova e de pedagogias ativas, a formação em teatro, e a própria educação escolar, encontraram na improvisação um caminho muito rico. O teatro é, em si, uma atividade lúdica. Fazer teatro é brincar, é jogar (play, em inglês; jouer, em francês). Encarar o teatro como “brincar de fazer teatro” é um retorno a um estágio mais livre de atuar, é aproximar-se de estilos teatrais menos preocupados com o realismo ou a seriedade, mais próximo à artificialidade da atuação. Assim, a farsa é um estilo que permite uma aventura teatral, em si, divertida. A farsa possibilita um caminho de entrega mais fluído pelo 34 divertimento, no qual o aluno-ator pode assumir "máscaras" de personagens, imaginárias e materiais, tomar perucas e roupas excêntricas, criar uma barriga postiça ou mesmo vestir um nariz vermelho. Assumir a comicidade corporal brincando de fazer teatro leva o aluno-ator amador a experimentar, de uma maneira mais livre, ser uma personagem e entrar no faz de conta, reencontrando o jogo da representação. Em minha experiência com o TUT, pude perceber que “brincar de fazer teatro” é uma boa estratégia para o ator iniciante e para o aluno tímido, que pelo exagero próprio do estilo farsesco, se vê desafiado a ser mais expansivo, extrovertido ou sedutor. Embora o foco seja pedagógico e artístico, e não terapêutico, vivenciar a humor corporal permite ousar o corpo e a voz, saindo do condicionamento cotidiano e moderado, permitindo a descoberta de novas dilatações da presença e outras formas de ser, corporal e socialmente. Trabalhando com tipos cômicos, podemos nos atrever a expurgar amarras sociais e satirizar os diversos sistemas nos quais estamos diretamente envolvidos, valores e tipos sociais que nos cercam e oprimem, dando espaço para a formulação de críticas e à subversão, questionando a “boa meninice” e os padrões morais, tendo o riso como um elemento libertador. As discussões inevitavelmente se voltam para as problemáticas dos estereótipos físicos e sociais, os preconceitospessoais ou institucionalizados. O trabalho atoral e pedagógico pelo cômico também se mostra como um caminho de bons resultados na produção de espetáculos com um elenco de pouco domínio de técnicas de palco, da baixa consciência corporal e vocal, ou mesmo de pouco talento (e da perseverante timidez, como já referi), pois, além de forçar o ator a ampliar sua expressividade, este, de certa maneira, compensa os aspectos frágeis pela verdade no viés da artificialidade, com o uso de recursos cômicos intuitivos e mesmo pela irradiação do prazer em brincar, pois, afinal, a comicidade é lúdica. O brincar de fazer teatro deve ser entendido como a seriedade que há na brincadeira infantil: é uma ação de grande compromisso de quem brinca, com muita dedicação e foco, porque se encontra no brincar o prazer e a realização. Apresentação do espetáculo A breve dança de Romeu e Julieta, na praça Eufrásio Correia, em 2009. Foto: Ismael Scheffler 35 Caricaturas como documentação teatral José Marconi Bezerra de Souza A palavra caricatura descende do italiano caricare, que significa carregar no sentido de exagerar, de ampliar a proporção. Assim, desenhos de caricatura tenderiam ao jocoso, como se fosse, em alguns casos, um processo impiedoso de ridicularizar o retratado. Entretanto, optamos aqui por compreender a caricatura como um processo de seleção e ênfase dos traços característicos de uma pessoa ou personagem. Desse modo, uma caricatura se tornaria homenagem, elogio ou crítica, se o autor decidir enfatizar determinadas características em detrimento de outras. Ademais, a caricatura vai além do visível, pois, quando identificada como uma vertente do expressionismo, revelaria a alma do retratado. Neste trabalho tentamos orientar os estudantes para perseguirem esta última abordagem: os atores-personagens foram homenageados, embelezados e acarinhados graficamente. Frequentemente, fazíamos a caricatura da personagem que era já belamente caricato - uma metalinguagem em si. Além disso, a caricatura é vista aqui como uma documentação de um rico passado do TUT sob a direção de Ismael Scheffler. Um passado onde, às vezes, não havia fotos ou registros muito precisos das personagens. Os autores das caricaturas teriam que usar a imaginação para tornar os atores ainda mais verdadeiros do que era possível ver nas fotos e filmes. Além de imaginação, a caricatura aqui é projeção, uma documentação deliberadamente criativa. Um modo de revelar e interpretar reminiscências de memória. Relação com o curriculum Como professor de ilustração, este projeto me permitiu abordar uma vertente prevista nas ementas das disciplinas de Ilustração, mas que é pouco explorada: hipérbole gráfica. Foi também uma oportunidade de repassar algumas das lições que aprendi como profissional da área, inclusive com alguns trabalhos selecionados para o Salão Internacional de Caricatura de Piracicaba (2017 e 2018) e exposições (Oscar Niemeyer em Caricaturas, Fundação Memorial da América Latina, 2013; Traços Curitibanos, Fundação Cultural de Curitiba, 2015, 2017 e 2019). 36 A busca de estilos gráficos Em minha opinião, um dos aspectos mais interessantes deste projeto foi decidir que o livro deveria ser um catálogo de estilos gráficos, no qual os autores deveriam, a priori, explorar linguagens gráficas distintas entre si. Para isso, fizemos encontros semanais e individuais durante três meses para, estrategicamente, orientar os estudantes sobre os aspectos conceituais e metodológicos envolvidos na criação da caricatura. Também estimulamos, e até desafiamos, os estudantes a buscarem o desenvolvimento de uma linguagem própria e que, ademais, fugisse, na medida do possível, de clichês de estilos gráficos pré-existentes. Esta abordagem de orientação fez com que os estudantes fossem levados a identificar suas “zonas de conforto” e maneirismos gráficos, bem como ampliar seus conhecimentos sobre expressões artísticas distantes de tendências do mercado. Em um estágio intermediário do processo, solicitamos que os estudantes apresentassem suas caricaturas anonimamente, de modo a testar se os parceiros de projeto seriam capazes de identificar o autor apenas pelo estilo. Esta abordagem colabora para que o aluno entenda o potencial de sua própria linguagem e, após, seja capaz de se “autoimitar” no estilo de maneira coerente. Em outras palavras, o estudante estaria habilitado a explorar e ampliar o que ele fazia, irrefletidamente. Acreditamos que assim, haveria a possibilidade de atingir uma linguagem mais pessoal e distinta. Por meio desses procedimentos, percebemos que alguns estudantes nunca haviam refletido sobre sua própria linguagem gráfica, bem como que outros tiveram muita dificuldade para se desapegar de fórmulas e clichês de desenho. Mas, em um clima de muita compreensão e respeito, essas eventuais dificuldades foram superadas e resultados distintos e inovadores foram atingidos. Metodologia de design da caricatura Para viabilizar abordagem individualizada, apresentamos informações sobre proporções básicas de anatomia, pois, se caricatura é ênfase, precisamos perceber o que faz alguém ser particularmente diferente. Para isso, estudamos o formato, proporções e estrutura óssea de anatomias canônicas e demonstramos, por exemplo, que só através da comparação com o “rosto médio” podemos dizer se um nariz é “proeminente”, uma boca é “pequena” ou olhos são “esbugalhados” etc. O mesmo pode-se dizer do corpo, pois só através da comparação com um “corpo médio” podemos confirmar se alguém tem braços “compridos”, pernas “curtas” ou tem uma postura “deprimida”. A experiência de fazer comparações entre personagens de uma mesma peça também permitiu aos autores sistematizar o trabalho de caricaturas. Dessa forma, os alunos criaram uma “família” de caricaturas, o que necessariamente demanda uma consciência do que faz os atores-personagens do elenco serem diferentes, ou semelhantes entre si. Essa consciência transforma o trabalho de cada um dos autores em algo mais sofisticado: a linguagem gráfica da caricatura de acordo com a ideia geral da peça, e não do tratamento individualizado das personagens. 37 Além de utilizarmos fotografias e, em alguns casos, filmagens da peça, o professor Ismael Scheffler gravou um vídeo para cada espetáculo demonstrando e destacando visualmente aspectos da atitude corpórea das personagens. Sem esse reforço de informação, seria muito difícil imaginar a atitude das personagens apenas por fotografias – por vezes, amadoras e desfocadas. O processo de acompanhamento também favoreceu o uso da linguagem do croqui como meio de apresentar, para os orientadores, o planejamento do conjunto de caricaturas. A adoção dessa técnica foi importante porque percebemos que havia uma tendência equivocada dos alunos desenharem com um acabamento exageradamente polido, o que é desaconselhável para as fases iniciais de geração de ideias. O estágio de croquis permitiu que a linguagem gráfica dos autores fosse desenvolvida gradual e horizontalmente, entre os tipos cômicos de cada elenco de peça. Além disso, tornava- se mais fácil e rápido detectar quando o estudante assumia direções criativas menos promissoras. Em conclusão, o processo de acompanhamento e criação foi bastante recompensador. Demonstrou a importância de estudantes que estão na fase inicial do curso já sejam engajados em projetos de design. Quanto mais cedo eles aprendem que design é um processo de desconstrução e reconstrução de uma realidade melhorada, mais aptos estarão para se tornarem profissionais autônomos e inovadores. Auto de Natal 2005 Desenhos: Danka Farias de Oliveira 40 Sobre Auto de Natal Ismael Scheffler Ingressei como docente na UTFPR, em setembro de 2005, como o novo diretor do TUT. Na realidade, naquele momento, a instituição estava em transformação, deixando de ser o Centro Federal de Educação Tecnológica doParaná (CEFET-PR), para ser Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Isto implicou na mudança de nome do grupo de teatro, que passou de TECEFET, para TUT (usamos este novo nome a partir de 2006). Em dezembro, mesmo estando há poucos meses dirigindo o grupo, já levamos os alunos-atores para o palco, apresentando-se para uma grande plateia. Este Auto de Natal foi produzido para atender a uma demanda institucional que, à época, promovia um espetáculo de final de ano agrupando diferentes projetos artísticos institucionais, como o teatro e a música. Parte do elenco havia feito um curso de iniciação teatral com a professora substituta anterior, Marília Gomes Ferreira, e outros recém haviam principiado uma oficina de iniciação teatral comigo. A produção do Auto de Natal, de 2005, compreendeu vários desafios: a formação de um novo coletivo que ainda estabelecia suas afinidades pessoais e artísticas; o pouco tempo de produção e ensaios deste espetáculo; a articulação de uma apresentação com os projetos musicais; a expectativa dos dirigentes institucionais que haviam concedido uma vaga de concurso público para potencializar o trabalho teatral na UTFPR; a elaboração de um espetáculo de uma história religiosa em uma instituição laica; e o baixíssimo orçamento para a produção. Por fim, decidimos que nossa participação na apresentação seria de intercalar diferentes cenas entre os blocos apresentados pelos alunos-músicos. A partir de experimentações práticas por meio de improvisações teatrais, criamos cenas para diversas personagens e situações do nascimento de Cristo, com diálogos curtos e um narrador. A opção foi por trazer um tom lúdico, leve e divertido, aproximando as atuações ao cômico, com toques poéticos, valorizando a expressão corporal com a gestualidade expansiva. O narrador, na figura de um palhaço, usava maquiagem e figurino típicos. Para José e Maria foi dado um visual de época dentro de um estilo já incorporado ao imaginário, ao passo que pastores e reis magos possuíam trajes e adereços contrastantes em cores, tecidos, texturas e cortes, tendo em comum a maquiagem como uma máscara leve pintada sobre os rostos, estabelecendo traços faciais expressivos. A inclusão de ovelhas representadas pelos atores trazia um tom divertido à apresentação. 41 Estes aspectos adotados para o Auto de Natal do TUT de 2005 (personagens tipificadas, ações cômicas, gestualidade remarcada, figurinos de tipos sociais, maquiagem carregada) configuraram uma estética que mantivemos em diversos espetáculos nos anos posteriores. A teatralidade da atuação e da caracterização com a tendência ao cômico marcou produções seguintes, não como um padrão previamente determinado, mas como uma opção reiterada. O Auto de Natal teve apenas uma apresentação, mas se tornou, então, na história recente do TUT, um marco importante: foi a primeira montagem dirigida por mim com o TUT e a primeira que envolveu uma linguagem teatral explorada nos cinco anos posteriores. Elenco: Rafael Bagatelli, Jeferson Dariva Singer, Thaís Schultz Oliveira, Jéssica Garcia Wollinger, Yara Souza Tadano, Thaís Luisa Deschamps Moreira, Tailaine Cristina Costa, Emerson Fernandes Nery, Ricardo Nolasco, Lilian Joyce Monti Souza, Natália de Oliveira Martins (figuração: Guto Souza). Direção, dramaturgia, cenografia, figurinos e maquiagem: Ismael Scheffler. 42 Narrador palhaço – Rafael Bagatelli 43 1. José – Jeferson Dariva Singer 2. Maria – Thaís Schultz Oliveira1 2 44 1. Maria – Thaís Schultz Oliveira 2. José – Jeferson Dariva Singer 3. Anja – Jéssica Garcia Wollinger 4. Anja – Yara Souza Tadano 1 3 4 2 45 Anjas 1. Jéssica Garcia Wollinger 2. Yara Souza Tadano21 46 Pastores de ovelhas 1. Tailaine Cristina Costa 2. Emerson Fernandes Nery 3. Thaís Luisa Deschamps Moreira 21 3 47 Pastores de ovelhas 1. Tailaine Cristina Costa 2. Emerson Fernandes Nery 3. Thaís Luisa Deschamps Moreira 1 2 3 48 Ovelhas 1. Natália de Oliveira Martins 2. Lilian Joyce Monti Souza 3. Ricardo Nolasco 1 2 3 49 Reis magos 1. Natália de Oliveira Martins 2. Lilian Joyce Monti Souza 3. Ricardo Nolasco 1 2 3 50 Ovelhas e Reis magos 1. Natália de Oliveira Martins 2. Lilian Joyce Monti Souza 3. Ricardo Nolasco 1 2 3 51 Memorial Danka Farias de Oliveira Meu nome é Danka e desenho desde que me entendo por gente. Por quase 24 anos observo o mundo com vontade de criar. Sempre gostei de animações e histórias em quadrinhos e foi o que me motivou a tomar uma rota especializada em ilustração. Sentia-me especial consumindo as histórias, e isso se transferiu para o processo de tentar retratar o mundo. Desenhar desde cedo me agregou muito aprendizado autodidata, e me levou até o curso de Design, onde pude solidificar fundamentos. Tenho como meta me tornar profissional nesta área e acredito que para evoluir, não devo estacionar em habilidades. Em razão disso, me envolvi com o projeto de desenho de caricaturas de um espetáculo teatral. Minha motivação principal foi melhorar a expressividade de meu desenho na fluidez dos corpos, já que notei que andava orientando- me muito pela anatomia e menos pelo movimento. Utilizar os registros de uma peça apresentada há mais de quinze anos acabou sendo um desafio maior do que eu esperava. Não havia muito material, além do texto e de algumas fotos, muitas borradas, escuras e em contextos diferentes, como de algumas cenas, bastidores e agradecimentos. E por isso mesmo o trabalho de ilustração era necessário: ilustrar materiais do TUT, resgatar e tornar legível a imagem dessas personagens. O Auto de Natal foi a primeira obra do professor Ismael Scheffler com o TUT, e senti bastante responsabilidade nesse processo. Não havia registro audiovisual da peça, então o professor Scheffler me auxiliou com explicações em um vídeo em que falou sobre a montagem e as personagens. Posteriormente, o professor continuou me auxiliando com frequentes revisões. Como artista em constante formação, tenho costume de usar referências quando necessário, mas com apenas descrições de fenótipos e a replicação da atitude de cada 52 protagonista em vídeo, foi uma experiência diferente de entendê-los. Tive que fazer muitos esboços de cada um, até ficar satisfeita, e isso demorou mais do que o meu processo habitual. Felizmente, houve reuniões em grupo com os artistas de projetos de caricaturas de outras peças, e também o professor José Marconi Bezerra, para nos orientar. Foi exposto a nós o conceito de caricatura, e como melhor distorcer feições, membros, para obter expressividade. Individualmente, eu pesquisei principalmente sobre desenho gestual e linha-de- ação, que são conceitos utilizados para desenhos mais fluidos e familiares à primeira vista. Usei aulas online do artista Alex Woo e também os trabalhos da artista Margaux Rosiau como referência. Tendo já uma base de estudos prévios em anatomia humana, foi surpreendentemente muito prazeroso esse processo, por mais que difícil. Após a leitura do texto teatral e estudos iniciais, entendi que a peça era um especial de fim de ano alternado com apresentações musicais, e os personagens encenaram o nascimento de Jesus de forma descontraída, inclusive caracterizados como algumas inspirações circenses (exceções 53 da Maria e do José). Em meu processo, tratei de observar essas fotos e produzir grande quantidade de esboços para compreender as feições pessoais dos atores. Foquei primeiramente no rosto, para depois desenvolver a figura do corpo total. Isso foi importante porque como a peça foi feita com várias personagens bastante maquiados, eu queria os rostos mais chamativos. Talvez minha maior dificuldade tenha sido me desvencilhar do realismo. Por mais que tentasse utilizar linhas mais simplificadas, alguns olhos ainda carregavam um lado humanizado demais. Queria que meu trabalho fosse facilmente digerível, assim como entendi ser o Auto de Natal.
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