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CARACTERIZAÇÃO E PRÉ-TRATAMENTO DE SUBSTRATOS PARA PRODUÇÃO DE BIOGÁS E BIOFERTILIZANTE Caracterização e Potencial de Substratos Projeto “Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) Este documento está sob licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License. O GEF Biogás Brasil permite a citação deste material, desde que a fonte seja citada. Contato: contato@gefbiogas.org.br COMITÊ DIRETOR DO PROJETO Global Environment Facility Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ministério de Minas e Energia Ministério do Meio Ambiente Centro Internacional de Energias Renováveis Itaipu Binacional PARCEIROS Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Associação Brasileira de Biogás Nome do produto: Caracterização e Pré-Tratamento de Substratos para Produção de Biogás e Biofertilizante Componente Output e Outcome: 2.1.4 Publicado pela entidade: Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – UNIDO Entidades diretamente envolvidas: Centro Internacional de Energias Renováveis Biogás – CIBiogás Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR Autores e coautores: Paulo André Cremonez - CIBiogás Jéssica Yuki de Lima Mitto - CIBiogás Revisão técnica: Felippe Martins Damaceno – UTFPR Leonardo Pereira Lins - CIBiogás Coordenador: Felipe Souza Marques Coordenação pedagógica: Iara Bethania Rial Rosa Data da publicação: Agosto, 2020. FICHA TÉCNICA Ficha catalográfica elaborada por: mailto:contato@gefbiogas.org.br O Projeto “Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) reúne o esforço coletivo de organismos internacionais, instituições privadas, entidades setoriais e do Governo Federal em prol da diversificação da geração de energia e de combustível no Brasil. A iniciativa é implementada pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e conta com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) como instituição líder no âmbito nacional. O objetivo principal é reduzir a dependência nacional de combustíveis fósseis através da produção de biogás e biometano, fortalecendo as cadeias de valor e de inovação tecnológica no setor. A conversão dos resíduos orgânicos provenientes da agroindústria e da fração orgânica do lixo urbano, muitas vezes descartados de forma insustentável, pode se tornar um diferencial competitivo para a economia brasileira, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa nocivos à camada de ozônio e ao meio ambiente. O biogás e o biometano podem ser utilizados para a geração de energia elétrica, energia térmica ou combustível renovável para veículos, e seu processamento resulta em biofertilizantes de alta qualidade para uso agrícola. Os benefícios se estendem tanto ao produtor agrícola, que reduz os custos de sua atividade com o reaproveitamento de resíduos orgânicos, quanto ao desenvolvimento econômico nacional, já que um setor produtivo mais eficiente ganha competitividade frente à concorrência internacional. Indústrias de equipamentos e serviços, concessionárias de energia e de gás, produtores rurais e administrações municipais estão entre os beneficiários do projeto, que conta com US $ 7,828,000 em investimentos diretos. Com abordagem inicial na região Sul do Brasil e no Distrito Federal, a iniciativa pretende impactar todo o país. Entre seus resultados previstos estão a compilação e a divulgação de dados completos e atualizados sobre o setor, a oferta de serviços e recursos para capacitação técnica e profissional, a criação de modelos de negócio e de pacotes tecnológicos inovadores, a produção de Unidades de Demonstração seguindo padrões internacionais, a disponibilização de serviços financeiros específicos para o setor, a ampliação da oferta energética brasileira, e articulações estratégicas entre a alta gestão governamental e entidades setoriais para a modernização da regulamentação e das políticas públicas em torno do tema, deixando um legado positivo para o país. APRESENTAÇÃO Caracterização e Pré-Tratamento de Substratos para Produção de Biogás e Biofertilizante Aula 2 - Caracterização e Potencial de Substratos Data da Publicação: Agosto/2020 Sumário 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12 2. CARACTERISTICAS FÍSICO-QUIMICAS E POTENCIAL DE PRODUÇÃO DE BIOGÁS DOS SUBSTRATOS .......................................................................... 13 2.1. Água Residuária de Suinocultura (ARS) ..................................................... 13 2.2. Bovinocultura Leiteira .................................................................................... 14 2.3. Cama de Frango ............................................................................................ 16 2.4. Manupueira .................................................................................................... 17 2.5. Vinhaça ........................................................................................................... 19 2.6. Glicerol Residual ............................................................................................ 20 2.7. Efluente de Laticínios .................................................................................... 21 2.8. Efluentes da Indústria Cervejeira ................................................................. 22 2.9. Resíduos de Abatedouros ............................................................................ 23 3. PRÉ-TRATAMENTO DE SUBSTRATOS ....................................................... 24 3.1. Pré-tratamento Físico .................................................................................... 24 3.1.1. Pré-tratamento mecânico .......................................................................... 25 3.1.2. Pré-tratamento por Irradiação ................................................................... 26 3.1.3. Pré-Tratamento Térmico ........................................................................... 26 3.2. Pré-tratamento Químico ................................................................................ 27 3.3. Pré-tratamento Biológico .............................................................................. 28 3.4. Comparação Técnológica ............................................................................. 29 4. CONCLUSÃO .................................................................................................... 31 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 32 Caracterização e Potencial de Substratos Lista de Figuras Figura 1 - Descarga de manipueira bruta. ............................................................. 17 Figura 2 - Lagoa para armazenamento de vinhaça .............................................. 19 Caracterização e Potencial de Substratos Lista de Quadros Quadro 1 - Características físico-químicas e produção de biogás de ARS. ...... 14 Quadro 2 - Características físico-químicas e potencial de produção de biogás na bovinocultura. ...................................................................................................... 15 Quadro 3 - Potencial de produção de biogás a partir da cama de frango em sistemas com e sem mistura com outros substratos ............................................17 Quadro 4 - Potencial de produção de biogás utilizando manipueira. ................. 18 Quadro 5 - Características físico-químicas e potencial de produção de biogás da vinhaça. ................................................................................................................ 20 Quadro 6 - Trabalhos que utilizaram o glicerol como aditivo para potencializar a produção de biogás .............................................................................................. 21 Quadro 7 - Caracterização físico-química e potencial de produção de biogás de efluentes de laticínios .............................................................................................. 22 Quadro 8 - Caracterização de sólidos e potencial de produção de biogás do bagaço de malte ....................................................................................................... 22 Quadro 9 - Eficiência do tratamento e rendimento de biogás utilizando efluente de abatedouro (aves, suínos, bovinos e ovinos) submetido a digestão anaeróbia em diferentes condições ....................................................................... 24 Quadro 10 - Influência do diâmetro da partícula na produção de metano ......... 25 Quadro 11 - Comparativo entre vantagens e desvantagens entre distintos pré- tratamentos ............................................................................................................... 30 Caracterização e Potencial de Substratos 9 Apresentação do Curso Olá! Seja bem-vindo ao nosso segundo módulo do curso de atualização em biogás. O curso como um todo, busca trazer conhecimento técnico de uma forma didática para profissionais que queiram atuar direta ou indiretamente na cadeia produtiva desse importante biocombustível, que vem ganhando cada vez mais destaque no cenário nacional. Para compreender e se adequar ao dinâmico setor do biogás brasileiro e mundial é necessário conhecer cada uma das etapas que contemplam o fluxograma logístico do setor. O processo de biodigestão anaeróbia, responsável pela geração de biogás nas plantas de produção, se efetiva pela degradação de substratos orgânicos. Deste modo, o segundo módulo desse curso visa reunir informações a respeito das características físico-químicas dos principais substratos disponíveis no Brasil, em especial na Região Sul do país, com potencial de utilização na produção de biogás em larga escala. Tenha uma ótima leitura! Caracterização e Potencial de Substratos 10 Desenvolvimento Proporcionado Este módulo traz conteúdo base de extrema importância para o profissional que visa atuar direta ou indiretamente na cadeia produtiva do biogás. Esta aula lhe proporcionará desenvolver conhecimentos e habilidades que poderão ser colocados em prática ao longo do curso e após a finalização das atividades propostas você estará apto a: COMPETÊNCIAS: 1. Compreender as características dos substratos e comparar suas propriedades de modo que se obtenham os melhores sistemas de produção; 2. Compreender de forma geral, os principais tipos de pré-tratamentos disponíveis no mercado e analisar sua adequação a cada um dos substratos. HABILIDADES: 1. Proatividade; 2. Criatividade; 3. Tomada de decisão. Caracterização e Potencial de Substratos 11 LISTA DE ABREVIATURAS ABPA Associação Brasileira de Proteína Animal ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ARS Água Residuária de Suinocultura CervBrasil Associação Brasileira da Indústria da Cerveja CH4 Metano DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio DQO Demanda Química de Oxigênio EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura H2 Hidrogênio Molecular IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento NTK Nitrogênio Total Kjeldahl O2 Oxigênio Molecular pH Potencial Hidrogeniônico PIB Produto Interno Bruto SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SST Sólidos Suspensos Totais ST Sólidos Totais SV Sólidos Voláteis TRH Tempo de Retenção Hidráulica UASB Upflow Anaerobic Sludge Blanket Caracterização e Potencial de Substratos 12 1. INTRODUÇÃO O biogás é uma energia proveniente da biomassa sendo está definida como fonte de energia renovável. Este combustível possui atributos relacionados a armazenabilidade, despachabilidade e não intermitência conferindo a ele características para ser considerado uma fonte segura de energia. Sua obtenção ocorre por meio da digestão anaeróbia da matéria orgânica presente nos substratos. A digestão anaeróbia é um processo metabólico complexo que requer condições específicas (como a ausência de oxigênio) e depende da atividade conjunta de uma associação de microrganismos para transformar material orgânico em metano e dióxido de carbono. Para que se tenha êxito neste processo de produção, conhecer as características e particularidades dos substratos utilizados é fundamental para a tomada de decisões na operação de plantas de biogás. O Brasil possui uma infinidade de substratos disponíveis eles são classificados em diferentes categorias: agropecuários (efluentes da suinocultura, bovinocultura, avicultura, entre outros), agroindustriais (unidades de processamento de mandioca, laticínios, abatedouros, cervejarias, usinas sucroalcooleiras entre outros), industriais (indústria de papel e celulose, alimentos e bebidas, entre outros) e resíduos urbanos (resíduos sólidos urbanos e esgoto sanitário). Cada tipo de resíduos e segmento possuem características específicas as quais exigem atenção nas etapas de manejo, preparo, tratamento e aplicação. Os próximos capítulos abordam em detalhe os principais substratos utilizados em plantas de produção de biogás. Além desta apresentação também serão exploradas caraterísticas físico-químicas, concentração de nutrientes, o efeito de componentes nocivos, necessidades inerentes de cada substrato para se alcançar rendimentos de biogás satisfatórios, assim como, descrição de tecnologias de pré-tratamento e como sua utilização pode impactar no processo produtivo de biogás. Caracterização e Potencial de Substratos 13 2. CARACTERISTICAS FÍSICO-QUIMICAS E POTENCIAL DE PRODUÇÃO DE BIOGÁS DOS SUBSTRATOS Compreender as características dos substratos empregados nos processos de digestão anaeróbia são de fundamental importância para que eficiências satisfatórias em termos de remoção de carga orgânica, produção de biogás e concentração de metano sejam alcançadas. As especificidades inerentes a cada substrato apontam uma série e ações que devem ser analisadas antes e durante a produção de biogás, desta forma, a presente seção abordará características físico-químicas e detalhamento de nutrientes e condições ideias para a utilização de diferentes tipos de substratos visando a obtenção do biogás. 2.1. Água Residuária de Suinocultura (ARS) As águas residuárias de suinocultura possuem interessantes características nutricionais, em contrapartida apresentam elevada carga orgânica e está pode contribuir no processo de lixiviação de nutrientes no solo, podendo causar contaminação de corpos hídricos e águas subterrâneas (ANAMI et al. 2007). Diante disto, a necessidade do tratamento para redução de sua carga orgânica e estabilização do efluente é de fundamental importância, surgindo neste âmbito a digestão anaeróbia como tecnologia para tratamento e solução desta problemática. A rica composição em nutrientes presente nas ARS pode variar consideravelmente conforme o estágio de vida dos suínos. As concentrações de nitrogênio total variam entre 400–3.710 mg/L (SILVA, 1996; WENDT et al. 1999; CAOVILLA et al. 2010); as concentrações de fósforo encontram-se entre 338–1.009,40 mg/L(DUDA e OLIVEIRA, 2009; CAOVILLA et al. 2010); e as concentrações de potássio encontram-se entre 220,00–1.180 mg/L (SILVA, 1996; CAOVILLA et al. 2010). O balanceamento de nutrientes associado a uma boa relação carbono/nitrogênio (30:1) garante condições favoráveis ao desenvolvimento de microrganismos produtores de metano (Archeas metanogênicas). A relação carbono/nitrogênio média das ARS são de 10,1:1, a baixa concentração de carbono pode impactar na oferta de energia para o desenvolvimento celular dos microrganismos. As Archeas metanogênicas são muito sensíveis a variações bruscas de pH, ao passo que para o processo global de biodigestão a faixa ótima de pH deve estar entre 6,8–7,4 (MAO et al. 2015). Nesse quesito, a ARS apresenta características ideais com pH próximos a neutralidade ou levemente alcalinos (WENDT et al. 1999; RAMIREZ et al. 2002; CAOVILLA et al. 2010; RODRIGUES et al. 2010). A alcalinidade é um fator de extrema importância para o processo de digestão anaeróbia e se relaciona diretamente com o pH do processo. A disponibilidade de tamponantes (carbonatos, fosfatos, sais de amônio, entre outros). nos substratos garante uma estabilidade natural ao processo, pois neutraliza os ácidos orgânicos gerados pela degradação da ARS e impede variações bruscas de pH. A ARS apresenta naturalmente elevada alcalinidade devido a presença de carbonatos e bicarbonatos com valores que se encontram em torno de 2.300–3.700 mg/L (WENDT et al. 1999; RODRIGUES et al. 2010). Caracterização e Potencial de Substratos 14 Por suas propriedades a ARS tem sido amplamente estudada como substrato auxiliar em processos de codigestão anaeróbia para balancear nutrientes, equalizar partículas, complementar a carga orgânica e corrigir o pH de resíduos agroindustriais, por exemplo. As características físico-químicas e potencial de produção de biogás e metano de efluentes a partir de suinocultura estão expressos No Quadro 1. Quadro 1 - Características físico-químicas e produção de biogás de ARS. SV (kg Sv/m³ dejeto)1 Produção de biogás (Nm³ de biogás/ m³ de dejeto)2 Produção de metano (m³CH4/ kg SV)2 Concentração de metano (%)2 80,35 26,08 0,33 60 Fonte: ASAE, 2005; 2: Laboratório de Biogás – CIBiogás Os valores supracitados constituem números médios de análises, os valores podem apresentar variações de acordo com o ciclo produtivo e fase de criação dos animais. Fatores relacionados ao manejo de efluentes da suinocultura devem ser considerados, pois podem impactar negativamente na produção de biogás, entre os principais pode-se destacar o excesso de água na limpeza das baias, utilização de desinfetante e antibióticos no sistema de criação. 2.2. Bovinocultura Leiteira Os principais problemas ambientais relacionados à criação animal referem-se ao acentuado volume de resíduos orgânicos gerados e seu manejo inadequado. Na busca por maior eficiência produtiva, aumento na qualidade dos insumos e dos alimentos, o sistema intensivo de produção de leite permitiu reduzir consideravelmente a necessidade de áreas para disposição dos animais e, consequentemente, concentrar os resíduos gerados no setor (HARDOIM e GONÇALVES, 2007). Em sistemas intensivos – confinamento – há o acúmulo de dejetos (conjunto de fezes, urina, água desperdiçada nos bebedouros, água de higienização e resíduos de ração) e geração de resíduos com altas concentrações de nutrientes e carga orgânica, em virtude de apenas 66% da energia contida nos alimentos ser assimilada e convertida pelos animais (VAN HORN, 1994). A presença de carboidratos, ácidos orgânicos e proteínas juntamente com altas concentrações de nitrogênio, fósforo e potássio (DOTTO e WOLFF, 2012) conferem ao dejeto bovino uma elevada biodegradabilidade. Quando manejados e aproveitados corretamente, este substrato constitui-se como valioso insumos para a produção de biogás. Caracterização e Potencial de Substratos 15 Os resíduos provenientes da bovinocultura variam sua composição de acordo com os tratos alimentares que são oferecidos aos animais. A dieta em sistema de confinamento inclui alimentos volumosos, concentrados e suplementos. Volumosos são alimentos que possuem teor de fibras maior que 18% de matéria seca, como capim- elefante verde picado, silagem, feno ou forrageiras de inverno; enquanto concentrados apresentam teor de fibras menor que 18% de matéria seca e podem ser classificados como proteicos (quando há mais de 20% de proteína na matéria seca), como em tortas de algodão, de soja etc., ou energéticos (com menos de 20% de proteína na matéria seca) como milho, triguilho, farelo de arroz, entre outros (EMBRAPA, 2005). A remoção dos resíduos é normalmente realizada através de raspagem mecânica das baias de ordenha, sendo que a pouca utilização de água nos processos de limpeza confere a estes elevados teores de sólidos. Grande parte dos sólidos voláteis (40-50%) presente no dejeto bovino estão relacionados a presença de materiais fibrosos não degradados pelos animais, que requerem tempos de retenção hidráulica maiores (15–30 dias ou superiores) para seu completo tratamento. O Quadro 2, detalha as características físico-químicas e potencial de produção de biogás a partir de substratos oriundos da bovinocultura de leite. Quadro 2 - Características físico-químicas e potencial de produção de biogás na bovinocultura. Categoria ST (%) SV* (%) Produção de biogás (LNbiogás.kgsv-1) Produção de biogás (Nm³biogás.kg de dejeto-1) Metano (%) Bovino de leite 4,3 75,7 331 0,008 55 Fonte: CIBiogás, 2019 Para saber mais: A concentração de resíduos na pecuária leiteira ocorreu principalmente pela migração do sistema de pastejo para o sistema de confinamento. Caracterização e Potencial de Substratos 16 2.3. Cama de Frango Até 2001, a cama de frango era utilizada como alimento para ruminantes em todo o mundo, no entanto, problemas sanitários, como a Encefalopatia Espongiforme Bovina ocorridos na Europa, fez com que o Ministério da Agricultura brasileiro lançasse uma Instrução Normativa (IN 15/2001) proibindo a comercialização da cama de frango para finalidades alimentares (FUKAYAMA, 2008). Essa mudança de cenário fez com que os produtores buscassem uma alternativa imediata para a destinação desse resíduo orgânico. A utilização da cama de frango foi vista como uma interessante alternativa pela composição nutricional do resíduo, sendo permitida sua comercialização como fertilizante. No entanto, a aplicação do dejeto sem tratamento prévio pode provocar eventos altamente impactantes nos solos e corpos hídricos (AIRES, 2009), principalmente pelas elevadas concentrações de nitrogênio amoniacal presente nesse composto. Os teores de nutrientes presentes nas camas apresentam certa homogeneidade independentemente da fonte vegetal utilizada. Segundo Fukayama (2008), os fatores que influenciam significativamente a variação de sua composição estão associados ao manejo da cama (tipo de ração empregada, quantidade de material de cobertura, densidade de alojamento de aves, nível de reutilização, entre outros). O Comunicado Técnico nº 466 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) traz resultados referentes à caracterização de diferentes camas de frango compostas em maravalha, casca de arroz, sabugo de milho, capim, palhada de soja, restos da cultura do milho e serragem, obtendo médias de teores de 2,51% de N, 1,72% de Ca e 0,93% de P. O pH dos resíduos para as camas de diferentes fontes variou entre 8,58 e 8,97 (DE AVILA et al. 2007). Santos et al. (2005) relatam teores de umidade para cama de frango variando entre 21,33–39,03%. Em sua composição, além dos nutrientes minerais, a cama de frango apresenta elevados teores de proteínas e carboidratos advindos da ração dos animais, além disso apresenta elevada concentração de compostoslignocelulósicos que resultam em longos TRHs para a digestão do efluente. Outro problema associado a cama de frango se relaciona a presença de elevados teores de nitrogênio amoniacal não dissociado, cuja presença exerce grande efeito inibitório para a digestão anaeróbia quando em altas concentrações (FUCHS et al. 2018). O pH básico somado ao elevado teor de sólidos e grande quantidade de nitrogênio amoniacal fazem com que a cama de frango seja um interessante constituinte para sistemas de codigestão, principalmente em conjunto com efluentes de elevada degradabilidade, relação C:N e acidez, e baixo teor de sólidos. O Quadro 3 expressa diversos trabalhos que realizaram a digestão de resíduos da avicultura com ou sem adição de outros substratos. Caracterização e Potencial de Substratos 17 Quadro 3 - Potencial de produção de biogás a partir da cama de frango em sistemas com e sem mistura com outros substratos Substratos TRH Eficiência Referência RMO Produção de gás Cama de frango e resíduos de abatedouro até 100 dias 76% SV Até 300 mLCH4/g de efluente Salminen e Rintala (2002) Cama de frango e carcaças 60 dias 47,21% SV 165 mLbiogás/gSV Orrico Júnior et al. (2010) Esterco de frango e palha de milho 90 dias 79% SV 283 mLCH4/gSVadic. Li et al. (2014) Cama de frango e resíduos da polpa de beterraba sacarina 20 dias 66,23% SV 346 mLCH4/gSV Borowski et al. (2016) Esterco de frango e silagem de milho 297 dias Aprox. 20% de ST 309 mLCH4/gSV Sun et al. (2016) Esterco de galinha e palha de papoula 240 dias Até 67% de SV 360 mLCH4/gSV Bayrakdar et al. (2017) 2.4. Manupueira A água residuária oriunda do processamento de mandioca é denominada manipueira. Este efluente é originado no processo de prensagem, desintegração e lavagem da mandioca. Juntamente com a água extraída são também transportados diversos compostos como carboidratos, nitratos, proteínas, fosfatos, potássio e cianeto. De toda energia contida nas raízes da mandioca apenas 70% é recuperada como amido, sendo que aproximadamente 11% é perdida nas águas residuárias (CARVALHO et al. 2018). Na Figura 1 pode-se visualizar local de descarga de manipueira bruta. Figura 1 - Descarga de manipueira bruta. Caracterização e Potencial de Substratos 18 A composição da manipueira também é variável conforme o sistema de processamento das raízes e o produto de interesse. Carvalho et al. (2018) determinou teores médios para caracterização do resíduo com base em diversos trabalhos da área. Os valores médios determinados foram de 32,9 g/L, 14,4 g/L, 0,9 g/L, 549 mg/L e 1,33 g/L para carboidratos totais, açúcares redutores, nitrogênio total, fósforo e potássio, respectivamente. As médias ainda alcançaram valores na faixa de 20,6 gO2/L, 2,9 g/L e 16,4 mg/L para demanda química de oxigênio, sólidos solúveis voláteis e cianeto, respectivamente. O elevado teor de açúcares redutores confere a manipueira uma rápida degradabilidade e conversão a ácidos voláteis, o que ajuda a caracterizar o odor do efluente, além disso, a rápida degradação de açúcares faz com que o pH do efluente normalmente se encontre entre 4,0–6,8 (XIE et al. 2014; DOS SANTOS et al. 2017). Resíduos de baixo pH requerem certos cuidados quando destinados a tratamentos por processos de digestão anaeróbia, sendo recomendadas medidas para manter a eficiência do processo. Para essa ação normalmente se associam a codigestão da manipueira com outros efluentes de alta disponibilidade a alcalinidade ou pela adição de produtos químico-alcalinos como hidróxidos. Além disso, pode-se empregar reatores de alta eficiência, digestores em dois estágios, e recirculação do digestato. Todas essas ações com a finalidade de minimizar problemas de acidificação no interior do biodigestor. O Quadro 4 detalha o potencial de produção de biogás a partir da manipueira. Quadro 4 - Potencial de produção de biogás utilizando manipueira. Reator/Regime Produção de gás Referência Tubular de fluxo ascendente 1040 mLCH4/ gDQOconsum. Barana e Cereda (2000) UASB 245 mLH2/gDQO Khongkliang et al. (2017) UASB 328 mLCH4/gDQOadic. Jiraprasertwong et al. (2019) Atenção: Pequenas alterações no pH podem afetar sensivelmente microrganismos envolvidos no processo de digestão aneróbia, em especial os metanogênicos (SOARES et al. 2017). Caracterização e Potencial de Substratos 19 2.5. Vinhaça A vinhaça (Figura 2) é rica em diversos nutrientes minerais, principalmente o potássio, sendo que este nutriente se encontra em concentrações aproximadamente seis vezes maiores que os demais macronutrientes presentes no resíduo (LYRA et al. 2003). Sua composição apresenta elevada concentração de matéria orgânica e sua DQO pode chegar a 35.000 mg/L. O pH do resíduo é mais ácido que o da manipueira, variando entre 3,7–5,0 (SZYMANSKI et al. 2010). Figura 2 - Lagoa para armazenamento de vinhaça Fonte: USP, 2016. Além das características químicas, a vinhaça normalmente sai das plantas de destilação com altas temperaturas, que podem variar de 65–107 °C (PARSAEE et al. 2019). Por sua composição desbalanceada de nutrientes, baixo pH e elevada DQO, a vinhaça é um dos efluentes de maior potencial poluidor dentre os resíduos provenientes da agroindústria. Assim como a manipueira, seu tratamento via processos de digestão anaeróbia apresenta elevado potencial pela alta concentração de açúcares redutores remanescentes dos processos fermentativos, no entanto, a baixa disponibilidade de nitrogênio e baixo pH requerem maior rigor no controle de estabilidade do processo, adição de alcalinidade nos reatores, codigestão com outros resíduos visando balanceamento de nutrientes, digestão em reatores de múltiplos estágios, recirculação de digestato e operação em reatores mais eficientes, como reatores UASB. Pompermayer e De Paula Jr. (2003) avaliaram o potencial de produção de biogás de vinhaça no Brasil e estimaram uma geração anual de aproximadamente 3 bilhões de metros cúbicos do biocombustível. Com esse valor seria possível suprir toda a demanda de diesel mineral utilizado para geração de energia elétrica no país, comprovando sua viabilidade técnica e econômica. Valores de referência sobre a característica da vinhaça e seu potencial de produção de biogás, estão expressos no Quadro 5. Caracterização e Potencial de Substratos 20 Quadro 5 - Características físico-químicas e potencial de produção de biogás da vinhaça. Substrato ST (g/kg) SV (g/kg ST) Produção de biogás (LN.kg/SV) Metano (%) Produção de biogás (Nm³/ton de substrato Produção de metano (Nm3/ton de substrato) Vinhaça 28,9 692,2 586 59 11,2 6,6 Fonte: Laboratório de Biogás – CIBiogás (2020). Devido à elevada umidade e ausência de lignina, a produção de biogás a partir da vinhaça é mais simples e rápida se comparada ao bagaço de cana e a torta de filtro e exclui a necessidade de um pré-tratamento complexo. Adicionalmente, a baixa concentração de sólidos permite a escolha de modelos de biodigestores mais simples e baratos, como lagoa coberta. 2.6. Glicerol Residual O glicerol (Figura 3) é um dos principais subprodutos gerados na cadeia produtiva do biodiesel. Em sua composição apresenta diversas impurezas como gorduras não convertidas, resíduos de catalisadores, álcoois, pigmentos, sabões e biodiesel (MEHER et al. 2006), o que torna técnica e economicamente inviável sua purificação para utilizações mais nobres na indústria alimentícia e de cosméticos por exemplo. Desta forma, destinações alternativas foram estudadas avaliando-se possíveis destinações para esse resíduo. Testes utilizando o glicerol como aditivo em processos de digestão anaeróbia com outros resíduos agroindustriais comprovam sua viabilidade. Por sua elevada cargaorgânica e grande disponibilidade de carbono, pequenas adições de glicerol podem incrementar consideravelmente a produção de biogás. Além disso, a presença de resíduos básicos oriundos dos processos de transesterificação proporcionam disponibilidade de alcalinidade para o processo, auxiliando na estabilidade do pH, principalmente quando se realiza a digestão de resíduos de elevada acidez como a manipueira e a vinhaça. No Quadro 6 são apresentados resultados de pesquisas sobre a codigestão anaeróbia de diferentes resíduos agroindustriais e glicerol, utilizado como aditivo para potencializar a produção de biogás, em diferentes proporções. Caracterização e Potencial de Substratos 21 Quadro 6 - Trabalhos que utilizaram o glicerol como aditivo para potencializar a produção de biogás Substratos Teor de Glicerol Produção de Biogás (mL/gSV) Referência Glicerol + ARS 45–60% 190–670 Chen et al. (2008) Glicerol + ARS 1–5% 260–1430 Cremonez et al. (2016) Glicerol + ARS 3% 470 Astals et al. (2013) Glicerol + Manipueira 2–3% 750–1200 Larsen et al. (2013) Glicerol + Lodo de esgoto 1% 910–1270 Rivero et al. (2014) 2.7. Efluente de Laticínios Durante o processamento de leite são gerados aproximadamente 3 litros de efluente para cada litro que entra no processo. Segundo Cichello et al. (2013), os resíduos gerados pelo setor de laticínios apresentam elevada concentração de óleos e graxas, conferindo alta carga orgânica ao efluente. Além de óleos e gorduras (4.680 mg/L), os resíduos ainda apresentam certo teor de proteínas (5.711 mg/L) e carboidratos residuais (377 mg/L) que não são eficientemente aproveitados nos processos industriais (MENDES et al. 2004). A concentração de DQO do efluente gira em torno de 4.427 mg/L, apresentando 88% de degradabilidade e potencial de geração de metano de 295 m³/ton DQO removida (HANDREICHUNG BIOGASNUTZUNG, 2004), vale ressaltar que os percentuais de degradabilidade e potencial podem variar de acordo com o pré- tratamento e tratamento adotados. A presença de gorduras indica grande potencial de geração de biogás ao efluente de laticínios, por outro lado, elevados conteúdos lipídicos implicam em problemas operacionais aos sistemas, principalmente os relacionados a incrustações em tubulações e acúmulo de escumas na superfície dos reatores. Para fixar: Sistemas de digestão anaeróbia têm como principal função a remoção de carbono nos efluentes, no entanto, o nitrogênio é de grande importância para a manutenção das culturas de microrganismos Uma boa relação C:N é de fundamental importância para a eficiência do processo Em muitos casos a codigestão anaeróbia de resíduos é a saída mais eficiente para equalização dos elementos necessários ao processo. Caracterização e Potencial de Substratos 22 A utilização de efluentes de laticínios como fonte de energia é amplamente utilizada em nível comercial e ainda apresenta grande potencial de aprimoramento, ao passo que diversas pesquisas (Quadro 7) são realizadas buscando a melhoria da eficiência dos sistemas de degradação desses materiais e, consequentemente, maior aproveitamento da energia contida no resíduo. Quadro 7 - Caracterização físico-química e potencial de produção de biogás de efluentes de laticínios Parâmetro Unidade Faixa de variação (1) (2) SV mg.L-1 24 – 5700 100 – 1000 ST mg.L-1 135 – 8500 100 – 2000 DQO mg.L-1 500 - 4.500 6000 Produção de biogás¹ Nm³.kgSV-1 0,6429 0,6429 Fonte: (1) Environment Agency of England and Wales, 2000 – European Commission – IPPC (2006) apud Machado et al (2002); (2) ABIQ apud Machado et al (2002); ¹Laboratório CIBiogás; Villa et al. (2007). 2.8. Efluentes da Indústria Cervejeira Segundo CervBrasil (2017), para cada litro de cerveja produzida são consumidos 4,5 litros de água. A quantidade relativa de efluentes gerados no processo de produção da bebida também é elevada apesar dos avanços tecnológicos no setor. Dentre os principais resíduos sólidos produzidos, citam-se o bagaço de malte, que corresponde a cerca de 85% do resíduo gerado (ALIYU e BALA, 2011). O bagaço de malte constitui-se principalmente por cascas da cevada maltada e apresenta elevados teores de fibras, sendo composto por 12,29% de celulose, 26,13% de lignina e 23,41% de hemicelulose (MELLO ET AL. 2013). A caracterização desse resíduo é apresentada no Quadro 8. Quadro 8 - Caracterização de sólidos e potencial de produção de biogás do bagaço de malte Substrato ST (g.kg-1) SV (g.kgST-1) Produção de biogás (Nm³.t-1 de substrato) Bagaço de malte 219,2 964,8 129,8 Há também as leveduras, que são geradas na etapa da fermentação. Parte desta levedura é reaproveitada em uma nova batelada, e parte é vendida para indústria alimentícia. E a terra diatomácea, que é usada na clarificação da cerveja (SANTOS, 2005). Da água residuária gerada no processo produtivo, constatam-se elevados teores de açúcares fermentescíveis (maltotriose, maltose e glicose) não digeridos no Caracterização e Potencial de Substratos 23 processo fermentativo, além de elevada carga orgânica (ARANTES et al. 2018). Com relação a caracterização físico-química das águas residuárias de cervejaria constata-se segundo Arantes et al. (2019): DQO de 4,71–10,01 g/L, teor de carbono de até 7,22 g/L; teor de nitrogênio de até 240 mg/L, teor de fósforo de 8,0–20,4 mg/L, 3,85–17,58 g/L de ST e 3,67–17,06 g de SV. A relação Carbono/Nitrogênio varia entre 8 a 13, valores inferiores aos recomendados em literatura para um bom desenvolvimento do processo anaeróbio. O pH também é inferior ao ideal para o desenvolvimento de microrganismos metanogênicos, variando entre 4,4–6,6. 2.9. Resíduos de Abatedouros O elevado consumo de água nos sistemas de abate de animais é responsável pela geração dos grandes volumes de efluentes líquidos encontrados no setor. Os resíduos de abatedouros apresentam elevada DQO e DBO, principalmente pela composição em óleos, graxas e sangue (BAYR et al. 2012; VILVERT et al. 2019). Segundo caracterização de resíduos de abatedouro de bovinos realizada por Cassidy e Belia (2005), após tratamentos primários, os valores de DQO e SST para o efluente foram de 7.685 mg/L e 1.742 mg/L, respectivamente. Com relação aos nutrientes minerais, o resíduo apresentou 1.057 mg/L de nitrogênio total e 217 mg/L de fósforo. O pH obtido do resíduo foi muito próximo da neutralidade com valor de 7,3. Assim como já relatado na seção sobre efluentes de laticínios, gorduras e proteínas apresentam elevado potencial teórico para produção de biogás, no entanto, sistemas de digestão anaeróbia convencionais aplicados a esses compostos são propensos a problemas e falhas, principalmente pela geração de inibidores do processo fermentativo, como a amônia e ácidos graxos livres (CUETOS et al. 2008; BAYR et al. 2012). Além disso, resíduos com essas características apresentam lenta degradabilidade, demandando sistemas de elevada complexidade e eficiência ou digestores de grandes volumes. O fato de graxas e proteínas apresentarem certo valor comercial atrelado a problemática relacionada ao manejo desses compostos fazem com que indústrias busquem destinações alternativas ou realizem o aproveitamento desses resíduos. Desta forma, poucos são os relatos de sucesso (no Brasil) na utilização em grande escala de efluentes de abatedouros na produção de biogás. Ainda assim, com o desenvolvimento de pesquisas e sistemas comerciais de digestão mais aprimorados (reatores com sistemas avançados de controle, pré-tratamentos específicos, entre outros) levanta-se grande potencial de utilização dessas águas residuais na obtenção de energia limpa, agregando valor as próprias cadeias produtivas. A partir da Tabela 9 visualizam-se referências em pesquisas a níveis laboratoriais utilizandoresíduos de abatedouros como substratos para processos de digestão anaeróbia. Caracterização e Potencial de Substratos 24 Quadro 9 - Eficiência do tratamento e rendimento de biogás utilizando efluente de abatedouro (aves, suínos, bovinos e ovinos) submetido a digestão anaeróbia em diferentes condições Tipo de Efluente Condição Eficiência Referência Aves Codigestão com resíduos sólidos urbanos em sistema de alimentação semi- contínua Até 83% de remoção de gorduras; Produção específica de biogás de até 1000 mLbiogás/gSV Cuetos et al. (2008) Suíno Pré-tratamento com aquecimento, adição de NAOH e autoclavagem 489 dm³CH4/kgSV Hejnfelt e Angelidaki (2009) Aves e Suínos Pré-tratamento térmico (pasteurização e esterilização) e digestão em lotes Após tratamento, incremente de 580 para 960 mLCH4/ gSVadic. Rodríguez-Abalde et al. (2011) Gado Digestores tubulares sequenciais Produção específica de biogás de 550 mL/gSV Martí-Herrero e Flores (2018) Ovelha Nanopartículas de ferro biossintetizadas a partir do lodo para incremento da biodigestão Aumento no rendimento de metano de até 45%; RMO:42% DQO Yazdani et al. (2019) 3. PRÉ-TRATAMENTO DE SUBSTRATOS Apesar de apresentarem carga orgânica e teor de sólidos voláteis elevados, muitos substratos com alto potencial de produção de biogás necessitam de pré- tratamento para que possam ser aproveitados em processos de digestão anaeróbia e aumentar o rendimento do biogás, em especial quando adotada codigestão de resíduos. Substratos com elevados teores de gorduras e de compostos lignocelulósicos são os que apresentam maior número de estudos nessa área. Essa seção visa abordar as principais categorias de pré-tratamentos empregados nos substratos destinados a digestão anaeróbia. Vale ressaltar que as técnicas de pré-tratamentos podem ser utilizadas de forma combinada para que alcancem maior eficiência. 3.1. Pré-tratamento Físico Os pré-tratamentos físicos são utilizados para modificar a estrutura do substrato e facilitar a degradação da matéria orgânica na digestão anaeróbia. A aplicação destes pré-tratamentos aumenta a área superficial do substrato para os microrganismos por meio da redução do diâmetro da partícula, adição de ondas eletromagnéticas ou elevada temperatura, além da combinação entre eles. Dentre os pré-tratamentos mais utilizados destacam-se: mecânico, irradiação e térmico. Caracterização e Potencial de Substratos 25 3.1.1. Pré-tratamento mecânico O pré-tratamento mecânico contribui para o aumento da superfície de contato entre o substrato e os microrganismos e reduz o grau de cristalização da celulose através de processos mecânicos como a trituração, moagem ou corte da biomassa (SANTOS, 2013). A redução no diâmetro das partículas orgânicas complexas melhora o acesso das enzimas hidrolíticas ao substrato, acelera sua conversão em compostos mais simples durante a fase de hidrólise, para posterior assimilação desses compostos pelas bactérias acidogênicas, e aumenta a produção acumulada de biogás. Dentre os pré-tratamentos mecânicos citam-se os de alta pressão, centrifugação, gradeamento, tamisação, retificação e extrusão. Além destes, o tratamento com uso de ultrassom tem sido amplamente estudado como forma de redução do tamanho de partículas (CARLSSON et al. 2012). O Quadro 10, expressa a influência do tamanho na partícula no processo de produção de biogás. Quadro 10 - Influência do diâmetro da partícula na produção de metano Substrato Diâmetro da partícula (mm) Produção de metano (L CH4/kg SV) Gramíneas (Pennisetum híbidro) > 0,83 269 (±6) 0,38 – 0,83 276 (±4) 0,18 – 0,25 290 (±0) < 0,18 290 (±2) *Os valores entre parênteses representam o desvio padrão da média. Fonte: Adaptado de Kang et al., (2019). Em geral, métodos mecânicos são relativamente mais simples e menos dispendiosos, no entanto, apesar de eficazes no que se propõe apresentam menos eficiência que outras formas de tratamento de substrato. Dessa forma, procedimentos mecânicos normalmente são utilizados em combinação com outros tratamentos, como em trabalho de Dhar et al. (2011) que realizaram o pré-tratamento de lodo ativado de resíduos municipais com emprego de combinações de tratamento mecânico e doses de peróxido de hidrogênio e cloreto férrico. Caracterização e Potencial de Substratos 26 3.1.2. Pré-tratamento por Irradiação O pré-tratamento físico por irradiação inclui diversas técnicas, especialmente o ultrassom e micro-ondas. O micro-ondas é a técnica mais estudada dentre os pré- tratamentos físicos, contudo, o ultrassom que usualmente é aplicado em lodo proveniente de tratamento de esgoto por lodos ativados, tem sido adotado também aos resíduos lignocelulósicos, nesta categoria duas tecnologias são amplamente utilizadas: micro-ondas e ultrassom. • Micro-ondas: Micro-ondas são ondas curtas de energia eletromagnética com frequência entre 0,3 e 300 GHz. Os micro-ondas domésticos e industriais usualmente operam com uma frequência de 2,45 GHz. Estas ondas aumentam a energia cinética da água presente na biomassa (ou adicionada durante o pré-tratamento) levando ao ponto de ebulição. A rápida geração de calor e pressão contribui para a hidrólise da biomassa, forçando a saída dos componentes para fora da estrutura celular. • Ultrassom: O ultrassom é uma energia acústica na forma de ondas com uma frequência acima do intervalo de audição humana. O efeito físico do pré-tratamento por ultrassom é o colapso das bolhas cavitacionais[1] geradas durante o processo, que proporcionam uma alteração de natureza química na biomassa, resultando na destruição em sua parede celular. Ao alterar a estrutura da parede celular da biomassa, este pré- tratamento aumenta a superfície de contato e reduz o grau de polimerização dos seus componentes, o que permite aumentar a biodegradabilidade de substratos lignocelulósicos e consequentemente a produção de biogás. 3.1.3. Pré-Tratamento Térmico Pré-tratamentos térmicos apresentam eficiência no tratamento de resíduos lignocelulósicos, degradando a lignina e a hemicelulose, além de quebrar as ligações de hidrogênio em complexos cristalinos de celulose, elevando a área superficial e promovendo inchamento da biomassa. Normalmente é realizado em estruturas como autoclaves, panelas de pressão ou reatores encamisados (RODRIGUEZ et al. 2017). Com a utilização de hidrólise enzimática, compostos como lipídeos e carboidratos são rapidamente degradados, no entanto, as proteínas são protegidas por estarem envoltas pela parede celular. O emprego de calor destrói as ligações químicas da parede e da membrana celular permitindo o acesso das proteínas a degradação. A utilização de compostos químicos, como ácidos, favorece a solubilização da matéria orgânica fazendo com que temperaturas moderadas sejam suficientes para deterioração dos compostos orgânicos complexos (GUPTA et al. 2012). Temperaturas variando dos 60 aos 270 °C (BORDELEAU e DROSTE, 2011) têm sido estudadas, no entanto, os esforços se concentram na faixa entre 60 a 180°C ao passo que temperaturas superiores podem induzir a formação de elementos tóxicos ou inibidores (amônia, compostos refratários entre outros) (FERRER et al. 2008; RODRIGUEZ-ABALDE et al. 2011; AZEITONA, 2012). Caracterização e Potencial de Substratos 27 Além da combinação entre reagente químicos e elevadas temperaturas, o processo hidrotérmico, com emprego de água líquida em elevadas temperaturas, pode ser considerado um dos métodos mais interessantes no pré-tratamento de resíduos lenhosos, além de ser extremamente atrativo por não utilizar nenhum reagente químico. O processo emprega água em elevada temperatura (160–220 °C) e pressão elevando sua força iônica e por consequência despolimerizado a hemicelulose presente nossubstratos (RUIZ et al. 2013). Resultados de até 40% na elevação da produção de biogás podem ser alcançados com essa técnica ao passo que o processo pode levar de segundos até horas dependendo da temperatura aplicada. No entanto, em vias gerais, esse procedimento não tende a resultar em balanços energéticos positivos que viabilizem seu uso (KRATKY e JIROUT, 2015). 3.2. Pré-tratamento Químico Compostos químicos, sejam orgânicos ou inorgânicos podem ser empregados no tratamento de substratos objetivando o incremento da produção de biogás (GUPTA et al. 2012). Segundo Azeitona (2012), os principais tratamentos químicos se dividem em dois grupos, o grupo de i) hidrólise alcalina e ácida e o ii) grupo de oxidação avançada (incluindo técnicas de aplicação de ozônio e peroxidação). Essas categorias incluem principalmente os tratamentos oxidativos e de adição de ácidos ou bases em praticamente todos os tipos de substratos (CARLSSON et al. 2012). Frente a outros métodos de pré-tratamentos, os de origem química apresentam menor consumo de energia além de elevada eficiência, contando com um dos melhores custos benefícios (LIN et al. 1997). Para saber mais: O emprego de calor no tratamento de substratos da produção de biogás é interessante não só pela hidrólise de compostos complexos, mas também pela esterilização do material. Caracterização e Potencial de Substratos 28 Ácidos concentrados podem beneficiar a hidrólise enzimática de substratos de origem lignocelulósica, enquanto a hidrólise alcalina remove a lignina e hemiceluloses elevando a área superficial do material e o tornando mais acessível aos microrganismos (GUPTA et al. 2012). Além da utilização de ácidos fortes, tratamentos com ácidos fracos, como o ácido acético são interessantes pois alguns ácidos são precursores do metano no processo de digestão, contribuindo sinergicamente com o processo. Segundo De Rossi et al. (2017), diversas tecnologias químicas estão sendo aprimoradas. Dentre elas, cita-se a utilização de ácido diluído, amoníaco, solubilização alcoólica, explosão das fibras em amônia e uso de sulfito. O mesmo autor relata o uso eficiente de tratamentos ácidos (ácido cítrico em alta pressão) e tratamentos básicos (ureia com hidróxido de sódio em baixas temperaturas) no incremento da produção de biogás de resíduos lignocelulósicos. Avaliando a eficiência no tratamento de resíduos sólidos urbanos com emprego de HCl, Devlin et al. (2011) obtiveram elevação no rendimento de metano de 14,3%. Já Dewil et al. (2007) empregando técnicas de peroxidação como processo Fenton e tratamento com peroximonosulfato obteve elevação na produção de biogás de até 100%. Nos pré-tratamento alcalinos as reações químicas ocorrem por meio de catalisadores alcalinos que provocam a saponificação das ligações de ésteres entre as moléculas internas e aumenta a porosidade do material. Esse efeito diminui o grau de polimerização e cristalização da lignina e facilita o contato das exoenzimas com a celulose e hemicelulose. Dentre as principais soluções utilizadas destacam-se o hidróxido de sódio (NaOH), hidróxido de potássio (KOH) e hidróxido de cálcio (Ca(OH2)). 3.3. Pré-tratamento Biológico Para degradação de substratos lenhosos ou restos vegetais, pré-tratamentos biológicos baseados em atividade enzimática de bactérias e fungos são os mais empregados. Em geral, fungos brancos atacam a lignina e a celulose enquanto fungos marrons tem a capacidade de degradar a celulose (RODRIGUEZ et al. 2017). Para resíduos com elevado teor de açúcares fermentescíveis, a separação da fase ácida pode ser considerada uma etapa de pré-tratamento, garantindo a conversão carboidratos em ácidos orgânicos e evitando os efeitos inibitórios das Archeas metanogênicas que são muito sensíveis a variações bruscas de pH. A adição dos ácidos Para saber mais: Métodos químicos são usualmente submetidos a variações de temperaturas sendo denominados: “TRATAMENTOS TERMOQUÍMICOS” Caracterização e Potencial de Substratos 29 voláteis ocorre de forma controlada no reator de fase metanogênica garantindo essa estabilidade. A hidrólise enzimática é outra forma de tratamento biológico muito empregado principalmente na quebra de resíduos lignocelulósicos, amido e gorduras. Apesar de muitas enzimas serem produzidas pelas bactérias no próprio reator, enzimas específicas ou uma mistura de enzimas podem ser adicionadas de modo que se otimize a degradação da biomassa (RODRIGUEZ et al. 2017). De modo geral, tratamentos biológicos podem acelerar a hidrólise de microrganismos e melhorar a fermentação de substratos complexos (BARUA et al. 2018). Pré-tratamentos biológicos são conduzidos em reatores simples e em condições moderadas, o que proporciona economia de energia (YU et al. 2019). No entanto, processos de quebra biológica necessitam de longos tempos de ação, além disso, as enzimas empregadas normalmente apresentam custos elevados se comparado a reagente químicos. 3.4. Comparação Técnológica O Quadro 11 apresenta em resumo as vantagens de desvantagens de cada tipo de pré-tratamento. Caracterização e Potencial de Substratos 30 Quadro 11 - Comparativo entre vantagens e desvantagens entre distintos pré-tratamentos VANTAGENS DESVANTAGENS 2.1 MECÂNICO -Causa efeito de cristalização da celulose; - Não requer soluções químicas; - Não gera efluentes e subprodutos. -Demanda energia; -Demanda equipamentos para o controle; 2.2 FÍSICO -Aumenta a superfície de contato do substrato; -Aumenta a velocidade de produção de biogás; -Não requer soluções químicas; -Não gera efluentes perigosos. -Demanda energia elétrica; -Eleva os custos de aquisição de equipamentos; -Baixa eficiência em biomassa sólida; -Pode formar compostos inibitórios (furfural e polifenóis). 2.3 TÉRMICO -Solubiliza a hemicelulose; -Solubiliza parte da hemicelulose; -Melhora a viscosidade; -Não requer soluções químicas; -Não gera efluentes perigosos. -Demanda energia para aquecimento; -Demanda equipamentos para o controle de pressão e temperatura; -Pode formar compostos inibitórios (furfural e polifenóis) 2.4 QUÍMICO - Alta conversão de açúcar; - Pode ser realizado em temperatura ambiente; - Remove a celulose e lignina; - Solubiliza a hemicelulose. Demanda energia e consumo de reagentes; - Demanda equipamentos resistentes a corrosão; - Apresenta alta toxicidade; - Gera efluente ao final do processo. 2.5 BIOLÓGICO - Baixo custo; - Não tem liberação de compostos tóxicos; - Não gera efluente ao final do processo. - Período de incubação longo; - Taxa lenta de deslignificação; - Perda de celulose e hemicelulose no processo. A aplicação de pré-tratamentos é uma alternativa tecnológica com potencial para a incorporação de novos substratos na produção de biogás. Cada tipo de pré- tratamento apresenta demandas distintas em termos de área, tempo, energia, soluções químicas ou microrganismos, bem como gera, além do material pré-tratado, efluentes ou resíduos oriundos do processo. Um estudo de viabilidade técnica e econômica considerando as especificidades da biomassa a ser tratada, como as características de geração, os custos de aquisição de insumos e o manejo do material residual é uma etapa imprescindível para o sucesso da aplicação do pré-tratamento. Caracterização e Potencial de Substratos 31 4. CONCLUSÃO A partir dos conhecimentos adquiridos nas seções anteriores, pode-se concluir que: • Cada resíduo apresenta suas especificidades, vantagens e limitações quando submetidos a processos de digestão anaeróbia. Muitos deles apresentam características complementares fazendo com que ocorra boa sinergia em sistemas de codigestão. • De modo que se obtenha o máximo aproveitamento desses resíduos, processos de pré-tratamento podem ser utilizados com a finalidade demelhorar as propriedades dos substratos e facilitar sua degradação pelos microrganismos do processo. Caracterização e Potencial de Substratos 32 5. 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