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TECNOLOGIA DE PRODUÇÃO DE BIOGÁS E BIOFERTILIZANTE Introdução a Produção e Manejo de Digestato Projeto “Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) Este documento está sob licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License. O GEF Biogás Brasil permite a citação deste material, desde que a fonte seja citada. Contato: contato@gefbiogas.org.br COMITÊ DIRETOR DO PROJETO Global Environment Facility Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ministério de Minas e Energia Ministério do Meio Ambiente Centro Internacional de Energias Renováveis Itaipu Binacional PARCEIROS Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Associação Brasileira de Biogás Nome do produto: Tecnologia de Produção de Biogás e Biofertilizante Componente Output e Outcome: Componente 2.1.4 Publicado pela entidade: Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial - UNIDO Entidade(s) diretamente envolvida(s): Centro Internacional de Energias Renováveis Biogás – CIBiogás Universidade Federal do Oeste da Bahia - UFOB Autores e coautores: Higor Eisten Francisconi Lorin – CIBiogás Jéssica Yuki de Lima Mitto – CIBiogás Leonardo Pereira Lins - CIBiogás Revisão Técnica: Maico Chiarelloto - UFOB Coordenador: Felipe Souza Marques Coordenação Pedagógica: Iara Bethania Rial Rosa Data da publicação: Setembro, 2020. FICHA TÉCNICA Ficha catalográfica elaborada por: mailto:contato@gefbiogas.org.br O Projeto “Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) reúne o esforço coletivo de organismos internacionais, instituições privadas, entidades setoriais e do Governo Federal em prol da diversificação da geração de energia e de combustível no Brasil. A iniciativa é implementada pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e conta com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) como instituição líder no âmbito nacional. O objetivo principal é reduzir a dependência nacional de combustíveis fósseis através da produção de biogás e biometano, fortalecendo as cadeias de valor e de inovação tecnológica no setor. A conversão dos resíduos orgânicos provenientes da agroindústria e da fração orgânica do lixo urbano, muitas vezes descartados de forma insustentável, pode se tornar um diferencial competitivo para a economia brasileira, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa nocivos à camada de ozônio e ao meio ambiente. O biogás e o biometano podem ser utilizados para a geração de energia elétrica, energia térmica ou combustível renovável para veículos, e seu processamento resulta em biofertilizantes de alta qualidade para uso agrícola. Os benefícios se estendem tanto ao produtor agrícola, que reduz os custos de sua atividade com o reaproveitamento de resíduos orgânicos, quanto ao desenvolvimento econômico nacional, já que um setor produtivo mais eficiente ganha competitividade frente à concorrência internacional. Indústrias de equipamentos e serviços, concessionárias de energia e de gás, produtores rurais e administrações municipais estão entre os beneficiários do projeto, que conta com US $ 7,828,000 em investimentos diretos. Com abordagem inicial na região Sul do Brasil e no Distrito Federal, a iniciativa pretende impactar todo o país. Entre seus resultados previstos estão a compilação e a divulgação de dados completos e atualizados sobre o setor, a oferta de serviços e recursos para capacitação técnica e profissional, a criação de modelos de negócio e de pacotes tecnológicos inovadores, a produção de Unidades de Demonstração seguindo padrões internacionais, a disponibilização de serviços financeiros específicos para o setor, a ampliação da oferta energética brasileira, e articulações estratégicas entre a alta gestão governamental e entidades setoriais para a modernização da regulamentação e das políticas públicas em torno do tema, deixando um legado positivo para o país. APRESENTAÇÃO Tecnologia de Produção de Biogás e Biofertilizante Aula 2 – Introdução a Produção e Manejo de Digestato Data da Publicação: Setembro/2020 Sumário 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 10 2. DIGESTATO E BIOFERTILIZANTE – CONCEITOS E DEFINIÇÕES ........ 11 2.1. Produção do Digestato.................................................................................. 12 2.2. Características Físico-Química do Digestato ............................................. 17 2.2.1. pH ................................................................................................................ 17 2.2.2. Condutividade elétrica ............................................................................... 18 2.2.3. Alcalinidade ................................................................................................ 18 2.2.4. Nitrogênio amoniacal ................................................................................. 18 2.2.5. Temperatura ............................................................................................... 19 2.2.6. Ácidos Orgânicos Voláteis ........................................................................ 19 2.2.7. Relação C/N ............................................................................................... 20 2.2.8. Fitotoxicidade.............................................................................................. 20 2.2.9. Coliformes termotolerantes ....................................................................... 20 2.2.10. Fatores Inibitórios ................................................................................... 21 2.3. Armazenamento do Digestato na Unidade Produtiva ................................ 21 2.4. Mecanismos de Agitação em Biogestores .................................................. 23 3. CONCLUSÃO .................................................................................................... 26 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 27 Introdução a Produção e Manejo de Digestato Lista de Figuras Figura 1 - Manejo de um sistema de digestão anaeróbia .................................... 10 Figura 2 - Esquema simplificado do processo de digestão anaeróbia (DA). ..... 13 Figura 3 - Tipos de biorreatores: (a) mecanicamente agitados; (b) coluna de bolhas; (c) fluxo de aspersão ascendente; (d) fluxo pistonado; (e) células imobilizadas – leito fixo; (f) células imobilizadas – leito fluidizado; (g) reator com membranas planas; (h) fibras ocas. ....................................................................... 15 Figura 4 - A: Corte transversal de um digestor modelo CSTR; B: Planta de Biogás em escala plena. ......................................................................................... 16 Figura 5 - A: Corte transversal de um digestor modelo lagoa coberta; B: Digestor lagoa coberta em larga escala. ............................................................... 17 Figura 6 - Modelos de armazenamento do digestato ........................................... 22 Figura 7 - Dinâmica do nitrogênio na forma amoniacal ao decorrer do tempo. . 23 Figura 8 - Exemplo de um reator mecanicamente agitado .................................. 24 Figura 9 - Reator hidraulicamente agitado ............................................................25 Figura 10 - Sistema simplificado de recirculação de biogás ................................ 25 Introdução a Produção e Manejo de Digestato 8 Apresentação do Curso Olá! Seja bem-vindo a mais um módulo do nosso curso de biogás. Após um conhecimento prévio dos principais substratos e seu potencial de utilização no setor, o presente material tem por finalidade avançar um pouco mais dentro da cadeia produtiva do biogás, abordando agora, questões um pouco mais técnicas. Com o incentivo pelo desenvolvimento de tecnologias limpas e não dependentes de fontes fósseis, muito se tem investido em tecnologias voltadas a cadeia produtiva do biogás. O aprimoramento de sistemas de biodigestão e controles operacionais tem contribuído muito para o avanço e difusão desse biocombustível por todo o mundo. Conhecer os principais tipos de tecnologias disponíveis no mercado, assim como os fatores que afetam o processo como um todo são de fundamental importância. Diante disso, esse curso foi dividido em duas aulas, sendo elas: 1ª aula: Digestores e fatores de controle operacional. 2ª aula: Introdução à produção e manejo de digestato. Na primeira aula abordaremos os conceitos dos principais modelos de biodigestores empregados no tratamento de efluentes agroindustriais, para o cenário regional, indicando seus princípios de funcionamento, técnicas de dimensionamento, potencial de produção de biogás, vantagens e desvantagens, além de suas principais aplicações. E os principais fatores que afetam o processo de digestão anaeróbia, formas de monitoramento e controle, além de tomadas de decisão para o aumento da eficiência do processo. Na segunda aula abordaremos a produção do digestato, qual a sua composição, do que ele é feito, qual a sua aparência. Utilizando alguns critérios e parâmetros como temperatura, “acidez” e a presença de microrganismos benéficos ou não benéficos no digestato, poderemos manejá-lo de uma forma mais adequada. O curso proporcionará ao aluno conhecimentos específicos para que possa apoiar e participar efetivamente na elaboração e implantação de projetos e plantas de biogás. Esperamos que você consiga se desenvolver ao máximo durante o curso. Bons estudos e qualquer auxílio que necessite referente as dúvidas, nossa equipe estará à disposição. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 9 Desenvolvimento Proporcionado Este módulo traz conteúdo base e de extrema importância para o profissional que visa atuar direta ou indiretamente na cadeia produtiva do biogás. Nesta aula será proporcionado o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades que poderão ser colocados em prática por você ao longo do curso e após a finalização das atividades propostas: COMPETÊNCIAS: 1. Identificar e definir modelos de biodigestores; 2. Aprender novos conceitos, princípios e vocabulários acerca da introdução à produção e manejo de digestato. HABILIDADES: 1. Discernimento; 2. Senso crítico; 3. Criatividade. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 10 1. INTRODUÇÃO De maneira geral, podemos dizer que digestato é, nada mais nada menos, que o produto resultante do processo de digestão anaeróbia (DA). Este produto geralmente possui um aspecto líquido e pode ser definido como o efluente (fluido que sai) de biodigestores (Kunz et al., 2019). Dentro de um biodigestor as condições são de anaerobiose. É justamente por isso, que ocorre o processo de DA, devido à ausência ou baixíssima concentração de oxigênio. Nesse ambiente favorável (temperatura, pressão e disponibilidade nutricional) vivem microrganismos que são responsáveis por utilizar o material orgânico disponível e transformá-lo, por meio de processos bioquímicos, em digestato e/ou biofertilizante, água, gases (biogás), como gás carbônico, metano (gás inflamável com potencial energético) e demais compostos (Figura 1) (LI et al., 2018a). Figura 1 - Manejo de um sistema de digestão anaeróbia É importante lembrar que todo material orgânico sofrerá um processo de decomposição/degradação devido a ação microbiológica. Isso é, as frações orgânicas complexas vão sendo degradadas e transformadas em substâncias mais simples e em frações minerais. Porém, essa degradação da matéria orgânica poderá ocorrer de duas maneiras, aeróbia (na presença de oxigênio) como é caso da compostagem, por exemplo, ou anaeróbia (na ausência de oxigênio) como acontece dentro de um biodigestor. O processo de DA ocorre de forma natural em alguns seres vivos, no trato gastrointestinal de ruminantes ou então, em ambientes que apresentem deposição de material orgânico e baixa concentração de oxigênio, como pântanos, lagos com grande profundidade, sob formações geológicas e até no subsolo marinho (VASCO-CORREA et al., 2018). A ausência de oxigênio pode ocorrer ainda de forma proposital, por meio de atividades antrópicas em aterros sanitários, cultivos agrícolas inundados (cultivo de arroz), sistemas de tratamento de efluentes líquidos domésticos, industriais e agroindustriais, acúmulo de dejetos de animais em sistemas de produção agropecuário, dentre outros. As transformações que acontecem durante o processo de DA têm por consequência a estabilização dos compostos orgânicos que entraram no sistema. Isto Introdução a Produção e Manejo de Digestato 11 significa que, quando conduzido de maneira adequada, materiais orgânicos com potencial poluidor, como dejetos de animais, resíduos orgânicos, efluentes líquidos agroindustriais ou agropecuárias diminuem expressivamente sua capacidade poluente. Esta consequência do processo de DA passa a ser de extremo interesse quando deseja- se realizar o tratamento desses resíduos orgânicos, pois ao final do processo obtém-se produtos de importância econômica, o biogás e o digestato. Uma vez que se tem o interesse de controlar o processo de DA, estabilizando o resíduo orgânico ou então utilizando-se dos subprodutos (biogás e o digestato) para fins energéticos ou agrícolas (fertilização do solo), deve-se realizar a gestão adequada do processo para que o ciclo ordenado do material orgânico seja encerrado, ou próximo disso. Desta maneira, o processo de DA acarretará um manejo ambientalmente correto e não provocará problemas ambientais. Deve-se atentar sempre para a realidade e situação socioeconômica em que se deseja desenvolver o processo de digestão anaeróbia. A partir de então, torna-se mais fácil realizar o estudo, planejamento, implantação e operação da planta de biogás responsável por receber e tratar o material orgânico em questão. 2. DIGESTATO E BIOFERTILIZANTE – CONCEITOS E DEFINIÇÕES As descrições de digestato e biofertilizante possuem relação quanto à temática da DA, porém possuem significados diferentes. Abaixo veremos melhor essas definições. Partindo das definições citadas anteriormente, entende-se que todo biofertilizante pode ser considerado um digestato, porém nem todo digestato pode ser considerado um biofertilizante. Em determinadas regiões, países ou blocos econômicos, existem legislações, portarias, normativas que auxiliam na caracterização e enquadramento do digestato como um insumo com propriedades fertilizantes. Definição Digestato: Todo material orgânico, residual ou não, submetido à digestão anaeróbia, com o intuito de tratar, estabilizar ou aproveitar os subprodutos resultantes deste bioprocesso. Biofertilizante: Considerado um digestato com características fertilizantes de interesse agronômico. Pode ser aplicado em cultivos agrícolas, uma vez que apresente concentrações convenientes de macro e micronutrientes, elementos traço, metais e microrganismos que atuem em harmonia com os organismos já existentes no solo, bem como, com a cultura vegetal. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 12 2.1. Produçãodo Digestato Devido às diversas possibilidades de produção e utilização do digestato, sugere-se a realização de um estudo (planejamento) prévio com um profissional especializado, levantando as problemáticas técnicas e operacionais, a viabilidade do projeto, a infraestrutura disponível, ou não, dentre outros fatores que influenciam na tomada de decisão do investidor. Inicialmente deve-se atentar à origem do material orgânico (animal ou vegetal) que será tratado ou estabilizado, uma vez que sua composição inicial influenciará nas características físico-químicas do digestato obtidas ao final do processo ou de sua cadeia produtiva. Cada substrato exibe uma composição diferenciada, necessitando-se um preparo direcionado e específico, a fim de converter o material com a melhor eficiência possível. Quadro 1 - Exemplos de materiais orgânicos de acordo com suas origens Vegetal Animal ● Culturas energéticas (biomassa de planta inteira, grãos de cereais, legumes, tubérculos, raízes) ● Resíduos de processamento agrícola ou agroindustrial (cascas, restos de raízes, restos de grãos, palhadas, resíduos lignocelulósicos, águas de lavagem, cozimento, beneficiamento) ● Resíduos orgânicos de CEASA ● Efluentes líquidos de agroindústrias ● Resíduos de poda urbana ● Dejeções provenientes da pecuária (fezes e urina) ● Resíduos agropecuários (carcaças, ração, camas, água para dessedentação, água residuária e de limpeza) ● Resíduos agroindustriais (peles, ossos, pelos, penas, dejeções, águas residuárias, lodos, aparas de carne e membros, eviscerações, gordura Para saber mais: Legislações nacionais e internacionais: - DECRETO Nº 4.954/2004 (Brasil) - IN 11 Fatma-SC, 2014 (Brasil) - Quality Protocol – Anaerobic Digestate NIEA, 2014 (Reino Unido) - British Standards Institution - PAS 110:2014 (Reino Unido) - Animal By-Products Regulation (EC) Nº 1069/2009 (União Européia) - Fertiliser Regulation (EC) Nº 2003/2003/EC (União Européia) - RAL-GZ 245/246 - German Institute for Quality Assurance and Certification (Alemanha) Introdução a Produção e Manejo de Digestato 13 Sugere-se que algumas questões sejam analisadas, com o intuito de ajudar na visualização de um cenário futuro do gerenciamento do substrato de interesse. Por exemplo: Qual o objetivo principal do projeto? Produção de biogás? Ou é o tratamento de águas residuárias? Tratar um resíduo semissólido agroindustrial ou um efluente de uma estação de tratamento de esgoto? Após tratamento, irá descartar o efluente em corpos hídricos? Deseja-se estabilizar os resíduos agropecuários e utilizar o digestato no sistema produtivo na forma de adubação? Destinação do digestato à uma unidade de refinaria a fim de recuperar e transformar parte deste substrato em organominerais? Pois bem, vimos que ao produzir o digestato, é importante definir qual será o destino de todos os subprodutos (biogás, digestato, lodo) gerados durante o processo de digestão anaeróbia (Figura 2). Figura 2 - Esquema simplificado do processo de digestão anaeróbia (DA). Conjuntamente ao aproveitamento do digestato, existe ainda a possibilidade da utilização do biogás. Este por sua vez pode ser convertido em energia térmica (diretamente pela queima), elétrica (por meio de motogeradores), ou a produção do biometano (biogás purificado) que pode ser injetado na rede de distribuição de gás natural ou então convertido em combustível veicular. É possível misturar mais de um substrato e/ou resíduos para alimentar um biodigestor. Esse procedimento de mistura é denominado como codigestão anaeróbia (MAO et al., 2015). Quando possível, sugere-se a utilização de estratégias com o intuito de otimizar o processo de DA, tais como realizar a mescla de substratos a fim de suprir com nutrientes ou balancear a concentração de algum componente no meio reacional que possa implicar em distúrbios no sistema ou em problemas operacionais futuros. Haverá situações em que o substrato a ser introduzido no sistema de DA, apresentará características recalcitrantes, podendo retardar o processo ou então ocupar volume útil do biodigestor. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 14 Para os substratos, com características mais recalcitrantes, aplica-se técnicas de pré-tratamento para proporcionar uma melhora e eficiência no processo de digestão e de geração de biogás. Utilizam-se metodologias que envolvem o manejo de temperatura, a inserção de reagentes ácidos ou alcalinos, a adição de extratos enzimáticos, dentre outras, a fim de catalisar as etapas posteriores do processo de DA. Utilizam-se ainda de técnicas operacionais que possibilitam a separação das principais fases da DA (hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese). Neste caso, o bioprocesso pode ser separado, por exemplo, em duas etapas/reatores diferentes. Contudo, para que a DA ocorra de forma adequada, alguns parâmetros devem ser atendidos. É preferível que as reações bioquímicas sejam conduzidas em ambientes hermeticamente fechado, denominados de reatores anaeróbios, biorreatores ou biodigestores. Estes compartimentos auxiliam no controle e monitoramento de algumas variáveis e tornam-se fundamentais, influenciando diretamente o processo de DA. A fim de entender e visualizar alguns modelos e configurações de reatores existentes, cada um com sua finalidade específica, segue a Figura 3. Definição Frações Recalcitrantes: São materiais de difícil degradação. A decomposição realizada por meio de microrganismos se torna mais difícil e consequentemente mais demorada. Vejam abaixo onde podemos encontrá-los: Materiais Gordurosos Materiais Fibrosos Materiais Inertes Introdução a Produção e Manejo de Digestato 15 Figura 3 - Tipos de biorreatores: (a) mecanicamente agitados; (b) coluna de bolhas; (c) fluxo de aspersão ascendente; (d) fluxo pistonado; (e) células imobilizadas – leito fixo; (f) células imobilizadas – leito fluidizado; (g) reator com membranas planas; (h) fibras ocas. Fonte: Schmidell (2001, P. 184). Os reatores mecanicamente agitados (CSTR) e os reatores de fluxo semelhante ao pistonado (lagoa coberta) (Figura 3 – “a” e “d” respectivamente), são os exemplos mais utilizados no meio agrícola e agropecuário, devido aos tipos de substratos e materiais disponíveis no cenário nacional atual. A alimentação/inserção dos substratos orgânicos nos biodigestores ocorrem principalmente por 3 técnicas operacionais diferentes (Quadro 2). Introdução a Produção e Manejo de Digestato 16 Quadro 2 - Diferentes configurações de reatores. Batelada Semi-Contínua Contínua O material orgânico é introduzido e em seguida o reator é selado. A partir deste momento, não há entrada ou saída de material. Quando o tempo de retenção hidráulica do substrato é atingida, o compartimento é aberto, o digestato é removido, realiza-se um processo de higienização do reator para que, por fim, inicie-se uma nova batelada. A alimentação (batelada alimentada) é realizada de forma intermitente, até que se atinja o volume útil de trabalho do reator. Pode haver entrada e saída de digestato durante o andamento do processo. O volume de entrada (alimentação) é equivalente ao volume de saída do digestato do reator, sob um fluxo constante. O tempo pode ser desconsiderado uma variável do processo. Em plantas de biogás que possuem agitação mecânica, visualiza-se, após o processo de DA e ao lado do reator, uma lagoa (coberta ou não) ou um reservatório responsável por armazenar o digestato produzido, viabilizando sua posterior utilização ou descarte. Quando coberto, o reservatório tende a conservar o digestato, impedindo que suas características físico-químicas sejam significativamente alteradas,possibilitando sua utilização futura em lavouras ou em refinarias. Porém o custo financeiro dispendido com materiais para sua estrutura e cobertura é oneroso e pode dificultar a viabilidade do projeto (Figura 4). Figura 4 - A: Corte transversal de um digestor modelo CSTR; B: Planta de Biogás em escala plena. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 17 Em contrapartida, os digestores tipo lagoa coberta, devido à sua maior capacidade de volume e maiores escalas, possibilitam integrar o armazenamento do digestato e realizar o processo de DA simultaneamente (Figura 5). A implementação e construção do reservatório é semelhante ao digestor lagoa coberta, existe a movimentação de terraplanagem, o revestimento com membranas impermeáveis e de alta resistência, e inserção de dutos de entrada e de saída. Figura 5 - A: Corte transversal de um digestor modelo lagoa coberta; B: Digestor lagoa coberta em larga escala. 2.2. Características Físico-Química do Digestato Para que o processo de biodigestão ocorra sem adversidades, é necessário que algumas variáveis e parâmetros sejam verificados, pois, os microrganismos devem ser mantidos de forma que suas necessidades metabólicas sejam atendidas. Diversos problemas operacionais podem surgir durante a DA levando à inibição parcial ou colapso do sistema. Estas interferências podem influir na qualidade do digestato produzido e na estabilidade e tempo de processo. Quando evidenciamos as características físicas de um digestato como o teor de sólidos totais (%ST), por exemplo, podemos classificá-lo entre os tipos de DA. Ao quantificar este parâmetro (%ST) (matéria seca), podemos enquadrar o digestato, como DA seca ou de fase sólida (%ST ≥ 15), semi-sólida (10 ≤ % ST < 15) e a líquida (%ST < 10) (LI et al., 2011). Assim como o teor de sólidos (totais, voláteis e fixos), outros parâmetros podem ser medidos no digestato durante e/ou após o processo de digestão, como o pH, condutividade elétrica, alcalinidade, nitrogênio amoniacal, temperatura, ácidos graxos (orgânicos) voláteis (AGV), relação C/N, fitotoxicidade, coliformes, amônia (NH3), concentração de macro e micro nutrientes e elementos metálicos. 2.2.1. pH O potencial hidrogeniônico (pH) influencia diretamente nas atividades metabólica dos microrganismos existentes no processo de digestão anaeróbia, pois, cada espécie possui uma faixa de pH ideal de atuação. As arqueas metanogênicas, por exemplo, são sensíveis a variações bruscas de pH, enquadrando-se num valor entre 6,5 e 7,5 (LI et al., 2019). Em contrapartida, as demais bactérias são mais tolerantes, podendo se desenvolver em intervalo de pH de 4,0 e 8,5. Em situações que se Introdução a Produção e Manejo de Digestato 18 encontrem valores mais baixos, a tendência de produzir uma elevada quantidade de ácidos no sistema é maior. Valores acima de 8, evidencia-se a volatilização e o aumento da concentração de amônia livre, componente considerado tóxico por sua permeabilidade em membranas celulares (MAO et al., 2015). 2.2.2. Condutividade elétrica A condutividade elétrica (CE) de um digestato está relacionada ao grau de mineralização do substrato que foi processado, desde sua composição inicial (material orgânico bruto), passando por processos de degradação bioquímicos, até finalmente sua disponibilização como material solúvel mineral, que pode ser prontamente absorvido e assimilado por um vegetal. Este parâmetro (unidade de medida Siemens por metro – S / m) possui relação à quantidade de sais minerais presentes no digestato que podem facilitar a troca de íons entre os microrganismos e suas reações metabólicas. Logo, quanto maior o valor de CE, maior a quantidade de íons dissolvidos no meio aquoso. 2.2.3. Alcalinidade O efeito tampão ou alcalinidade do sistema é um parâmetro que indica a acumulação de ácidos orgânicos voláteis (AOV) mais eficiente quando comparada ao pH, pois esse aumento de concentração, consome primeiramente a alcalinidade e, posteriormente, altera o potencial hidrogeniônico. 2.2.4. Nitrogênio amoniacal O nitrogênio amoniacal é considerado uma importante fonte de nutriente, pois atua no desenvolvimento fisiológico dos microrganismos. O monitoramento de sua concentração no digestato é necessário, pois, em elevadas concentrações pode se tornar um fator de inibição (YUAN; ZHU, 2016). A aferição dos ácidos produzidos durante os ensaios é determinada por meio da relação alcalinidade intermediária/alcalinidade parcial (AI/AP), uma vez que a AP infere na medida indireta da acumulação de ácidos (BJÖRNSSON et al., 2001). Na Tabela 1, são exibidos os cenários e as tomadas de decisão relacionadas à uma planta de biogás em escala plena, operando com dejeções animais, efluentes agropecuários e agroindustriais. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 19 Quadro 3 - Cenários e medidas relacionadas à relação AI/AP durante a DA. Relação AI/AP Situações Ações Corretivas > 0,6 Adição de elevadas cargas de substrato Cessar adição de substrato 0,5 – 0,6 Entrada excessiva de substrato Adicionar menos substrato 0,4 – 0,5 Saturação do reator Monitorar cuidadosamente o reator 0,3 – 0,4 Máxima produção de biogás Manter a constância de entrada de substrato. 0,2 – 0,3 Insuficiência de substrato Aumentar lentamente a entrada de substrato < 0,2 Alimentação muito escassa do substrato Aumentar rapidamente a entrada de substrato Fonte: Adaptado de Mézes et al. (2011). 2.2.5. Temperatura A temperatura pode influenciar tanto nas características físico-químicas de um determinado composto orgânico, quanto na velocidade metabólica e de crescimento dos microrganismos. O aumento da temperatura pode aumentar as atividades metabólicas, elevar as velocidades de crescimento, melhorar a eficiência de eliminação de patógenos, assim como maior produção de biogás (KHAN et al., 2016). A DA pode ocorrer em duas principais faixas de temperatura: a mesofílica e a termofílica. Os organismos mesofílicos se desenvolvem e realizam o processo de digestão em valores de 25 a 35 ºC, enquanto os termofílicos podem atingir temperaturas que variam de 50 a 55 ºC (LIN et al., 2016). Esse parâmetro pode ser um fator limitante para o aumento da concentração de amônia (regimes termofílicos), deixando o sistema tóxico a organismos mais sensíveis, como as arqueas, afetadas tanto pela elevada concentração de ácidos, quanto pela toxicidade da amônia livre dissolvida no meio (JAIN et al., 2015). 2.2.6. Ácidos Orgânicos Voláteis Os ácidos acético, propiônico, butírico e o valérico encontram-se entre os principais ácidos graxos voláteis (AGV’s ou ácidos orgânicos voláteis (AOV’s)) produzidos durante o processo da DA. A alteração de alguns parâmetros como o aumento da carga orgânica volumétrica ou a temperatura podem elevar a produção de AGV’s, influenciando diretamente na velocidade das reações metabólicas realizadas entre os microrganismos produtores e consumidores de ácidos presentes no meio. Deve-se atentar para o controle da entrada de material orgânico, uma vez que os AGV’s são provenientes da conversão deste substrato. Partindo do pressuposto que esses ácidos são mais rapidamente produzidos do que consumidos, a alimentação excessiva do sistema poderia aumentar as concentrações de AGV’s, consumindo a maioria da alcalinidade presente no digestato, em seguida, reduzindo significativamente o pH e por fim, colapsando e comprometendo todo o processo de DA (ZHANG et al., 2013). Introdução a Produção e Manejo de Digestato 20 2.2.7. Relação C/N A relação C/N está diretamente associada à proporção de Nitrogênio e Carbono do composto em questão. Uma relação ótima no processo de DA encontra-se na faixa de 20 a 35 (MAO et al., 2015). Baixas concentração de amônia e nitrogênio amoniacal total, implicam em altas relações C/N,evitando problemas relacionados a inibições relacionadas à elevadas concentrações de amônia livre. Porém, a insuficiência de nitrogênio no sistema pode dificultar a incorporação da biomassa celular microbiana, além de resultar em uma baixa produção de biogás (PUÑAL et al., 2000; SIDDIQUE & AB. WAHID, 2018). Atenta-se ainda que cada digestato pode apresentar uma relação C/N ideal diferente, dependendo de seus materiais orgânicos originários e o manejo recebido. Uma sugestão para que a relação C/N seja readequada e atinja uma estabilidade durante o processo é realizar a codigestão anaeróbia, ou seja, inserir um substrato que compense o déficit de carbono ou de nitrogênio (MAO et al., 2015). 2.2.8. Fitotoxicidade A fitotoxicidade é um fenômeno que pode ser evidenciado nas diversas etapas do desenvolvimento de um vegetal, geralmente causada por substâncias denominadas fitotoxinas encontradas em sais, metais, defensivos agrícolas, demais compostos químicos orgânicos e inorgânicos. A fim de expressar a qualidade dos digestatos, testes de germinação têm sido utilizados com o intuito de determinar a fitotoxicidade ou então o efeito fitoestimulante por meio da confecção de um Índice de Germinação. De acordo com o Decreto Legislativo 75/2010 da legislação italiana (ITÁLIA, 2010), os valores de IG ≥ 60% são considerados aceitáveis para digestatos (não fitotóxicos). Índices abaixo desse limite podem apresentar toxicidade para as culturas (ROS et al., 2018). Os possíveis motivos encontrados para a fitotoxicidade em digestatos podem relacionar-se à elevada concentração de sais ou à acidez volátil, observadas em decorrência de altos valores de condutividade elétrica e baixos valores pH, respectivamente (SOLÉ-BUNDÓ et al., 2017; DAMACENO et al., 2019). 2.2.9. Coliformes termotolerantes Os coliformes termotolerantes são bactérias encontradas no trato gastrointestinal de humanos e na maioria dos demais animais endotérmicos (de sangue quente). A Escherichia coli (E. coli) é uma espécie de bactéria termotolerante também encontrada no intestino humano. Apesar de algumas de suas linhagens possam ser consideradas patogênicas (infecciosas), a maioria de suas cepas não apresentam risco à saúde pública. Esses tipos de microrganismos patogênicos entéricos originário de resíduos animais podem sobreviver durante longos períodos em diferentes biomas, principalmente nos próprios substratos orgânicos (CHEN et al., 2011). Devido à presença em grande quantidade de E. coli no trato intestinal de seres humanos e de demais animais inseridos em cadeias produtivas agropecuárias, esta bactéria pode ser utilizada como bioindicador de contaminação fecal (NAG et al., 2019). Introdução a Produção e Manejo de Digestato 21 Quando houver a presença de E. coli em digestatos, sua utilização será permitida apenas após o atendimento dos limites estabelecidos pela legislação vigente (MAPA, 2016). Estes tratamentos podem ser térmicos ou químicos (ex: Pasteurização ou calagem), dependendo sempre da utilização que será dada ao digestato, disposição na lavoura, tratamento e lançamento em corpo hídrico. 2.2.10. Fatores Inibitórios Existem diversas variáveis que podem interferir negativamente na produção de biogás, na estabilidade do sistema e na qualidade do digestato. Alguns compostos podem diminuir a eficiência ou então retardar a DA, geralmente quando suas concentrações se encontram acima de valores conhecidos e previamente estipulados. Ao esgotar ou saturar o sistema com essas substâncias, o nível de toxicidade pode ocasionar a interrupção do procedimento. A alimentação do reator com substratos deve ser controlada, a fim de se evitar a sobrecarga orgânica. O material de entrada pode conter patógenos, solventes, antibióticos, enzimas, herbicidas, sais, metais pesados e demais substâncias capazes de influenciar negativamente no metabolismo da biota microbiana (FRIEHE et al., 2010; AMHA et al., 2018). Na Tabela 2, são apresentados alguns dos principais inibidores durante a DA e suas possíveis concentrações limites de toxicidade. Quadro 4 - Inibidores em processos de digestão anaeróbia Inibidor Concentração de Inibição Observação Oxigênio >0,1 mg/L Inibição das arqueas metanogênicas anaeróbias obrigatórias. Sulfeto de Hidrogênio >50 mg/L H2S Quanto menor o pH, maior o efeito inibitório. Ácidos orgânicos voláteis >2.000 mg/L HAc (pH = 7,0) Quanto menor o pH, maior o efeito inibitório. Alta adaptabilidade das Bactérias. Nitrogênio amoniacal >3.500 mg/L NH4 + (pH=7,0) Quanto maiores o pH e a temperatura, maior o efeito inibitório. Alta adaptabilidade das bactérias. Metais pesados Cu>50 mg/L Zn>150 mg/L Cr>100 mg/L Só metais dissolvidos apresentam efeito inibidor. Descontaminação pela precipitação de sulfeto. Desinfetantes e antibióticos NE Efeito inibitório varia com o composto. Fonte: Adaptado de Friehe et al. (2010). * NE =Não especificado. 2.3. Armazenamento do Digestato na Unidade Produtiva A utilização do digestato como biofertilizante, devidamente tratado, pode favorecer/completar o ciclo de nutrientes e de carbono ou então reduzir a utilização de fertilizantes inorgânicos, atitude esta que impactaria na redução de custos na propriedade agrícola ou agropecuária. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 22 Dispõem-se ainda métodos que possibilitam aproveitar os nutrientes e minerais presentes no digestato mediante utilização de soluções ácidas extratoras e demais reagentes, para então possibilitar sua futura utilização na lavoura após diminuir a concentração de contaminantes ou utilizar apenas o composto desejado extraído. Essas técnicas permitem agregar valor econômico à um subproduto de um resíduo anteriormente considerado um problema ambiental. Após passar pelo processo de DA deve-se prezar por uma unidade de armazenamento do digestato para sua futura utilização agronômica ou então pós- tratamento e disposição final adequada. Em caso de um sistema de tratamento apresentar indisposição à utilização agrícola do digestato, deve-se dimensionar um armazenamento de acordo com o volume de produção de digestato, levando ainda em consideração a próxima etapa de tratamento. Visando o uso agrícola do digestato, deve-se atentar ao volume de produção e à demanda de utilização do biofertilizante. Recomenda-se que o reservatório de armazenamento possua o tempo de retenção hidráulica (TRH) mínimo proporcional ao respectivo reator acrescido de um fator de segurança correspondente ao volume de trabalho. Existem opções de manejo desse digestato a fim de melhorar o seu armazenamento e acondicionamento, sendo algumas opções: separação de frações sólido/líquida, secagem e peletização. A fase líquida pode ser extraída por meio de aquecimento, decantação/precipitação, filtros prensas ou então por meio de membranas filtrantes, dependendo do posterior interesse de sua utilização. Cada modelo de reator possui uma forma de armazenamento, devido suas configurações técnicas e operacionais, Figura 6 – “A”. Em situações em que o reservatório seja descoberto e exposto (Figura 6 – “B”) pode haver intempéries ambientais, , por exemplo, a evaporação de compostos como o nitrogênio (amônio), antes incorporado ao digestato, devido à incidência de radiação solar e aumento de temperatura (LI et al., 2018). A perda deste macronutriente com características fertilizantes e valor econômico agregado, pode ser uma desvantagem ao produtor rural que investiu anteriormente em um sistema de tratamento do material orgânico de sua propriedade. Há caso em que a remoção de nitrogênio é necessária, por características de relevo e limitação de área para aplicação. Figura 6 - Modelos de armazenamento do digestato Introdução a Produção e Manejo de Digestato 23 A ausência de cobertura do reservatório possibilita aindao aumento do teor de água correspondente à incidência da pluviosidade, comprometendo o volume útil do reservatório. Por outro lado, existe a possibilidade de evaporação da água do digestato e consequentemente a redução de massa e, por conseguinte, a concentração de matéria orgânica, nutrientes e metais pesados (Figura 7) (LI et al., 2018b). Figura 7 - Dinâmica do nitrogênio na forma amoniacal ao decorrer do tempo. Fonte: Adaptado de Li et al. (2018) 2.4. Mecanismos de Agitação em Biogestores Baseando-se nos modelos de reatores exibidos anteriormente na Figura 3 e atentando-se para a origem do material orgânico que será manejado de acordo com suas características físico-químicas previamente exemplificadas no item 2.1 deste material, podem-se definir modelos e mecanismos de agitação para um determinado tipo de reator. O revolvimento do substrato, no interior dos biodigestores, auxilia no desprendimento de gases, na mistura e aumento do contato de diferentes materiais orgânicos, no controle do gradiente de temperatura, no impedimento da criação de caminhos preferenciais ou “zonas mortas” no meio, possibilitando maior contato entre as diferentes espécies de microrganismos, na otimização das reações bioquímicas (aumento da produção de biogás e melhor estabilização do substrato), na viabilização de sistemas de alimentação por meio de recirculação do digestato e proporciona o contato de digestatos de diferentes fases (caso os digestores sejam dispostos em 2 ou mais fases) (KUCZMAN et al., 2017; LINDMARK et al., 2014). Em contrapartida, os mecanismos de agitação implicam no aumento do investimento financeiro na planta de biogás. Caso mal planejados e manejados, pode- se ocasionar a perda de importantes microrganismos por wash-out 1 , ou então a movimentação de elevada intensidade do digestato pode causar rompimento das células da microbiota supracitada. Os sistemas de agitação são responsáveis por grande parte do consumo de energia de uma planta de biogás e por esse motivo, estudos prévios, pilotos e 1 Descarga indevida de lodo (biomassa), efluentes ou águas residuais provenientes de digestores e sistemas de tratamento Introdução a Produção e Manejo de Digestato 24 laboratoriais devem ser desenvolvidos com o intuído de realizar um planejamento adequado e eficiente para o cenário que se deseja aplicar em escala plena (KOWALCZYK et al., 2013). O mecanismo de revolvimento é projetado de acordo com a composição do substrato sob tratamento e sua agitação pode ser contínua, intermitente ou então ausente. Dentre os sistemas de agitação, existem três que são mais conhecidos e difundidos no mercado, falaremos deles abaixo. O sistema de agitação mecânica, utiliza-se de aletas, defletores, pás e hélices ligadas a eixos e motores, para otimizar a mistura do digestato (Figura 8). Figura 8 - Exemplo de um reator mecanicamente agitado Fonte: Advanced Green Energy Solutions (2020). Os exemplos de biodigestores com agitação hidráulica podem ser evidenciados com mais frequência em sistemas de tratamento de esgotos. Devido à composição físico-química diferenciada da alimentação de entrada (afluente), permite- se que a injeção do fluído orgânico seja feita por bombeamento. Sistemas hidráulicos de agitação são compostos por bombas de recalque responsáveis por injetar ou então recircular o substrato do próprio reator. Essa configuração de mistura permite ainda integrar o sistema de alimentação (entrada de substrato orgânico) ao sistema de agitação (Figura 9). Introdução a Produção e Manejo de Digestato 25 Figura 9 - Reator hidraulicamente agitado Existem também os sistemas pneumáticos de agitação, que possibilitam que o biogás produzido no próprio reator, seja reinjetado no substrato por meio de difusores instalados na parte inferior dos digestores ou plantas de biogás. Outros gases, como o gás carbônico (CO2), podem ser inseridos com o intuito de influenciar uma fase específica da DA. O fluxo de alta pressão de biogás evita a separação de fases (decantação e sedimentação) do digestato e ainda pode otimizar reações bioquímicas juntamente com o crescimento celular de microrganismos (FAGBOHUNGBE et al., 2015; ANGELIDAKI et al., 2018) (Figura 10). Figura 10 - Sistema simplificado de recirculação de biogás Introdução a Produção e Manejo de Digestato 26 3. CONCLUSÃO O processo de digestão anaeróbia resulta em dois produtos, o biogás e o digestato. O biogás pode ser utilizado na geração de energia elétrica e térmica e na produção de biometano, já o digestato, dependendo de suas características físico- químicas e desde que atenda as questões agronômicas pode ser utilizado para adubação ou correção do solo. Porém para que se tenha o biogás e o biofertilizante com quantidade e qualidade são necessários conhecimentos específicos de construção, armazenamento, agitação, técnicas de controle e aprimoramento do biodigestor, e análise de parâmetros de operação. Todos esses fatores juntos, resultarão em uma operação e produção controlada e eficiente. Introdução a Produção e Manejo de Digestato 27 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Advanced Green Energy Solutions. Complete Mix Organic Waste Digester. Renewable Energy Solutions – Biogas. Disponível em: <http://agesolutionsllc.com/products/complete.html>. Acesso em: 10 dez. 2019. AMHA, Y. M.; ANWAR, M. Z.; BROWER, A.; JACOBSEN, C. S. STADLER, L. B.; WEBSTER, T. M.; SMITH, A. L. 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