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TECNOLOGIA DE PRODUÇÃO DE BIOGÁS E BIOFERTILIZANTE Digestores e Fatores de Controle Operacional Projeto “Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) Este documento está sob licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License. O GEF Biogás Brasil permite a citação deste material, desde que a fonte seja citada. Contato: contato@gefbiogas.org.br COMITÊ DIRETOR DO PROJETO Global Environment Facility Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ministério de Minas e Energia Ministério do Meio Ambiente Centro Internacional de Energias Renováveis Itaipu Binacional PARCEIROS Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Associação Brasileira de Biogás Nome do produto: Tecnologia de Produção de Biogás e Biofertilizante Componente Output e Outcome: Componente 2.1.4 Publicado pela entidade: Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial - UNIDO Entidade(s) diretamente envolvida(s): Centro Internacional de Energias Renováveis Biogás – CIBiogás Universidade Federal da Integração Latino- Americana - UNILA Autores e coautores: Paulo André Cremonez – CIBiogás Jéssica Yuki de Lima Mitto – CIBiogás Leonardo Pereira Lins – CIBiogás Revisão Técnica: Janine Padilha Botton – UNILA Andreia Cristina Furtado - UNILA Coordenador: Felipe Souza Marques Coordenação Pedagógica: Iara Bethania Rial Rosa Data da publicação: Setembro, 2020. FICHA TÉCNICA Ficha catalográfica elaborada por: mailto:contato@gefbiogas.org.br O Projeto “Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) reúne o esforço coletivo de organismos internacionais, instituições privadas, entidades setoriais e do Governo Federal em prol da diversificação da geração de energia e de combustível no Brasil. A iniciativa é implementada pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e conta com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) como instituição líder no âmbito nacional. O objetivo principal é reduzir a dependência nacional de combustíveis fósseis através da produção de biogás e biometano, fortalecendo as cadeias de valor e de inovação tecnológica no setor. A conversão dos resíduos orgânicos provenientes da agroindústria e da fração orgânica do lixo urbano, muitas vezes descartados de forma insustentável, pode se tornar um diferencial competitivo para a economia brasileira, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa nocivos à camada de ozônio e ao meio ambiente. O biogás e o biometano podem ser utilizados para a geração de energia elétrica, energia térmica ou combustível renovável para veículos, e seu processamento resulta em biofertilizantes de alta qualidade para uso agrícola. Os benefícios se estendem tanto ao produtor agrícola, que reduz os custos de sua atividade com o reaproveitamento de resíduos orgânicos, quanto ao desenvolvimento econômico nacional, já que um setor produtivo mais eficiente ganha competitividade frente à concorrência internacional. Indústrias de equipamentos e serviços, concessionárias de energia e de gás, produtores rurais e administrações municipais estão entre os beneficiários do projeto, que conta com US $ 7,828,000 em investimentos diretos. Com abordagem inicial na região Sul do Brasil e no Distrito Federal, a iniciativa pretende impactar todo o país. Entre seus resultados previstos estão a compilação e a divulgação de dados completos e atualizados sobre o setor, a oferta de serviços e recursos para capacitação técnica e profissional, a criação de modelos de negócio e de pacotes tecnológicos inovadores, a produção de Unidades de Demonstração seguindo padrões internacionais, a disponibilização de serviços financeiros específicos para o setor, a ampliação da oferta energética brasileira, e articulações estratégicas entre a alta gestão governamental e entidades setoriais para a modernização da regulamentação e das políticas públicas em torno do tema, deixando um legado positivo para o país. APRESENTAÇÃO Tecnologia de Produção de Biogás e Biofertilizante Aula 1 – Digestores e Fatores de Controle Operacional Data da Publicação: Setembro/2020 Sumário 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12 2. TIPOS DE REATORES .................................................................................... 12 2.1. Biodigestor de Lagoa Coberta ...................................................................... 13 2.2. Biodigestor Indiano ........................................................................................ 15 2.3. Biodigestor Chinês ........................................................................................ 17 2.4. UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket).................................................. 18 2.5. Reator de Mistura Completa – CSTR .......................................................... 20 3. FATORES DE CONTROLE OPERACIONAL ................................................ 21 3.1. Temperatura ................................................................................................... 21 3.2. pH, Acidez e Alcalinidade ............................................................................. 22 3.3. Tempo de Retenção Hidráulica (TRH) e Tempo de Retenção de Sólidos (TRS) 23 3.4. Teor de Sólidos (ST) e Taxa de Carregamento Orgânico (TCO) ............. 24 3.5. Relação C/N ................................................................................................... 25 4. CONCLUSÃO .................................................................................................... 26 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 27 Digestores e Fatores de Controle Operacional Lista de Figuras Figura 1 - Foto de biodigestor modelo lagoa coberta. .......................................... 13 Figura 2 - Representação de alterações no fluxo hidráulico de biodigestor modelo lagoa coberta. ............................................................................................. 14 Figura 3 - Esquema de biodigestor modelo Indiano. A) Caixa de Entrada; B) Caixa de Saída; C) Parede divisória para aumentar o percurso do substrato; D) Selo d’água; E) Gasômetro; F) Guia para deslocamento vertical da campânula; G) Válvula para coleta de gás. Setas indicam o fluxo hidraúlico do substrato no interior do reator. ...................................................................................................... 16 Figura 4 - Esquema representativo de biodigestor modelo Chinês. A) Caixa de entrada; B) Caixa de saída; C) Câmara de acúmulo de biogás; D) Válvulas de coleta de gás e alívio de pressão. .......................................................................... 17 Figura 5 - Esquema e representação do princípio de funcionamento de um reator UASB. A) Sistema de alimentação; B) Separador trifásico; C) Manta de lodo em suspensão; D) Leito de lodo; E) Coletor de gás; F) Chicanas; G) Saída do efluente. ............................................................................................................... 19 Figura 6 - Planta de produção de biogás contando com biodigestor modelo CSTR, na Alemanha. ............................................................................................... 20 Digestorese Fatores de Controle Operacional Lista de Equações Equação 1 - Dimensionamento de Digestor UASB: 19 Digestores e Fatores de Controle Operacional Lista de Abreviaturas CH4 Metano C/N Carbono/Nitrogênio COV Carga Orgânica Volumétrica CSTR Continuous Stirred-Tank Reactor DQO Demanda Química de Oxigênio mEq Miliequivalente PEAD Polietileno de Alta Densidade pH Potencial Hidrogeniônico PVC Policloreto de Vinila SF Sólidos Fixos ST Sólidos Totais SV Sólidos Voláteis TCO Taxa de Carregamento Orgânico TRH Tempo de Retenção Hidráulica TRS Tempo de Retenção de Sólidos UASB Upflow Anaerobic Sludge Blanket Digestores e Fatores de Controle Operacional 10 Apresentação do Curso Olá! Seja bem-vindo a mais um módulo do nosso curso de biogás. Após um conhecimento prévio dos principais substratos e seu potencial de utilização no setor, o presente material tem por finalidade avançar um pouco mais dentro da cadeia produtiva do biogás, abordando agora, questões um pouco mais técnicas. Com o incentivo pelo desenvolvimento de tecnologias limpas e não dependentes de fontes fósseis, muito se tem investido em tecnologias voltadas a cadeia produtiva do biogás. O aprimoramento de sistemas de biodigestão e controles operacionais tem contribuído muito para o avanço e difusão desse biocombustível por todo o mundo. Conhecer os principais tipos de tecnologias disponíveis no mercado, assim como os fatores que afetam o processo como um todo são de fundamental importância. Diante disso, esse curso foi dividido em duas aulas, sendo elas: 1ª aula: Digestores e fatores de controle operacional. 2ª aula: Introdução à produção e manejo de digestato. Na primeira aula abordaremos os conceitos dos principais modelos de biodigestores empregados no tratamento de efluentes agroindustriais, para o cenário regional, indicando seus princípios de funcionamento, técnicas de dimensionamento, potencial de produção de biogás, vantagens e desvantagens, além de suas principais aplicações. E os principais fatores que afetam o processo de digestão anaeróbia, formas de monitoramento e controle, além de tomadas de decisão para o aumento da eficiência do processo. Na segunda aula abordaremos a produção do digestato, qual a sua composição, do que ele é feito, qual a sua aparência. Utilizando alguns critérios e parâmetros como temperatura, “acidez” e a presença de microrganismos benéficos ou não benéficos no digestato, poderemos manejá-lo de uma forma mais adequada. O curso proporcionará ao aluno conhecimentos específicos para que possa apoiar e participar efetivamente na elaboração e implantação de projetos e plantas de biogás. Esperamos que você consiga se desenvolver ao máximo durante o curso. Bons estudos e qualquer auxílio que necessite referente as dúvidas, nossa equipe estará à disposição. Digestores e Fatores de Controle Operacional 11 Desenvolvimento Proporcionado Este módulo traz conteúdo base e de extrema importância para o profissional que visa atuar direta ou indiretamente na cadeia produtiva do biogás. Nesta aula será proporcionado o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades que poderão ser colocados em prática por você ao longo do curso e após a finalização das atividades propostas: COMPETÊNCIAS: 1. Identificar e caracterizar modelos de biodigestores; 2. Analisar e definir aplicações de cada sistema com base em suas características, vantagens e desvantagens mediante cada cenário; 3. Compreender, inferir e determinar os principais parâmetros a serem monitorados e controlados para que o processo de biodigestão ocorra de forma eficiente. HABILIDADES: 1. Proatividade; 2. Criatividade; 3. Tomada de decisão. Digestores e Fatores de Controle Operacional 12 1. INTRODUÇÃO O conhecimento do biogás é extremamente antigo, sendo confundida até com fenômenos sobrenaturais e manifestações místicas folclóricas (PALHARES, 2007). Conforme relatado em trabalho de ABBASI et al. (2012), os primeiros relatos da utilização do biogás são de um estudioso romano chamado Pliney, em 50 a.C. e na Assíria, em 10 a.C., no aquecimento de banhos. Sua popularização mundial se deu principalmente por sua ampla utilização no sanemanento básico de residencias indianas e chinesas. O biogás apresenta elevado potencial como fonte de energia renovável, ainda mais quando se empregam resíduos orgânicos oriundos das próprias cadeias produtivas, proporcionando, além da possiblidade de geração de energia, a destinação e tratamento adequados aos resíduos. A integração dos sistemas de cogeração de energia pela utilização do biogás proporciona ganhos em três principais aspectos aos empreendimentos: ambientais, pelo tratamento de resíduos de elevado potencial poluidor; econômicos, pela geração de energia e de biofertilizante; e sociais, pelo incentivo associado à imagem de consciência e responsabilidade que é transmitida pela empresa aos seus clientes e consumidores. O processo de digestão anaeróbia tem como principal objetivo, produzir biogás rico em metano pela degradação de matéria orgânica, composta principalmente por carbono. Em teoria, todo resíduo orgânico que contenha abundantemente esse elemento pode ser destinado ao processo de biodigestão. Na prática, diversos fatores são relevantes para que o processo de digestão anaeróbia ocorra de forma eficiente. Diferentes substratos apresentam diferentes propriedades físico-químicas requerendo muitas vezes sistemas complexos. Do ponto de vista operacional e de processo, a complexidade do sistema de digestão está diretamente associada a propriedades como: concentração de sólidos, complexidade da matéria-orgânica, pH, tempo estimado de tratamento, dentre outros. Esses fatores determinarão a necessidade de separação de fases ácidas e metanogênica ou suplementação com aditivos; se o sistema será único ou apresentará etapas preliminares de tratamento; se apresentará fluxo hidráulico sem misturas longitudinais ou sistema com emprego de agitação do substrato, por exemplo. Paralelamente aos substratos, é importante conhecer os tipos de biodigestores mais empregados em sistemas de tratamentos de efluentes rurais e da agroindústria. Tais informações, associadas como os principais fatores que afetam o processo de digestão, são a base do conhecimento para atuação na cadeia produtiva do biogás. 2. TIPOS DE REATORES A digestão anaeróbia é um processo bioquímico realizado por um consórcio de microrganismos anaeróbios, facultativos e estritos. Estes têm a capacidade de degradar a matéria orgânica gerando como produtos finais, o dióxido de carbono e o metano, dentre outros compostos em menores concentrações, e o digestato. O processo ocorre naturalmente e pode ser associado na natureza aos pântanos ou ao processo digestivo de animais. Digestores e Fatores de Controle Operacional 13 Biodigestores ou fermentadores anaeróbios são reatores utilizados para realização do processo de digestão anaeróbia, principalmente de resíduos e efluentes orgânicos. Diferentes tipos de digestores, de baixa e alta taxa de degradação, são amplamente conhecidos, variando o nível de tecnologia empregada mediante a complexidade dos resíduos a serem utilizados. A presente seção abordará de forma conceitual os principais tipos de biodigestores, rurais e industriais, mais utilizados no Brasil. 2.1. Biodigestor de Lagoa Coberta Biodigestores de lagoa coberta são os tipos de reatores mais facilmente encontrados na região sul do Brasil. No Paraná, sua popularização se deu inicialmente no período de ascenção dos créditos de carbono por produtores do setor de suinocultura. Por sua baixa complexidade, fácil operação e baixo custo, estes biodigestores passaram a ser operados também em indústrias dos mais diversos setoresagroindustriais, como usinas de processamento de cana-de-açúcar, mandioca, leite, entre outros. O modelo se baseia em uma lagoa que pode ser construída em alvenaria ou simplesmente revestida de uma manta impermeável (PVC) apresentando uma única entrada e saída de substrato (Figura 1). Figura 1 - Foto de biodigestor modelo lagoa coberta. Fonte: Recolast – Ambiental (2020). Uma cobertura de lona (normalmente de PEAD) concentra o biogás produzido que pode ser coletado em tubulações. Além do seu baixo custo, não necessita de mão- Digestores e Fatores de Controle Operacional 14 de-obra especializada em sua instalação, cobrindo uma lacuna econômico-social que outros reatores deixam (MARTÍ-HERRERO et al. 2014). Sua operação é relativamente simples, necessitando atenção apenas às cargas carregadas diariamente, à remoção de lodo e a vazamentos de gás (THOMAS et al. 2017). Os digestores desse modelo, apesar de robustos, podem contar com sistemas de aquecimento e agitação programada do fundo da lagoa para revolvimento de acúmulos de lodo. Segundo Kunz et al. (2019), seu fluxo hidráulico varia entre tubular e laminar, por isso apresenta modelo hidrodinâmico que se assemelha a biodigestores de fluxo pistonado, onde a matéria orgânica é tratada sem que ocorram misturas longitudinais no reator. Apesar da semelhança teórica aos biodigestores de fluxo pistonado, este não é considerado na prática em razão a fatores que podem causar misturas ou curtos circuitos, como: a deposição de lodo no fundo do digestor, possiveis formações de escumas e flotados, dentre outros (Figura 2). Figura 2 - Representação de alterações no fluxo hidráulico de biodigestor modelo lagoa coberta. Fonte: O autor (2020). É possível obsevar como ocorre o fluxo hidraúlico no interior do biodigestor, desde a entrada do substrato, o decaimento e formação do lodo, o arraste do material flotado e a geração de biogás. Como desvantagens, biodigestores de lagoa coberta apresentam lentas taxas de degradação de resíduos requerendo, na maioria dos casos, longos Tempos de Retenção Hidráulica (TRH - 60 dias ou mais). O longo tempo de permanência do substrato no reator se associa à sua baixa Carga Orgânica Volumétrica (COV) aceitável, que varia entre 0,3-0,5 kgSV/m³ por dia (KUNZ et al. 2019). Outro ponto negativo se relaciona à sua vida de operação, em média 5 anos, requerendo após esse período a abertura do reator para remoção do lodo do fundo e consequentes reparos nas lonas de captura de biogás. A definição do tamanho e tecnologia do sistema a ser empregado para que se obtenha máxima eficiência no tratamento dos efluentes e produção de biogás demandam análise prévia de profissionais qualificados que consideram todos os parâmetros presentes no local de aplicação do sistema. No entanto, Kunz et al. (2019) descrevem uma forma fácil com a qual pode-se dimensionar um reator de lagoa coberta para atuação em propriedades rurais, cujo exemplo a seguir é baseado: Digestores e Fatores de Controle Operacional 15 Os mesmos autores ainda trazem algumas particularidades que devem ser seguidas durante a construção do reator com relação às suas dimensões: profundidade (3-4,5 m); relação comprimento x largura (2x1); e inclinação média do talude (superficie lateral ou muro) de 45°. 2.2. Biodigestor Indiano O modelo de biodigestor indiano tem como principal característica a presença de uma campânula, normalmente de metal ou fibra. Essa é utilizada como gasômetro, sendo mergulhada sobre um selo d’água ou sobre o próprio substrato. O biodigestor também apresenta uma parede interna que eleva o percurso do substrato no interior do reator. Devido à sua campânula móvel, a pressão interna é constante e, ao passo que o gás é gerado, o gasômetro desloca-se verticalmente, aumentando seu volume. Sua construção é relativamente simples, no entanto, a campânula de metal tende a elevar consideravelmente o custo do projeto (DEGANUTTI et al. 2002). Um esquema representativo da construção deste modelo de biodigestor pode ser visualizado a partir da Figura 3. Ainda na Figura 3, as setas vermelhas marcam o trajeto percorrido pelo substrato no interior do reator. Seu sistema de alimentação é ascendente apresentando fluxo hidraúlico que tende a um sistema pistonado, havendo mínima mistura longitudinal no interior do digestor. No tanque A encontra-se o substrato que pode ser oriundo de diversas fontes. Em seguida este passa para o biodigestor representado pela cor verde onde existem dois compartimentos. Isto permite que o substrato permaneça por mais tempo no biodigestor e após esse período de tempo o substrato já degradado sai para Exemplo Dimensionamento de Digestor de Lagoa Coberta Considera-se que determinada propriedade contenha 1000 suínos (fêmeas matrizes). O dejeto desses animais apresenta teor de sólidos (S0) de 17 kgSV/m3. A produção média de dejetos é de 16,2 L/dia por matriz. Considera- se também que a COV para o digestor é de 0,5 kgSV/m³dia. Então: Vazão Substrato (Q) = Dejetos por matriz x número de matrizes Vazão Substrato (Q) = 0,0162 (m³/dia) x 1000 mat. = Q = 16,2 m³/dia Volume do biodigestor ൫m3൯= Q x S0 COV Volume do biodigestor ൫m3൯= 16,2 𝑚³ 𝑑𝑖𝑎 𝑥 17 𝑘𝑔𝑠𝑣 𝑚3 0,5 𝑘𝑔𝑠𝑣 𝑚³𝑑𝑖𝑎 = 𝟓𝟓𝟎, 𝟖 𝒎³ Digestores e Fatores de Controle Operacional 16 o tanque B. No interior do biodigestor o biogás fica armazenado no gasômetro (E) que se descolta verticalmente por meio de uma guia (F) a medida que há a produção e pode ser coletado pela válvula de coleta de gás (G). Caso haja uma produção excessiva de gás e esse gás não seja coletado ou consumido, há dois selos d’água (D) que podem se romper pela pressão interna e liberar o gás para o ambiente. Figura 3 - Esquema de biodigestor modelo Indiano. A) Caixa de Entrada; B) Caixa de Saída; C) Parede divisória para aumentar o percurso do substrato; D) Selo d’água; E) Gasômetro; F) Guia para deslocamento vertical da campânula; G) Válvula para coleta de gás. Setas indicam o fluxo hidraúlico do substrato no interior do reator. Fonte: O autor (2020). Podem ser consideradas vantagens desse modelo de digestor: sua construção sob o solo que promove estabilidade de sua temperatura; necessita de áreas menores, se comparado a biodigestores de lona ou de mistura completa; em termos de construção, por ter suas paredes construídas no solo, esse modelo dispensa reforços ou cintas de concreto, que podem ser onerosas. Com relação às desvantagens ressalta-se: o elevado custo da cúpula de metal ou fibra que pode inviabilizar o projeto; possibilidade de entupimentos nos canos de comunicação entre caixas de entrada e saída com a Atenção: Na teoria, reatores de fluxo pistonado não apresentam mistura longitudinal e reatores de mistura completa são agitados para proporcionar maior contato do material orgânico com os microrganismos. Digestores e Fatores de Controle Operacional 17 câmara de fermentação; sua construção não é indicada em áreas de lençóis freáticos, pois podem ocorrer infiltrações (MORAIS, 2012). Apesar do alto custo da campânula, sua implantação pode ser justificada por sua longa vida útil que pode alcançar os 20 anos, validando assim, o elevado investimento inicial. São sistemas muito interessantes no tratamento de resíduos domésticos e para produtores de pequeno porte, normalmente de gado leiteiro e de suínos (MARTÍ-HERRERO et al. 2014). Podem apresentar eficiência na produção de biogás superior ao digestor de lona, no entanto, por sua conformação e por necessitar de longos TRHs para tratamento eficaz dos resíduos, não são indicados para grandes volumes de substratos. 2.3. Biodigestor Chinês Digestores sem campânula também encontram-se dentre os modelos que maisse popularizaram no mundo, sendo implementadas mais de 45 milhões de unidades pelos programas nacionais asiáticos. São conhecidos principalmente por advirem de uma tecnologia robusta, sendo sua construção toda em alvenaria (MARTÍ-HERRERO et al. 2014). Sua estrutura apresenta formato cilíndrico, de teto abobadado e impermeável. Sua construção dispensa um gasômetro em chapas de aço, tendo seu fluxo baseado no princípio de uma prensa hidraúlica, onde o acúmulo de gás no sistema impulsiona e desloca o efluente para a caixa de saída do digestor. O alívio da pressão ocorre pela retirada do biogás produzido (DEGANUTTI et al. 2002). Um esquema representativo do reator chinês pode ser visualizado na Figura 4. Figura 4 - Esquema representativo de biodigestor modelo Chinês. A) Caixa de entrada; B) Caixa de saída; C) Câmara de acúmulo de biogás; D) Válvulas de coleta de gás e alívio de pressão. Fonte: O autor (2020). Assim como no biodigestor indiano, esses digestores são indicados no tratamento de efluentes domésticos e de pequenas propriedades rurais. Não devem ser construídos em áreas de lençóis freáticos. Seu funcionamento restringe carga de sólidos inferior aos 8% para evitar entupimentos e incrustações. Além disso, por apresentar cúpula fixa, não é indicado para o acúmulo de biogás. Digestores e Fatores de Controle Operacional 18 Como vantagens, tem custo relativamente baixo com relação aos materiais, sofre pouca variação de temperatura por ser construído no solo e também ocupa pouco espaço na propriedade (MORAIS, 2012). Outra característica interessante é que apesar de serem restritos a baixas cargas de sólidos, digestores de cúpula fixa podem ser alimentados em proporções dejetos:água de 1:1, enquanto digestores de lona comuns devem ter diluições superiores, na ordem de 1:3 (MARTÍ-HERRERO et al. 2014). 2.4. UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) O reator de modelo UASB, ou também conhecido (na tradução da lingua inglesa) como Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente de Alta Eficiência, foi desenvolvido na década de 70 por colaboradores da Universidade de Wageningen (TAUSEEF et al. 2013). O sistema de alimentação desse reator ocorre na parte inferior, com o substrato movendo-se em fluxo ascendente e passando por uma manta de lodo contendo um leito e grânulos sobrepostos. Essa disposição da manta de lodo juntamente com a presença do biogás gerado nessa fração intermediária do digestor facilita a mistura, levando a uma rápida e eficiente degradação da matéria orgânica (TAUSEEF et al. 2013). Na fração superior do reator existe um aparato que promove a separação das fases sólido/líquido/gás (separador trifásico), além de contar com chicanas que promovem o retorno dos grânulos presentes no efluente e conduzem as bolhas de biogás para o coletor. A partir da Figura 5 pode-se visualizar um esquema com o princípio de funciomanto de um reator modelo UASB. Reatores UASB apresentam elevada eficiência no tratamento de efluentes com remoções de sólidos e demanda química de oxigênio (DQO) superiores aos 90%, além de elevadas taxas de produção de biogás. Apesar de extremamente eficientes, reatores desse modelo apresentam longos tempos de partida e ambientação do inóculo, podendo chegar a até 6 meses. A qualidade dos grânulos de lodo é fundamental para que o reator atinja estabilidade. Resíduos formados por açúcares e ácidos voláteis produzem grânulos de lodo rapidamente ao passo que outras fontes de substratos podem não gerar grânulos, esse fator pode limitar a utilização desse modelo a efluentes específicos (HULSHOFF et al. 2004; DURAI e RAJASIMMAN, 2011; ABBASI e ABBASI, 2012). Cargas de sólidos devem ser inferiores a 1% evitando entupimentos e alterações na dinâmica da suspensão do lodo. Além da lenta partida, um rigoroso acompanhamento do reator é fundamental para que ele atue de forma eficaz. O controle na velocidade de alimentação é um dos parâmetros mais importantes para a operação desse modelo de reator, que deve apresentar seu leito fluidizado. Alimentações de baixa vazão podem promover o empacotamento do leito do lodo e a não suspensão das células, enquanto alimentações de alta vazão podem fazer com que elas sejam carregadas para caixa de saída revolvendo o lodo e suprimindo o tratamento do efluente e a produção de biogás. Digestores e Fatores de Controle Operacional 19 Figura 5 - Esquema e representação do princípio de funcionamento de um reator UASB. A) Sistema de alimentação; B) Separador trifásico; C) Manta de lodo em suspensão; D) Leito de lodo; E) Coletor de gás; F) Chicanas; G) Saída do efluente. Fonte: O autor (2020). Mesmo com operação restrita a baixas cargas de sólidos, digestores UASB apresentam suporte a elevadas COV (variando entre 0,5-8,0 kgSV/m3dia) devido a sua alta eficiência e velocidade no tratamento de resíduos orgânicos (KUNZ et al. 2019). O dimensionamento destes reatores é muito semelhante ao já demonstrado na seção 2.1, com exceção da determinação do volume total corrigido em decorrência da presença do coletor de gás imerso na solução (correção feita com uso de fator de correção adimensional entre 0,8-0,9). As equações descritas por Kunz et al. (2019) podem ser visualizadas abaixo: Equação 1 - Dimensionamento de Digestor UASB: Digestores e Fatores de Controle Operacional 20 Onde: Vn = Volume nominal Q = vazão So = concentração do afluente COV = Carga orgânica volumétrica. 2.5. Reator de Mistura Completa – CSTR Reatores de mistura completa, ou conhecidos como CSTR, do inglês continuous stirred-tank reactor, são sistemas que buscam misturar os substratos adicionados maximizando o contato com os microrganismos. Em geral, contam com aprimorado controle de alguns parâmetros do processo e são os mais empregados em processos de biodigestão aneróbia em larga escala (LI et al. 2014). Esse modelo de digestor tem como diferencial suportar elevadas cargas orgânicas e apresentam TRH médio de 15 a 20 dias, de acordo com o resíduo tratado e o arranjo adotado. Atualmente, representam aproximadamente 90% de todos os biodigestores em larga escala operando na Europa (KUNZ et al. 2019). Estão associados a grandes plantas especializadas na produção de biogás. Normalmente são construidos externamente ao solo, em estruturas metálicas apresentando uma manta flexivel na fração superior do reator. Contam com isolamento térmico, além de sistema de monitoramento e controle dos principais parâmetros do processo. A partir da Figura 6 pode-se visualizar um modelo de biodigestor CSTR tradicional construído na Alemanha. Figura 6 - Planta de produção de biogás contando com biodigestor modelo CSTR, na Alemanha. Fonte: Portal do Biogás (2020). Por seu eficiente sistema interno de mistura do substrato, , eles são dotados de elevado potencial na digestão de substratos mais densos, ou que apresentem elevado teor de sólidos (até 20%). Ainda podem ser produzidos em série, tendo as fases do processos de digestão separadas fisicamente (PRÓBIOGAS, 2015). Digestores e Fatores de Controle Operacional 21 O sistema de agitação acoplado a esses reatores pode ser dividido em diferentes categorias: agitação mecânica (normalmente realizada utilizando misturadores em formato de pás horizontais); agitação hidráulica (realizada por recirculação utilizando bombas hidráulicas que podem ser posicionadas interna ou externamente aos reatores); e agitação pneumática (utilizando recirculação do próprio biogás com borbulhamento no interior do reator) (KUNZ et al. 2019). Como vantagens desse tipo de sistema, citam-se: sistema de monitoramento avançado dos parâmetros do processo; projetos e construções com valores padronizados; fornecem elevado contato entre substrato e células proporcionando elevada eficiência principalmente para resíduos de altas cargas orgânicas(PRÓBIOGAS, 2015; AZIZ et al. 2019). Em contra partida, podem trazer problemas relacionados ao controle de intensidade e velocidade da agitação do sistema que, quando não são bem definidos podem causar cisalhamento de células, formar escumas, promover a divisão de fases e afetar a liberação de biogás. Ainda apresentam manutenção complexa e elevados custos de operação e instalação. 3. FATORES DE CONTROLE OPERACIONAL Apesar de elevada robustez e praticidade de operação, muitas variáveis estão associadas a boa condução do processo de biodigestão. Conhecer e identificar problemas operacionais e de processo, adotando medidas preventivas e remediadoras podem garantir sistemas eficientes. A presente seção aborda os principais parâmetros de controle do processo de digestão anaeróbia. 3.1. Temperatura A temperatura é um dos principais parâmetros a serem controlados durante o processo de digestão anaeróbia. Ela influencia de forma direta na formação das comunidades microbianas (PAP et al. 2015) através de mudanças nos equilíbrios termodinâmicos das reações bioquímicas (FERNÁNDEZ-RODRÍGUEZ et al. 2013), na biodisponibilidade de metais e no rendimento de metano (GIL et al. 2018). Para que archeas metanogênicas se desenvolvam, os reatores devem ser mantidos em faixa de temperatura entre 10 e 60 °C. Dentro dessa faixa, os microrganismos responsáveis por formar o consórcio de digestão são divididos em três grupos ou categorias, de acordo com sua faixa de temperatura ideal de atuação: psicrofílica (< 20 °C), mesofílica (20-45 °C) e termofílica (> 45 °C) (SILVA, 2016). Pequenas variações (1 °C) são suficientes para desestabilização do processo e redução Atenção: Apesar de alguns modelos tradicionais, reatores do tipo CSTR não possuem conformação ou estruturas específicas, sendo caracterizados por seu modelo hidráulico Digestores e Fatores de Controle Operacional 22 de taxas de produção de metano, sendo assim, preza-se pela estabilidade da temperatura no processo de biodigestão. Temperaturas mais elevadas aumentam a velocidade de processos enzimáticos e proporcionam taxa de crescimento mais acelerada para certos microrganismos metanogênicos (WEILAND, 2010). Em contrapartida, altas temperaturas se relacionam à redução da diversidade microbiológica (KARAKASHEV et al. 2005). De modo geral, processos conduzidos em fase meso e termofílicas apresentam elevada eficiência em quesitos de remoção de carga orgânica e produção de metano. A maioria dos sistemas digestores são construídos abaixo do nível do solo, de modo que sua temperatura interna não varie bruscamente com alterações climáticas. A maioria desses também não opera com sistemas de aquecimento por questões econômicas. Para o caso brasileiro, analisando-se os resíduos mais utilizados em processos de digestão e as temperaturas médias para maior parte das regiões do país tem-se a fase mesofílica como a mais empregada. 3.2. pH, Acidez e Alcalinidade Juntamente com a temperatura, o pH tem impacto direto no processo de digestão anaeróbia e nos produtos gerados. Valores de pHs muito baixos prejudicam os microrganismos metanogênicos por serem altamente sensíveis, por outro lado, pHs muito elevados levam à formação de compostos tóxicos como a amônia livre (PANIGRAHI e DUBEY, 2019). De modo geral, valores próximos à neutralidade (pH 7) são ideais para o desenvolvimento dos microrganismos metanogênicos. Por serem os organismos mais sensíveis da comunidade microbiana, recomenda-se essa faixa de pH ao processo, conforme já reportado em diversas pesquisas científicas: 7,0-7,2 (AĞDAĞ e SPONZA, 2007); 6,5-8,2 (LEE et al. 2009); 6,8-7,4 (MAO et al. 2015). Apesar de microrganismos metanogênicos apresentarem preferência por pHs próximos à neutralidade, a digestão anaeróbica ocorre por ação de um consórcio de diferentes microrganismos. Deve-se considerar também que cada comunidade apresenta faixa ótima de pH de atuação. Dessa forma, seria ideal que se mantivesse uma faixa específica de pH para cada uma das categorias de microrganismos presentes no processo. Bactérias acidogênicas têm melhor desempenho em faixa de pH entre 5,0 e 6,0 (KHANAL et al. 2004). Dessa forma, reatores com divisão física de fases (ácida e metanogênica) podem ser considerados extremamente importantes para que se alcancem respostas ótimas de ação de cada um dos tipos de microrganismos envolvidos. A fase de acidogênese e geração de ácidos voláteis pode ser considerada a etapa mais rápida do processo de digestão, apresentando velocidade até 3 vezes superior à da fase metanogênica. A rápida conversão da matéria orgânica promove o acúmulo de ácidos voláteis (principalmente dos ácidos acético, butírico, propiônico, lático e fórmico), reduzindo o pH, e, consequentemente, prejudicando a ação dos microrganismos metanogênicos. Esse é um dos principais fatores que como citado no item anterior, levam os pesquisadores a propor soluções de reatores com as fases ácida e metanogênica distintas fisicamente. Variações de pH indicam falta de capacidade de tamponamento do meio. A alcalinidade na forma de NaOH, Na2CO3 e Ca(OH)2 é fundamental para a composição Digestores e Fatores de Controle Operacional 23 de um sistema de tamponamento de ácidos voláteis, assegurando que não ocorram flutuações de pH que possam afetar os microrganismos metanogênicos (AĞDAĞ e SPONZA, 2005; AKBAS et al. 2015). Recomenda-se manter uma alcalinidade disponível no sistema entre 1000 e 5000 mg de CaCO3 por litro de substrato (METCALF et al. 1972). Appels et al. (2008) recomendam uma capacidade de tamponamento de 70 mEq de CaCO3 por litro de substrato. Outra forma de controle é garantir que a relação entre acidez volátil (mg/L) e alcalinidade total (mg/L) não ultrapasse o valor de 0,5. 3.3. Tempo de Retenção Hidráulica (TRH) e Tempo de Retenção de Sólidos (TRS) Tempo de Retenção Hidráulica (TRH) é o tempo necessário para que uma partícula de água passe pela entrada e se desloque até a saída do reator, enquanto o Tempo de Retenção de Sólidos (TRS) se refere ao tempo gasto para que os microrganismos percorram o mesmo caminho (PANIGRAHI e DUBEY, 2019). Resíduos de elevada complexidade precisam de um elevado TRH, ou seja, elevado tempo de permanência (meses) no reator para que sejam totalmente degradados, ao passo que alguns substratos podem ser digeridos em tempo extremamente baixo (horas ou poucos dias). Microrganismos metanogênicos iniciam sua duplicação de células entre 2 a 4 dias (JAIN et al. 2015). Para que se eleve o TRS, técnicas como aumento do volume do digestor ou sistemas de fixação de células podem ser utilizados. Reatores sem sistema de fixação e que apresentem TRH inferior ao tempo de duplicação de células podem promover a lavagem e consequente carregamento do lodo, afetando o processo de digestão. Em geral, sistemas de tratamento de resíduos em fase mesofílica (digestores de lagoa coberta) demandam de 10 a 40 dias para o tratamento de resíduos orgânicos convencionais, observando-se tempos inferiores a estes para sistemas termofílicos (KOTHARI et al. 2014). Exemplo Dimensionamento de Digestor por TRH Ex: Um digestor indiano necessita de 20 dias de TRH para o tratamento de resíduos de suinocultura, conforme indicação do fabricante. Na propriedade do Sr. Luis são produzidos 50 m³/dia de dejetos. Qual o volume do biodigestor para sua propriedade? Volume Digestor ൫m3൯= ቆ50 m3 dia ቇ x 20 dias ሺTRHሻ=1000 m³ Digestores e Fatores de Controle Operacional 24 3.4. Teor de Sólidos (ST) e Taxa de Carregamento Orgânico (TCO) A origem e composição da biomassa empregada no processo de digestão anaeróbia são fundamentais para que se possa prever os requisitos dos sistemas e se analisar o potencial de produção de biogás. A biomassa é composta basicamente por trêscategorias: carboidratos, lipídeos e proteínas, ao passo que diferentes fontes de biomassa apresentarão diferentes proporções dessas categorias (RASAPOOR et al. 2020). Os Sólidos Totais (ST) presentes no efluente compõem todo material não evaporado e podem ser divididos em duas subcategorias: Sólidos Voláteis (SV) e Sólidos Fixos (SF). A fração sólida presente no substrato, que é passível de degradação pelos microrganismos presentes no digestor, é representada pelos SV. Já os SF são representados pelo material inorgânico presente na amostra. Para que ocorra a digestão anaeróbia é importante que boa parte dos sólidos presentes no substrato sejam compostos por sólidos voláteis. No entanto, a composição dos sólidos voláteis influencia diversos fatores como tempo de digestão, quais ácidos voláteis serão produzidos e geração de inibidores do processo. Quando se comparam duas amostras de substratos de teor de SV semelhantes, um rico em carboidratos facilmente fermentescíveis (glicose, frutose, sacarose) e outro com elevada quantidade de compostos lignocelulósicos, tem-se digestão superior e muito mais rápida do primeiro substrato. O mesmo deve ser levado em consideração para compostos ricos em lipídeos e proteínas. Ligado diretamente ao teor de sólidos e ao TRH, a Taxa de Carregamento Orgânico (TCO) é definida como a quantidade de sólidos totais que podem ser alimentados por dia e por unidade de volume do reator (KOTHARI et al. 2014). Taxas muito elevadas podem prejudicar o processo de digestão por possíveis acúmulos de ácidos orgânicos e outros compostos tóxicos em elevadas concentrações, além de prejudicar o tempo de permanência do substrato no digestor, prejudicando seu tratamento. Por outro lado, cargas muito baixas podem comprometer as taxas de produção de metano, já que esta é diretamente relacionada à degradação de SV (PRAMANIK et al. 2019). TCO de 2,5 e 1,5 gSV/L por dia são reportados como interessantes para reatores em condições termofílicas e mesofílicas, respectivamente (LIU et al. 2017). No entanto, especificações de TCO são indicadas para cada tipo de reator de acordo com o nível de tecnologia envolvida e conforme o fabricante. Para fixar: Sólidos Fixos: representa a fração inorgânica; Sólidos Voláteis: fração passível de ser convertida em biogás e refere-se à diferença entre Sólidos Totais e Fixos. Digestores e Fatores de Controle Operacional 25 3.5. Relação C/N A relação entre carbono e nitrogênio é um fator importante a ser considerado, principalmente quanto ao tipo de resíduo empregado no processo de digestão anaeróbia. A partir dessa relação, estima-se indiretamente o acúmulo de amônia no reator e a quantidade de ácidos voláteis gerada (PANIGRAHI e DUBEY, 2019). Segundo Weiland (2006), relações C/N entre 20 e 30 são suficientes para proporcionar quantidade suficiente de nitrogênio ao processo. Khalid et al. (2011) relatam valores variando entre 20 e 35. O nitrogênio normalmente é encontrado nos digestores na forma de amônia (NH3) ou amônio (NH4+). Concentrações de até 1000 mg/L podem auxiliar na estabilização do pH (ATV, 2002), no entanto, concentrações de amônia na faixa de 30 a 100 mg/L podem levar à inibição da metanogênese (FRICKE et al. 2007), prejudicando também a remoção de sólidos e a produção de hidrogênio. Para saber mais: O carbono é utilizado como fonte de energia para os microrganismos. O nitrogênio é extremamente importante na formação de células e consequentemente, na manutenção da população microbiana. Digestores e Fatores de Controle Operacional 26 4. CONCLUSÃO A partir do conteúdo apresentado nesta apostila pode-se compreender: A conformação estrutural, princípio de funcionamento, características e potencialidades de cada um dos modelos de biodigestores presentes e aplicados no cenário nacional, em especial na região sul do Brasil. Digestores de lagoa coberta, indianos e chineses apresentam certa robustez e menor eficiência no tratamento de resíduos, no entanto, por seu baixo custo, elevada vida útil e baixa complexidade são viáveis e amplamente empregados em propriedades rurais e pequenos empreendimentos industriais. Biodigestores de modelo UASB e CSTR apresentam custos elevados de instalação e grande necessidade de controles operacionais, no entanto, apresentam elevada eficiência na produção de biogás e no tratamento de resíduos complexos. Com relação aos parâmetros de controle da digestão anaeróbia, conhecer e controlar variáveis como: pH, acidez volátil e alcalinidade, tempo de retenção hidráulica, temperatura, carga orgânica e relações de carbono/nitrogênio são importantes.Esses parâmetros são a base para a condução de processos eficientes evitando possíveis colapsos no sistema pela desestabilização ou morte dos microrganismos associados ao processos fermentativos Digestores e Fatores de Controle Operacional 27 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBASI, T.; ABBASI, S. A. Formation and impact of granules in fostering clean energy production and wastewater treatment in upflow anaerobic sludge blanket (UASB) reactors Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 16, n. 3, p. 1696- 1708, 2012. ABBASI, T.; TAUSEEF, S. M.; ABBASI, S. A. Anaerobic digestion for global warming control and energy generation—An overview. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 16, n. 5, p. 3228-3242, 2012. RECOLASTE – AMBIENTAL. 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