Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL Doença inflamatória intestinal (DII) é um termo amplo que designa a doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU), caracterizadas pela inflamação crônica do intestino. Essas doenças diferem quanto à localização e ao comprometimento das camadas do intestino, mas também pela fisiopatogenia. ETIOPATOGENIA A etiologia exata não é bem conhecida mas deve-se a capacidade do organismo em regular efetivamente as respostas imunes contra antígenos aos quais o trato digestivo está constantemente sendo exposto. Diversos fatores, incluindo fatores ambientais (expossoma), microbiota intestinal (microbioma) e imunidade do hospedeiro (imunoma), interagem para iniciar e perpetuar a inflamação da mucosa gastrointestinal em indivíduos predispostos geneticamente (genoma/epigenoma). No entanto, existe uma ampla e complexa interação, ainda pouco compreendida. ● GENOMA ○ Doença poligênica: mais de 163 genes já foram identificados ○ O fator genético não é o único envolvido na doença ○ Genes relacionados a função de barreira, restituição epitelial, defesa microbiota, regulação da resposta imune inata e adaptativa, geração de espécies reativas de oxigênio, autofagia e funcionamento do retículo endoplasmático ○ Os genes podem ter caráter protetor ou de suscetibilidade. O componente genético parece ser maior na DC quando comparado a RCU ○ Em relação à doença de Crohn, foi encontrado um gene relacionado à patogênese da doença: o NOD2 Esse gene codifica uma proteína que atua como receptor intracelular para um antígeno de parede bacteriana e que auxilia no controle da resposta inflamatória. Com o NOD2 defeituoso, a resposta inflamatória fica mais descontrolada. Esse gene está alterado em 15% a 20% dos portadores caucasianos. Todavia, ele não explica isoladamente a doença: nem todos os portadores de DII o têm defeituoso, e nem todos os indivíduos que têm esse gene defeituoso terão DII. ○ Há outro defeito genético aparentemente envolvido na patogênese da DII: um polimorfismo no gene que produz o receptor da IL-23. Em condições normais, essa citocina ajuda a regular a inflamação crônica, a resposta contra agentes bacterianos e atua no Crohn. Um defeito no seu receptor, localizado em linfócitos e macrófagos, ocasiona amplificação da inflamação. Ainda sobre fatores genéticos, estudos envolvendo o sistema HLA têm encontrado associação entre a presença de certos tipos de HLA e maior risco de desenvolvimento de DII, ou até mesmo à gravidade e extensão da doença em pacientes acometidos. Além disso, as DII’s frequentemente vêm acompanhadas de desordens auto-imunes, como a espondilite anquilosante e a colangite esclerosante primária. Essa observação pode elucidar uma provável origem imunomediada/autoimune das doenças inflamatórias intestinais. ● EPIGENÉTICA ○ Fatores genéticos relacionados à DII explicam uma pequena parcela da doença – cerca de 13,6% para doença de Crohn e 7,5% para RCU –, o que sugere a importância da interação genética com o meio ambiente (epigenética) como sendo uma das causas hereditárias não identi"cadas na doença. ○ Os principais mecanismos envolvidos na epigenética são a metilação do DNA, modificação das histonas, interferência no RNA e posicionamento do nucleossoma.8 Essas alterações epigenéticas podem ser transmitidas aos descendentes e conferir uma hereditariedade oculta. Além disso, a dieta do indivíduo e a inflamação criam um microambiente favorável às reprogramações epigenéticas, podendo modificar a própria resposta imune durante o curso da doença. ● EXPOSSOMA ○ Expossoma se refere a complexas exposições ambientais sofridas por um indivíduo desde o período pré-natal e sua influência no processo saúde-doença. Apesar do amplo debate no meio científico, ainda é difícil medir o efeito da exposição ambiental sobre a etiologia das afecções. Em relação a DII, fatores ambientais como o aleitamento materno e a apendicectomia foram considerados protetores, ao passo que a exposição a vacinas, o estresse psíquico e o uso de anticoncepcional oral seriam desencadeantes da doença. Experimentalmente, a dieta rica em gordura foi capaz de acelerar o processo inflamatório, por alterar a flora intestinal por meio de mecanismos envolvendo aumento da permeabilidade intestinal, alteração de fatores luminais, maior recrutamento de células dendríticas e direcionamento da resposta imune para uma resposta tipo Th17. ○ Diferenças geográficas e temporais na epidemiologia tornam nítida a importância do expossoma na gênese da DII. A prevalência de DII é maior em países desenvolvidos e ocidentalizados, com aumento progressivo em nações em desenvolvimento. Isso sugere que as seguintes mudanças no estilo de vida influenciam o surgimento da DII: ■ Consumo de dieta mais industrializada e consequentemente maior ingestão de xenobióticos; ■ Menor exposição a microrganismos patogênicos pela melhora nas condições higiênico-sanitárias; ■ Maior facilidade de uso de antibióticos e outros medicamentos. ○ O tabagismo é outro fator ambiental relacionado a DII. O fumo também está associado a um curso mais agressivo e a maior risco de recidivas na DC. ● MICROBIOMA ○ Embora não se tenha certeza se o desequilíbrio da !ora intestinal (disbiose) na DC e RCU seja causa ou efeito do processo in!amatório. Pacientes com DII têm uma redução na diversidade da microbiota ainda pouco compreendida. Acredita-se que essa pobreza na !ora a tornaria mais suscetível a variações decorrentes de alterações no meio ambiente, como uso de medicamentos ou infecções agudas do trato gastrointestinal. ○ A dieta influencia diretamente o microbioma. O consumo de açúcares, gordura animal e ferro estimula o crescimento de bactérias potencialmente patogênicas, ao passo que a ingestão de fibras aumentaria a população de bactérias aparentemente benéficas ao hospedeiro. ○ No que tange os fatores intraluminais, há alterações quantitativas e qualitativas na flora intestinal dos portadores de DII. Na DC, a concentração de gram-positivas e gram-negativas está aumentada. Na RCU, foram descritas bactérias cujos metabólitos são lesivos à mucosa intestinal. Ou seja, alterações da microbiota, associadas a uma resposta imune exacerbada contra essa mesma microbiota, trabalham juntas no desenvolvimento dessa doença. É muito sugestivo que irregularidades imunológicas tenham papel importante para o seu desenvolvimento e manutenção. ● IMUNOMA ○ Imunoma é um termo relativamente recente, utilizado para designar os componentes que constituem o sistema imunológico. ○ Em indivíduos saudáveis, o intestino encontra-se em um estado de inflamação fisiologicamente controlado, o que permite ao sistema imune local responder de maneira diferente às bactérias da flora autóloga e às bactérias patogênicas. Esse discernimento necessita do pleno funcionamento de diversas estruturas do intestino e envolve um complexo mecanismo de tolerância, com supressão ativa das células linfoplasmocitárias residentes no intestino. A mucosa intestinal contém um grande número de células linfóides, incluindo células T, células B, granulócitos, mastócitos, NK, células T com características de NK (NKT), macrófagos e células dendríticas. ○ Sabe-se que o sistema imune mantém íntima relação com antígenos da luz intestinal por meio de células M, células epiteliais e captação intencional de antígenos da luz intestinal por células dendríticas, sem ruptura da integridade da barreira intestinal. ○ Apesar de a DC e a RCU compartilharem achados clínicos semelhantes e muitas vezes serem abordadas em conjunto como “doença in!amatória intestinal”, há evidências de que o mecanismo de lesão intestinal difere nas duas condições. Células T isoladas da mucosa intestinal de indivíduos com DC proliferam mais, expressam mais marcadores de ativação (receptor de IL-2) e apresentam maior capacidade citotóxica quando comparadas às células de pacientes com RCU.24 O per"l de citocinas nas duas doenças também é distinto. Na DC remete a um padrão de resposta #-1/#-17, ao passo que na RCU observa-se o tipo#-2, ou #-2/ #-17. EPIDEMIOLOGIA ● A incidência e prevalência das DII variam com a localização geográfica. São mais prevalentes na Europa setentrional e na América do Norte, com menor incidência na Europa central e meridional. A prevalência é mais baixa ainda na América do Sul, África e Ásia. Existe ainda uma correlação entre as DII e o nível socioeconômico, ou seja: quanto mais desenvolvida a região geográfica, maior a prevalência de doença inflamatória intestinal. O porquê disso ainda não é bem elucidado. De qualquer forma, a incidência de DII em regiões menos desenvolvidas está aumentando, e acredita-se que isso se deva à crescente urbanização mesmo nessas regiões, expondo os indivíduos a novos estilos de vida, alimentação e exposições a antígenos. As DII’s possuem dois picos de idade de aparecimento: entre aproximadamente os 15 e os 40 anos, com um menor pico entre os 55 e os 65 anos. Contudo, podem aparecer em qualquer fase da vida – embora seja raro antes dos 15 anos. Não foi observada diferenças significativas nas incidências e prevalências entre os sexos. Além disso, A RCU é mais prevalente e incidente do que a DC. A incidência de RCU tem sido registrada como cerca de 0,5 a 24 casos por 100 mil habitantes por ano; enquanto a de DC tem sido 0,1 a 20 casos por 100 mil habitantes por ano FISIOPATOLOGIA ● O termo “doença in!amatória intestinal” (DII) engloba a doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU), afecções que têm características comuns, como cronicidade, padrão recidivante, acometimento principalmente de adultos jovens de ambos os sexos. Por outro lado, há importantes diferenças na "siopatogenia e no tratamento. Na RCU, o processo in!amatório está restrito à mucosa dos cólons e reto, ao passo que na DC envolve todas as camadas da parede intestinal, podendo se manifestar da boca ao ânus. ● A RCU e a DC, embora sejam muito parecidas em sua apresentação e, por vezes, gerem confusão diagnóstica ou não permitam a diferenciação entre elas, apresentam aspectos patológicos diferentes entre si. A Retocolite Ulcerativa se caracteriza pela inflamação crônica do cólon e reto, ficando confinada a essas regiões anatômicas. A inflamação se limita à camada mucosa e aparece de forma contínua e simétrica ao longo da porção afetada. Os principais sintomas são diarreia com perda de sangue nas fezes, decorrentes diretamente da inflamação do reto e/ou cólon. Essa mesma inflamação também altera a permeabilidade do epitélio, causando extravasamento do fluido intersticial rico em proteínas. Além disso, a absorção de água e eletrólitos está prejudicada e alterações da motilidade intestinal, decorrentes do processo inflamatório,contribuem na fisiopatologia da diarreia. As erosões da mucosa colônica, características da RCU, ocasiona a perda de sangue nas fezes. Na RCU, o limiar sensorial do reto inflamado é diminuído, o que faz com que a presença de qualquer quantidade de fluido na ampola retal desencadeie o reflexo da defecação – isso explica o número aumentado de idas ao banheiro. Essa exacerbação sensorial também é a responsável pelos sintomas de tenesmo e urgência fecal que muitos pacientes acometidos referem. As alterações de motilidade do intestino grosso, com aumento do tônus muscular e da amplitude das contrações, ocasionam as manifestações dolorosas. Alterações sensoriais devido à inflamação também podem fazer o paciente perceber as contrações da musculatura do intestino grosso como cólicas. A perda de sangue nas fezes pode resultar em anemia ferropriva, cuja intensidade pode variar conforme o volume de sangue perdido. Mas fique atento: a anemia do paciente com RCU tratado com sulfassalazina (que veremos melhor mais adiante) também pode ocasionar outro tipo de anemia – a megaloblástica! De qualquer forma, a anemia desses pacientes pode causar astenia. Por fim, se o comprometimento da doença for muito extenso, mediadores de resposta inflamatória serão liberados e podem ocasionar febre. Já a doença de Crohn se caracteriza pela inflamação transmural – da mucosa à serosa – crônica do tubo digestório, podendo acometer qualquer porção deste – desde a boca até o ânus, embora haja predileção pelas regiões ileal ou ileocecal. O padrão da inflamação é salteado – ou seja, áreas de inflamação alternadas com áreas saudáveis – e gera reação granulomatosa não caseificante, além de poder ter lesões aftoides na área acometida. Como as possibilidades de acometimento anatômico da DC são mais amplas, as manifestações clínicas podem variar conforme o local afetado. Quando confinada ao intestino delgado, a diarreia e a dor abdominal são as manifestações mais comuns – sintomas constitucionais como perda ponderal e anemia também podem ocorrer. A diarreia pode ocorrer por má absorção – de nutrientes, fluidos ou eletrólitos – ou por exsudação de fluido intersticial para o lúmen devido ao processo inflamatório. No acometimento do íleo mais distal, a má absorção de sais biliares pode ser o mecanismo da diarreia, permitindo que grandes quantidades destes sais cheguem ao intestino grosso e gerem maior secreção de cloro e água pelo epitélio. Por fim, é importante ressaltar que é no íleo que ocorre a absorção de vitamina B12, e sua escassez gera anemia megaloblástica – ou seja, outro mecanismo que gera anemia no contexto da DII. Dor abdominal frequentemente faz parte do quadro. Quando no quadrante inferior direito e de duração mais constante, pode ser resultado da estimulação de receptores na serosa pela inflamação. Além disso, o aumento da contratilidade e distensão das alças pode ocasionar cólicas. Anorexia e náuseas, causadas por mediadores da inflamação no SNC – a exemplo do TNF-alfa – acometem, com frequência, portadores de doença de Crohn. SE LIGA! No contexto das DII, convém pontuar sobre as manifestações extraintestinais dessas doenças. A mais frequente delas é o acometimento articular: embora não esteja bem elucidado porque ocorre, supõe-se que a deposição de imunocomplexos em pequenos vasos desencadearia essa reação inflamatória. Colangite esclerosante primária e espondilite anquilosante também são outras formas de manifestação extraintestinal. QUADRO CLÍNICO ● Os sintomas são variáveis, dependendo da extensão e do comportamento da doença, e incluem: ○ diarreia presente em cerca de 70% dos casos ao diagnóstico, associada ou não à presença de sangue ou muco; ○ dor abdominal tipo cólica de intensidade variável, em geral sem alívio com eliminação de flatos ou fezes, descrita por 80% dos pacientes; ○ emagrecimento, com perda ponderal importante em 60% dos indivíduos ao diagnóstico. ○ Além disso, outros sintomas sistêmicos podem estar presentes, como febre, anorexia e mal-estar. ○ Na RCU, o envolvimento do reto resulta em sangramento visível nas fezes, relatado por mais de 90% dos pacientes, urgência fecal, tenesmo e, algumas vezes, exsudato mucopurulento. - RCU ● Em relação à RCU, o grau e a localização do acometimento determinam os achados clínicos, conforme a seguir: ○ 1. RCU distal: são geralmente quadros brandos a moderados. A diarreia está presente em 80% dos acometidos e frequentemente há sangue nas fezes, muco, pus e tenesmo. A dor abdominal é em cólica e geralmente precede as evacuações. Há urgência e incontinência fecal eventualmente, e manifestações extra-intestinais são incomuns. ○ 2. RCU hemicólon esquerdo e pancolite: são os casos moderados a graves. Astenia, febre, perda ponderal e anorexia são comuns. Há diarreia com pus, muco, sangue e tenesmo e a dor abdominal é mais intensa. ● Manifestações extra-intestinais ocorrem em 20% a 30% dos pacientes. ● O exame físico muitas vezes está normal, mas pode eventualmente conter febre, emagrecimento, palidez, taquicardia e edema. ● A complicação mais temida da RCU é o megacólon tóxico, que, embora incomum, frequentemente leva a óbito. ● Dor abdominal intensa com distensão e febre, taquicardia, hipotensão e desidratação compõem seu quadro clínico. ● Dentre as manifestações extra-intestinais, temos: artrite, aftas orais, artralgia, episcleritee pioderma gangrenoso estão entre as mais comuns. Há também as manifestações extra-intestinais mais graves, tais como: espondilite anquilosante, colangite esclerosante primária e amiloidose. - DC ● Já em relação à DC, devido à sua característica de poder acometer qualquer parte do tubo digestivo, seu quadro clínico pode variar mais. No entanto, alguns padrões de acometimento se destacam: doença no íleo e ceco (40%), doença restrita ao intestino delgado (30%) e doença restrita ao cólon (20%). ● A diarreia é o sintoma mais comum, mas o número de dejeções tende a ser menor. É menos frequente o achado de muco, pus, sangue e tenesmo nas fezes, exceto quando há envolvimento do cólon distal. A dor abdominal também é frequente, sendo mais frequentemente contínua, de maior intensidade e com localização predominante no quadrante inferior direito. A astenia e o emagrecimento também podem ocorrer. ● Já as manifestações extra-intestinais são mais frequentes na DC, e são similares às manifestações extra-intestinais da RCU. ● O exame físico na DC pode revelar emagrecimento, carência nutricional ou desnutrição. É fundamental também, em todos os pacientes com suspeita de DC, examinar as regiões anal e perineal devido a uma complicação comum da doença: fissuras, fistulização e formação de abcessos nessas regiões. As fístulas perianais, entre porções do intestino e mesmo entre intestino e bexiga ou vagina podem ocorrer. MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS DAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS ● As manifestações extraintestinais são comuns, com prevalência estimada de 20,1% na DC e 10,4% na RCU. Acometem diversas estruturas, como articulações, pele, olhos, via biliar, sistema nervoso central, coração, pulmões, rins. As manifestações extraintestinais podem ser divididas em imunomediadas (artropatias, lesões cutâneas) e não imunomediadas, relacionadas a alterações metabólicas ou processos secundários (colelitíase, nefrolitíase e anemia). ● Algumas são temporárias e relacionadas à atividade de doença (artrite periférica, eritema nodoso, aftas orais e episclerite); outras podem seguir um curso independente (pioderma gangrenoso, uveíte, artropatia axial e colangite esclerosante primária). ● O acometimento articular, uma manifestação frequente, em geral é assimétrico, migratório e não causa deformidades. Pode ser dividido em: ○ Artropatia periférica tipo I: associada com a atividade da doença intestinal, acometendo grandes articulações e em número menor que cinco, caracterizada por ser aguda, assimétrica e geralmente autolimitada. ○ Artropatia periférica tipo II: poliartrite de pequenas articulações, principalmente das mãos, tem um curso crônico e independente da atividade da DII. ○ Artropatia axial: inclui a sacroileíte e a espondilite anquilosante, sem relação direta com atividade intestinal. Entre 4 e 18% dos pacientes com DC cursam com artropatia assintomática, apenas com alteração radiográfica sugestiva de espondilite anquilosante, diagnosticada pela presença do HLA-B27. ● A lesão cutânea mais comum da DII é o eritema nodoso, descrito em 4% dos casos e caracterizado por nódulos subcutâneos dolorosos, com diâmetro variando de 1 a 5 cm, localizados principalmente em superfícies extensoras das extremidades e face tibial anterior. Usualmente, relaciona-se à atividade de doença. O pioderma gangrenoso, apesar de ser encontrado em 0,75% dos pacientes, tem importante correlação com a atividade de doença em 50% dos casos. A lesão geralmente é precedida por um trauma local, em um fenômeno chamado “patergia”; tem localização preferencial em região pré-tibial ou próxima a estomas, mas pode ocorrer em qualquer local do corpo. A lesão inicial é caracteristicamente sob a forma de pústula eritematosa, única ou múltiplas, que coalescem para formar uma úlcera profunda com fundo necrótico e estéril. Outras lesões cutâneas mais raras são a síndrome de Sweet, vasculites cutâneas, psoríase e doença de Crohn metastático. Aproximadamente 6% dos casos de DII desenvolvem manifestações oculares durante a atividade da doença, como a episclerite e a esclerite, de menor gravidade. Já a uveíte manifesta-se com hiperemia ocular, dor ocular, lacrimejamento e fotofobia e, se não tratada adequadamente, pode causar perda irreversível da visão. ● Outras complicações oculares descritas são a cegueira noturna, secundária à má absorção de vitamina A, e a catarata precoce, associada ao uso de corticosteroides. ● Pacientes com DC têm um risco relativo para colelitíase aumentado de 1,8 comparado à população geral. Esse aumento é explicado por: ○ Redução do total de sais biliares por menor absorção ileal decorrente do comprometimento pela doença ou ressecção e consequente supersaturação biliar de colesterol. ○ Redução da motilidade da vesícula biliar. ● Colangite esclerosante primária (CEP) pode preceder a doença intestinal em vários anos e afeta cerca de 10 a 4% dos pacientes com RCU e DC, respectivamente. Apesar de não existir um tratamento efetivo para a CEP, seu diagnóstico tem implicações importantes, pois está associado a maior risco de colangiocarcinoma e de câncer colorretal. A colangiorressonância é o exame de escolha, mas se o exame for normal, a biópsia hepática está indicada para complementar a investigação. A má absorção intestinal, resultante da ressecção intestinal ou de doença de delgado extensa, resulta em maior quantidade de ácidos graxos livres na luz intestinal, impedindo a ligação do cálcio com o oxalato. A formação de oxalato de cálcio é reduzida, e há uma maior absorção colônica de oxalato, com consequente hiperoxalúria e maior formação de cálculos renais. ● A trombose venosa profunda, considerada por alguns autores como parte das manifestações extraintestinais, atinge 127-314/100.000 pacientes com DII por ano, ao passo que o tromboembolismo pulmonar ocorre em 105-110/100.000 pacientes por ano, aumentando em 2 a 3 vezes o risco de trombose em relação a população em geral. DIAGNÓSTICO ● AVALIAÇÃO CLÍNICA DA RCU ○ A correta avaliação da atividade in!amatória, clínica ou endoscópica tem implicações importantes no tratamento adequado da RCU. ○ Na classificação de Montreal, a doença é dividida quanto à extensão (E) e à gravidade (S, de severity); assim: ■ E1: proctite – limitada ao reto. ■ E2: colite esquerda – envolve cólon descendente até a flexura esplênica. ■ E3: extensa – acometimento proximal à flexura esplênica, incluindo a pancolite. Os critérios de gravidade incluem S0 a S3, como descrito na Tabela 66.1. ○ Ainda de forma simplificada, pode-se dividir a gravidade do episódio agudo de RCU em leve, grave e fulminante. ■ Na RCU leve, o paciente não preenche critérios para doença grave ou fulminante, podendo ser tratado ambulatorialmente. ■ Na RCU grave, o doente apresenta seis ou mais evacuações sanguinolentas, além de um ou mais dos seguintes achados: febre (temperatura acima de 37,5°C), taquicardia (frequência cardíaca acima de 100 bpm), anemia (hemoglobina abaixo de 10 g/dL), velocidade de hemossedimentação elevada (acima de 30 mm na primeira hora) e hipoalbuminemia (abaixo de 3,5 g/dL). ■ A RCU fulminante cursa com mais de 10 evacuações ao dia, com enterorragia, febre, taquicardia, necessidade transfusional, provas de atividade inflamatória elevadas, com ou sem megacólon tóxico, caracterizado por uma dilatação de cólon transverso com diâmetro acima de 6 cm, evidenciada na radiografia de abdome, ou perfuração intestinal. ○ Outra classificação utilizada é o Escore Completo de Mayo, que leva em consideração a frequência de evacuações e o sangramento via retal, associado aos achados endoscópicos. Apesar da avaliação subjetiva, cada critério é padronizado com uma pontuação predefinida de 0 a 3 (Tabela 66.2). A soma dos pontos com valor igual ou menor que 2, ou seja, todos os critérios pontuando entre 0 ou 1, indica remissão clínica; a pontuação total de 3 a 5 expressa atividade leve; escores entre 6 e 10 apontam para atividade moderada; e de 11 a 12, grave. ● O índice mais empregado atualmente para avaliar a atividadeendoscópica da RCU é o escore parcial de Mayo, por ser bastante simples e por utilizar apenas os parâmetros endoscópicos do escore completo, apesar de não considerar a extensão do processo inflamatório, principal fator de gravidade. Desta forma, classifica a doença em: ○ Remissão (Mayo = 0): exame normal ou ausência de qualquer in!amação na mucosa. ○ Atividade leve (Mayo = 1): quando se observa apenas enantema, redução do padrão vascular e mínima friabilidade. ○ Atividade moderada (Mayo = 2): na presença de enantema mais intenso, não é possível visualizar a trama vascular, além de friabilidade e erosões. ○ Atividade severa (Mayo = 3): quando há sangramento espontâneo e ulcerações. ● AVALIAÇÃO CLÍNICA DA DOENÇA DE CROHN ○ A avaliação clínica da doença de Crohn considera a localização, a extensão e o comportamento da doença, além das manifestações extraintestinais. ○ A classificação de Montreal (Tabela 66.4) tenta unificar esses dados e, embora não contemple a atividade clínica ou endoscópica e as manifestações extraintestinais, permite que o comprometimento do trato gastrointestinal alto (L4) possa ser associado a outras localizações (p. ex., podemos ter L3+L4, ou L1+L4). A doença perianal (P) também foi adicionada à classificação, permitindo identificar pacientes com este envolvimento. Os estudos clínicos utilizam classificações formais para avaliação de gravidade da doença, como o Índice de Atividade da Doença de Crohn (CDAI), e sua versão simpli"cada, o Harvey-Bradshaw Index (HBI). No entanto, na prática clínica a impressão médica ainda é a mais utilizada para avaliar gravidade e guiar a opção terapêutica, considerando-se o número de evacuações, peso, bem-estar geral, dor abdominal e manifestações extraintestinais, complicações e presença de tumoração em fossa ilíaca direita. ○ Atualmente, busca-se como alvo terapêutico a cicatrização da mucosa. No entanto, como nem sempre existe correlação entre a atividade endoscópica e atividade clínica, a realização do exame endoscópico, de preferência de forma padronizada e a utilização de sistemas de pontuação têm se mostrado eficazes em diminuir a subjetividade da impressão médica na conduta terapêutica. O primeiro índice proposto com esse objetivo foi o CDEIS (Crohn’s Disease Endoscopic Index of Severity), que avalia de forma independente cada segmento do intestino (íleo, cólon direito, transverso, cólon esquerdo e reto) quanto à presença de úlceras super"ciais e profundas, superfície do intestino acometido e a presença de estenoses com ou sem inflamação DIAGNÓSTICO ● O diagnóstico da DII ocorre a partir de dados da anamnese e história clínica, exame físico e exames complementares – laboratorial, endoscópico, radiológico e histopatológico. Não é possível estabelecer diagnóstico sem exames complementares devido à gama de diagnósticos diferenciais que cursam com diarreia crônica, bem como devido à impossibilidade de diferenciar a RCU e a DC clinicamente. ● Na verdade, cerca de 5% dos casos acabam sem ser diferenciados entre RCU e DC, sendo classificados como “colite indeterminada”. ● Exames laboratoriais: estes se encontram normais ou levemente alterados nas DII, especialmente os casos leves. Pode haver anemia, leucocitose e trombocitose e, frequentemente, há elevação das provas de atividade inflamatória (como o VHS e PCR). ● A calprotectina e lactoferrina fecais são exames úteis para o diagnóstico das DII, pois evidenciam atividade inflamatória no intestino e apresentam boa correlação endoscópica e histológica. ○ Nos últimos anos, a calprotectina fecal tem auxiliado no diagnóstico e no acompanhamento da DII após início do tratamento, pois valores inferiores a 50 mcg/g de fezes têm uma alta acurácia na diferenciação de doenças in!amatórias e doenças funcionais, como a síndrome do intestino irritável. É um bom marcador para avaliar recidiva das doenças, e é o exame com melhor correlação com a atividade endoscópica ● Por fim, avaliar função tireoideana também é interessante para exclusão de tireoidopatias, que podem cursar com diarreia – particularmente o hipertireoidismo. ● Exames de cultura e parasitológico de fezes podem ser empregados para descartar diagnósticos diferenciais. A infecção por C. difficile deve ser investigada ainda que na ausência de uso recente de antibióticos. ● Marcadores sorológicos: vários marcadores têm sido estudados para as DII. Dentre eles, os mais destacados são o p-ANCA (anticorpo perinuclear contra estruturas citoplasmáticas do neutrófilo), encontrado principalmente na RCU inespecífica; e o ASCA (anticorpo anti-Saccharomyces cerevisae), mais associado à DC. Isoladamente, esses anticorpos não fecham diagnóstico ou diferenciam entre uma forma e outra, pois aparecem em outras patologias e até mesmo em indivíduos saudáveis. Devem ser utilizados como ferramenta de ajuda para o diagnóstico à luz do contexto clínico. ● Exames endoscópicos e de imagem: são muito utilizados no diagnóstico e acompanhamento das DII, além de ser o principal método de obtenção de material para análise histológica. A endoscopia digestiva alta pode encontrar achados compatíveis com DC no trato gastrintestinal alto. Já a colonoscopia serve tanto para diagnóstico e acompanhamento da DC como da RCU. Ela identifica as alterações na mucosa, determina a extensão e o grau de atividade da doença, bem como identifica complicações e avalia a resposta terapêutica. ● Além da colonoscopia e EDA, a enterotomografia (TC do trânsito do intestino delgado) pode ser necessária para avaliar comprometimento desta porção e determinar extensão da doença. Já a cápsula endoscópica tem utilidade quando os outros exames não deram diagnóstico e há suspeita de comprometimento do delgado. A enteroressonância tem acurácia diagnóstica similar à da enterotomografia e ainda poupa o paciente da radiação, mas sua limitação se deve ao alto custo. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ● O diagnóstico diferencial envolve outras doenças que comprometem o trato digestivo de forma funcional ou orgânica. Dentre as desordens funcionais intestinais, a síndrome do intestino irritável é a que mais se confunde com DII, embora caracteristicamente se diferencie da RCU e DC por não estar associada a febre, perda de peso, sangramento ou manifestações extraintestinais. Outras desordens devem ser excluídas, como colite secundária ao uso de medicações (especialmente anti-in!amatórios não esteroidais – AINEs), doença isquêmica, colite actínica secundária à radiação, colite microscópica, colite neutropênica, colagenoses, tuberculose e o linfoma intestinal. TRATAMENTO - Retocolite Ulcerativa ● Aqui, usamos o Índice de Gravidade de Truelove e Witts: ● Para induzir remissão: ○ Em pacientes com doença leve a moderada, limitada ao reto (proctite), iniciaremos o tratamento com aminossalicilato (como a sulfassalazina) via retal (supositório). Se não houver remissão em quatro semanas, adicionaremos um aminossalicilato oral. Se ainda assim não houver resposta satisfatória, adicionaremos um curso breve de corticoide tópico ou oral. Alguns pacientes podem recusar-se a usar supositórios retais. Nestes casos, iniciaremos com aminossalicilato via oral, e explicaremos que este tem menor eficácia. ○ Nos casos de intolerância ou sensibilidade a essa classe de medicamentos, partiremos para corticoide via oral ou tópica por um período breve. ○ Pacientes com doença leve a moderada que se estende até o hemicólon esquerdo, iniciaremos o tratamento com aminossalicilato tópico. Se não houver resposta em quatro semanas, poderemos: ou adicionar aminossalicilato em altas doses via oral, ou iniciar este e substituir o aminossalicilato tópico por corticoide tópico por tempo limitado. Caso seja necessário intensificar o tratamento, suspendemos os tratamentos tópicos e fazemos aminossalicilato e corticoide, ambos via oral. Se estamos tratando um paciente com doença leve a moderada, mas extensa em localização – como na pancolite, já iniciaremos o tratamento com aminossalicilato tópico e via oral em alta dose. ● Imunobiológicose inibidores de Janus Kinase (JAK) podem ser usados para tratar doença leve a moderada em todas as localizações. Mas será reservado para casos selecionados, devido ao alto custo e potenciais riscos. Já na doença grave, em todas as suas localizações, introduzimos corticoide intravenoso para induzir remissão enquanto avaliamos necessidade de cirurgia. Quando o corticoide não for possível, a ciclosporina ou a cirurgia será indicada. Caso os sintomas não melhorem em 72 horas ou piorem, adicionaremos ciclosporina intravenosa ao corticoide intravenoso e consideraremos possível cirurgia. Infliximabe (anti-TNF) pode ser uma opção apenas em casos de doença aguda e grave com impossibilidade de uso da ciclosporina. ● Para manter remissão: em pacientes que entraram em remissão após doença leve a moderada e de pouca extensão (proctite ou sigmoidite), temos algumas opções de uso: aminossalicilato tópico contínuo ou intermitente; aminossalicilato tópico e oral contínuos ou intermitentes ou aminossalicilato oral (este tem eficácia menor). Quando há doença mais extensa, com acometimento de cólon esquerdo e remissão após crise leve a moderada, o paciente irá usar aminossalicilato em dose baixa por via oral. Para todas as formas de localização da doença, usamos azatioprina oral ou mercaptopurina se houver duas ou mais exacerbações em 12 meses necessitando de corticoide sistêmico ou se a remissão não for mantida com apenas aminossalicilatos
Compartilhar