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1 Disciplina: Novas tendências em Direito Penal Autor: Esp. Raíssa Quintino de Paula Xavier Revisão de Conteúdos: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima Ano: 2020 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Raíssa Quintino de Paula Xavier Novas tendências em direito penal 1ª Edição 2020 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Lucimara Ota Eshima Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA XAVIER, Raíssa Quintino de Paula. Novas tendências em direito penal / Raíssa Quintino de Paula Xavier. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2020. 66 p. ISBN: 978-65-87972-24-4 1. Crimes. 2. Direito. 3. Lei. Material didático da disciplina de Novas tendências em Direito Penal – Faculdade UNINA, 2020. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 07 Aula 1 – Introdução .................................................................................... 08 Apresentação da aula 1 ............................................................................. 08 1.1 Sociedade de risco ....................................................................... 08 1.2 Globalização ................................................................................. 12 1.2.1 Criminalidade transnacional ....................................................... 13 1.3 Controle social penal ..................................................................... 14 Conclusão da aula 1 .................................................................................. 17 Aula 2 – Novas formas de criminalidade .................................................... 19 Apresentação da aula 2 ............................................................................ 19 2.1 Criminalidade organizada ............................................................. 19 2.1.1 Conceito ..................................................................................... 20 2.1.2 Modelos ..................................................................................... 24 2.1.3 Legislação brasileira .................................................................. 24 2.1.4 Lei 12.850/13 ............................................................................. 26 2.2 Criminalidade econômica .............................................................. 28 Conclusão da aula 2 .................................................................................. 29 Aula 3 – Novas formas de criminalidade .................................................... 31 Apresentação da aula 3 ............................................................................. 31 3.1 Crimes contra a ordem tributária ................................................... 31 3.1.1 Noções básicas de Direito Tributário .......................................... 31 3.1.2 Ordem tributária como bem jurídico ........................................... 32 3.1.3 Lançamento x auto de infração .................................................. 32 3.1.4 Lei 8.137/90 e demais crimes ..................................................... 33 3.1.5 Processo .................................................................................... 36 3.2 Crimes contra o sistema financeiro nacional ................................ 38 3.2.1 Instituição financeira e equiparada ............................................. 38 3.2.2 Crimes da Lei 7.492/86 .............................................................. 39 3.2.3 Da lavagem de dinheiro ............................................................. 41 Conclusão da aula 3 .................................................................................. 42 Aula 4 – Direito Penal e demais ramos do Direito ..................................... 45 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 45 4.1 Direito penal da Lei de Falências e Recuperação de Empresas ... 45 4.1.1 Considerações iniciais ............................................................... 45 6 4.1.2 O procedimento penal ............................................................... 46 4.1.3 Dos crimes em espécie .............................................................. 47 4.2 Crimes contra o meio ambiente .................................................... 50 4.2.1 Conceito de meio ambiente ........................................................ 50 4.2.2 Princípios ................................................................................... 51 4.2.3 Lei dos crimes ambientais ......................................................... 54 4.2.4 Considerações sobre o Direito Ambiental ................................. 56 Conclusão da aula 4 .................................................................................. 57 Conclusão da disciplina ............................................................................. 58 Índice Remissivo ........................................................................................ 61 Referências ............................................................................................... 63 7 Prefácio O Direito Penal, embora possua sua fundação em diversos conceitos mais antigos, também evoluiu ao longo dos anos. A criminalidade é um fenômeno dinâmico, razão pela qual o Direito Penal deve se amoldar às novas realidades. O advento datecnologia e da globalização propiciaram à criminalidade a possibilidade de atuar de diversas formas anteriormente nunca vistas, como é o caso dos cybercrimes, por exemplo. Portanto, é necessário que o Direito Penal se modernize para abarcar as novas situações que surgiram e irão surgir ao longo da evolução humana. Outro tema moderno, por exemplo, são os crimes ambientais, assunto que vem tomando cada vez mais forma tanto em debates doutrinários quanto jurisprudenciais e legais. Afinal, o meio ambiente é um direito humano de terceira geração, o qual deve ser protegido ao máximo. Verifica-se que com o advento da tecnologia surgiram também novos problemas. Nesta disciplina serão abordados os temas de ordem penal, mas é importante frisar que a tecnologia não incidiu apenas criminalmente, mas em diversos outros ramos do Direito. Para compreensão dos novos temas em matéria de Direito Penal, será apresentada uma aula introdutória acerca da sociedade de risco, da globalização e do controle social penal. Os referidos assuntos possuem demasiada importância quando da análise aprofundada das temáticas, que se seguirão ao longo do módulo. Ademais, serão abordadas as novas formas de criminalidade, em especial, os crimes organizados, criminalidade econômica, crimes contra a ordem tributária e crimes contra o sistema financeiro, temas extremamente em alta em razão das diversas operações policiais realizadas nos últimos anos. Por fim, será explanado acerca do Direito Penal na Lei de Falências e Recuperação de Empresas e dos crimes contra o meio ambiente, temáticas que possuem demasiada importância no contexto atual. Os assuntos aqui em comento possuem a finalidade de possibilitar o pensamento crítico e o entendimento acerca das novas tendências em matéria penal, visto que elas irão compor o próximo salto evolutivo deste ramo do Direito. 8 Aula 1 - Introdução Apresentação da aula 1 Nesta aula serão abordados temas relacionados às novas tendências em Direito Penal, tais como a sociedade de risco, a globalização e o controle social penal. A compreensão e o conhecimento desses temas têm por objetivo desenvolver base para melhor compreensão dos conteúdos abordados no presente módulo. 1.1 Sociedade de risco É inegável que o risco se encontra cada dia mais presente na sociedade, seja por meio de doenças, desastres naturais, acidentes de trânsito, acidentes nucleares e diversos outros exemplos que podem ser citados. Verifica-se, então, que é um elemento existente no cotidiano, de natureza e momento incertos, cujas consequências podem ser variadas. A noção de risco é deveras complexa, visto que ela diz respeito a uma representação de perigo tanto em sua percepção potencial quanto como indica uma situação entendida como perigosa, cujos efeitos podem ser sentidos. A temática foi e ainda é muito discutida por diversos sociólogos, mas um nome merece destaque: o sociólogo Ulrich Beck, o qual lançou o livro Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, no qual desenvolveu a noção de sociedade de risco. O risco não pode ser entendido como sinônimo de catástrofe, mas como antecipação de uma catástrofe, pois consiste em encenar o futuro no presente, de tal maneira que essa antecipação de catástrofes futuras possa vir a ser uma política que transforme o mundo. De acordo com sua análise, Beck defende que a sociedade moderna ou pós-moderna está passando por uma ruptura, tal qual ocorreu quando houve a transição do feudalismo para sociedade industrial. Todavia, essa nova transição 9 da sociedade moderna não se dará com o fim da modernidade, mas com sua reformulação. Para Beck, o mundo está passando por uma transformação da sociedade industrial clássica, a qual se caracterizava pela produção e distribuição de riquezas, para a sociedade de risco, para a qual a produção dos riscos domina a lógica de produção dos bens. Dentro dessa nova perspectiva, haveria, então, a democratização do risco, visto que nem as camadas mais ricas e nem as camadas mais pobres estariam imunes ao risco. Por óbvio que alguns riscos atingem de maneira mais efusiva as classes mais baixas, mas, em linha gerais, as ameaças não são situações de classe. Os riscos são produtos, ao mesmo tempo, reais ou irreais, por aliarem danos e perigos já ocorridos àqueles calculados. Nesse sentido, o futuro teria primazia em relação ao passado, visto a existência de potencialidade de projeção dos fatores que conjugam riscos. Nesse novo cenário, o risco poderia representar, então, oportunidade de mercado, pois se baseia no conhecimento, em que a ciência atua com papel central. Dessa forma, a sociedade de risco também é a sociedade da ciência, da mídia e da informação, o conhecimento se converteu na mais importante manufatura intelectual da modernidade. Em determinadas situações, o risco pode ser calculado e, até mesmo, premeditado, como é o caso de alguns fenômenos naturais, por exemplo. Porém, mesmo com essa possibilidade de previsão, a sociedade de risco ainda é marcada pela incerteza fabricada, aquela oriunda das inovações tecnológicas e das respostas, cada vez se dando de maneira mais imediata. E é por essa razão que a sociedade de risco pode simbolizar o descontrole em que os riscos civilizatórios escapam à percepção, baseando-se em fórmulas físico-quimícas. Além do conceito de universalidade trazido por Beck, existe também o conceito de individualidade, o qual coloca os indivíduos como responsáveis por se colocarem em situações de exposição ao risco. Afinal, os indivíduos são considerados agentes de escolha, tendo elevado nível de controle e responsabilidade quanto à exposição a perigos, sendo produtores e gestores de sua carga de risco. 10 Nesse sentido, a individualização passa a ser analisada sob o prisma da modernidade reflexiva, a qual deriva de um processo de radicalização da modernidade e rompe com a previsibilidade da vida social. A globalização e os avanços tecnológicos são algumas das principais características da modernidade, tornando-se ao mesmo tempo tema e problema acerca da temática. Em sua obra, Beck guia o leitor a uma reflexão crítica acerca do papel da ciência e tecnologia na produção do conhecimento em matéria de riscos. O objetivo é de criticar o determinismo da racionalidade científica sobre a sociedade na produção de verdades. Importante destacar aqui o momento histórico enfrentado quando da formação da teoria de Beck, pois foi um momento marcado pela queda do muro de Berlim, crise ambiental e grandes avanços tecnológicos, fatos que influenciaram diretamente a teoria elaborada pelo sociólogo. Outro ponto a ser destacado é a ideia de Beck, de que a própria modernização acabou por trazer consequências que hoje colocam em risco as condições básicas de vida alcançadas por intermédio desse mesmo processo. Com a sociedade de risco surgem também os novos riscos e a complexidade da delinquência. A consequência do desenvolvimento é fazer com que o Direito Penal se depare com a necessidade de encarar riscos cada vez maiores e fatos cada vez mais complexos, tanto no âmbito do esclarecimento de delitos quanto na definição do comportamento penal relevante. Em razão de uma prevenção mais reforçada é que coloca o Direito Penal perante a alternativa de se adaptar ou deixar as regulamentações pendentes para os outros concorrentes ramos do Direito (direito de polícia, de guerra, do serviço secreto etc.). Contudo, essa adaptação se encontra de fronte aos limites funcionais do Direito Penal, os quais não pairam apenas sobre a garantia de proteção à sociedade, como também de proteção aos direitos de liberdade dos indivíduos. Os novos riscos e a complexidade dos delitos estão intimamente vinculados às mudanças técnicas, econômicas e políticas da sociedade atual.São riscos fortalecidos por novas dependências e vulnerabilidades da sociedade, nas possibilidades modificadas de cometer crimes e nas dificuldades 11 específicas do esclarecimento desses crimes, como é o caso dos cybercrimes, por exemplo. O avanço ocorre em tal velocidade que acaba por dificultar a previsão e o controle dos riscos advindos das transformações ocorridas ao longo do desenvolvimento social, fazendo surgir, assim, uma sensação de incerteza, insegurança e desamparo, trazendo o clamor dos populares por intervenções mais radicais por parte do poder público, buscando, desse modo, uma sensação de proteção e segurança. Embora o risco seja considerado imprescindível para o impulsionamento da evolução social, também é considerado, ao mesmo tempo, seu próprio fator de desequilíbrio. É fato que existem riscos considerados como consequências naturais da vida em sociedade, os quais devem ser tolerados e permitidos, e que embora possam ser objetos de outros ramos do direito, passam desapercebidos pelo Direito Penal. Entretanto, existem riscos que colocam em xeque bens jurídicos essenciais à sociedade, que quando são atingidos há a interferência da dogmática penal tradicional, respeitando sempre seus princípios básicos. O maior problema encontrado atualmente é a atuação penal na proteção de bens jurídicos difusos e coletivos, que são atingidos pelos riscos modernos, cujos efeitos podem afetar um número indeterminado de pessoas, a sociedade como um todo e, até mesmo, futuras gerações, como é o caso dos crimes ambientais, por exemplo. O Direito Penal tradicional não possui a capacidade de fornecer respostas satisfatórias a essas demandas decorrentes de novos riscos, pairando assim uma crise, pois ao mesmo tempo que se almeja e objetiva preservar as garantias já conquistadas e que limitam o poder estatal, ele deve expandir no sentido de atuar como uma forma de controle social, interferindo na liberdade das pessoas e, ao mesmo tempo, garantir a segurança e o bem-estar coletivos. O sentimento de insegurança por parte da sociedade acaba por gerar um descrédito na administração pública, a qual acaba por optar por atitudes improvisadas na tentativa de acalmar grandes alardes sociais. E em razão desse sentimento de insegurança é que o Direito Penal vem assumindo papel emergencial tanto de forma legislativa quanto jurisprudencial, fazendo despertar preocupações com relação aos direitos do indivíduo, visto que 12 tem sido adotado como um "remédio" e resposta social, o que é inadmissível em um Estado Democrático de Direito. Nesse cenário, a ordem pública antes considerada como a razão da tutela penal, passou a ser confundida com bem jurídico a ser protegido, prejudicando a delimitação da atuação do Direito Penal e alargando o campo dos bens jurídicos passíveis de tutela penal. Em assim sendo, o Direito Penal de Emergência acaba apenas por tratar dos sintomas das novas formas de criminalidade, apenas dando à sociedade a resposta de que a prisão corresponde à justiça, mas deixando de enfrentar efetivamente a causa do problema. 1.2 Globalização É claro que ao se falar de modernidade é impossível não falar também da globalização. Afinal, a globalização é uma das maiores características da sociedade moderna. A globalização é um instituto extremamente amplo que possibilita ligar localidades distantes de tal maneira a dar visibilidade em acontecimentos anteriormente apenas locais. Para o autor Zygmunt Bauman, a globalização acaba por inspirar uma situação de desordem, a qual é muito presente na sociedade pós-moderna. Isso porque traz consigo um caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão de assuntos mundiais. Desta forma, haveria então a ausência de um centro, de um canal centralizado de administração. Já, Ulrich Beck enxerga a globalização sob a perspectiva do risco global, o qual abre espaço para a criação de futuros alternativos, isto é, abre espaço para a discussão moral e política, tornando assim capaz o surgimento e desenvolvimento de uma cultura civil de responsabilidade globalizada. Nesse sentido, pode-se dizer que o risco atravessa a autossuficiência das culturas, idiomas, religiões e sistemas, muitas vezes fazendo com que populações antes incomunicáveis ou mais reclusas passem a se abrir e se comunicar em prol de um objetivo em comum. À medida que um público mundial passa a ter consciência dos riscos globais como mudanças climáticas, pandemias, crises econômicas de extensão 13 global, por exemplo, riscos que vinculam nações, surge, então, a visão cosmopolita na qual as pessoas se veem como parte de um todo, de um mundo que se encontra em perigo, um perigo que vai além de suas histórias locais. E é com base nesse raciocínio que se verifica que a sociedade de risco também é uma oportunidade social, pois essa nova realidade faz com que nenhuma nação consiga extinguir ou mitigar seus problemas sozinha, pois aqueles que apenas focam no âmbito nacional acabarão por perecer. A globalização é um processo caracterizado pelo avanço da comunicação, interação e organização mundiais. Contudo, esse desenvolvimento não acarreta somente problema com as economias nacionais, mas também leva ao desenvolvimento de uma nova criminalidade global, a modificação do direito penal e a uma crescente política criminal global. 1.2.1 Criminalidade transnacional A criminalidade transnacional ocorre em razão das crescentes oportunidades de ultrapassagem de fronteiras por pessoas e no intercâmbio internacional de mercadorias, serviços e dados na sociedade global. Essas possibilidades possuem causas técnicas, econômicas e políticas, assim como efeitos correspondentes. As causas técnicas são as modificações técnicas na globalização que possibilitam o uso de redes de dados mundiais para a prática de delitos. Tanto as redes como a imaterialidade dos dados conduzem a uma comunicação e organizações mundiais, as quais muitas vezes são utilizadas para o cometimento de delitos. Essas causas permitem que qualquer pessoa, por intermédio de um computador, modifique, em segundos, dados de um sistema de computadores em outro país, gerando assim sérias consequências. Ademais, os dados presentes na internet estão presentes em todo o planeta e podem ser acessados de qualquer lugar do mundo simultaneamente com apenas um clique, tornando impossível um controle estatal do fluxo de dados nas fronteiras territoriais de um país. As causas econômicas são as modificações econômicas decorrentes da globalização e geram possibilidades adicionais de prática de delitos 14 transnacionais nos mercados mundiais. Um exemplo é a lavagem de dinheiro que ocorre em um mercado financeiro mundial, caracterizando-se pelas rápidas transformações e que se subtrai do controle individual dos Estados. Outro exemplo é o enorme fluxo consequente do comércio global de containers, tornando assim difícil a fiscalização. As causas políticas, por sua vez, são as modificações decorrentes da globalização que geram um enfraquecimento das fronteiras do Estado em sua função de barreira às transações fronteiriças. Por exemplo, a livre circulação de mercadorias, pessoas e serviços na Europa, em especial na União Europeia, pode vir a gerar novas oportunidades para o cometimento de delitos de nível transnacional. 1.3 Controle social penal A partir do momento que o homem deixou de viver no Estado de Natureza e passou a viver em sociedade, com a criação do Estado, é que se fez necessária a criação de mecanismos de controle social para regular a vida em sociedade. Afinal, deve-se considerar que nem todos os integrantes da sociedade se guiam pelas regras, pois a sociedade não é perfeita. Visando estimular os membros relutantes a seguirem as regras é que entram em cena osmecanismos de prevenção e punição dos desvios, os quais são comumente conhecidos como normas coautoras, que atuam como um aparato de controle em que o indivíduo é inibido a obedecer, mediante os receios de receber uma penalidade advinda por parte do Estado. É nesse cenário e sentido que surge o Direito Penal, o qual tem a finalidade de preservar e defender, protegendo os bens jurídicos mais importantes para a vida em sociedade. O Direito Penal se diferencia das demais instituições sociais em razão do seu caráter normativo e formal, o qual é exercido por meio de um conjunto de normas previamente criadas. Nesse sentido, o Direito Penal vem ao mundo para cumprir funções concretas dentro de uma sociedade e para uma sociedade que concretamente se organizou de determinada maneira, figurando assim como uma parte de um todo. 15 Isso porque o sistema de controle penal não se limita ao Direito Penal tão somente, pois há outros conjuntos de normas que atuam em mesmo sentido, como é o caso das normas processuais penais, a Lei de Execução Penal e etc., as quais criam ou subordinam determinadas instituições a auxiliarem na proteção dos bens jurídicos elencados pelo legislador como os mais relevantes. O sistema penal engloba também as atividades do Ministério Público, dos magistrados e do legislador, sendo o controle punitivo institucionalizado e formalmente punitivo. Pode-se, então, dizer que o sistema penal é constituído pela instituição policial, pela instituição judiciária e pela instituição penitenciária, as quais, de acordo com as normas preestabelecidas, têm por incumbência a realização do Direito Penal propriamente dito. O controle social é o conjunto de mecanismos e sanções sociais que tem por objetivo submeter os indivíduos a modelos e normas comunitários, ou seja, fazê-los enquadrar-se no padrão do que é considerado como comportamento adequado e aceitável. O controle social em si pode ser formal ou informal, diferenciando-se em relação ao modus operandi e as sanções por eles estabelecidas. As sanções do controle social formal são sempre negativas e, por diversas vezes, estigmatizantes. O controle formal é aquele realizado por meio de normas legais, ao passo que o controle informal é o realizado por intermédio de outras formas, como, por exemplo, escola, igreja, trabalho, mídia etc., os quais atuam na manutenção e regulação das relações sociais. O controle social penal, por sua vez, somente pode ser acionado quando todos os outros meios de controle, seja formais ou informais, mostrarem-se insuficientes para a realização do controle de fato. O controle social pode ser realizado por meio de um sistema de normas que contemple o modelo de conduta, punindo fatos que coloquem em perigo o grupo / sociedade. Este é o controle social penal. Pode-se dizer que o controle social penal é um subsistema do controle social formal, em que a infração penal é um fenômeno parcial de todas as condutas desviadas e a pena significa a opção por uma das sanções disponíveis. As características do controle social penal são: 16 a) Objeto a que se refere: não é toda a conduta desviada que enseja a aplicação do controle social penal, apenas as mais juridicamente relevantes traduzidas por infração penal; b) Sua finalidade se traduz pela prevenção e precaução; c) Utiliza-se de penas ou medidas de segurança como meio de instrumentalização; d) Opera com base no princípio da estrita legalidade, sendo ele um princípio limitador. A sociedade, geralmente, possui dispositivos de autodefesa, o controle social informal, o qual, embora não possua rituais específicos e procedimentos formais, possui demasiada eficácia. Contudo, quando o conflito social se reveste de especial gravidade, sua solução não pode ser encontrada nas vias informais somente, razão pela qual o Estado deverá intervir por meio do controle formal, em especial o penal. O controle social penal irá, assim, agir quando o conflito se reveste de especial importância, submetendo, dessa forma, os infratores às normas de atuação delineadas para assegurar a objetividade da intervenção e o respeito às garantias das pessoas envolvidas no conflito. Quando o controle social penal incide na resolução de um conflito, há de se considerar dois requisitos: a) Os fracassos do mecanismo informal e das demais esferas do direito em resolver a demanda; b) A especial relevância da conduta perpetrada pelo indivíduo, a qual não pode se tratar de mera banalidade, pois o controle social penal atua somente na proteção dos bens jurídicos mais relevantes e importantes da sociedade. Dessa forma, verifica-se que o Direito Penal é a ultima ratio, ou seja, somente será invocado quando nenhum dos outros meios de controle, seja informal ou formal (direito civil, administrativo, de família, ambiental etc.), esteja se mostrando suficiente para a resolução da demanda. 17 Entretanto, o caráter puramente repressivo do Direito Penal há de ser questionado, visto que embora seja pena, ainda é direito, ou seja, há o castigo, mas também há a garantia. Em razão de sua natureza é que muitas são as críticas acerca do controle social penal, pois muitos autores defendem que há uma certa discriminação e que o Direito Penal vem sendo utilizado para punir de maneira mais severa as classes mais baixas e se mostra mais sereno nas punições de agentes integrantes das classes mais abastadas. O fato é que, atualmente, o Direito Penal tem ampliado seu alcance, conforme verificado anteriormente, e está sendo utilizado em caráter emergencial. E com o Direito Penal Emergencial surge também o Direito Processual Emergencial, o qual exige do Poder Judiciário respostas cada vez mais imediatas, em que o exercício do poder punitivo acaba por deixar de lado os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, pois abre-se mão do formalismo processual em troca da responsabilização a qualquer custo. Contudo, embora essas violações se mostrem, por vezes, eficazes no esclarecimento de muitos delitos e respondem satisfatoriamente à sociedade por meio da mídia, acaba-se por atribuir ao Direito Penal um papel que não lhe pertence, sendo-lhe concedidos poderes ilimitados e incontroláveis que acabam sendo legitimados em nome do risco e da emergência. Conclusão da aula 1 Nesta aula foi possível concluir que o Direito Penal vem tentando se amoldar à nova sociedade de risco, mas que sua utilização vem sendo feita de modo emergencial, visando apenas "estancar a ferida", mas não tratar de fato a causa do problema. E por essa razão é que a modernização, em especial no âmbito legislativo, deve ser feita de maneira prudente, considerando não apenas a resposta à sociedade, mas sim os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, desvinculando-se da ideia de que esses direitos são empecilhos para se alcançar a justiça. Nesta primeira aula foram abordados os temas: sociedade de risco, globalização e controle social penal. 18 Com relação à sociedade de risco desenvolveu-se a teoria elaborada por Ulrich Beck, a qual entende que a sociedade de risco surge na modernidade, com o avanço tecnológico e a globalização, os quais criam riscos dentro da sociedade. Nesse sentido, os riscos seriam produtos, ao mesmo tempo, reais ou irreais, por alinharem danos e perigos já ocorridos àqueles calculados. Nesse sentido, o futuro teria primazia em relação ao passado, visto a existência de potencialidade de projeção dos fatores que conjugam riscos. Em mesmo tópico discutiu-se a complexidade e modernidade dos novos delitos, razão pela qual o esclarecimento deles e a punição de seus autores se torna um trabalho deveras complicado. E nesse sentido, comentou-se o uso do Direito Penal de Emergência para sanar os conflitos de maneira emergencial. No segundotópico foi discutido acerca da globalização, oportunidade em que se mostrou a sua contribuição para a facilitação do cometimento de crimes transnacionais, visto que há relativização das fronteiras físicas. Sobre os crimes transnacionais explicou-se quais as modificações modernas que vêm a facilitar a ocorrência desses tipos de crime, sendo elas: técnicas, econômicas e políticas. Posteriormente, discorreu-se sobre o controle social penal, oportunidade em que foi demonstrada a existência do controle informal, representado pelas igrejas, escola, famílias etc., e o controle formal, representado pelas instituições legislativas e normativas. Nesse sentido, demonstrou-se que o sistema penal vai além do Direito Penal em si, mas é formado por um conjunto de elementos voltados à efetivação do Direito Penal. Explicou-se que a necessidade de controle social penal se dá em razão de que, em sociedade, sempre há indivíduos que não respeitam as regras e que desvirtuam a harmonia da convivência, razão pela qual é necessária a existência de um sistema repressor, na tentativa de coibir esses desvios. Ao final, fez-se uma breve crítica acerca da utilização do Direito Penal de maneira emergencial, a qual abre margens e precedentes para a violação de direitos fundamentais dos indivíduos. 19 Atividade de Aprendizagem Discorra em breves linhas sobre o controle social penal. Aula 2 - Novas formas de criminalidade Apresentação da aula 2 Nessa aula será dado início ao estudo das novas formas de criminalidade. Esta aula se destinará ao desenvolvimento acerca das temáticas: criminalidade organizada e criminalidade econômica, apresentando seus conceitos e características, bem como a legislação nacional vigente acerca do tema. 2.1 Criminalidade organizada A criminalidade organizada, embora seja uma temática cujo estudo é considerado moderno, é uma prática que já se observava em sociedades mais antigas. Um exemplo de criminalidade organizada que pode ser citado é a pirataria do século XVII e XVIII, na qual os piratas já agiam em forma de organização estável em que havia forte liderança e hierarquia. Outro exemplo a se considerar são as ações realizadas pelo antigo cangaço, as quais ocorreram no Nordeste entre o século XVIII e meados do século XX, em que seus membros vagavam em grupos atravessando estados e atacando cidades. Contudo, quando se analisa as atividades criminosas atuais, pode-se verificar que em termos de organização, elas atingiram níveis de administração interna, tecnologia, expansão e lucratividade similares as das grandes empresas. Verifica-se também que a criminalidade organizada envolve não somente os criminosos mais sofisticados ou normalmente conhecidos por apresentarem- 20 se como donos de empresas de alta performance, mas que na realidade são apenas fachadas para a lavagem de dinheiro e crimes derivados, como também na modalidade dos crimes clássicos, mas agora com organização, análise de riscos, investimentos, treinamentos e até seleção de pessoal. Um ponto importante a se destacar é que o combate a esses crimes e a busca por seus autores demandam imenso esforço policial, visto que se trata de criminosos de elite, os quais estão envolvidos com tráfico internacional de drogas, tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro, o que pode dificultar a persecução penal em razão da sofisticação e ousadia das ações delituosas. Dessa forma, enfrentar a criminalidade organizada demanda atuação imensamente mais árdua por parte da polícia e da Justiça em geral, a qual não mais se dedica apenas à busca de crimes de menor potencial ou sofisticação, mas enfrenta cartéis, bandos e quadrilhas altamente organizadas. 2.1.1 Conceito A legislação brasileira não trazia o conceito de criminalidade organizada propriamente dita, limitando-se a equiparar essa atividade criminosa ao disposto no artigo 288 do Código Penal. Desta forma, acabava por equiparar erroneamente a criminalidade organizada ao conceito de associação criminosa. Erroneamente, pois a associação criminosa nada mais é do que um agrupamento sem qualquer tipo de sofisticação, complexidade ou estrutura diferenciada. Em razão dessa ausência de conceito pela legislação é que ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência conceituar o que seria a criminalidade organizada. Contudo, há de se verificar que se trata de trabalho árduo e praticamente impossível, pois não há como desenvolver uma única definição legal que irá abranger todas as modalidades de organizações criminosas. Isto se dá em razão da não rigidez de seus modelos, o que não é passível de definição, mas apenas de caracterização. Alguns doutrinadores passam a traçar um panorama genérico do que caracterizaria as organizações criminosas. Nesse sentido, em uma organização criminosas deve haver: 21 a) Unidade social, ou seja, identificação de seus componentes com algum fator específico capaz de reuni-los em prol de uma meta específica em comum; b) Comportamento social padronizado, demonstrado por meio da criação de rituais comportamento diário, condutas permitidas ou proibidas dentro da organização etc.; c) Arranjo pessoal, manifestado pela vontade individual de realizar o objetivo específico de todos; d) Formação da unidade social em uma estrutura descritível, compreendida por meio de funções hierárquicas e específicas de cada membro, bem como divisão de tarefas, atribuição de funções e preenchimento de cargos específicos visando atingir ao objetivo comum; e) Recursos materiais, seja por meio da mão de obra dos membros como por obtenção de recursos financeiros arrecadados dos membros. Desta feita, a organização criminosa pode ser entendida como aquela organização caracterizada por ser rígida e possuir continuidade, sendo que as atividades são exercidas dentro de um sistema hierárquico restrito e controlado mediante métodos não convencionais (situações de violência, agressões, castigos físicos e psicológicos etc.). A criminalidade organizada transnacional, por sua vez, pode ser compreendida como aquela que possui texturas diversas, detendo o poder com base em uma estratégia global e estrutura organizada de maneira a potencializar sua danosidade, capacidade de penetração e força de expansão. Outra definição que pode ser aqui elencada é a definição desenvolvida pelo FBI (Federal Bureau of Investigation), a qual conceitua a criminalidade organizada como sendo uma empreitada criminal permanente ou em continuidade, que possui uma estrutura organizada alimentada pelo medo e pela corrupção, cujo objetivo é obter lucros com a realização de atividades ilícitas. De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), existem cinco tipologias de organizações criminosas, sendo elas: a) Hierarquia padrão: é a hierarquia simples dentro de um grupo, havendo forte sistema interno de disciplina; 22 b) Hierarquia regional: se traduzem em grupos hierarquicamente estruturados em que há forte controle interno e disciplina, mas com autonomia para componentes regionais; c) Hierarquia agrupada: ocorre quando uma parte dos grupos criminosos estabelece um sistema de coordenação e controle, indo do mais brando ao mais forte, em suas várias atividades; d) Grupo central: são grupos relativamente organizados, mas levemente desestruturados, os quais são, em muitos casos, auxiliados por uma rede de indivíduos engajados em atividades criminosas; e) Rede criminosa: consiste em uma rede esparsa de indivíduos, os quais normalmente possuem habilidades especiais para a constante e progressiva prática de atividades criminosas. Pode haver situações, inclusive, me que muitos dos indivíduos não atuem em proximidade ou sequer se conheçam, mas permanecem conectados com outro componente do núcleo central. Nessasestruturas a lealdade e os laços de afinidade se tornam essenciais para a manutenção da rede, pois sozinhos os componentes não teriam a mesma eficiência. Insta salientar que a rede criminosa é definida por indivíduos engajados no crime por meio de alianças parciais, podendo, inclusive, não se reconhecerem como membros de um grupo criminoso nem assim serem reconhecidos por quem está de fora da organização, mesmo que tenham se unido para a realização de uma série de ações criminosas. Em matéria de conceito, em razão da complexidade e considerando ser o Brasil signatário da Convenção de Palermo, a definição adotada pela jurisprudência brasileira para conceituar organização criminosa havia sido: grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Somente no ano de 2013 é que foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei 12.850, a qual conceitua organização criminosa para a legislação brasileira. 23 LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013 Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto- Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.h tm Portanto, verifica-se que a legislação brasileira conceituou as organizações criminosas com base em quatro características: a) Associação de quatro ou mais pessoas; b) Estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, mesmo que informalmente; c) Objetivo de obter vantagem de qualquer natureza; d) Prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos ou sejam de caráter transnacional. Em linha gerais, as organizações criminosas irão possuir determinadas características que irão diferenciá-las das meras associações, visto que nas organizações criminosas há o caráter permanente, a estrutura empresarial, o padrão hierárquico e a divisão de tarefas e o uso de instrumentos e sofisticação tecnológica. 24 2.1.2 Modelos Dentro do estudo das organizações criminosas, alguns modelos podem ser encontrados, sendo eles: tradicional, rede, empresarial e endógena. O modelo tradicional é aquele representado pela Máfia, em que há profunda força intimidatória, que atua de forma autônoma, difusa e permanente. O modelo de rede, por sua vez, tem como principal característica a globalização. Via de regra constitui-se por um grupo de experts sem a existência de ritos, vínculos, bases ou critérios mais rígidos de formação hierárquica. Possui natureza provisória e se aproveita das diversas oportunidades que venham a surgir em determinados setores ou locais, forma-se por meio de contatos ou indicações que existem no ambiente criminal, sem, contudo, haver compromisso de vinculação ou permanência. Em linhas gerais estabelecem suas atividades e sua atuação em espaços que favorecem os delitos a que se destinam, agindo por um curto período até virem a diluir-se. Com a diluição, seus integrantes passam a se unir a outros agentes formando novas células criminosas. O modelo empresarial é aquele vinculado à atividade empresarial fraudulenta, com a existência das famosas "empresas de fachada", ou com a prática primária de atividades lícitas para encobrir a prática secundária em que se verificam as atividades ilícitas, como crimes fiscais, ambientais, econômicos etc. Já o modelo de organização criminosa endógena é aquele que se instala dentro do próprio Estado, sendo composta basicamente por políticos e agentes públicos, podendo até mesmo envolver os Três Poderes. Em geral há a prática de crimes de funcionários em desfavor da administração pública, como a corrupção ativa, por exemplo. 2.1.3 Legislação brasileira Embora a Lei 12.850/13 seja mais atual em matéria de conceito de organização criminosa, muitos juristas defendem que a Lei 12.684/12, a qual também conceituava organização criminosa, continuaria em vigor. 25 De acordo com a Lei 12.684/12, organização criminosa seria, então, a associação de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenadas e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a quatro anos ou que sejam de caráter transnacional. Desta forma, existem duas correntes: a dos juristas que acreditam que a definição da Lei 12.684/12 continua em vigor, e outros que acreditam que a Lei 12.850/13 revogou tacitamente de maneira parcial a lei anterior. Para a parte da doutrina que entende pela revogação parcial, manter as duas definições de organização criminosa é criar insegurança jurídica, além de uma discriminação injustificada, o que seria incompatível com o Estado Democrático de Direito. Para melhor compreensão do posicionamento pode-se citar aqui o parágrafo 1° do artigo 2° da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a qual preceitua que a lei nova irá revogar a anterior quando expressamente o declara, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior. Nesse sentido, interpretando a Lei 12.850/13, verifica-se que ela acaba por revogar o conceito apresentado pela Lei 12.684/12 em razão de regular inteiramente o conteúdo acerca do conceito de organização criminosa. Afinal, a Lei 12.684/12 definia o conceito de organização criminosa para seus próprios efeitos. Ademais, a lei posterior disciplina acerca da organização criminosa de maneira mais abrangente, completa e para todos os efeitos, não sendo restrita. Dessa forma, o procedimento da lei 12.684/12 deverá considerar a definição de organização criminosa presente na Lei posterior, pois esta revogou seu conceito. A única distinção entre o conceito anterior e o conceito atual repousa sobre o número mínimo de integrantes da organização e mínimo penal deverá ser superior a quatro anos. A utilização do termo "infração penal" acaba por expandir às atividades consideradas contravenções, e não apenas a prática de crimes propriamente, como ditava a legislação anterior. 26 Outra inovação trazida pela Lei 12.850/13 foi prever a organização criminosa como crime, possibilitando assim que os réus sejam condenados pela prática de crime organizado sem que haja prejuízo às demais infrações perpetradas. A lei 12.850/13 também prevê qualificadores nas situações em que houver emprego de arma de fogo, participação de criança ou adolescente, funcionário público, relação com outra organização criminosa, o produto do crime for destinado à exportação e/ou se houver caráter transnacional da organização. Curiosidade Com relação ao envolvimento de criança, adolescente e funcionáriopúblico paira a discussão se para a aplicação dessa qualificadora os indivíduos deveriam tão somente participar da organização criminosa ou das infrações penais por ela perpetradas. Devido à técnica legislativa, verifica-se que se um desses indivíduos for utilizado pela organização, a partir do momento que para ela colaborou com o escopo dela, estaria, então, integrando essa organização. 2.1.4 Lei 12.850/13 Este tópico se destina à análise do conteúdo da Lei 12.850, visto que além de conceituar organização criminosa, trouxe também alguns novos aspectos. O primeiro deles é a figura do instituto da delação premiada, muito conhecido por intermédio da Operação Lava Jato. Segundo esse instituto, o juiz, a requerimento das partes e na observância dos requisitos legais, poderá conceder perdão judicial, redução da pena ou substituição por pena restritiva de direitos, se houver colaboração efetiva e voluntária do réu para com a investigação e o processo penal. Com relação à eficácia da colaboração, ela se traduz pela identificação dos demais coautores e partícipes da organização e das infrações por eles praticadas, revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas, prevenção de infrações penais decorrentes da organização criminosa, a recuperação total 27 ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais, a localização de eventual vítima com sua integridade física preservada. As declarações proferidas a título de delação não constituem renúncia ao direito de silêncio que o réu possui. Afinal, as declarações, além de necessárias, são realizadas de maneira voluntária, o que afastaria a renúncia do direito ao silêncio, pois ao réu delator pressupõe-se tratamento de forma de testemunha em relação às informações prestadas. Outra inovação diz respeito à ação controlada. Via de regra, a ação controlada ocorre quando há retarde da intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que seja mantida sua observação e acompanhamento para que a medida legal venha a se concretizar no momento mais eficaz para a formação das provas e obtenção de informações. A legislação acaba por inovar ao dispensar a autorização judicial para que o agente policial competente possa agir de forma controlada na formação de um flagrante retardado. Embora a Lei determine que a autoridade deverá informar ao magistrado e este possa definir limites ouvindo o Ministério Público, o agente não depende da autorização judicial para executar a ação. A legislação também inovou acerca da ação controlada quando expandiu sua utilização para os agentes administrativos, permitindo que estes, assim como os agentes policiais, possam acumular informações e consolidar linhas investigatórias, definindo assim o melhor momento para a intervenção. A Lei 12.850/13 também trouxe em seu texto a figura do agente infiltrado, o qual necessariamente deverá possuir autorização judicial prévia para executar o trabalho durante o processo investigatório. É um meio investigativo subsidiário, ou seja, somente poderá ser utilizado quando a prova não puder ser de outra forma produzida. Com relação à regulamentação de interceptações de comunicações, quebra de sigilo financeiro, bancário e fiscal, a Lei 12.850/13 acabou por deixá- la a cargo da legislação específica. 28 2.2 Criminalidade econômica Pode-se dizer que a construção do Direito Penal Econômico ocorreu no fim do século XX, após a crise do liberalismo. Surgiu com o intuito de coibir abusos na economia por meio de normas reguladoras das atividades econômicas. A criminalidade econômica, normalmente conhecida como crimes do colarinho branco, não possui um conceito concreto e imutável, mas pode ser entendida como um comportamento com resultado danoso social que lesiona diretamente a ordem econômica, entendendo-a como um bem supraindividual ou coletivo, cabendo tanto o que se encontra na legislação como as desaprovações sociais que reclamam sua tipificação. Verifica-se então que os efeitos da criminalidade econômica afetam a sociedade como um todo, alcançando, inclusive, proporções mundiais. Os crimes contra a ordem econômica estão presentes na Lei 8.137/90 e estão voltados à proteção do regular andamento do mercado econômico, da leal concorrência e de proteção ao consumidor. Por exemplo, a lei criminaliza a conduta de formação de acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes quando estas visam ao congelamento de preços, controle regionalizado de mercado ou controle em detrimento da concorrência. Dessa forma, a criminalização das condutas trazidas pela lei tem como objetivo evitar que haja abuso do poder econômico das grandes empresas, as quais passariam a dominar o mercado, em detrimento das menores, prejudicando assim não só as pequenas empresas como também o consumidor final. Em razão de sua complexidade é que surgiu a necessidade da regulação por meio de um ramo específico do Direito, o Direito Penal Econômico. O Direito Penal Econômico é, em sentido estrito, o conjunto de normas jurídico-penais que protege a ordem socioeconômica. Caracteriza-se pela intervenção estatal na economia e visa à proteção da atividade econômica presente e desenvolvida na economia de livre mercado. Os danos causados pela criminalidade econômica são de natureza financeira, e a criminalização de condutas encontra-se esparsa, podendo ser 29 encontrada em diversas leis diferentes, como a Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, a qual será estudada na próxima aula. Dessa forma, os crimes econômicos podem ser considerados como uma categoria delitiva autônoma, podendo ser dividido em crimes econômicos em sentido amplo e crimes econômicos em sentido restrito. Tendo em vista que o Brasil adota o sistema capitalista de produção, os crimes contra o sistema financeiro, contra a economia popular, de ocultação de bens, direitos e valores, de concorrência desleal, dentre os ligados diretamente à manutenção do sistema capitalista, podem ser classificados como delitos econômicos em sentido estrito. Já os crimes contra a administração pública em geral, os crimes ambientais, os crimes contra a organização do trabalho, dentre outros que afetam indiretamente o modo de produção capitalista, podem ser classificados como delitos econômicos em sentido amplo. Portanto, ao conceber os crimes econômicos como uma modalidade autônoma de crimes, é compreender a proteção dada pelo Direito Penal aos bens jurídicos de natureza supraindividual, ligados ao equilíbrio mercadológico inserido no modo de produção capitalista, o qual também engloba o mercado financeiro, ensejando assim a repressão aos crimes contra o sistema financeiro nacional. Conclusão da aula 2 Com base no apresentado em aula é possível concluir que a legislação penal brasileira vem se modernizando no tocante às novas formas de criminalidade, possibilitando assim um alcance punitivo cada vez maior àqueles que vem a causar danos de grande monta a sociedade. A criminalidade organizada é um assunto que, embora não seja propriamente novo, traz consigo a discussão dos limites de atuação da polícia quando da investigação de grupos voltados à criminalidade, discussão esta que esbarra com direitos fundamentais como a privacidade. Nesta aula foi dado início à temática referente às novas formas de criminalidade, oportunidade em que foram apresentadas a criminalidade organizada e a criminalidade econômica. 30 O primeiro tópico se destinou a desenvolver acerca da criminalidade organizada, em que foi demonstrado o conceito de organização criminosa. Em mesmo tópico destacou-se a dificuldade de elaborar um conceito amplo o suficiente para abarcar todas as modalidades de organizações criminais existentes. Forammencionados os conceitos adotados pelo FBI, pela ONU, pela Convenção de Palermo, até o conceito elaborado pela Lei 12.850/2013, a mais atual acerca da temática. Posteriormente, destacou-se a problemática acerca da vigência ou não da Lei 12.864/12, a qual trazia em seu texto a definição de organização criminosa para fins da própria lei. Foram apresentadas as duas correntes acerca da vigência da lei: a daqueles que acreditam ainda estar vigente o conceito dado pela lei e a daqueles que defendem que o conceito trazido pela lei anterior foi tacitamente revogado pela lei posterior. Após, discutiu-se sobre as inovações trazidas pela Lei 12.850/13, sendo elas: a positivação da delação premiada, a não obrigatoriedade de autorização judicial para realização de ação controlada, a extensão da prática de ação controlada pelos agentes administrativos e a normatização da figura do agente infiltrado. Em próximo tópico foi dada introdução à criminalidade econômica, a qual pode ser entendida como atividade lesiva para bens jurídicos supraindividuais, cujos efeitos atingem a atividade econômica, as normas de mercado, o sistema financeiro em geral. Ao final, em mesmo tópico, também foi conceituado o Direito Penal Econômico e demonstrada sua importância e necessidade de existência. Atividade de Aprendizagem Discorra sobre os elementos do conceito de organização criminosa elaborado pela Lei 12.850/13. 31 Aula 3 - Novas formas de criminalidade Apresentação da aula 3 Nesta aula serão abordados dois novos temas referentes às novas formas de criminalidade, sendo eles: crimes contra a ordem tributária e crimes contra o sistema financeiro nacional. 3.1 Crimes contra a ordem tributária Para melhor compreensão acerca do tema é necessário, primeiramente, entender breves noções acerca do Direito Tributário, razão pela qual será destinada uma pequena parte do tópico para essa explicação. 3.1.1 Noções básicas de Direito Tributário O Direito Tributário é o ramo do Direito destinado ao estudo dos princípios e normas que disciplinam e orientam a ação estatal na ação de exigir tributos. O conceito de tributo encontra-se previsto no Código Tributário Nacional. De acordo com o artigo 3° deste Diploma Legal, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Em outras palavras, o tributo é uma obrigação que decorre de lei, deve ser prestada em moeda, não se tratando de sanção em razão de ato ilícito e é cobrado mediante atividade administrativa vinculada. Via de regra o credor é uma pessoa política, e o devedor pode ser qualquer pessoa. A função do tributo pode ser considerada híbrida, pois além de ser a principal fonte de captação de recursos para o Estado, funciona também com o intuito de interferir no domínio econômico, visando, assim, à promoção da estabilidade. A primeira função é a função fiscal e a segunda é a função extrafiscal. 32 Insta salientar que embora existam crimes envolvendo matéria tributária, o tributo em si não constitui penalidade decorrente da prática de ato ilícito, afinal, o fato gerador descrito pela lei que gera a obrigação sempre será um ato lícito. A sanção de caráter monetário é a multa, a qual é exigida em face a prática de alguma ilicitude, não importando a capacidade contributiva do agente, isto é, havendo a prática de um ato ilícito já há base suficiente para a cobrança da multa prevista como sanção. O tributo possui, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, uma classificação composta por cinco espécies: impostos, taxas, contribuição de melhoria, contribuições especiais e empréstimo compulsório. Logo, verifica-se que o tributo é o gênero do qual se extrai as espécies acima citadas. 3.1.2 Ordem tributária como bem jurídico A ordem tributária é vista como um conjunto de normas que vem a limitar o poder de instituir e cobrar tributos. Nesse sentido, o bem jurídico protegido seria a função arrecadadora do Estado, ou o Erário Público, o qual está diretamente vinculado com a atividade institucional de arrecadação de tributo em razão do interesse estatal de recolher os valores. Em razão da importância da arrecadação, pois ela possibilita que sejam levantados recursos para que o Estado exerça suas atividades, é que a ordem tributária constitui um bem jurídico cuja proteção penal se faz necessária, seja por sua relevância social como pela ineficácia das sanções de caráter civil. 3.1.3 Lançamento x auto de infração O auto de infração constitui uma sanção tributária, portanto há um fato delituoso caracterizado pelo descumprimento de um dever. É um ato administrativo que corresponde a uma manifestação objetiva da vontade do Estado. 33 O lançamento, por sua vez, pressupõe um fato lícito em que não há qualquer preceito, apenas uma alteração no mundo social a que o direito atribuiu valoração positiva. 3.1.4 Lei 8.137/90 e demais crimes A evasão e a elisão fiscal diferenciam-se ao passo que a elisão diz respeito à prática dos atos lícitos, antes da incidência do tributo, que visam obter legítima economia de tributos por meio do impedimento do fato gerador, da exclusão do contribuinte do âmbito de incidência da norma ou por meio de redução do valor de tributo a pagar. A evasão fiscal, por sua vez, diz respeito à prática, durante ou posterior à incidência do tributo, que utiliza meios ilícitos como fraude, simulação ou omissão, visando não pagar tributos. Os crimes contra a ordem tributária estão previstos na Lei 8.137/90, a qual disciplina não só os crimes contra a ordem tributária, mas também os crimes contra a ordem econômica e contra as relações de consumo. Segundo a referida lei constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: a) omitir informação ou prestar informação falsa às autoridades fazendárias; b) fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; c) falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; d) elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber ser falso ou inexato; e) negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente relativo à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. 34 As penas cominadas para a prática dessas condutas são de reclusão de dois a cinco anos e multa. Também constitui crime de mesma natureza: a) fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre renda, bens ou fatos, ou empregar outra fraude para eximir-se, total ou parcialmente, de pagar tributo; b) deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; c) exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; d) deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcela de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; e) utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. A pena para a realização dessascondutas é de detenção de seis meses a dois anos e multa. Outra modalidade de sonegação fiscal é aquela praticada por funcionário público, a qual se caracteriza pela prática das seguintes condutas: a) extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer outro documento de que tenha guarda em razão da função, sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social; b) exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-lo parcialmente; 35 c) patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária valendo-se da qualidade de funcionário público. Os tipos penais definidos no artigo 1° da Lei são crimes de resultado, ou seja, exige um resultado para que o crime tributário possa vir a existir. Já o artigo 2° irá dizer respeito a situações em que há omissão por parte do contribuinte, conforme se comprova da análise do inciso II do referido artigo. A sonegação fiscal se difere da inadimplência quando da análise da subjetividade, visto que a sonegação enseja má-fé na conduta. Por exemplo, quando uma nota fiscal é emitida, escriturada e devidamente informada ao fisco, mas não há o recolhimento do tributo, exclui-se a pretensão punitiva, pois trata- se de mero inadimplemento e não crime. Alguns exemplos podem ser citados acerca de modalidades utilizadas para a prática da sonegação fiscal, como, por exemplo: a meia nota (emissão de nota com valores reduzidos); nota calçada (geração de documentos fiscais adulterados seja no preço como na descrição); acréscimo patrimonial a descoberto (não declarar corretamente o aumento de patrimônio visando pagar menos impostos); e uso de laranjas (ocorre quando uma pessoa cede seu nome ou conta bancária para intermediar uma negociação fraudulenta, ocultando assim a identidade de um terceiro beneficiário). Os crimes contra a ordem tributária elencados na Lei 8.137/90 englobam, dentre outras condutas, a supressão ou redução de tributos por meio de fraude, omissão, falsificação, não fornecimento de documentos obrigatórios, bem como apresentação de declarações falsas, não recolhimento de tributo ou contribuição social descontado etc. Um crime contra o sistema tributário que não consta na Lei 8.137/90 é o de apropriação indébita, em que há o recolhimento na fonte, mas não há o repasse dos valores para o ente respectivo. Por exemplo: há o recolhimento do valor correspondente ao pagamento do INSS, o qual é descontado do trabalhador, mas não há o repasse desse valor para a União. Outro crime que também não é encontrado na lei, mas sim no Código Penal, é o crime de descaminho, previsto no artigo 334, que consiste em iludir, em todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, 36 pela saída ou pelo consumo de mercadoria. A pena para esse tipo de crime é de reclusão de um a quatro anos. Incorrerá nas mesmas penas quem praticar navegação de cabotagem, praticar fato assimilado ao descaminho, vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; ou adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. De acordo com a jurisprudência, tanto os crimes elencados na Lei 8.137/90 quanto o descaminho são passíveis de aplicação do princípio da insignificância, havendo um limite de R$20.000,00 (vinte mil reais), que é o valor de referência para que a Fazenda Pública possa requerer o arquivamento e não ajuizar a ação fiscal. Muito se discutiu acerca do teto máximo limitante para a aplicação do princípio da insignificância, visto que o Supremo Tribunal Federal havia proferido alguns julgados considerando que o limite seria de R$10.000,00 (dez mil reais). Contudo, em 2018 o Supremo Tribunal Federal revisou seu posicionamento acerca da matéria, adotando o entendimento de que incide a insignificância aos crimes tributários federais e descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$20.000,00 (vinte mil reais) a teor do disposto no artigo 20 da Lei10.522/2002, com as alterações efetivadas pelas portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda. 3.1.5 Processo A responsabilidade e investigação irá depender da natureza do tributo, mas geralmente o processo se inicia quando o auditor fiscal identifica atos ou fatos que constituem crime contra o sistema financeiro ou a Previdência Social. A partir desse ato é que será apurado e constituído o crédito tributário, isto é, refazer o cálculo e lançar o valor que deixou de ser recolhido. 37 Posteriormente, o auditor irá formalizar a representação para fins penais, em que deverá constar toda a investigação que culminou no convencimento de que um crime foi cometido. Em assim sendo, o contribuindo ficará então notificado acerca do lançamento do crédito tributário, para que, então, proceda com o pagamento ou requeira o parcelamento do valor do tributo. Ainda nesta fase ocorre a possibilidade de realizar a defesa administrativa que versará sobre a discussão acerca do débito. Caso haja o pagamento do débito há, consequentemente, a extinção da punibilidade e o arquivamento do inquérito fiscal. Se o devedor requerer parcelamento, a punibilidade fica suspensa até o pagamento integral da dívida. Ele irá ocorrer se houver oferecimento de defesa fiscal na esfera administrativa, pois o débito e o procedimento fiscal ficarão suspensos até que seja proferida a decisão administrativa final. Se não ocorrer nenhuma causa suspensiva e não houve extinção da punibilidade pelo pagamento, prescrição ou decadência, a autoridade responsável pela repartição fiscal irá enviar representação para o Ministério Público, o qual é responsável por promover a ação penal por meio do oferecimento de denúncia, dando início à fase judicial. Contudo, antes do recebimento da denúncia, o devedor pode realizar o pagamento integral da dívida ou propor o parcelamento desta, novamente, eliminando assim a possibilidade de ajuizamento de ação penal. Se optar pelo parcelamento, a denúncia não poderá ser recebida enquanto estiverem sendo pagas as parcelas. Portanto, é facultado ao devedor duas oportunidades para a quitação do débito sem que haja ajuizamento de ação penal e ele passe a responder por crimes fiscais. Nesse sentido, verifica-se um afrouxamento da lei, pois permite que a punibilidade seja extinta nessa modalidade de crime com o mero pagamento ou suspensa com o parcelamento da dívida. Havendo o recebimento da denúncia, a ação penal passa a tramitar, sendo ela uma ação penal pública incondicionada, em que será discutido não o valor crédito tributário, mas a ocorrência ou não de crime e demais teses defensivas correlatas. 38 3.2 Crimes contra o sistema financeiro nacional Compreender os crimes contra o sistema financeiro nacional enseja o prévio conhecimento acerca do conceito de instituição financeira e instituições equiparadas a instituições financeiras. Para melhor compreensão do tema e em razão de sua complexidade é que o estudo será feito em etapas. 3.2.1 Instituição financeira e equiparada A própriaLei 7.492/86 em seu texto conceituou instituição financeira, em seu artigo 1°, como sendo a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou negociação de valores mobiliários. Em mesmo artigo, mas no parágrafo único, a Lei conceitua como sendo equiparadas a instituições financeiras: a) a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança ou recurso de terceiros; b) a pessoa natural que exerça qualquer das atividades referidas no artigo 1° da Lei, ainda que de forma eventual. As instituições financeiras e equiparadas desempenham papel indispensável na interligação entre os diferentes polos de negociação existentes no mercado. As instituições financeira, em suma, são aquelas existentes no Sistema Financeiro Nacional, as quais são definidas pelo Banco Central como sendo: bancos comerciais, bancos múltiplos; bancos de investimento, bancos de desenvolvimento; caixas econômicas; sociedades de crédito, financiamento e investimento (financeiras); sociedades corretoras de títulos e valores mobiliárias que são constituídas sob forma de sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada; sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários; sociedades de arrendamento mercantil; cooperativas de crédito; 39 agências de fomento; associações de poupança e empréstimo; e bancos de câmbio. 3.2.2 Crimes da Lei 7.492/86 A Lei 7.492/86 também trouxe em seu conteúdo as tipificações penais de condutas consideradas como crimes contra o sistema financeiro nacional. São eles: impressão ou publicação não autorizadas; divulgação falsa ou incompleta de informação; gestão fraudulenta e temerária; apropriação indébita e desvio de recursos; sonegação de informação; emissão, oferecimento ou negociação irregular de títulos e valores mobiliários; exigência de remuneração acima da legalmente permitida; fraude à fiscalização ou ao investidor; documentos contábeis falsos ou incompletos; contabilidade paralela; omissão de informações; desvio de bem disponível; apresentação de declaração ou reclamação falsa; manifestação falsa; operação desautorizada de operação financeira; empréstimo a administradores ou parentes e distribuição disfarçada de lucros; violação do sigilo bancário; obtenção fraudulenta de financiamento; aplicação irregular de financiamento; falsa identidade; evasão de divisas; prevaricação financeira. Alguns desses crimes possuem penalidades mais severas e ensejam destaque, como é o caso dos títulos irregulares e o de divulgação de informação falsa ou prejudicial. O artigo 2° dedica-se a tratar acerca dos títulos irregulares, tipificando como crime a conduta de imprimir, reproduzir ou, de qualquer modo, fabricar ou pôr em circulação, sem autorização escrita da sociedade emissora, certificado, cautela ou outro documento representativo de título ou valor mobiliário. O bem jurídico tutelado por esse tipo penal é a regularidade formal do processo de emissão e negociação de valores mobiliários e, por extensão, a credibilidade e estabilidade do sistema financeiro nacional. O tipo objetivo se concretiza com a realização dos verbos descritos no tipo penal, e o tipo subjetivo repousa no dolo, o qual é representado pela vontade consciente de realizar qualquer uma das condutas descritas pelo tipo penal. A pena cominada para essa modalidade criminosa é de reclusão de dois a oito anos e multa. Nessas mesmas penas incorre quem imprime, fabrica, 40 divulga ou faz distribuir prospecto ou material de propaganda relativo aos papéis referidos no artigo 1°. O artigo 3°, por sua vez, dedica-se a tratar acerca da divulgação de informação falsa ou prejudicial, a qual consiste em: divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituições financeiras. Nesse tipo penal há mais de um bem jurídico a ser tutelado, pois protege não só a instituição financeira contra a qual é divulgada a informação falsa, como também protege os interesses dos investidores em geral, os quais foram ou seriam privados das informações corretas ou incorrerem em erro em razão de informações inverídicas. Por óbvio que a tutela penal também se estende ao sistema financeiro como um todo, pois este é o destinatário geral da proteção de toda a Lei 7.492/86, e ao Estado em seu papel de guardião e detentor do monopólio do sistema financeiro nacional. As penas cominadas para esse crime são de reclusão de dois a seis anos, e multa. Note-se que são penas cumulativas e não alternativas, portanto, serão aplicadas ambas as penas, tanto a privativa de liberdade como a pecuniária. Os crimes dos artigos 8°, 9°, 10, 11, 12, 1618, 21 e 23 são crimes passíveis de suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos da Lei 9.099/95, visto que a pena mínima cominada para esses crimes é de um ano. A Lei prevê a possibilidade de redução de pena em um a dois terços nas situações em que o crime é cometido por meio de associação criminosa ou coautoria se houver, por meio de confissão espontânea, revelação, à autoridade policial ou judicial, toda a trama delituosa. Há, então, a previsão de delação premiada para essas modalidades de crime. O mesmo Diploma Legal estabelece que são penalmente responsáveis o controlador e os administradores da instituição financeira, assim compreendidos os diretores e gerentes. Equiparam-se aos administradores o liquidante ou o síndico. A competência para o julgamento desses tipos de crime é da Justiça Federal, sendo do Ministério Público Federal a competência para promover a ação penal, que será pública e incondicionada. 41 Importante ressaltar que tanto o Banco Central quanto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao tomarem ciência ou verificarem a ocorrência de algum dos crimes previstos na Lei 7.492/86 deverão, então, informar ao Ministério Público Federal, enviando, inclusive, documentos comprobatórios acerca dos fatos. 3.2.3 Da lavagem de dinheiro A lavagem de dinheiro pode ser entendida como um conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de conversão, dissimulação e integração de bens, direitos e valores, que tem por finalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam furtar-se da ação repressiva da Justiça. Na primeira fase da lavagem de dinheiro, conhecida como conversão ou placement, ocorre a ocultação inicial dos valores, ou seja, o indivíduo que obteve valores por meio de práticas ilícitas antecedentes, aplica os recursos em diversos locais, com a participação, geralmente involuntária, de instituições financeiras tradicionais ou não tradicionais. Ainda nesta fase pode ocorrer a aquisição de bens móveis ou imóveis ou até de negócios, de preferência com intenso fluxo de caixa, pretendendo-se assim separar fisicamente os criminosos dos produtos de seus crimes. Insta salientar que a participação involuntária das instituições financeiras não implica, com base na legislação brasileira vigente sobre o tema, participação penalmente punível no crime de lavagem de dinheiro. A segunda etapa da lavagem de dinheiro é a da dissimulação ou layering. É a fase em que os grandes volumes inseridos no mercado financeiro na fase anterior serão diluídos, disseminados por meio de operações e transações variadas e sucessivas, seja em âmbito nacional ou internacional, envolvendo a multiplicidade de contas e titulares. Essa é a fase da "lavagem" propriamente dita, pois é nela que se pretende estruturar nova origem para o dinheiro
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