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Introdução O transplante é amplamente utilizado para a substituição de órgãos e tecidos não funcionais por órgãos ou tecidos saudáveis. O transplante é o processo de remoção de células, tecidos ou órgãos, chamados enxertos, de um indivíduo e sua transferência para um indivíduo (geralmente) diferente. Se o enxerto é colocado em sua localização anatômica normal, o procedimento é chamado transplante ortotópico; se o enxerto é colocado em local diferente, o procedimento é chamado transplante heterotópico. A transfusão refere-se à transferência de células sanguíneas circulantes ou de plasma de um indivíduo para outro. Assim que o desafio técnico de transplantar órgãos cirurgicamente foi superado, logo se tornou claro que a resposta imunológica contra os tecidos enxertados seria a principal barreira para a sobrevivência de órgãos e tecidos transplantados. Por outro lado, controlar a resposta imunológica é a chave para o sucesso do transplante. Princípios Gerais da Imunologia do Transplante O transplante de células ou tecidos de um indivíduo para outro geneticamente não idêntico leva invariavelmente à rejeição do transplante devido a uma resposta imune adaptativa. O conhecimento de que a rejeição do enxerto é o resultado de uma resposta imune adaptativa surgiu com base em experimentos demonstrando que o processo tem características de memória e especificidade, além de ser mediado por linfócitos. Indivíduos que rejeitaram um enxerto de um doador apresentam rejeição acelerada a outro enxerto proveniente do mesmo doador, mas não de um doador diferente, demonstrando que o processo de rejeição é imunologicamente específico e desenvolve memória. Os resultados dos experimentos apresentados indicam que a rejeição do enxerto apresenta as características das respostas imunes adaptativas, ou seja, memória e mediação por linfócitos. Um camundongo da linhagem consanguínea B rejeitará o enxerto de um camundongo da linhagem consanguínea A com uma cinética de primeira fase (painel esquerdo). Um camundongo da linhagem consanguínea B sensibilizado por um enxerto anterior de um camundongo da linhagem consanguínea A rejeitará um segundo enxerto da linhagem consanguínea A com uma cinética de segunda fase (painel central), demonstrando memória. Um camundongo da linhagem consanguínea B injetado com linfócitos de outro camundongo da mesma linhagem que rejeitou o enxerto de um camundongo da linhagem consanguínea A rejeitará um enxerto do camundongo da linhagem A com cinética de segunda fase (painel direito), demonstrando o papel dos linfócitos como mediadores da rejeição e da memória. Um camundongo da linhagem consanguínea B sensibilizado por um enxerto anterior de um camundongo da linhagem A rejeitará o enxerto de uma terceira linhagem não relacionada com cinética de primeira fase, demonstrando assim uma outra característica da imunidade adaptativa, a especificidade (não mostrada). Enxertos singênicos nunca são rejeitados (não mostrados). Enxerto autólogo um enxerto transplantado de um indivíduo para o mesmo indivíduo Enxerto singênico transplantado entre dois indivíduos geneticamente idênticos Enxerto alogênico (ou aloenxerto) transplantado entre dois indivíduos geneticamente diferentes da mesma espécie Enxerto xenogênico (ou xenoenxerto) transplantado entre indivíduos de espécies diferentes Aloantígenos as moléculas reconhecidas como estranhas em aloenxertos Xenoantígenos aquelas presentes nos xenoenxertos Os linfócitos e anticorpos que reagem com os aloantígenos ou xenoantígenos são descritos como alorreativos ou xenorreativos, respectivamente. A imunidade inata também tem um papel no resultado do transplante: A interrupção do suprimento sanguíneo para o tecido e órgãos durante o período entre a remoção de um doador e a transferência para um receptor normalmente causa algum dano isquêmico. Isso pode resultar na expressão de padrões moleculares associados ao dano (DAMPs, do inglês, damage-associated molecular paerns) no enxerto, estimulando respostas inatas mediadas tanto por células inatas do hospedeiro no interior do enxerto quanto pelo sistema imune inato do doador. Adicionalmente, as células natural killer (NK) do hospedeiro podem responder à ausência de moléculas de histocompatibilidade singênicas nas células do enxerto doado e, portanto, contribuir para a rejeição do enxerto. Essas respostas inatas podem diretamente causar lesão ao enxerto, mas também acredita-se que amplifiquem respostas adaptativas pela ativação de células apresentadoras de antígenos (APCs, do inglês, antigen-presenting cells), como é o caso das respostas imunes aos microrganismos. Respostas Imunes Adaptativas aos Aloenxertos Os aloantígenos elicitam tanto respostas imunes celulares quanto humorais. Os mecanismos moleculares e celulares do alorreconhecimento são mais bem entendidos quando considerados os antígenos do enxerto que estimulam respostas alogênicas e as propriedades dos linfócitos que respondem a esses antígenos. A maioria dos antígenos que estimulam respostas imunes adaptativas contra aloenxertos são proteínas codificadas por genes polimórficos que diferem entre os indivíduos. Essas proteínas são chamadas de moléculas de histocompatibilidade porque determinam se um tecido enxertado é compatível ou incompatível com o sistema imune do hospedeiro. As regras básicas da Imunologia dos transplantes: •As células ou órgãos transplantados entre indivíduos geneticamente idênticos (gêmeos idênticos ou membros da mesma linhagem consanguínea de animais) não são rejeitados. • As células ou órgãos transplantados entre pessoas geneticamente não idênticas ou membros de duas linhagens consanguíneas diferentes de uma espécie são quase sempre rejeitados. •A descendência de um cruzamento entre duas linhagens consanguíneas diferentes de animais não irá rejeitar enxertos de qualquer um dos pais. Em outras palavras, um animal F1 (A × B) não rejeitará enxertos de animais da linhagem A ou B. [Essa regra é violada no transplante de CTHs, quando as células NK de um receptor F1 (A × B) rejeitam as CTHs de qualquer um dos pais •Um enxerto derivado da prole de um cruzamento entre duas linhagens consanguíneas diferentes de animais será rejeitado por qualquer um dos pais. Em outras palavras, um enxerto de um animal F1 (A × B) será rejeitado por qualquer animal da linhagem A ou B. Na ilustração, as duas cores diferentes do camundongo representam as linhagens consanguíneas com diferentes haplótipos do MHC. Os alelos do MHC herdados de ambos os pais são expressos de maneira codominante na pele de uma prole A × B e, portanto, esses camundongos são representados por ambas as cores. Enxertos singênicos não são rejeitados (A). Os aloenxertos são sempre rejeitados (B). Enxertos de um progenitor A ou B não serão rejeitados por um descendente F1 (A × B) (C), mas os enxertos de F1 serão rejeitados por ambos os progenitores (D). Esses fenômenos se devem ao fato de que os produtos dos genes MHC são responsáveis pela rejeição do enxerto; enxertos são rejeitados somente se expressarem um tipo de MHC (representado por verde ou laranja), que não é expresso pelo camundongo receptor. Tais resultados sugerem que as moléculas nos enxertos responsáveis por elicitar a rejeição devem ser polimórficas, e sua expressão é codominante. Polimórfico refere-se ao fato de esses antígenos do enxerto diferirem entre os indivíduos de uma espécie (quando não são gêmeos idênticos) ou entre diferentes linhagens consanguíneas de animais. As moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) ligam peptídeos e os apresentam às células T, e são responsáveis por reações de rejeição fortes e rápidas. Os transplantes da maioria dos tecidos entre qualquer par de indivíduos, exceto os gêmeos idênticos, será rejeitadoporque as moléculas do MHC são tão polimórficas que dois indivíduos nunca herdam as mesmas moléculas. No cenário de qualquer transplante entre doador e receptor geneticamente não idênticos, haverá antígenos polimórficos diferentes das moléculas do MHC contra as quais o receptor pode montar uma resposta imunológica. Esses antígenos normalmente induzem reações de rejeição fracas ou mais lentas (mais graduais) do que as moléculas do MHC e, por isso, são chamados antígenos de histocompatibilidade secundários. Reconhecimento de Aloantígenos pelas Células T As moléculas alogênicas do MHC de um enxerto podem ser apresentadas para o reconhecimento pelas células T do receptor de duas maneiras diferentes: Apresentação direta (ou reconhecimento direto) dos aloantígenos- as células T do receptor do enxerto reconhecem as moléculas do MHC intactas (não processadas) do enxerto Apresentação indireta (ou reconhecimento indireto), as células T do receptor reconhecem as moléculas do MHC do enxerto (doador) somente no contexto de moléculas de MHC do receptor, o que implica que as moléculas de MHC do receptor devem estar apresentando peptídeos derivados de proteínas do MHC do doador alogênico para células T do receptor. Esse processo é essencialmente o mesmo que o reconhecimento de qualquer antígeno proteico estranho. Imagem: A, O reconhecimento direto do aloantígeno ocorre quando as células T alorreativas se ligam diretamente a uma molécula de MHC alogênica intacta com um peptídeo ligado presente em uma célula dendrítica ou outra APC do enxerto (doador), no interior dos linfonodos. As células T CD4 + ou CD8 + podem reconhecer diretamente as moléculas do MHC de classe II ou de classe I do doador, respectivamente, e se diferenciarão em células T auxiliares ou CTL. Os CTL reconhecerão diretamente o mesmo complexo MHC- peptídeo do doador exibido nas células teciduais do enxerto e destruirão essas células. B, O reconhecimento indireto do aloantígeno ocorre quando as moléculas de MHC alogênicas originárias da células do enxerto são capturadas e processadas pelas APCs do receptor e os fragmentos peptídicos das moléculas de MHC alogênicas contendo resíduos de aminoácidos polimórficos são ligados e apresentados pelas moléculas de MHC do receptor (próprias). As células T auxiliares MHC-específicas do doador geradas dessa maneira podem auxiliar as células B a produzir anticorpos específicos para o MHC do doador que podem lesar as células do enxerto. As células T auxiliares podem também ser ativadas no enxerto por macrófagos do receptor apresentando os mesmos peptídeos derivados do MHC do doador, levando à lesão inflamatória do enxerto. APC, célula apresentadora de antígeno. Reconhecimento Direto de Aloantígenos do MHC em Células do Doador Receptores de células T (TCRs) têm alguma especificidade intrínseca por moléculas do MHC, independentemente do fato de serem próprias ou estranhas. Além disso, durante o desenvolvimento das células T no timo, a seleção positiva promove a sobrevivência de células T com fraca reatividade ao MHC próprio, e entre essas células T, pode haver muitas com forte reatividade às moléculas de MHC alogênicas. A seleção negativa no timo elimina eficientemente as células T com alta afinidade para o MHC próprio, mas não necessariamente elimina as células T que se ligam fortemente às moléculas de MHC alogênico, simplesmente porque essas moléculas não estão presentes no timo. O resultado é que o repertório maduro inclui muitas células T que se ligam a moléculas de MHC alogênico com alta afinidade. Portanto, pode-se pensar em alorreconhecimento direto como exemplo de uma reação imunológica cruzada na qual uma célula T selecionada para ser restrita ao MHC próprio é capaz de se ligar a moléculas de MHC alogênicas estruturalmente semelhantes com afinidade alta o suficiente para permitir a ativação da célula T MHC alogênicas estruturalmente semelhantes com afinidade alta o suficiente para permitir a ativação da célula T. As moléculas de MHC expressas em superfícies celulares normalmente contêm peptídeos ligados e, em alguns casos, o peptídeo contribui para a estrutura reconhecida pela célula T alorreativa, exatamente o mesmo papel dos peptídeos no reconhecimento normal dos antígenos estranhos pelas células T restritas ao MHC próprio. No caso do reconhecimento direto, as moléculas intactas de MHC exibidas pelas células do enxerto são reconhecidas pelas células T do receptor sem a necessidade de processamento pelas APCs do hospedeiro. As respostas das células T para as moléculas do MHC alogênico diretamente apresentadas são muito fortes, porque há uma alta frequência de células T que podem reconhecer diretamente qualquer proteína do MHC alogênico. O alorreconhecimento direto pode gerar tanto células T CD4 + quanto células T CD8 + que reconhecem antígenos dos enxertos e contribuem para a rejeição. Explicações para essa alta frequência de células T capazes de reconhecer diretamente moléculas do MHC alogênico: • Muitos peptídeos diferentes derivados de proteínas celulares do doador podem se combinar com uma única molécula de MHC alogênico, e cada uma dessas combinações peptídeo-MHC pode, teoricamente, ativar um clone diferente de células T do receptor. Ao contrário, a maioria dos microrganismos ou dos antígenos proteicos contêm relativamente poucos peptídeos que podem ser exibidos a qualquer momento pelas moléculas de MHC próprio de um indivíduo, de modo que poucos clones de células T são ativados. Estima-se que entre as milhares de moléculas do MHC presentes em uma APC alogênica, a maior parte possa ser reconhecida por células T reativas a qualquer momento. Entretanto, no caso de uma infecção, menos de 1% (chegando talvez a 0,1%) das moléculas de MHC próprias em uma APC normalmente apresentam qualquer peptídeo microbiano de uma só vez, e somente essas moléculas podem ser reconhecidas por células T específicas para o antígeno microbiano. • As moléculas de MHC alogênico podem exibir não somente peptídeos estranhos das células do doador, como também autopeptídeos, e esses complexos MHC-peptídeo (próprios ou estranhos) podem ativar as células T. Como não são normalmente expressos no timo ou em tecidos periféricos, esses complexos não participaram da seleção negativa das células T potencialmente perigosas para enxertos alogênicos. Em contraste, as células T específicas para autopeptídeos exibidos por moléculas de MHC próprias são eliminadas pela seleção negativa no timo e por mecanismos de tolerância periférica (Capítulos 8 e 15). Por isso, a gama de complexos peptídeo-MHC que podem ativar as células T é muito maior se o MHC for alogênico. • Muitas das células T que respondem a uma molécula de MHC alogênica, mesmo na primeira exposição, são células T de memória. É provável que essas células de memória tenham sido geradas durante a exposição prévia a outros antígenos estranhos (p. ex.: microbianos) e reagem de forma cruzada com as moléculas de MHC alogênicas. Essas células de memória não são apenas populações expandidas de células antígeno-específicas, mas também são as que respondem de maneira mais rápida e potente do que os linfócitos naive, e assim contribuem para a maior força da resposta inicial de células T alorreativas a um novo enxerto. Reconhecimento Indireto de Aloantígenos Na via indireta, as moléculas de MHC do doador (alogênicas) são capturadas e processadas pelas APCs do receptor, e os peptídeos derivados dessas moléculas são apresentados em associação a moléculas de MHC próprias. Assim, os peptídeos derivados das moléculas de MHC alogênico são exibidos pelas APCs do hospedeiro e reconhecidos pelas células T como antígenos convencionais derivados de proteínas estranhas. Como as moléculas de MHC alogênico apresentam sequênciasde aminoácidos diferentes daquelas do hospedeiro, elas próprias podem agir como antígenos estranhos e gerar peptídeos estranhos associados às moléculas de MHC próprias na superfície de APCs do hospedeiro. Cada molécula de MHC alogênico pode dar origem a múltiplos peptídeos estranhos para o hospedeiro, cada um deles reconhecido por diferentes clones de células T. A apresentação indireta pode resultar no alorreconhecimento por células T CD4 + , porque os aloantígenos são adquiridos pelas APCs do hospedeiro principalmente através da via vesicular endossomal (i.e., como uma consequência da fagocitose) e, por isso, apresentados por moléculas do MHC de classe II. Alguns antígenos de células fagocitadas do enxerto entram na via do MHC de classe I de apresentação antigênica e são indiretamente reconhecidos por células T CD8 + . Esse fenômeno é um exemplo de apresentação cruzada ou cross-priming, na qual as células dendríticas ingerem proteínas de outra célula (p. ex.: do enxerto) liberadas para o citosol, onde são processadas em peptídeos pelos proteassomos. Esses peptídeos então são apresentados pelas moléculas do MHC de classe I, para ativar (primar) os linfócitos TCD8+ . Ativação e Funções Efetoras dos Linfócitos T Alorreativos Ativação de Linfócitos T Alorreativos: a resposta das células T a um enxerto de órgãos pode ser iniciada nos linfonodos que drenam o enxerto. A maioria dos órgãos contém APCs residentes, tais como as células dendríticas e, consequentemente, o transplante desses órgãos para um receptor alogênico fornece APCs que expressam as moléculas de MHC do doador, bem como coestimuladores. Essas APCs dos doadores podem migrar para os linfonodos regionais e apresentar, em sua superfície, moléculas do MHC de classe I ou classe II alogênicas não processadas às células T CD8 + e CD4 + do receptor, respectivamente (alorreconhecimento direto do MHC). As células dendríticas do receptor podem também migrar para o enxerto, adquirir aloantígenos e transportá-los de volta para os linfonodos drenantes, onde são exibidos (via indireta). OBS A conexão entre os vasos linfáticos nos aloenxertos e os linfonodos do receptor é cirurgicamente interrompida durante o processo de transplante Sensibilização aos aloantígenos: os linfócitos naive CD4 + e CD8 + que normalmente trafegam através do linfonodo encontram esses aloantígenos e são induzidos a proliferar e diferenciar-se em células T auxiliares e linfócitos T citotóxicos (CTLs, do inglês, cytotoxic T lymphocytes) efetores. A, No caso do alorreconhecimento direto, as células dendríticas do doador no aloenxerto migram para tecidos linfoides secundários, onde apresentam diretamente as moléculas de MHC alogênicas para as células T do hospedeiro. Somente as células T CD8 + que reconhecem o MHC de classe I do doador são mostradas, mas células T CD4 + podem também reconhecer diretamente o MHC de classe II do doador. No caso do alorreconhecimento indireto, as células dendríticas do receptor que entraram no aloenxerto transportam as proteínas do MHC do doador para os tecidos linfoides secundários e apresentam os peptídeos derivados destas proteínas do MHC a células T alorreativas do hospedeiro. Isso é mostrado para as células T CD4 + e o reconhecimento indireto do MHC alogênico por células T CD8 + é provavelmente menos importante. Após o alorreconhecimento direto e indireto, as células T se tornam ativadas e se diferenciam em células T efetoras CD4 + auxiliares e CTL CD8 + . B, As células T efetoras alorreativas migram para o aloenxerto, são reativadas pelos aloantígenos e medeiam a lesão. No enxerto, o reconhecimento direto do MHC de classe I alogênico por CTL CD8 + é necessário para a destruição de células parenquimais do enxerto, porque estas células expressam somente o MHC alogênico. Ao contrário, as células T auxiliares CD4 + que podem reconhecer o MHC alogênico de classe II diretamente e indiretamente podem ser ativados por APCs do doador ou do receptor, respectivamente, e em ambos os casos, promover inflamação que provoca lesão no enxerto. Muitas das células T que respondem aos antígenos do MHC alogênico em um novo enxerto são células T de memória que fazem reação cruzada e que são previamente geradas contra antígenos ambientais antes do transplante. Ao contrário das células T naive, as células T de memória podem não precisar encontrar os antígenos apresentados por células dendríticas nos linfonodos para serem ativadas, podendo migrar diretamente para os enxertos em que podem ser ativadas pelas APCs ou por células teciduais exibindo o aloantígeno. Papel da Coestimulação nas Respostas de Células T aos Aloantígenos Além do reconhecimento do aloantígeno, a coestimulação de células T, primariamente por moléculas B7 nas APCs, é importante para a ativação de células T alorreativas. A coestimulação é provavelmente mais importante para ativar células T alorreativas naive, entretanto, mesmo respostas de células T de memória podem ser amplificadas pela coestimulação. A rejeição dos aloenxertos e a estimulação de células T alorreativas em uma MLR podem ser, ambas, inibidas por agentes que bloqueiam as moléculas B7. Por que esses coestimuladores são expressos pelas APCs do enxerto na ausência de infecção? é que a resposta imune inata à lesão isquêmica de algumas células no enxerto resulta em aumento da expressão de coestimuladores nas APCs. Funções Efetoras das Células T Alorreativas As células T CD4 + e CD8 + alorreativas ativadas por aloantígenos do enxerto causam rejeição por mecanismos distintos. As células TCD4+ auxiliares diferenciam-se em células efetoras produtoras de citocinas que danificam os enxertos por meio da inflamação mediada por citocinas. As células T CD8 + alorreativas diferenciam-se em CTLs, que matam as células do enxerto. Somente os CTLs gerados pelo alorreconhecimento direto podem matar as células do enxerto, enquanto os CTLs e as células T auxiliares geradas tanto pelo reconhecimento direto quanto indireto do aloantígeno podem causar dano mediado por citocinas aos enxertos. Ativação das Células B Alorreativas, Produção e Funções dos Aloanticorpos Os anticorpos contra os antígenos do enxerto, chamados anticorpos doador-específicos, também contribuem para a rejeição. Esses aloanticorpos de alta afinidade são produzidos principalmente pela ativação de células B alorreativas dependentes de células T auxiliares. Os antígenos mais frequentemente reconhecidos por aloanticorpos são as moléculas de HLA do doador, incluindo as proteínas de classe I e de classe II do MHC. A provável sequência de eventos que levam à geração dessas células produtoras de aloanticorpos é a de linfócitos B naive que reconhecem as moléculas de MHC alogênicas, internalizam e processam essas proteínas, e apresentam os seus peptídeos derivados às células T auxiliares que foram previamente ativadas pelos mesmos peptídeos apresentados por células dendríticas. Assim, a ativação de células B alorreativas é um exemplo da apresentação indireta de aloantígenos. Além disso, anticorpos doador-específicos contra aloantígenos não HLA também contribuem para a rejeição. Padrões e Mecanismos de Rejeição dos Aloenxertos Rejeição Hiperaguda A rejeição hiperaguda é caracterizada pela oclusão trombótica da vasculatura do enxerto que se inicia dentro de minutos a horas após os vasos sanguíneos do hospedeiro serem anastomosados aos vasos do enxerto, e é mediada por anticorpos preexistentes na circulação do hospedeiro que se ligam aos antígenos endoteliais do doador. A ligação do anticorpo ao endotélio ativa o complemento e, juntos, os produtos do anticorpo e do complemento induzem uma série de mudanças no endotélio do enxerto, as quais promovem trombose intravascular. A ativação do complemento provoca lesão das células endoteliaise exposição das proteínas da membrana basal subendotelial que ativam as plaquetas. As células endoteliais são estimuladas a secretar formas de alto peso molecular do fator de von Willebrand, que promovem a adesão e a agregação plaquetária. Tanto as células endoteliais quanto as plaquetas sofrem vesiculação da membrana, levando à descamação de partículas lipídicas que promovem coagulação. As células endoteliais perdem os proteoglicanos de heparan sulfato da superfície celular que normalmente interagem com a antitrombina III para inibir a coagulação. Esses processos contribuem para a trombose e oclusão vasculares, e o órgão enxertado sofre necrose isquêmica irreversível. Atualmente, os raros casos de rejeição hiperaguda dos aloenxertos que ainda ocorrem são mediados por anticorpos IgG dirigidos contra aloantígenos proteicos, tais como as moléculas de MHC do doador, ou contra aloantígenos menos definidos expressos nas células endoteliais vasculares. Mecanismo de resistência à rejeição hiperaguda é um aumento na expressão de proteínas reguladoras do complemento em células endoteliais do enxerto, uma adaptação benéfica do tecido chamada acomodação. Rejeição Aguda A rejeição aguda é um processo de lesão do parênquima e dos vasos sanguíneos do enxerto mediada por células T alorreativas e anticorpos. Antes dos fármacos imunossupressores modernos, a rejeição aguda frequentemente se iniciava vários dias a poucas semanas após o transplante. O tempo para o início da rejeição aguda reflete o período necessário para geração de células T efetoras alorreativas e anticorpos em resposta ao enxerto. Na prática clínica atual, os episódios de rejeição aguda podem ocorrer muito mais tarde, mesmo anos depois do transplante, se a imunossupressão for reduzida por qualquer motivo. Os padrões de rejeição aguda são divididos em celular (mediado por células T) e humoral (mediado por anticorpos): Rejeição Celular Aguda Os principais mecanismos de rejeição celular aguda são a morte das células do parênquima e das células endoteliais do enxerto mediada por CTL, e a inflamação causada pelas citocinas produzidas por células T auxiliare. Em exames histológicos há infiltrados de linfócitos e macrófagos. Nesses aloenxertos renais, os infiltrados podem envolver os túbulos (chamado tubulite), com necrose tubular associada, e os vasos sanguíneos (chamado endotelite), com necrose das paredes dos capilares e pequenas artérias. Os infiltrados celulares presentes nos enxertos passando por rejeição celular aguda incluem tanto células T auxiliares CD4 + quanto os CTLs CD8 + específicos para aloantígenos do enxerto e ambos os tipos de células T podem causar lesão das células do parênquima e endoteliais. As células T auxiliares incluem células Th1 secretoras de IFN-γ e de fator de necrose tumoral (TNF, do inglês, tumor necrosis fator) e células Th17 secretoras de interleucina-17 (IL-17), ambas contribuindo para a ativação de macrófagos e do endotélio e para o dano inflamatório ao órgão. Experimentalmente, a transferência adotiva de células T CD4 + auxiliares alorreativas ou de CTLs CD8 + podem causar a rejeição celular aguda do enxerto em camundongos receptores. Rejeição Aguda Mediada por Anticorpos Os aloanticorpos causam rejeição aguda por ligação aos aloantígenos, principalmente as moléculas de HLA, em células endoteliais vasculares, causando lesão endotelial e trombose intravascular que resultam na destruição do enxerto. A ligação dos aloanticorpos à superfície das células endoteliais desencadeia a ativação local do complemento, que provoca a lise das células, o recrutamento e a ativação de neutrófilos, e a formação de trombos. Os aloanticorpos também podem se acoplar a receptores Fc em neutrófilos e células NK, as quais então destroem as células endoteliais. Além disso, a ligação do aloanticorpo à superfície endotelial pode alterar diretamente a função endotelial por induzir sinais intracelulares que aumentam a expressão de moléculas pró- inflamatórias e pró-coagulantes de superfície. Rejeição Crônica e Vasculopatia do Enxerto A rejeição crônica desenvolve-se insidiosamente durante meses ou anos e pode ou não ser precedida por episódios clinicamente reconhecidos de rejeição aguda. A rejeição crônica de diferentes órgãos transplantados está associada a alterações patológicas distintas. No rim e no coração, a rejeição crônica resulta em oclusão vascular e fibrose intersticial. Os transplantes de pulmão passando por rejeição crônica apresentam espessamento das vias aéreas inferiores (chamado bronquiolite obliterante) Transplantes de fígado apresentam ductos biliares fibróticos e não funcionais. A lesão dominante da rejeição crônica em enxertos vascularizados é a oclusão arterial, como resultado da proliferação de células musculares lisas da íntima, e os enxertos eventualmente falham principalmente por causa do dano isquêmico resultante. As alterações arteriais são chamadas de vasculopatias do enxerto ou arteriosclerose acelerada do enxerto. A vasculopatia do enxerto é frequentemente observada em aloenxertos cardíacos e renais que entraram em falência e podem se desenvolver em qualquer transplante de órgão vascularizado dentro de 6 meses a um ano após o transplante. Os prováveis mecanismos subjacentes às lesões vasculares oclusivas da rejeição crônica são a ativação de células T alorreativas e a secreção de IFN- γ e outras citocinas que estimulam a proliferação de células musculares lisas vasculares. Conforme as lesões arteriais de arteriosclerose do enxerto progridem, o fluxo sanguíneo para o parênquima do enxerto é comprometido e o parênquima é lentamente substituído por tecido fibrótico não funcional. A fibrose intersticial observada na rejeição crônica pode também ser uma resposta de reparo ao dano celular do parênquima causado por repetidos ataques de rejeição aguda mediada por anticorpos ou de rejeição celular, isquemia perioperatória, efeitos tóxicos de fármacos imunossupressores e mesmo infecções virais crônicas. A rejeição crônica leva à insuficiência cardíaca congestiva ou arritmias em pacientes de transplantes cardíacos, ou à perda da função glomerular e tubular e insuficiência renal em pacientes transplantados renais. Prevenção e Tratamento da Rejeição dos Aloenxertos As estratégias utilizadas na prática clínica e em modelos experimentais para evitar ou retardar a rejeição são a imunossupressão geral e a redução da força da reação alogênica específica. Métodos para Reduzir a Imunogenicidade dos Aloenxertos -Minimizar as diferenças alogênicas entre o doador e o receptor: Vários testes clínicos de laboratório são realizados rotineiramente para reduzir o risco de rejeição imunológica de enxertos. Incluem a tipagem sanguínea ABO; tipagem do tecido a determinação de alelos de HLA expressos em células do doador e do receptor; a detecção dos anticorpos pré-formados no receptor que reconhecem o HLA e outros antígenos representativos da população do doador; e a detecção de anticorpos pré-formados do receptor que se ligam aos antígenos dos leucócitos de um doador identificado, chamada prova cruzada. -Para evitar a rejeição hiperaguda, os antígenos do grupo sanguíneo ABO do doador do enxerto são selecionados para serem compatíveis com o receptor. - No transplante renal, quanto maior for o número de alelos de MHC compatíveis entre o doador e o receptor, melhor a sobrevida do enxerto. - Os pacientes que necessitam de aloenxertos também são testados quanto à presença de anticorpos pré-formados contra as moléculas de MHC do doador ou outros antígenos da superfície celular. Imunossupressão para Prevenir ou Tratar a Rejeição de Aloenxertos Os fármacos imunossupressores que inibem ou matam os linfócitos T são os principais agentes utilizados para tratarou prevenir a rejeição dos enxertos. Inibidores das Vias de Sinalização das Células T Os inibidores da calcineurina, ciclosporina e tracrolimo (FK506) inibem a transcrição de determinados genes em células T, mais notavelmente genes que codificam citocinas como a IL-2. O resultado líquido é que a ciclosporina bloqueia a proliferação e diferenciação de células T dependentes de IL-2. O fármaco imunossupressor rapamicina (sirolimo) inibe a proliferação de células T mediada por fatores de crescimento. O complexo rapamicina-FKBP liga-se e inibe uma enzima celular chamada alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR, do inglês, mammalian target of rapamycin), uma serina/treonina quinase proteica necessária para a tradução de proteínas que promovem a sobrevivência e a proliferação celular. Através da inibição da função de mTOR, a rapamicina bloqueia a proliferação de células T. A mTOR está também envolvida na proliferação de células B e respostas dos anticorpos e, por isso, a rapamicina pode também ser eficaz na prevenção ou tratamento da rejeição mediada por anticorpos. A combinação de ciclosporina (que bloqueia a síntese de IL-2) e rapamicina (que bloqueia a proliferação dirigida por IL-2) inibe de maneira potente as respostas de células T. Antimetabólitos As toxinas metabólicas que matam as células T em proliferação são utilizadas em combinação com outros fármacos para tratar a rejeição do enxerto. Esses agentes inibem a proliferação de precursores de linfócitos durante a sua maturação e também destroem as células T maduras em proliferação que tenham sido estimuladas por aloantígenos Bloqueio de Função ou Depleção de Anticorpos Antilinfócitos Os anticorpos que reagem com estruturas da superfície de células T e destroem ou inibem as células T são usados para o tratamento de episódios de rejeição aguda. Os anticorpos monoclonais específicos para CD25, a subunidade α do receptor da IL-2, estão agora em uso clínico. Esses reagentes previnem a ativação das células T pelo bloqueio da ligação da IL-2 a células T ativadas e de sua sinalização. Outro anticorpo monoclonal utilizado no transplante clínico é um anticorpo monoclonal IgM de rato específico para CD52, uma proteína da superfície celular expressa na maioria das células B e T maduras, cuja função não é compreendida. O antiCD52 é administrado antes e logo após o transplante, com a esperança de que pode induzir um estado de tolerância prolongada do enxerto conforme novos linfócitos se desenvolvem na presença do enxerto. Bloqueio da Coestimulação Os fármacos que bloqueiam as vias de coestimulação de células T reduzem a rejeição aguda do aloenxerto. A base racional para o uso desses tipos de fármacos é impedir a entrega dos sinais coestimuladores necessários para a ativação das células T. Fármacos que Afetam Aloanticorpos e Células B Alorreativas A terapia com imunoglobulina intravenosa (IVIG, do inglês, intravenous immunoglobulin), usada para tratar várias doenças inflamatórias mediadas por anticorpos, também está sendo aplicada na condição de rejeição aguda mediada por anticorpos. Na terapia com IVIG, a IgG coletada de vários doadores normais é injetada por via intravenosa em um paciente. A IVIG também aumenta a degradação dos anticorpos do paciente pela inibição competitiva da sua ligação ao receptor Fc neonatal. A depleção de células B por meio da administração de rituximabe, um anticorpo antiCD20 aprovado para o tratamento de linfomas de células B e de doenças autoimunes, é usado em alguns casos de rejeição aguda mediada por anticorpos. O inibidor dos proteassomos, bortezomibe, que destrói plasmócitos e está aprovado para o tratamento do mieloma múltiplo, também é usado em alguns casos para tratar a rejeição do aloenxerto mediada por anticorpos. Fármacos Anti-inflamatórios Os agentes anti-inflamatórios, especificamente os corticosteroides, são usados para reduzir a reação inflamatória aos aloenxertos de órgãos. O mecanismo de ação proposto para esses hormônios naturais e seus análogos sintéticos é o bloqueio da síntese e secreção de citocinas, incluindo o TNF e a IL-1, além de outros mediadores inflamatórios, tais como as prostaglandinas, as espécies reativas de oxigênio e o óxido nítrico, produzidos pelos macrófagos e outras células inflamatórias. O resultado líquido desta terapia é a redução do recrutamento de leucócitos, inflamação e danos ao enxerto. Uma imunossupressão forte é geralmente iniciada em receptores de aloenxertos no momento do transplante com uma combinação de fármacos chamada terapia de indução. Depois de alguns dias, os fármacos são alterados para a manutenção da imunossupressão a longo prazo. A rejeição aguda, quando ocorre, é controlada com a rápida intensificação da terapia imunossupressora. Em transplantes modernos, a rejeição crônica se tornou uma causa mais comum de falência do aloenxerto. A rejeição crônica é mais insidiosa e muito menos responsiva à imunossupressão do que a rejeição aguda. O principal objetivo da imunossupressão para tratar a rejeição do enxerto é reduzir a geração e função das células T auxiliares e dos CTLs, que medeiam a rejeição celular aguda. Dessa forma a defesa contra vírus e outros patógenos intracelulares ( função fisiológica das células T) também fica comprometida em receptores de transplantes imunossuprimidos. A terapia imunossupressora leva ao aumento da suscetibilidade a vários tipos de infecções e de tumores associados a vírus. A reativação de herpesvírus latentes é um problema frequente em pacientes imunossuprimidos, incluindo o citomegalovírus, o vírus do herpes simples, vírus varicela-zoster e o vírus Epstein-Barr. Por essa razão, os receptores de transplantes agora recebem a terapia antiviral profilática para infecções por herpesvírus. Os pacientes transplantados imunossuprimidos também apresentam maior risco de contrair uma variedade das chamadas infecções oportunistas, que normalmente não ocorrem nas pessoas imunocompetentes, incluindo infecções fúngicas (pneumonia por Pneumocystis jiroveci, histoplasmose, coccidioidomicose), infecções por protozoários (toxoplasmose) e infecções parasitárias gastrintestinais (Cryptosporidium e Microsporidium). Métodos para Induzir Tolerância Doador-Específica A rejeição de aloenxertos pode ser prevenida, tornando o hospedeiro tolerante aos aloantígenos do enxerto envolvendo os mesmos mecanismos que participam da tolerância a autoantígenos, ou seja, anergia, deleção e supressão ativa de células T alorreativas por Tregs. Alcançar a tolerância do enxerto pode reduzir a rejeição crônica. Pacientes que receberam transfusões sanguíneas contendo leucócitos alogênicos têm uma menor incidência de episódios de rejeição aguda, a introdução de leucócitos alogênicos por transfusão produz tolerância a aloantígenos. Um mecanismo subjacente à indução de tolerância pode ser a presença entre as células transfundidas do doador de células dendríticas imaturas indutoras de não responsividade aos aloantígenos dos doadores. Várias estratégias estão sendo testadas para induzir a tolerância doadorespecífica em receptores de aloenxertos: • Bloqueio do coestimulador: reconhecimento de aloantígenos, na ausência de coestimulação levaria à tolerância das células T, mas não induzem tolerância de longa duração, e os pacientes têm de ser mantidos na terapia. • Quimerismo hematopoiético: a transfusão de células sanguíneas do doador para o receptor do enxerto inibe a rejeição. Se as células transfundidas do doador ou a progênie das células sobrevivem durante longos períodos, o receptor torna-se uma quimera. • Transferência ou indução de Tregs: as tentativas de gerar Tregs doador-específicas em cultura e transferi-las para receptores de enxertos estão em curso. Transplante Xenogênico O doador e receptor são animaisde espécies diferentes. Em virtude das dificuldades de obtenção de órgãos da própria espécie humana, os transplantes xenogênicos representam um dos caminhos em que os pesquisadores concentram muitos esforços. Uma barreira imunológica essencial ao transplante xenogênico é a presença de anticorpos naturais nos receptores humanos que causam a rejeição hiperaguda. Os anticorpos naturais contra xenoenxertos induzem rejeição hiperaguda pelos mesmos mecanismos observados na rejeição hiperaguda de aloenxertos. Esses mecanismos incluem a geração de pró-coagulantes nas células endoteliais e substâncias que causam agregação plaquetária, associados à perda de mecanismos anticoagulantes endoteliais Mesmo quando a rejeição hiperaguda é prevenida, os xenoenxertos são frequentemente lesados por uma forma de rejeição vascular aguda que ocorre dentro de 2-3 dias após o transplante. Essa forma de rejeição foi chamada rejeição tardia ao xenotransplante, rejeição aguda acelerada ou rejeição vascular aguda, sendo caracterizada por trombose intravascular e necrose das paredes dos vasos. Os xenoenxertos também podem ser rejeitados pela resposta imune mediada por células T. Transfusão Sanguínea e os Grupos de Antígenos Sanguíneos ABO e RH A transfusão sanguínea é uma forma de transplante na qual o sangue total ou células sanguíneas de um ou mais indivíduos são transferidos intravenosamente para a circulação de outro indivíduo. A principal barreira para as transfusões sanguíneas bem sucedidas é a resposta imune contra moléculas da superfície celular que diferem entre os indivíduos. O sistema de aloantígenos mais importante na transfusão sanguínea é o sistema ABO. Os indivíduos que não expressam um antígeno de grupo sanguíneo em particular produzem anticorpos IgM naturais contra esse antígeno. A transfusão que desrespeite a barreira ABO pode desencadear uma reação hemolítica imediata, resultando tanto na lise intravascular das hemácias, provavelmente mediada pelo sistema do complemento, como na extensa fagocitose de eritrócitos revestidos por anticorpos e complemento pelos macrófagos do fígado e do baço. A hemoglobina é liberada a partir das hemácias lisadas em quantidades que podem ser tóxicas para as células renais, causando a necrose aguda de células tubulares renais e falência renal. Febre alta, choque e coagulação intravascular disseminada podem também se desenvolver, sugestivos da liberação de quantidades massivas de citocinas (p. ex.: TNF ou IL-1). A coagulação intravascular disseminada consome fatores de coagulação mais rápido do que eles podem ser sintetizados e o paciente pode, paradoxalmente, morrer de hemorragia na presença de coagulação generalizada. Antígenos dos Grupos Sanguíneos ABO Os antígenos ABO são carboidratos ligados a proteínas e lipídeos da superfície celular, sintetizados por enzimas glicosiltransferases polimórficas, cuja atividade varia dependendo do alelo herdado. Na transfusão clínica, a escolha dos doadores de sangue para um receptor em particular é baseada na expressão de antígenos dos grupos sanguíneos e nas respostas de anticorpos contra eles. Indivíduos AB podem tolerar transfusões de todos os potenciais doadores e são, portanto, chamados receptores universais; da mesma forma, os indivíduos O podem tolerar transfusões apenas de doadores O, mas podem fornecer sangue para todos os receptores e, assim, são chamados doadores universais. Antígeno Rhesus (Rh) Os antígenos Rh são proteínas de superfície celular não glicosiladas e hidrofóbicas, encontradas nas membranas das hemácias e estão estruturalmente relacionadas a outras glicoproteínas com funções transportadoras nessas membranas. O principal significado clínico dos anticorpos anti-Rh está relacionado às reações hemolíticas nos fetos em desenvolvimento, as quais são semelhantes às reações de transfusão. Mães Rh negativas gestando um feto Rh positivo podem ser sensibilizadas por hemácias fetais que entram na circulação materna, geralmente durante o parto. Uma vez que o antígeno Rh é uma proteína, ao contrário dos antígenos carboidratos ABO, anticorpos IgG de alta afinidade, que passaram por troca de classe, específicos para Rh são gerados em mães Rh negativas. As gestações subsequentes nas quais o feto é Rh positivo estão em risco, pois os anticorpos IgG anti- Rh maternos podem atravessar a placenta e mediar a destruição das hemácias fetais. Isso causa a eritroblastose fetal (doença hemolítica do recém-nascido) e pode ser letal para o feto. Transplante de Células-tronco Hematopoiéticas (CTHs) O transplante de CTHs é um procedimento clínico para tratar doenças letais causadas por defeitos intrínsecos em uma ou mais linhagens hematopoiéticas de um paciente. As células hematopoiéticas do próprio paciente são destruídas e as CTHs de um doador sadio são então transferidas para restaurar a produção normal de células sanguíneas desse paciente. Na prática clínica moderna, as CTHs são mais frequentemente obtidas a partir do sangue de doadores, após o tratamento com fatores estimuladores de colônias que mobilizam as células-tronco da medula óssea. O receptor é tratado antes do transplante com uma combinação de quimioterapia, imunoterapia ou irradiação para destruir as CTHs defeituosas e para liberar nichos para as células- tronco transferidas. Após o transplante, as células-tronco inoculadas repovoam a medula óssea do receptor e se diferenciam em todas as linhagens hematopoiéticas. O transplante de CTHs é mais frequentemente usado na clínica para o tratamento de leucemias e condições pré-leucêmicas. De fato, o transplante de CTHs é o único tratamento curativo para algumas dessas doenças, incluindo a leucemia linfoide crônica e a leucemia mieloide crônica. Os mecanismos pelos quais o transplante de CTHs cura neoplasias hematopoéticas é em parte decorrente do efeito enxerto versus tumor, no qual as células T maduras e as células NK presentes na medula óssea ou no inóculo de células-tronco reconhecem aloantígenos das células tumorais residuais e as destrói. As CTHs alogênicas são rejeitadas mesmo por um hospedeiro minimamente imunocompetente e, consequentemente, o doador e o receptor devem ser cuidadosamente pareados para todos os loci do MHC. Complicações Imunológicas dos Transplantes de Células-tronco Hematopoiéticas •Doença do Enxerto-Versus-Hospedeiro A GVHD é causada pela reação de células T maduras do enxerto, presentes no inóculo de CTHs, com aloantígenos do hospedeiro. A GVHD ocorre quando o hospedeiro está imunocomprometido e, portanto, incapaz de rejeitar as células alogênicas do enxerto. Na maioria dos casos, a reação é dirigida contra os antígenos de histocompatibilidade secundários do hospedeiro. A GVHD pode também se desenvolver quando órgãos sólidos que contêm um número significativo de células T são transplantados, tais como o intestino delgado, o pulmão ou o fígado. A GVHD é a principal limitação para o sucesso do transplante de medula óssea. Imediatamente após o transplante das CTHs, agentes imunossupressores são indicados para a profilaxia contra o desenvolvimento da GVHD. A GVHD aguda é caracterizada pela morte das células epiteliais da pele, fígado (principalmente do epitélio biliar) e trato gastrintestinal, manifestando-se clinicamente por erupção cutânea, icterícia, diarreia e hemorragia gastrintestinal. Quando a morte das células epiteliais é extensa, a pele ou o revestimento do intestino podem se desprender. Nessa circunstância, a GVHD aguda pode ser fatal. A GVHD crônica é caracterizada por fibrose e atrofia de um ou mais dos mesmos órgãos, sem evidência de morte celular aguda. A GVHD crônica pode também envolver os pulmões e produzir obliteração das vias aéreas inferiores, chamada de bronquiolite obliterante, semelhante ao que é visto na rejeição crônica de aloenxertospulmonares. Quando grave, a GVHD crônica leva a uma completa disfunção do órgão afetado. Imunodeficiência após o Transplante de Célulastronco Hematopoiéticas O transplante de CTHs é frequentemente acompanhado por imunodeficiência clínica. Vários fatores podem contribuir para as respostas imunes defeituosas nos receptores. Os receptores do transplante podem não ser capazes de regenerar um novo repertório completo de linfócitos. A radioterapia e a quimioterapia usadas para preparar os receptores para o transplante podem depletar as células de memória e os plasmócitos de longa vida do paciente, e pode levar um longo tempo para se regenerar essas populações. A consequência da imunodeficiência é que os receptores de transplante de CTHs são suscetíveis a infecções virais, especialmente infecção por citomegalovírus, além de muitas infecções bacterianas e fúngicas. Esses receptores também são suscetíveis aos linfomas da célula B provocados pelo vírus Epstein-Barr. Resumo ✹ O transplante de tecidos de um indivíduo para um receptor geneticamente não idêntico leva a uma resposta imunológica específica chamada rejeição que pode destruir o enxerto. Os principais alvos moleculares da rejeição do aloenxerto são as moléculas do MHC de classe I e classe II alogênicas. ✹ Moléculas de MHC alogênicas intactas podem ser apresentadas pelas APCs do doador às células T do receptor (reconhecimento direto), ou as moléculas de MHC alogênicas podem ser internalizadas pelas APCs do hospedeiro que entram no enxerto ou residem nos órgãos linfoides drenantes, e serem processadas e apresentadas às células T, como peptídeos associados às moléculas do MHC próprias (reconhecimento indireto). ✹ A frequência de células T capazes de reconhecer as moléculas do MHC alogênicas é muito alta comparada com as células T, que reconhecem qualquer peptídeo microbiano ligado ao MHC próprio, o que explica porque a resposta aos aloantígenos é muito mais forte do que a resposta a antígenos estranhos convencionais. ✹ A rejeição do enxerto é mediada pelas células T, incluindo os CTLs que matam as células do enxerto e células T auxiliares que causam inflamação mediada por citocinas (semelhantes às reações de DTH) e por anticorpos. ✹ Vários mecanismos efetores causam a rejeição de enxertos de órgãos sólidos. Os anticorpos preexistentes específicos para os antígenos do grupo sanguíneo do doador, para o MHC ou para outros antígenos causam rejeição hiperaguda caracterizada por trombose vascular do enxerto. As células T alorreativas e os anticorpos produzidos em resposta ao enxerto causam danos à parede do vaso sanguíneo e morte das células do parênquima, denominada rejeição aguda. A rejeição crônica é caracterizada pela fibrose e estenose arterial (vasculopatia do enxerto), que pode ser decorrente de reações inflamatórias mediadas por células T e citocinas. ✹ A rejeição de enxertos pode ser prevenida ou tratada por imunossupressão do hospedeiro e minimizando a imunogenicidade do enxerto (limitando diferenças alélicas do MHC). A maior parte da imunossupressão é dirigida às respostas das células T e implica no uso de fármacos citotóxicos, agentes imunossupressores específicos ou anticorpos anticélulas T. Os agentes imunossupressores mais amplamente utilizados têm como alvo a calcineurina, mTOR, e a síntese de DNA dos linfócitos. A imunossupressão é frequentemente combinada com fármacos antiinflamatórios, tais como os corticosteroides, que inibem a síntese de citocinas por macrófagos e outras células. ✹ Os pacientes que recebem transplantes de órgãos sólidos podem se tornar imunodeficientes devido à sua terapia e são suscetíveis a infecções virais e tumores malignos. ✹ O transplante xenogênico de órgãos sólidos é limitado pela presença de anticorpos naturais contra antígenos carboidratos nas células de espécies discordantes e que causam a rejeição hiperaguda. Outros mecanismos de falência do xenotransplante incluem a rejeição vascular aguda mediada por anticorpos, resposta imune mediada por células T a moléculas do MHC xenogênicas, e efeitos pró-trombóticos do endotélio xenogênico em plaquetas humanas e proteínas da coagulação. ✹ Os antígenos do grupo sanguíneo ABO são estruturas de carboidratos polimórficos presentes nas células sanguíneas e no endotélio que limitam as transfusões e alguns transplantes de órgãos sólidos entre os indivíduos. Os anticorpos naturais IgM anti- A ou anti-B preexistentes estão presentes em indivíduos que não expressam os antígenos A ou B em suas células, respectivamente, e esses anticorpos podem causar reações transfusionais e rejeição hiperaguda do aloenxerto. ✹ Antígenos Rh são proteínas presentes nas hemácias que podem estimular respostas de anticorpos IgG em mulheres Rh negativas portadoras de fetos Rh positivos. Esses anticorpos anti-Rh podem causar a doença hemolítica em fetos Rh positivos durante gestações subsequentes. ✹ Os transplantes de células-tronco hematopoiéticas (CTHs) são realizados para o tratamento de leucemias e de defeitos genéticos restritos às células hematopoiéticas. Transplantes de CTHs são suscetíveis à rejeição, e os receptores exigem intensa imunossupressão preparatória. Além disso, os linfócitos T presentes nos enxertos de CTHs podem responder aos aloantígenos do hospedeiro e causar a doença do enxerto-versushospedeiro (GVHD). A GVHD aguda é caracterizada pela morte de células epiteliais na pele, trato intestinal e fígado que pode ser fatal. A GVHD crônica é caracterizada por fibrose e atrofia de um ou mais desses mesmos órgãos-alvo, assim como os pulmões, e também pode ser fatal. Os receptores de transplantes de CTHs também desenvolvem frequentemente uma imunodeficiência grave, tornando-os suscetíveis a infecções.
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