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Vinheta 10 – Pediatria Doenças Hematológicas Avaliação de anemias: Quando a criança nasce, o padrão normal eletroforético das hemácias é: HbF (cadeias: 2 alfa e 2 gama): 80 a100% HbA1 (2 alfa e 2 beta): 0 a 20% HbA2 (2 alfa e 2 delta): 0 a 1% Já quando chega aos 6 meses, apresenta: (como de adultos) HbA1: 96 a 98% HbA2: 2 a 3,7% HbF: <2% Como tudo em pediatria, os valores normais de hemoglobinas para caracterizar uma anemia são diferentes do adulto e para saber identificar precisamos analisar tabelas, como: Exemplo: criança com 8 meses com Hb: 9g/dl: Anemia - Mas o que é anemia? É a redução da concentração de eritrócitos e/ou massa eritrocitária. - O que pode causar anemia? Deficiência da hematopoese Hemólise Hemorragia Nos recém-nascidos as causas mais comuns incluem infecções perinatais, isoimunização (hemólise), perda de sangue no parto, etc. As anemias que surgem entre 3° e 6° mês sugerem HEMOGLOBINOPATIAS - Sintomas: A maior parte das crianças com anemia leve são assintomáticas, mas algumas crianças podem apresentar palidez, fadiga, anorexia, irritabilidade. Também pode gerar (a depender da intensidade e da velocidade de instalação da anemia) hipercinese circulatória com taquicardia, cardiomegalia e presença de sopro sistólico. - Variações morfológicas da hemoglobina: Podem ter alterações, gerando: esferócitos, eliptócitos/ovalócitos, drepanócitos (forma de foice) e codócitos. - No hemograma o que vemos? Contagem de eritrócitos, dosagem de hemoglobina, hematócrito, volume corpuscular médio, hemoglobina corpuscular média, concentração de hemoglobina corpuscular média e RDW. Hemoglobinopatias: Podemos dividir as Hemoglobinopatias em: Talassemias e doenças falciformes. Doença falciforme: A doença falciforme é um grupo de alterações hematológicas com caráter genético, hereditário, autossômico e recessivo onde ocorre mutação da HbA em HbS, sendo a principal a anemia falciforme (HbSS). Para entender melhor, HbAA (normal), HbAS (traço falcêmico), HbSS (anemia falciforme) Entretanto não existe apenas a HbA, podendo ter algumas Hb mutantes como C, D e E que em combinação com a S pode gerar também outras doenças falciformes mais raras. As manifestações clínicas da doença falciforme é decorrente da alteração molecular devido presença da HbS. Teste de triagem neonatal (Teste do pezinho): Os resultados são descritos pelos padrões de hemoglobina detectados na ordem de maior concentração: Hb FA (Mais fetal que A) Normal Assintomático Hb FAS (Mais fetal que A, mas tbm S) Traço falcêmico Assintomático Hb SS Hb FSA Anemia falciforme ou sbeta talassemia Anemia hemolítica Hb FSC Hemoglobinopatia SC Anemia hemolítica Hb FSD Hemoglobinopatia SD Anemia hemolítica Se no teste apresentar Hb de Bart suspeitamos de alfa talassemia. Para diagnóstico definitivo deve ser feito aos 6 meses a eletroforese de hemoglobina para definir o padrão da hemoglobina. Anemia Falciforme: A anemia em geral é normo ou hipocrômicas e normo ou microcítica, acompanhada de trombocitose e leucocitose discreta pela hiperplasia da medula óssea. Vimos no quadro acima que a manifestação da anemia falciforme é a anemia hemolítica e os sinais para identificar essa hemólise são: aumento de bilirrubina indireta, aumento da desidrogenase lática (LDH) e eritoblastos ou reticulócitos. Manifestações: As manifestações clínicas decorrem da anomalia da HbSS que quando desoxigenada e na presença de retardo da circulação provoca distorções ficando na forma de foice. Os principais fatores para a crise são a desidratação, infecção, hipóxia, estresse, acidose, etc. Hemácia adere no endotélio reduzindo tempo de vida (de 120 dias para 10/20 dias): anemia + icterícia Depleção de óxido nítrico: vasoconstrição Isquemia, dor, necrose de órgão afetado Lesões microvasculares Ativação de inflamação e coagulação: vaso-oclusão Os primeiros sintomas acontecem por volta dos 6 meses, pois é o momento em que ocorre o desaparecimento da HbF. Suas manifestações podem ser agudas ou crônicas Agudas: crise vaso-oclusiva dolorosa, infecções, síndrome torácica aguda, crise aplástica hemolítica, AVE, sequestro esplênico/hepático, priapismo Crônicas: Necrose asséptica (cabeça de fêmur/úmero), retinopatias, insuficiência renal, litíase biliar, cardiopatia, hepatopatia, ulceras, etc. CRISE VASO-OCLUSIVAS DOLOROSAS (CVOD): Suas manifestações decorrem de mecanismos que geram isquemia tecidual. Uma das manifestações mais comuns é a “Síndrome Mão-pé”, uma dactilite isquêmica que gera edema doloroso bilateral de mãos e pés. Essa crise também pode afetar outros locais como a coluna, abdômen, etc. Seu início é abrupto e doloroso durando de 4 a 6 dias, mas podendo se estender por semanas com febre baixa. A CVOD de abdômen pode ser confundida com quadro de abdome agudo, por gerar dor intensa com sinais de irritação peritoneal por infarto de veias mesentéricas e vísceras abdominais. No diagnóstico diferencial, a presença de febre elevada com leucocitose com desvio para esquerda e acometimento de ossos longos, pensar em osteomielite. Se comprometimento em articulação pensar em artrite séptica. Tratamento; Deve-se eliminar fatores precipitantes, aquecer as articulações, repouso, hidratação, analgesia (seguindo critérios de dor leve, moderada ou grave) Intensidade Local Tipo de hidratação Analgésico Leve Casa Oral Dipirona ou paracetamol ou ibuprofeno Moderada Hospital Endovenosa Codeína ou tramadol Grave Hospital Endovenosa Morfina INFECÇÕES: Crianças com anemia falciforme tem asplenia funcional ou orgânica com consequente deficiência humoral, função granulocítica anormal, deficiência de opsonização etc. Sendo assim, mais susceptível a ter infecções graves. Então a presença de febre em criança falciforme é SEMPRE um sinal de alerta, principalmente em menores de 3 anos os quais devem ser internados e investigados para localizar a infecção. Resumindo, mesmo em pacientes vacinados e com uso de penicilina profilática a presença de febre é sempre um risco para sepse, especialmente em menores de 3 anos. SÍNDROME TORÁCICA AGUDA (STA): Termo que se refere a qualquer quadro de doença aguda caracterizada por febre e/ou sintomas respiratórios acompanhado por novo infiltrado pulmonar à radiografia de tórax. Usa-se esse termo pq é difícil a diferenciação da etiologia quanto a oclusão vascular, infecção, sequestro pulmonar, etc. Requer tratamento imediato com internação e antibioticoterapia mantendo saturação >92%. Além dos exames habituais, deve-se solicitar tbm a gasometria. O agente etiológico mais comum é o pneumococo. Tratamento: Internação, oxigenoterapia, antibiótico, busca de fator desencadeante, analgesia e terapia de suporte, além da fisioterapia respiratória para evitar atelectasias, etc. Se não tem boa resposta: transfusão sanguínea. CRISE APLASTICA: Rara e acontece 7/10 dias após processos infecciosos principalmente relacionados ao Parvovírus B19. Seus sintomas são de uma anemia aguda sem esplenomegalia. Para diferenciar do sequestro esplênico, além de não ter esplenomegalia, na crise aplástica temos a presença de reticulocitopenia. Tratamento: sintomático e se tiver necessidade, transfusões de concentrado de hemácias. SEQUESTRO ESPLÊNICO/HEPÁTICO: Na anemia falciforme inicia-se a partir dos 5 meses de vida, sendo rara após os 2 anos e é o acúmulo repentino intraesplênico de grandes volumes de sangue. Nele o baço aumenta seu volume rapidamente e há queda súbita na quantidade de hemoglobina, reticulocitose, podendo tbm ter plaquetopenia com risco de choque hipovolêmico e morte. O sequestro hepático é mais raro mas pode gerar hepatomegalia, hiperbilirrubinemia, anemia e reticulocitose. Devemos orientar os pais para reconhecer rapidamente o sequestro sabendo analisar esplenomegaliae hepatomegalia e nível basal da hemoglobina da criança. Tratamento: correção da hipovolemia com transfusão de hemácias para aumentar HB para 9/10 g/dl. Em crise severa pode haver indicação para esplenectomia por ter chance de recidiva. A esplenectomia é feita em crianças com mais de 5 anos, vacinando antes da cirurgia contra Streptococcus pneumoniae. Em crianças com menos de 5 anos fazer transfusão crônica ou hipertransfusão mantendo a HbS <30%. AVE: Ocorre em cerca de 10% das pessoas com anemia falciforme até os 20 anos de idade. No diagnóstico diferencial é importante excluir meningite. Os sintomas do AVE podem ser hemiparesia, alteração de campo visual, paralisia de nervos cranianos, etc. Após quadro agudo deve manter regime crônico de transfusões (regime de hipertransfusões) para que HbS fique abaixo de 50%. A partir dos 2 anos de idade, a criança com anemia falciforme deve fazer todo ano doppler transcraniano e caso a velocidade de fluxo sanguíneo esteja aumentada (>200cm) fazer regime de hipertransfusão como profilaxia primária. PRIAPISMO: O priapismo é a ereção dolorosa do pênis que pode ser em episódios breves ou longos. Seu tratamento é a base de exercícios leves, banhos mornos, hidratação abundante e analgesia. Se não tiver melhora em 24 horas, indica-se a exsanguineotransfusão ou transfusão simples de concentrado de hemácias. Se haver necessidade, fazer a punção dos corpos cavernosos. Sintomas de risco na doença falciforme: Aumento súbito da palidez Piora da icterícia Distensão abdominal Hepatomegalia/esplenomegalia Hematúria Priapismo Dor que não responde ao tratamento Tosse ou dificuldade respiratória Febre Alterações neurológicas Sintomas gastrointestinais Tratamento: Orientar os pais Exames e consultas de rotina (seguindo o Protocola Nacional de Atenção às Pessoas com Doença Falciforme) Hidroxiureia Não são indicações de transfusões nos seguintes casos: Anemia crônica Crise dolorosa Infecções leves ou moderadas Profilaxia: Antibiótico profilático dos 3 meses aos 5 anos (penicilina, e em alergia, eritromicina) Imunização Uso de ácido fólico (5mg/dia) Na profilaxia com penicilina, pode ser feita de duas formas: a cada 21 dias faz penicilina G benzatina 50.000 U/Kg/dose OU penicilina oral diária nas seguintes doses: 125 mg, 2 vezes/dia, até o peso de 15 kg ou até os 3 anos de idade; 250 mg, 2 vezes/dia até o peso de 15 a 25 kg ou dos 3 aos 5 anos de idade; 500 mg, 2 vezes/dia em crianças com peso maior que 25 kg Talassemias: São doenças autossômicas recessivas caracterizadas por Hemoglobinopatias por mutações genéticas na produção das cadeias de globulina das hemoglobinas acarretando em eritropoese ineficaz, hemólise e anemia de grau variável. Desses mutações as mais frequentes são as Alfa talassemias e as beta talassemias. Manifestação: ALFA TALASSEMIA: Pode se apresentar de 4 formas: Portador silencioso (assintomático) Traço alfa talassêmico (anemia hipocrômica leve a moderada) Doença da hemoglobina H (anemia hemolítica grave Hb de Barts (anemia grave com óbito intrauterino ou logo após o nascimento) BETA TALASSEMIA (“anemia do mediterrâneo”): Talassemia menor (assintomática) Talassemia intermediaria (clínica variável) Talassemia maior (anemia grave, palidez, icterícia, letargia, etc) Também podemos classificar as talassemias de acordo com a necessidade de transfusão de sangue ou não. Sem transfusão: beta talassemia menor e traço de alfa talassemia. As demais são dependentes de transfusões desde os primeiros meses de vida. Fisiopatologia: Com as alterações geradas na produção de globina há uma eritropoese ineficaz. Com isso o organismo tenta compensar a produção de sangue e acaba gerando hiperplasia na medula óssea e nos órgãos que fazem o sangue na vida intra uterina (hepatoesplenomegalia). O sangue produzido ainda é de má qualidade e a sua destruição é rápida gerando hemólise, predisposição a cálculo biliar, hipercoagulabilidade, etc. Com a persistência dessa anemia o organismo acha que precisa de ferro e aumenta sua absorção no intestino, gerando sobrecarga de ferro. Tratamento: O tratamento da beta talassemia maior é fundamentado no regime de hipertransfusão crônica combinada com terapia quelante de ferro e medidas de suporte direcionadas às complicações. Transfusão a cada 2 a 4 semanas desde os primeiros meses de vida. Solicitar Eletroforese de Hemoglobina Pensamos em talassemia em toda anemia que supostamente era ferropriva, mas não responde a tratamento com dose, tempo e adesão adequados, ou quando pais são anêmicos a vida toda. Anemia Ferropriva: Carência de ferro no início da vida impacta no crescimento e na imunidade (atrofia do timo), além do impacto no desenvolvimento neurológico e cognitivo. As crianças são mais propensas a desenvolverem anemia pq a necessidade de ferro na dieta deles é de 30% devido ao crescimento. A criança nasce com reserva de ferro para 4 meses e então depende do ferro da alimentação. O ácido ascórbico, frutose e carotenoides ajudam na absorção do ferro ingerido e alguns alimentos como legumes, vegetais, refrigerantes, leite e derivados podem reduzir sua absorção. A principais fontes de ferro são carnes, leite humano, farinh láctea, suco de limão, etc. Tem alimentos que tem grande teor de ferro, mas sua biodisponibilidade é baixa, como o feijão. Então devemos nos atentar a esse detalhe. Manifestações: Pode ser assintomático ou ter palidez, fadiga, déficit de crescimento, susceptibilidade a infecções. Quando investigar? Fazer a dosagem sérica entre 9 e 12 meses e depois a cada ano dos 2 aos 5 anos. Estágios da deficiência de ferro: 1° Estágio 2° Estágio 3° Estágio Redução de estoque Redução de ferro sem anemia Redução de ferro com anemia Hb Normal Normal Reduzida VCM Normal Normal Reduzida Ferro sérico Normal Reduzida Reduzida Ferritina Reduzida Reduzida Reduzida Tratamento: Objetiva corrigir a causa da anemia, normalizar os níveis hematimétricos e repor estoque de ferro. Alimentação e suplementação de ferro (3 a 6 mg/kg/dia de ferro elementar, 1/2x/dia por 3 a 6 meses) – reavaliar após 1 mês. Como prevenir? AME por 6 meses Suplementação profilática Evitar leite de vaca antes de 1 ano de idade Fortificação de alimentos Controle de infecções e verminoses Quando considerar outro diagnóstico? Anemia não hipocrômica e não microcítica Alteração de glóbulos branco ou plaquetas junto Pancitopenia Esplenomegalia Anemia microcítica e hipocrômica que não corrige com ferro
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