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A DISTRIBUIÇÃO DA TERRA NA AMÉRICA DO SUL_ HISTÓRIA, DESAFIOS E PERSPECTIVAS

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A DISTRIBUIÇÃO DA TERRA NA AMÉRICA DO SUL: HISTÓRIA, DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
Natally Sato
A vinculação dos países sul-americanos com os mercados agroalimentares
internacionais impacta diretamente na organização da terra e fomenta benefícios
econômicos por parte dos Estados da América Latina e do Caribe (ALC). As
Matrizes agroexportadoras predominantes impulsionam a expansão de
determinados tipos de cultivos voltados a mercados externos e recebem prioridade
nos programas nacionais de desenvolvimento rural. Deste modo, as políticas
comerciais são decisivas no modelo de organização fundiária e na expansão ou
contração da desigualdade no campo.
Nesse sentido, o trabalho de Silva Lilian Ferro foca na análise histórica das
políticas comerciais e políticas públicas que os Estados Nacionais implementaram, e
como elas aumentaram ou diminuíram a iniquidade de acesso às terras rurais por
parte dos distintos setores agrários, além da vinculação dessas políticas com o
conflito rural na América do Sul. Segundo os censos mais recentes, a superfície
agrária na América do Sul corresponde a 1/5 da produção agrícola mundial.
A construção política da estrutura da propriedade da terra no continente
remonta ao período dos processos de independência no início do século XIX. Nesse
momento, a América do Sul se consolidou como um espaço de produção e
exportação de produtos primários para os mercados europeus e conquistou sua
atual posição na divisão internacional do trabalho. Esse processo também ensejou a
eliminação dos povos originários, além da política de imigração européia no
continente. Nesse período, o pensamento liberal de livre mercado, consagrado nas
constituições sancionadas no decorrer do século XIX, foi a concepção que embasou
o modelo de latifúndios voltados para exportação e dirigidos pelas oligarquias
agrárias sul-americanas.
Ao longo dos séculos XIX e XX, a terra foi expropriada violentamente pelos
Estados Nacionais e privatizada quase imediatamente após os grandes fluxos
migratórios. A divisão fundiária predominante na América do Sul foi organizada em
grandes propriedades produtivas, com exceção das regiões das bacias dos rios
Paraná e do Rio da Prata (Litoral da Argentina, Uruguai, sul do Brasil e Leste do
Paraguai), que favoreceram a distribuição em médias e pequenas propriedades.
Os novos imigrantes europeus não se miscigenaram com as etnias crioulas e
os povos originários. A segregação étnica foi, e ainda é, visível na questão do
acesso à terra. Os brancos descendentes de europeus permanecem como
proprietários de terras e dos meios de produção, enquanto que os crioulos e povos
originários ocupam as posições de camponeses assalariados ou pequenos
proprietários que plantam para subsistência. A mesma desigualdade se reproduz
nas cidades, onde os descendentes de europeus ocupam os postos mais altos e os
descendentes de crioulos e afrodescendentes são marginalizados e relegados a
funções mais baixas.
Nesse cenário de extrema desigualdade, ocorreram tentativas de reformas
que buscavam o desenvolvimento dos setores agrários nacionais subalternos.
Porém, a instabilidade política e os golpes militares abortaram todos os processos
de democratização do acesso à terra que se impulsionaram. Alguns dos processos
até se institucionalizaram na legislação, como no caso do Brasil e do Paraguai,
porém, não foram levados adiante. Movimentos de trabalhadores rurais e indígenas,
além de organizações religiosas, como a Ação Católica, impulsionaram os
processos de reforma agrária nos países sul-americanos. Alguns desses
movimentos tiveram caráter revolucionário e, a partir da segunda metade do século
XX, se inspiraram no triunfo da Revolução Cubana de 1959 como um dos caminhos
para democratizar o acesso à terra. Contudo, os processos contra revolucionários
de golpes cívico-militares que se sucederam no decorrer dos anos 60, 70 e 80
impediram todas as iniciativas de Reforma Agrária que ameaçavam as elites
oligárquicas e o capital estrangeiro a elas associado.
Já nos anos de 1990, o processo de liberalização dos mercados comerciais
acarretou uma certa perda de assistência prestada pelos governos nacionais aos
mercados agrários na América do Sul, devido às políticas de redução dos Estados.
Contudo, os setores agrários voltados para a exportação se mantiveram fortes,
mesmo com as flutuações cíclicas dos mercados internacionais de commodities e
das crises financeiras.
No início do século XIX, a chegada de governos populistas na América do Sul
representou um incentivo à produção agrícola, além da expansão da
industrialização, do desenvolvimento dos mercados internos e dos incentivos
governamentais. Estes movimentos colocaram em pauta a questão da soberania
alimentar que, por muitos anos foi fomentada pelos movimentos sociais agrários,
além de debaterem as questões relacionadas aos danos causados ao meio
ambiente nas últimas décadas. Contudo, esses governos continuaram a privilegiar
as produções agrícolas voltadas à exportação de commodities em direção aos
mercados tradicionais, e isso continuou a favorecer a distribuição da terra em
grandes propriedades produtivas.
Vale mencionar outro fator de desigualdade que a autora ressalta em seu
texto, a visível falta de acesso às terras para as mulheres na América do Sul. Com
exceção dos casos do Brasil, Paraguai e Bolívia, que em suas legislações
procuraram incentivar a preferência para as mulheres em seus programas de
Reforma Agrária, os demais Estados Nacionais não consideraram essa
desigualdade nas suas políticas agrárias.
Nesse cenário, o modelo de latifúndios que favorecem a produção de soja na
América do Sul, impactam diretamente nas formas e usos atuais da terra. Essa
política entra em conflito direto com os interesses dos povos originários que, em sua
maioria, pretendem uma produção agrícola mais diversificada e técnicas menos
agressivas ao meio ambiente. Portanto, é necessário considerar o tamanho das
propriedades quando se pensa a distribuição desigual das terras no continente.
Outro aspecto a considerar é que os grandes latifúndios passam por um
fenômeno de diminuição oficial de seu tamanho pois, embora os proprietários
permaneçam tendo em sua posse gigantescas unidades agrícolas, o arrendamento
de suas terras permite que essas sejam classificadas como medianas ou até
mesmo pequenas propriedades e isso possibilita que esses proprietários tenham
acesso a subsídios e benefícios estatais. Esse fenômeno produz o aumento do
número de propriedades medianas baseadas na organização familiar. Em alguns
casos, essas famílias arrendam estas terras para camponeses mais pobres e vão
residir em zonas urbanas, se mantendo com os lucros das produções voltadas para
exportação.
Além da presença das propriedades medianas e dos grandes latifúndios,
persiste o processo de estrangeirização das terras sul-americanas com a entrada de
investimentos externos que são incentivados a décadas no continente. Diante dessa
preocupante desigualdade agrária na América, além da financeirização dos
mercados globais e da atual crise alimentar denunciada pela FAO, se impõe a
necessidade de redesenhar a produção, comercialização e distribuição de alimentos
no mundo. A volatilidade dos preços commodities nos mercados mundiais favorece
a produção de produtos primários-exportadores nos países do Sul Global em
detrimento de manufaturados e produtos de alta tecnologia, gerando assim uma
dependência das economias sul-americanas em relação a comercialização de
produtos agrários.
Outra questão que se impõe é a necessidade de preservação do meio
ambiente, isso implica diretamente na redistribuição da terra em um modelo de
produção menos agressivo à natureza, como a agricultura familiar e
consequentemente na democratização do uso da terra. Assim, as políticas
comerciais e agrárias dos Estados Nacionais que impactaram a expansão fundiária
no continente, devem alterar o modelo de desenvolvimento rural predominantee
buscar uma equidade na atual distribuição e acesso à terra. O objetivo final deve ser
a soberania alimentar que, para além da disponibilidade da terra em si, procura a
diversificação da sua produção e do acesso aos meios tecnológicos para cultivá-la.

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