Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A QUESTÃO SOCIAL NAS CIDADES LATINOAMERICANAS: ANÁLISE DA CRISE DAS CIDADES E PERSPECTIVAS DE SUPERAÇÃO Natally Sato A autora Alicia Ziccardi aponta que a “questão social” na América Latina está intrinsecamente ligada às cidades latino-americanas do fim do milênio, ou seja, a análise da autora foca na situação das cidades durante a década de 1990, sobretudo na ação dos governos locais diante dos problemas sociais. Estas, por sua vez, sofrem uma série de crises e problemas das mais diferentes ordens. A autora assinala três grandes pontos: Los procesos de globalización de la economía, que geram uma ampla desindustrialização e terceirização das atividades econômicas, ocasionando o surgimento de trabalhos informais e ambulantes; La reforma del Estado de bienestar, ocasionada por políticas neoliberais que visam a redução do estado e a limitação da ação governamental sobre a questão somente através de “políticas sociais”; e La revolución informacional, que acarretou a disseminação de uma cultura globalizada e padronização dos gostos. Estes fenômenos também levaram ao aprofundamento da democratização dos sistemas políticos no interior das cidades, a transformação das formas de governo e a expansão da cidadania política e social através de movimentos sociais e outros intermediários entre a população e os governos. Outro ponto importante é a questão da imigração. Nas cidades Latino-americanas este problema vem favorecendo o aumento da informalidade, do subemprego e desemprego aberto; além do aumento da demanda por serviços sociais, seguridade social (aposentadoria) é um processo de urbanização, feminilização e infantilização da pobreza. Porém, os governos locais não têm muito o que fazer diante do cenário de emprego e subemprego que, em geral, são de responsabilidade dos governos nacionais. Neste cenário, os dados registrados na década de 1990 apontam que 35% da população do Caribe se encontrava abaixo da linha da pobreza e 18,8% em extrema pobreza, chegando a 60% da população em condição de pobreza. No Brasil, até 1996 registrava-se 35% da população como pobres e no México 50%. Esta condição de pobreza generalizada produziu uma gigantesca exclusão social nas cidades, ou seja, uma série de conjuntos e fatores que impedem o incremento da qualidade de vida de determinadas populações, para além da condição de pobreza em si. Mas, dentre as causas é possível apontar os campos da dificuldade de acesso ao trabalho, ao crédito aos serviços sociais, a instrução, o analfabetismo, a problema, a segregação territorial, a discriminação por gênero, etnia e política. Contudo, tanto na Europa quanto na América Latina nos 1990 a questão da exclusão social foi reduzida em muitos países ao problema do “direito ao trabalho”. Assim, a autora assinala que somente as ações governamentais que enfrentam somente a pobreza e relegam a questão da exclusão social são limitadas e setoriais, não resolvem o problema estrutural. Dentre os fatores que causam essa exclusão estão as diferentes dimensões da desigualdade no interior das cidades, tais como, as desigualdades de acesso a bens e serviços; as desigualdades regionais e as desigualdades étnicas e de gênero. Dos problemas visíveis a pobreza urbana é a principal questão social, ela geralmente acarreta a marginalização de determinados grupos que são segregados em locais afastados dos centros das cidades e segmentos sem acesso a infraestrutura mínima. Na América Latina, a questão social foi tratada por muito tempo como uma questão de polícia por parte dos governos locais e nacionais. O cenário predominante sempre foi a repressão violenta do estado contra as mobilizações por reivindicações sociais. Contudo, com o retorno gradual da democracia nos países latino-americanos após o ciclo ditaduras no século XX, a questão social voltou a ser tratada como responsabilidade governamental. Não obstante, o predomínio das políticas neoliberais durante os anos 80 e 90, acabaram por fragmentar a questão social em políticas setoriais e limitadas, privilegiando a descentralização de recursos, a privatização de serviços públicos e sem incluir os custos necessários que implicam os ajustes na economia necessários para o real enfrentamento das questões. É válido ressaltar que, a América Latina propicia excelentes índices de condições de vida e conforto para as classes altas e as camadas médias da sociedade urbana. Nesse sentido, uma das contradições mais graves que se observa ao comparar as grandes cidades da Europa com a América Latina é a ausência dos serviços e equipamentos básicos que se apresentam nos bairros populares, ou seja, a falta de infraestrutura para os mais pobres. Neste sentido, as ações dos governos locais tendem a privilegiar somente as populações em situação de vulnerabilidade, esta condição é como se define determinados grupos dentre os mais pobres (mulheres, crianças, indígenas, idosos, moradores de ruas) e vem sendo utilizada como uma forma de focalização das políticas sociais, ou seja, de ajustar os auxílios governamentais para contemplar tão somente os mais pobres dentre os pobres. Esta concepção limita a atuação dos governos locais apenas às questões de moradia, recursos naturais e mobilidade urbana, se ausentando da responsabilidade sobre outros problemas mais estruturais. Considerando esta conjuntura, a autora aponta que o aumento da participação popular na tomada de decisões (cidadania) nos governos locais, pode ser uma forma de solucionar os problemas que sofrem as zonas urbanas na América Latina. As cidades são historicamente, os lugares de construção e conquista de direitos. A autora cita a ideia de Tocqueville: “O governo local era a melhor escola de democracia, porque supõe que através da participação nos assuntos locais, o cidadão compreende praticamente os direitos e responsabilidades, se familiariza com as regras do jogo democrático e cultiva em si o respeito pelas instituições”. Porém, na América Latina, o limitado grau de institucionalização da participação cidadã, somado com a burocracia e a descredibilização das instituições governamentais acarreta uma baixa participação democrática tanto em nível local quanto nacional. Os movimentos sociais nas cidades encontram pouco acesso para a participação governamental e, a algumas décadas, a relação entre governos e movimentos era de enfrentamento violento. Recentemente ela se tornou uma relação de negociação entre as partes. Portanto, Zicardi conclui que é necessário gerar espaços para a participação cidadã na tomada de decisões e ativar mecanismos que já existem e não são utilizados nos governos locais (audiências públicas, referéndum, plebiscito, iniciativa popular). Essa participação passa por diversos intermediários. Nas periferias excluídas a organização coletiva e a relação com as instituições proporciona a formação de lideranças populares; dentre os trabalhadores assalariados, os sindicatos desempenharam os papéis de luta e conquista de melhores condições; de modo similar, os partidos políticos de origem popular incorporaram a questão social e lograram o êxito dirigir determinados governos locais e colocar em ação políticas sociais. A autora também exalta a importância das ONGs como uma das formas de atuação de novos intermediários na participação cidadã. Esse conjunto de intermediários são extremamente necessários para conquistar melhores condições de vida nos espaços urbanos e restituir o caráter público da ação governamental, frente às atuais políticas neoliberais, para caminhar em direção a novas formas de gestação que solucionem a “questão social”.
Compartilhar