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Historia Moderna I

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Prévia do material em texto

História Moderna I
São Cristóvão/SE
2009
Andreza Santos Cruz Maynard
Dilton Cândido Santos Maynard
Projeto Gráfi co e Capa
Hermeson Alves de Menezes
Diagramação
Neverton Correia da Silva
Elaboração de Conteúdo
Andreza Santos Cruz Maynard
Dilton Cândido Santos Maynard
 Maynard, Andreza Santos Cruz.
 Cândido Santos Maynard -- São Cristóvão: Universidade Federal 
 de Sergipe, CESAD, 2009.
 
 1. História. I. Maynard, Dilton Cândido Santos. II. Título. 
 
CDU 94 
Copyright © 2009, Universidade Federal de Sergipe / CESAD.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada 
por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia 
autorização por escrito da UFS.
FICHA CATALOGRÁFICA PRODUZIDA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
História Moderna I
M471h História Moderna I / Andreza Santos Cruz Maynard, Dilton 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Cidade Universitária Prof. “José Aloísio de Campos”
Av. Marechal Rondon, s/n - Jardim Rosa Elze
CEP 49100-000 - São Cristóvão - SE
Fone(79) 2105 - 6600 - Fax(79) 2105- 6474 
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Carlos Eduardo Bielschowsky
Reitor
Josué Modesto dos Passos Subrinho 
Vice-Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
Chefe de Gabinete
Ednalva Freire Caetano
Coordenador Geral da UAB/UFS
Diretor do CESAD
Antônio Ponciano Bezerra 
Vice-coordenador da UAB/UFS
Vice-diretor do CESAD
Fábio Alves dos Santos
Coordenador do Curso de Licenciatura
em História
Lourival Santana Santos 
NÚCLEO DE MATERIAL DIDÁTICO
Hermeson Menezes (Coordenador)
Jean Fábio B. Cerqueira (Coordenador)
Baruch Blumberg Carvalho de Matos
Christianne de Menezes Gally
Edvar Freire Caetano
Gerri Sherlock Araújo
Diretoria Pedagógica
Clotildes Farias (Diretora)
Rosemeire Marcedo Costa
Amanda Maíra Steinbach
Ana Patrícia Melo de Almeida Souza
Daniela Sousa Santos
Hérica dos Santos Mota
Janaina de Oliveira Freitas
Diretoria Administrativa e Financeira 
Edélzio Alves Costa Júnior (Diretor)
Sylvia Helena de Almeida Soares
Valter Siqueira Alves
Núcleo de Tutoria
Janaina Couvo
Priscilla da Silva Goes (Coordenadora
de Tutores do curso de História)
Núcleo de Avaliação
Guilhermina Ramos
Elizabete Santos
Núcleo de Serviços Gráfi cos e Audiovisuais 
Giselda Barros
Núcleo de Tecnologia da Informação
Fábio Alves (Coordenador)
João Eduardo Batista de Deus Anselmo
Marcel da Conceição Souza
Michele Magalhães de Menezes
Assessoria de Comunicação
Guilherme Borba Gouy
Pedro Ivo Pinto Nabuco Faro
Isabela Pinheiro Ewerton
Jéssica Gonçalves de Andrade
Lucílio do Nascimento Freitas
Neverton Correia da Silva
Nycolas Menezes Melo
Péricles Morais de Andrade Júnior
Sumário
AULA 1
Essa tal Idade Moderna: transição para novos tempos, 
novos mundos....................................................................................07
AULA 2
Guerras, peste e fome: a formação do sistema econômico 
comercial ........................................................................................... 15
AULA 3
Navegar é preciso: a expansão ultramarina europeia e a 
edenização do Novo Mundo .............................................................. 25
AULA 4
O Renascimento ................................................................................ 35
AULA 5
A Igreja em transformação: a Reforma Protestante .......................... 47
AULA 6
A Contra-Reforma.............................................................................. 57
AULA 7
Cultos populares, Sabás e perseguições .......................................... 67
AULA 8
O Absolutismo ................................................................................... 75
AULA 9
As Revoluções Inglesas: a Revolução Gloriosa e o fi m do 
absolutismo inglês ............................................................................. 85
AULA 10
O Iluminismo...................................................................................... 93
META
Apresentar aspectos da disciplina História Moderna 1, ressaltando os 
principais problemas a serem abordados por ela.
OBJETIVOS
Ao fi nal desta aula, o aluno deverá:
identifi car os principais traços que caracterizam o período entre os séculos 
XV e XVIII denominado como Idade Moderna;
apreender a importância desse momento da vida Ocidental, considerando os 
valores e propostas surgidas no período;
reconhecer a Idade Moderna como um período de transição.
PRÉ-REQUISITOS
Leituras sobre a crise do Medievo. Noções de História Econômica.
Aula
1ESSA TAL IDADE MODERNA: TRANSIÇÃO PARA NOVOS TEMPOS, NOVOS 
MUNDOS
Os marcos históricos eleitos para demarcar o início da Idade 
Moderna variam. A fi gura 1 representa Maomé II, sultão do 
Império Otomano, entrando em Constantinopla com seu 
exército, em 1453; a imagem 2 mostra um exemplar da Bíblia de Guttemberg, o primeiro livro impresso por Johannes 
Gutenberg. O processo de impressão dessa bíblia se iniciou por volta de 1450, terminando em 1455, e marcou o início 
da produção em massa de livros no Ocidente; a fi gura 3 representa a partida da frota comandada por Cristóvão Colombo 
do porto de Palos, na Espanha, em 3 de agosto de 1492. Essa viagem culminou com o descobrimento da América, em 
12 de outubro de 1492. (Fonte: 1, 2 e 3 - http://upload.wikimedia.org)
1 2
3
8
História Moderna I
INTRODUÇÃO
Transição. Parece ser esta a melhor palavra a ser utilizada quando que-
remos caracterizar a Idade Moderna. De certo modo, é como a pintura de 
um quadro ou mesmo de uma casa. Para atingir determinada tonalidade, o 
pintor utiliza combinações de cores, coloca um tom sobre o outro, até chegar 
ao que idealizou. Pois bem. Neste livro, falaremos de um tempo em que não 
se enxerga mais o antigo, mas ainda não se vislumbrou nitidamente o novo. 
Começamos, portanto, afi rmando que a Idade Moderna foi um período 
de transições. No intervalo que se estende entre os séculos XV e XVIII, 
mudanças varreram o mundo. Na região hoje conhecida como Europa, os 
homens experimentaram inovações que iam do jeito de navegar à com-
posição dos cardápios, e aos modos à mesa. A partir destes novos tempos 
insistia-se, por exemplo, para que, durantes as refeições, as pessoas não 
fi cassem a balançar sobre as cadeiras, pois “tal atitude sugere o trejeito de 
que está para liberar gases do tubo digestivo ou, pelo menos se esforça 
para tanto”, ensina Erasmo de Rotterdam (ROTTERDAM, s/d, p.140). 
Mudou também o jeito de governar e as formas de lidar com o sobrenatural. 
Indubitavelmente um mundo novo se abriu.
Se o medievo foi um tempo para muitos marcado por uma quase 
imobilidade, não é correto dizer o mesmo do mundo a partir do século 
XV. Daí em diante a Terra tornou-se maior e, paradoxalmente, menor. 
Expandiu-se, pois os mapas tiveram que ser redesenhados para abrigar um 
novo continente, um novo oceano. Ao mesmo tempo, as distâncias encur-
taram. Novos tipos de embarcações transformaram vidas, circundaram a 
África, facilitaram compromissos, guerras, festas e negócios. Alimentos 
desconhecidos chegavam às mesas de italianos, espanhóis e franceses ao 
mesmo tempo em que nativos americanos experimentavam doenças e uma 
mortandade inéditas. Claro, as enfermidades não fi caram restritas a um 
só grupo. Os europeus não transportaram apenas ouro e prata do Novo 
Mundo. Levaram daqui também alguns males.
Mas como caracterizar a Idade Moderna? Eis uma das maiores difi cul-
dades para quem se dedica ao estudo do período.Não se trata apenas de 
periodizar. Para alguns autores, o tal “mundo moderno” – o período que 
vai da crise da sociedade feudal europeia no século XIV até as revoluções 
democrático-burguesas, no século XVIII – pode ser visto como algo que 
“se reveste de uma série de especifi cidades que podem, em linhas gerais, 
ser analisadas, tomando-se como referência a percepção que alguns tiveram 
de que estavam vivendo um novo tempo” (FALCON, 2000, p.9). Deter-
minemos, ainda que provisoriamente, duas coordenadas fundamentais para 
o ofício do historiador. O tempo e o espaço. O primeiro, no caso aqui es-
tudado, abrange o século XV e se alarga até aproximadamente o alvorecer 
do século XVIII. O espaço, sem dúvida, é a Europa Ocidental.
Desidério Eras-
mo nasceu em 
Rotterdam, nos 
Países Baixos, em 
1467, e faleceu na 
Basiléia, na Suíça, 
em 1536. Estudou 
teologia em Paris 
e foi um infl uente 
pensador humani-
sta. Suas críticas à 
postura da Igreja 
são vistas como 
uma antecipação 
da Reforma Prot-
estante. Sua obra 
mais conhecida é 
O Elogio da Lou-
cura (1509). 
9
Essa tal Idade Moderna: transição para novos tempos, novos mundos Aula
1Afi nal de contas, o período acima delimitado corresponde ao tempo 
em que os europeus avançaram sobre os mares, descobriram as belezas e 
agruras do Atlântico e, em pouco tempo, tornaram-se senhores de parte 
considerável do mundo. Nesta época, a Europa espalha sua infl uência, vê 
crescer seu poder. 
Se você pretende ter uma ideia de como homens e mulheres vivenciaram 
este período, talvez a melhor opção fosse dar atenção às “vozes” da época. 
Claro, não espere que os relatos e imagens obtidas sejam fi dedignos. Afi nal 
de contas, a realidade não é algo assim tão fácil de fi xar nas páginas dos 
livros ou reter nas tintas e pincéis. Todavia, não é incorreto dizer que, em 
textos, mapas e pinturas do período, é possível perceber traços do cotidiano, 
da economia, da religião, da política. As fontes históricas, se corretamente 
questionadas, sempre têm algo a nos dizer.
UMA PERIODIZAÇÃO QUE VARIA
A Idade Moderna foi, sim, um período de transição. Como explica 
Francisco José Calazans Falcon –, “são mudanças ocorridas, em ritmos e 
intensidades diversos, conforme a sociedade, que formam o núcleo básico 
dessa transição” (FALCON, 2000, p.12). Trata-se de um tempo com novas 
visões de mundo, formas de pensamento inovadoras. E as opções para 
demarcar este período, se consultarmos a bibliografi a sobre o tema, são 
diversas. O marco mais comum é a tomada de Constantinopla pelos turcos, 
em 1453. Mas é possível considerar outros acontecimentos, como a invenção 
da imprensa através de caracteres móveis por Johann Gutenberg, talvez por 
Mapa do mundo em 1722. Mundi de http://ceneviva.ricardowerneck.googlepages.com/
10
História Moderna I
volta de 1442, ou a chegada de Cristovão Colombo à América (1492). In-
dependentemente deste ponto inicial, o importante é reconhecer que entre 
os séculos XV e XVI ocorreram transformações cruciais que “atingiram 
praticamente todos os níveis da existência social dos povos europeus em 
geral e, em especial, os habitantes das regiões centro-ocidentais da Europa” 
(FALCON, 2000, p.23). Além disto, poderíamos olhar para os céus e es-
colher mais outro ponto de partida. Ao publicar Sobre a revolução das esferas 
celestes, em 1543, o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), 
ajudou a transformar a concepção do universo. 
É um tempo marcado ainda pela passagem da transcendência à 
imanência, no qual se promove o surgimento de uma nova concepção no 
estabelecimento da verdade, dona de linguagem própria e leis, e não mais 
apenas a versão revelada e eclesiástica.
Nesta inquieta maré de mudanças, ganha força a secularização. Em di-
versos campos do saber, observa-se a diminuição das sombras da Metafísica 
e da Teologia, campos dominantes e centralizadores até então. Lentamente, 
em certos casos de modo bastante discreto, avança uma nova concepção 
terrena e humana de mundo. A verdade, agora, pode e deve ser atingida 
principalmente através do uso da razão. Como dirá um personagem de Wil-
liam Shakespeare (1554-1616), “a causa é escrava de memória, violenta ao 
nascer e provisória” (SHAKESPEARE, 2000, p.98). Ou seja, os motivos, 
os sinais, as comparações, as novas rotas comerciais, os novos modos de 
se portar socialmente... Tudo isto se desenha na ampla tela em que se pinta 
a Idade Moderna. Mas tudo pode ser também provisório, alterado pelas 
metamorfoses contínuas que os novos tempos trazem. E tais mudanças 
arquitetam uma espécie de bifurcação ideológica. De um lado, a religião; 
do outro, as luzes (pensemos no ápice que será o século XVIII).
Aqui, neste imenso terreno do tempo que abarca a transição feuda- 
lismo/capitalismo, a verdade estará ao alcance do homem, e não mais será 
algo reservado a uns poucos clérigos. Mas vamos com calma. O sentimento 
religioso, o misticismo, o irracional não desaparecem. Aliás, convivemos 
com tudo isto hoje em dia. Homens, mulheres e crianças ainda morrem por 
intolerância religiosa mundo afora. A diferença, possível de se perceber já 
no nascer desta tal Idade Moderna, está no fato de que nela a religião não 
é mais a única instância de explicações. Outros campos, como a economia 
e a política, apresentam transformações graduais, mas signifi cativas.
Reforcemos: as coisas ocorrem de maneira lenta. E assim, aos poucos, 
“nas sociedades ocidentais, foi havendo uma tomada de consciência quanto 
à modernidade nascente, em cujo seio já se vislumbra, indecisa, a teoria do 
progresso” (FALCON, 2000, p.11). O resultado deste conjunto de trans-
formações é a formação de uma sociedade moderna e distinta daquelas 
que lhe haviam precedido. 
Nicolau Copér-
nico nasceu em 
Torún, Polônia, em 
1473, e faleceu em 
Frauenburgo, no 
mesmo país, em 
1543. Defendeu a 
teoria do heliocen-
trismo e, com ela, 
fundou a astrono-
mia moderna.
William Shake-
speare
Ing lês , (1554-
1616) considerado 
por muitos o maior 
dramaturgo que já 
existiu. Entre as 
suas obras mais 
conhecidas estão: 
Hamlet, Macbeth, 
Otelo e Romeu e 
Julieta.
11
Essa tal Idade Moderna: transição para novos tempos, novos mundos Aula
1Talvez uma coisa valiosa a ser dita inicialmente é que modernidade e 
Idade Moderna não são a mesma coisa. É da visão desta nova sensibili-
dade, desta conscientização, deste novo espírito chamado modernidade, 
que se desprende a concepção da História Moderna como uma época 
dessemelhante. 
Nesta obra falaremos, como se pode perceber, basicamente da Europa 
Ocidental. É ali que as mudanças cruciais acontecem. H.R. Trevor-Roper, 
ao proceder uma caracterização da Europa Moderna, nos apresenta a ideia 
de modernidade como uma continuidade com cortes. Conforme Trevor-
Roper, o período 1500-1800 é marcado pelo progresso. Tempo iniciado 
pelo Renascimento e encerrado pelo Iluminismo, sendo este uma derivação 
do primeiro. Os dois processos possuem, portanto, vínculos essenciais. 
Mas trata-se de um progresso irregular, muito pouco suave: “há períodos 
de acentuada regressão, e quando o progresso geral recomeça após essa 
regressão, não se retoma necessariamente nas mesmas áreas” (Trevor-Roper 
Apud BERUTTI, FARIA, MARQUES, 2003, p.10). 
Segundo afi rma Colin McEvedy, “certamente cada século teve suas 
recessões e colapsos, e algumas vezes numa dada área – a Itália e a Espanha 
são exemplos disso – pode ter retrocedido durante longo período”. En-
tretanto, se consideramos a Europa como um todo ou o norte da Europa 
em particular, “a prosperidade, a instrução e o conhecimento aumentaram 
século após século no nosso período” (McEVEDY, 2007, p.8).
Ora, a Idade Moderna experimenta diversas fases. O mundo europeu 
saído das crises que atingem países como Inglaterra, França no fi nal do 
século XV é também aEuropa Ocidental que vê nascer o século XVI 
experimentou um progresso quase geral, 
época de uma expansão quase universal. 
Porém, já no século XVII observa-se uma 
crise profunda, um problema que atinge 
de maneiras diferentes a maior parte da 
Europa. 
Podemos dizer que entre 1500 e 1620, 
aproximadamente, o continente europeu 
vivenciou a Idade da Renascença. Nestes 
tempos, a liderança econômica provinha 
do Sul da Itália e Espanha. Uma liderança 
também intelectual. O italiano era um idi-
oma a ser aprendido e as cidades italianas 
eram referências fundamentais nos negó-
cios do mundo conhecido. Aliás, a Idade 
Moderna é marcada por cidades que se 
alternam como centrais: Gênova, Veneza, 
Florença, Roma, Lisboa, Madrid, Londres 
e Paris ditam economia, produzem novos 
Hugh R. Trevor-
Roper 
H i s t o r i a d o r 
britânico (1914-
2003) que se ded-
icou a estudar a 
Idade Moderna na 
Inglaterra e o na-
zismo alemão.
Orbis Universalis, de 1512. Mapa do veneziano Jerônimo Marini. 
Provavelmente esta é a primeira carta geográfi ca a localizar o 
Brasil (antes Vera Cruz, Santa Cruz, dos papagaios ou mesmo 
“del brazille”). Infl uenciado pelos árabes, o autor o construiu com 
orientação para o Sul. http://www.novomilenio.inf.br/santos/
mapa83.htm acesso em 23 out.2009.
12
História Moderna I
saberes, estabelecem doutrinas religiosas, disputam o status de do mundo .
Por sua vez, o período que vai de 1620 a 1660 envolveu revoluções. Prin-
cipalmente na Inglaterra, ocorrem transformações cruciais. A monarquia 
é controlada, enquanto o Parlamento e a burguesia ampliam seus poderes. 
Finalmente, entre 1660 e 1800, o Velho Mundo conheceu os tempos do 
Iluminismo. Graças a isto, a liderança intelectual passa à França, Inglaterra e 
Holanda. Regiões mediterrâneas se viram para o norte em busca de ideias.
Transição para novos mundos, novos tempos. Entre os século XV e 
XVIII, a Europa mudou. Aos poucos, os muitos espaços dominados por 
senhores feudais deram lugar a territórios organizados sob o controle de 
um Estado, de um corpo de leis e de um exército feitos para servir a um 
rei. Algumas das diversas mudanças ocorridas nestes dias serão estudadas 
mais adiante.
CONCLUSÃO
O curso de História Moderna I, razão do conjunto de aulas que será 
apresentado neste livro, tem como alvo refl exões sobre as transformações 
experimentadas pela Europa entre meados do século XIV e o século XVIII. 
O objetivo é apresentar de maneira sumária as alterações na visão de mundo, 
na geografi a, na política e na economia, de forma a ressaltar este período 
como um momento de transição acentuada, marcado pela emergência de 
Estados organizados, pela diminuição do poder da Igreja e pela ascensão 
do individualismo e da razão como aspectos centrais da vida em sociedade.
RESUMO
A Idade Moderna compreende um período de mudanças ocorridas 
entre os séculos XV e XVIII. As transformações ocorrem, por exemplo, 
na geografi a, com a descoberta de novas terras e mares, na política, com o 
fortalecimento do poder real, na religião, com a Reforma Protestante, assim 
como nas artes, com o Renascimento. Tais mudanças, por suas particulari-
dades, estabelecem esta mesma época como um tempo de transições, pois as 
concepções típicas do medievo ainda não estão plenamente superadas, mas 
também não são mais hegemônicas. Trata-se de um momento de ascensão 
da Europa e de seus Estados como os mais poderosos do globo terrestre. 
A partir da Europa, uma série de mudanças ocorrerá em diferentes esferas 
das sociedades.
13
Essa tal Idade Moderna: transição para novos tempos, novos mundos Aula
1ATIVIDADE
A partir do que foi visto nesta aula, escreva por quais motivos podemos 
afi rmar que a Idade Moderna envolve um tempo de transições.
COMENTÁRIOS SOBRE A ATIVIDADE
A Idade Moderna foi um período de transições por todas as alterações 
nela vivenciadas. Ele possui uma periodização variável (os manuais 
de História indicam momentos diferentes para o seu início e o seu 
término), mas percebe-se que o cerne das suas transformações está 
entre os séculos XV e XVIII.
AUTOAVALIAÇÃO
Esta atividade exigirá do aluno algo básico para um historiador: a capaci-
dade de síntese. O texto desta aula inicial oferece informações diferenciadas. 
Ao se esforçar para condensar aquilo que foi dito na aula em poucas linhas, 
o aluno exercita a capacidade de criticar e estabelecer um sentido ao que foi 
lido. Por isto, é importante que haja bastante atenção na confecção desta 
atividade. Ela, inclusive, será fundamental quando for necessário realizar 
uma revisão ou preparar um texto sobre o assunto. 
REFERÊNCIAS
BERUTTI, Flávio, FARIA, Ricardo, MARQUES, Adhemar. Conceito de 
modernidade. In: História Moderna através de textos. 10 ed. São Paulo: 
Contexto, 2003 (Coleção textos e documentos, 3), p. 9-21.
FALCON, Francisco José Calazans, RODRIGUES, Antônio Edmilson M. 
Rodrigues. Tempos Modernos: ensaios de história cultural. Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira, 2000. 
HARMAN, P.M. A Revolução Científi ca. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: 
Ática, 1995. (Série Princípios). 
McEVEDY, Colin. Atlas de História Moderna (até 1815). Trad. Bernardo 
Joffi ly. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
REZENDE, Cyro. Sistema econômico comercial. In: História Econômica 
Geral. 3 ed. São Paulo: Contexto, 1997, p. 67-86.
ROTTERDAM, Erasmo. De Pueris (Dos Meninos)/A Civilidade Pueril. 
São Paulo: Escala, S/D.
SHAKESPEARE, William. Hamlet. Trad. Adriana J. Buarque. São Paulo: 
Universo Livros, 2007.
14
História Moderna I
KAPUR, Shekhar. Elizabeth. Inglaterra, 
1998. EUA, 125min. Sinopse: Com a morte de 
Maria, Elizabeth é coroada rainha da Inglaterra. 
Seu país encontra-se com difi culdades fi nancei-
ras, seus inimigos não acreditam na capacidade 
da nova soberana em realizar as mudanças ne-
cessárias no reino dividido entre a fé católica 
e a protestante. Elizabeth enfrentará intrigas 
palacianas, as inquietações e os problemas liga-
dos ao campo religioso. Observações: O fi lme 
enfatiza o desempenho dos espanhóis no sen-
tido de estabelecer uma ligação política entre as 
coroas espanhola e inglesa. Pode ser utilizado 
para abordarmos as práticas que caracterizam o 
Estado absolutista. As representações existentes 
no fi lme buscam evidenciar a ritualística da corte.
Capa do DVD do fi lme Elizabeth.
Fonte: http://movieobserver.fi les.wordpress.com. 
FILMOGRAFIA RECOMENDADA
BESSON, Luc. Joana D’Arc. França, 1999. 
124 min. Sinopse: Em meio à Guerra dos Cem 
Anos nasce Joana D’Arc (Milla Jovovich). Muito 
religiosa, ao crescer ela acredita ter a missão de lib-
ertar seu país da dominação inglesa. Assim, com 
19 anos, Joana liderará o exército francês contra os 
inimigos. Suas vitórias como guerreira, entretanto, 
não a livrarão de um destino cruel. Observações: 
O fi lme enfoca acontecimentos importantes na 
história da Guerra dos Cem Anos. Joana D’Arc 
(1412-1430), iletrada, mística e apaixonada por sua 
terra, é representada como uma mulher que beira 
a loucura. O fi lme pode despertar debates sobre 
o poder da fé e da religiosidade na formação de 
um povo. A retomada de Reims por Joana, a fra-
gilidade da fi gura real e as manipulações em torno 
desta personagem também podem ser exploradas 
através desta película.Capa do DVD do fi lme Joana D’Arc. 
Fonte: http://www.sebodomessias.com.br.
META
Apresentar a conjuntura de crises produzidas no século XIV e suas relações 
com o surgimento de um novo comportamento diante da política, economia e 
religião.
OBJETIVOS
Ao fi nal desta aula, o aluno deverá:
identifi car as crises experimentadas pelos europeus no século XIV;
destacar a importância da desagregação do sistema econômico funcional, 
pautado nas incumbências sociais de clérigos, dos senhores de terras e dos 
servos;
PRÉ-REQUISITOS
Noçõesde História Econômica. Leituras da aula anterior. Conhecimentos 
gerais sobre a crise do medievo. Noções sobre a geografi a da Europa.
Aula
2GUERRAS, PESTE E FOME: 
A FORMAÇÃO DO SISTEMA ECONÔMICO CO-
MERCIAL
1- Cerco de Orléans (Jules Eugène Lenepveu, 1886-1890), 
pintura romântica representando Joana D’Arc na Batalha 
de Orleans. O Cerco de Orleans (de 12 de outubro de 1428 
a 08 de maio de 1429) marcou a primeira grande vitória de 
Joana D’Arc na Guerra dos cem anos e o início do declínio 
inglês nos outros estágios da guerra; 2- Ilustração na Bíblia 
de Toggenburg (1411), em que um sacerdote reza por dois 
doentes com peste negra.
(Fontes: 1 e 2 - http://pt.wikipedia.org)
1
2
16
História Moderna I
INTRODUÇÃO
Já ao fi nal do século XIII a Europa estava em crise. A depressão experi-
mentada resultava de um crescimento fomentado pela adoção de inovações 
técnicas. Lembremos: o arado representava uma ferramenta com ampla 
diferença nos resultados das colheitas da Europa. Mas o salto na produção 
de alimentos, cada vez maior e de melhor qualidade, exigiu um alargamento 
constante de zonas agricultáveis. Portanto, a contínua expansão de áreas de 
cultivo era a única forma viável de manter a economia funcionando bem.
Nesta segunda aula estudaremos como, neste momento de crise, 
podemos observar mudanças que promoverão novos arranjos sociais, 
estabelecerão novos modos de organizar os negócios e lançarão as bases 
para as aventuras além-mar, assim como facilitarão a concentração do poder 
nas mãos dos reis europeus. O organograma seguinte ilustra as relações de 
dependência entre os três principais segmentos do medievo. A funciona-
lidade de cada grupo social acabou duramente abalada. Cabia aos servos 
produzir, aos cavaleiros defender dos males desta vida, e aos clérigos garantir 
a proteção contra as forças do além. Porém, durante as crises, os cavaleiros 
pouco puderam fazer. O mesmo pode ser dito dos clérigos. A produção 
esteve longe do esperado. O conjunto de problemas apresentados a seguir 
será fundamental para fraturar um modo de manter a economia. Ao mesmo 
tempo, estas crises abrem as portas para práticas comerciais inéditas e, jun-
tamente com elas, para a chegada de novos personagens sociais.
Lavrar, cuidar da 
terra, garantir o 
pão. Eram estas as 
atribuições funda-
mentais dos ser-
vos. Elas garanti-
am aos cavaleiros 
a t ranqüil idade 
necessária para 
cumprir as suas: 
proteger os seus 
senhores e aliados 
em guerras, evitar 
os saques, vencer 
torneios, honrar 
suas famílias. Por 
fim, aos clérigos 
estava reservada 
a tarefa de prote-
ger a sociedade 
no universo sobre-
natural. Orar era a 
sua principal in-
cumbência. Assim, 
orando, os cléri-
gos asseguravam 
a proteção divina 
ao povo. A partir 
das crises ocorri-
das na Baixa Idade 
Média, esta socie-
dade de funções 
tripartidas entrou 
em declínio.
UMA EUROPA MENOR...
No século XIV a Europa diminuiu. Ainda assim, a população do con-
tinente continuou a crescer até cerca de 1310. Apenas com o advento de 
fomes violentas e generalizadas, resultando em uma desorganização das 
atividades agrárias, o crescimento populacional paralisou. Uma primeira 
coisa a ser observada é que o Velho Continente experimentou mudanças 
climáticas, aliadas a desastres naturais, confl itos armados frequentes e a 
uma consequente redução populacional.
Neste mesmo período, dois outros problemas afl igem os europeus: por 
17
Guerras, peste e fome: a formação do sistema econômico comercial Aula
2um lado, havia a Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Este confl ito envolveu 
três importantes regiões econômicas: 
Inglaterra, França e Flandres; por outro, 
a traumática experiência da Peste Negra 
(1347-1350), trazendo a morte por um mal 
desconhecido. E o que era difícil, fi cou 
pior graças aos problemas provocados 
pelas crises demográfica e monetária. 
A partir de tantos problemas, um novo 
panorama econômico fi ndou estabelecido.
A crise Agrária
Os problemas climáticos (nevascas, 
chuvas torrenciais ou secas prolongadas) 
foram essenciais para abalar gravemente 
a produção agrícola europeia em fi ns dos 
quatrocentos. Porém, não bastasse a força 
da natureza, sempre difícil de ser controla-
da e prevista em suas ações, ainda é possível 
observar as contribuições humanas para 
a construção de uma crise talvez sem precedentes nos campos da Europa. 
Entre os aspectos ligados a governos e comerciantes, estão as guerras 
constantes envolvendo regiões como França, Península Ibérica, Escócia, 
Irlanda, Itália, Alemanha, a zona do Báltico. Tudo isto provocou grandes 
destruições nos campos. Um dos resultados de tanta devastação foi a 
tendência de baixas no preço do trigo a partir de 1350. Claro, houve exceções 
no cereal chegam a 35% na Áustria, 63% na Inglaterra e 73% na Renânia.
O trigo era (na verdade, ainda é) um alimento fundamental na vida 
do europeu. Por conta disto, a crise agrária fomentou uma série de graves 
problemas. Como fi os de um único novelo, as difi culdades apareceram: as 
más colheitas provocaram surtos de fomes. Tamanha penúria, incerteza e 
desespero levaram populações ao abate generalizado de animais domésticos. 
Fragilizados, subnutridos, homens e mulheres sucumbiram às epidemias. 
A Crise Demográfi ca
O grande problema para a demografi a em meados do século XIV foi 
a Peste Negra. Entre 1348 e 1350, o mundo experimentou uma pandemia 
(epidemia em grandes proporções) de uma doença que cruzou mares e 
montanhas, vinda da Ásia, atingindo a Europa impiedosamente. Era a Peste 
Negra. Mortífera na maior parte dos casos, a doença exerceu papel crucial 
no rumo da vida econômica do século XIV.
A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) foi na verdade um conjunto 
de confrontos bélicos entre França e Inglaterra. Os ingleses, embora 
apresentassem maior poder militar, tiveram nos franceses adversários 
com grande capacidade de resistência. Os confl itos foram, em parte, 
motivados por disputas por regiões de relevância econômica, como 
a região de Flandres. Esta longa série de batalhas conheceu períodos 
de interrupção dos combates e mesmo paz.
Fonte: http://www.guerras.brasilescola.com
(1361-1362 e 1374-1375, por exemplo). Porém, entre 1350 e 1450, as baixas 
18
História Moderna I
A Peste Negra foi um problema menor em regiões de baixa densidade 
populacional. Por isto mesmo a doença atingiu mais aos pobres que aos 
ricos, pois estes puderam fugir dos locais contaminados. Por se propagar 
mais facilmente em lugares com maior concentração de pessoas, a peste 
fez-se mais presente em núcleos urbanos do que nos campos. Cidades como 
Florença e Provença, por exemplo, enfrentaram grandes difi culdades com a 
doença. E como se desafi asse a força da Igreja, a enfermidade arrastou-se 
até mosteiros e abadias. As comunidades religiosas, repletas de membros, 
foram alvos fáceis da doença. 
Vamos a outro exemplo. Um livro produzido sob os impactos da 
peste pode ajudar a entender os efeitos produzidos pela doença sobre os 
corpos e o imaginário dos europeus. Vejamos o que nos deixou Giovanni 
Boccaccio (1313-1375) em sua obra Decamerão. É verdade, a citação é 
longa. Mas não reclame, pois ela vale a pena:
...tínhamos atingido já o ano bem farto da Encarnação do Filho 
de Deus, de 1348, quando, na mui excelsa cidade de Florença, cuja 
beleza supera a de qualquer outra da Itália, sobreveio a mortífera 
pestilência. Por iniciativa dos corpos superiores, ou em razão de 
nossas iniqüidades, a peste, atirada sobre os homens por justa cólera 
divina e para nossa exemplifi cação, tivera início nas regiões orientais, 
há alguns anos. Tal praga ceifara, naquelas plagas, uma enorme 
quantidade de pessoas vivas. Incansável, fôra de um lugar para outro; 
e estendera-se de forma miserável, para o Ocidente. 
 Na cidade de Provença, nenhuma prevençãofoi válida, nem valeu a 
pena qualquer providência dos homens. A praga, a despeito de tudo, 
começou a mostrar, quase ao principiar a primavera do ano referido, 
de modo horripilante e de maneira milagrosa, os seus efeitos. A cidade 
Giovanni 
Boccaccio 
Escritor humanista 
italiano. Admirador 
de Dante Aligheri, 
publicou biografi as 
de mulheres ilus-
tres, poemas, mas 
ganhou notoriedade 
com Decamerão, um 
divertido conjunto 
de cem novelas, 
elaborado entre 1348 
e 1353. As novelas 
inlfuenciam, ainda 
hoje, muitos escri-
tores. O texto revela 
forte crítica às insti-
tuições medievais e 
centraliza os valores 
humanos.
DECAMERÃO. Através da literatura, podemos observar evidências dos problemas da 
Baixa Idade Média e das rupturas que se anunciavam.
19
Guerras, peste e fome: a formação do sistema econômico comercial Aula
2fi cou purifi cada de muita sujeira, graças a funcionários que foram 
admitidos para esses trabalhos. A entrada nela de qualquer enfermo 
foi proibida. Muitos conselhos foram divulgados para a manutenção 
do bom estado sanitário. Pouco adiantaram as súplicas humildes, 
feitas em número muito elevado, às vezes por pessoas devotas 
isoladas, às vezes por procissões de pessoas, alinhadas, e às vezes por 
outros modos dirigidas a Deus. (...) A peste, em Florença, não teve o 
mesmo comportamento que no Oriente. Neste, quando o sangue saía 
pelo nariz fosse quem fosse, era sinal evidente de morte inevitável 
. Em Florença, apareciam no começo, tanto em homens como nas 
mulheres, ou na virilha ou na axila, algumas inchações. Algumas destas 
cresciam como maçãs; outras, como um ovo; cresciam umas mais 
outras menos; chamava-as o populacho de bubões. (...) ...tiveram os 
meus olhos (como há pouco se afi rmou) certo dia, entre outras vezes, 
a seguinte experiência: as vestes rôtas de um pobre sujeito, morto por 
essa doença, foram jogadas à rua. Dois porcos, de início, segundo 
costumam fazer, sacudiram-nas com o focinho, depois as seguraram 
com os dentes, cada um deles esfregando-as na própria cara. Apenas 
uma hora depois, após uma convulsões, como se tivessem ingerido 
veneno, os dois porcos caíram mortos por terra, sobre trapos em tão 
má hora jogados à rua. (BOCCACIO, 1971, p.13--15).
EFEITOS DA PESTE NEGRA
Os lamentos de Boccaccio não são à toa. Afi nal de contas, a pandemia 
matou entre 25% e 35% da população europeia. Seus efeitos foram desiguais. 
Se, por exemplo, na Alemanha as mortes não foram tão acentuadas, na 
França quase 70% da população morreu. Num triste efeito dominó, uma 
queda demográfi ca tão abrupta e de ampla abrangência simplesmente 
aprofundou a crise agrária e desarticulou governos e negócios. Ocorre um 
“completo desequilíbrio entre oferta e demanda, e entre preços e salários” 
(REZENDE, 1997, p. 71). Ou seja, a crise demográfi ca alimentou um co-
lapso no campo. Os prejuízos provocados por ambas foram acompanhados 
de perto por mais outro grande problema: a crise monetária.
E assim problemas se acumularam. A baixa na mão-de-obra, provocada 
pela perda de trabalhadores para a peste e para as guerras, forçou o aumento 
dos salários. O Velho Mundo começou a experimentar o alargamento 
do mercado consumidor e a difusão da mão-de-obra assalariada. Com o 
tempo, um novo cenário de crescimento começou a se desenhar. Tudo isto 
pressionava por meios de pagamentos. Porém, a Europa carecia de metais 
amoedáveis. A depressão chegou.
As faces da peste 
negra: 
1 . Bubôn ica – 
aparecimento de 
inchaço (bubões), 
principalmente nas 
axilas e virilhas, 
sendo mortífera em 
70% dos casos;
2. Septicêmica – o 
bacilo Pasteurella 
pestis passa dire-
tamente para a cor-
rente sanguínea, 
letal em 100% dos 
casos;
3. Pulmonar – uma 
espécie de pneumo-
nia (preferencial-
mente em estações 
frias), mortífera em 
quase 100% dos 
casos.
D e p o i s d e s s a 
pandemia, houve 
várias epidemias 
da mesma doen-
ça: cinco no sé-
culo XIV; dez no 
século XV (Cf.
REZENDE, 1997)
20
História Moderna I
DEPOIS DA DEPRESSÃO
Como se pode perceber, as três crises (demográfi ca, agrária e 
monetária) em conjunto provocaram um abalo geral sobre um sistema 
que se expandia há três séculos. Podemos dizer que foi uma crise de 
crescimento. Desestabilizada por tantos problemas a economia senhorial, 
baseada no critério de funcionalidade, não se sustentava mais. Em meio aos 
tormentos, os clérigos pareciam não mais proteger. Aliás, como escreveu 
o já citado Boccaccio, eles sequer se protegiam. E os senhores de terra, 
cavaleiros em suas armaduras reluzentes, o que dizer deles? Suas funções de 
defesa também não eram mais plenamente cumpridas. Por fi m, os servos, 
formadores do último elo da cadeia, encontraram espaço para ganhar au-
tonomia. A crise generalizada abriu brechas para que parte dos excedentes 
dos senhores acabasse chegando aos servos, com salários inesperadamente 
altos, e promovessem um acúmulo de riquezas.
Portanto, a partir das crises do século XIV, podemos considerar alguns 
aspectos como fundamentais para a constituição do cenário dos séculos 
XV e XVI. São eles:
1) falência da funcionalidade dos senhores laicos e da Igreja. Isto, 
sem dúvida, contribuiu para a centralização administrativa lançada pelos 
monarcas dos Estados Nacionais. A Igreja perdeu espaço.
2) crescente intromissão dos Estados na vida econômica. A interven-
ção estatal na economia começa a se tornar uma prática comum, expediente 
que não experimentará grandes retrocessos desde então. Observemos, por 
exemplo, as interferências estatais nos níveis de preços e salários (na França, 
em 1349 ou na Inglaterra, em 1351). 
 3) apogeu das sociedades comerciais privadas, que assumiram 
um caráter tipicamente capitalista. A necessidade de desenvolver as 
atividades comerciais esbarra nas difi culdades com os meios de pagamento. 
Temos, assim, uma crescente procura de metais nobres e a reativação do 
comércio de artigos de luxo do Oriente.
Quais as consequencias de tudo isto? Uma inédita aliança, fruto das 
necessidades dos monarcas e da astúcia de comerciantes e nobres acaba 
delineando-se. Burgueses e Estados aproximam-se e estabelecem ajudas 
mútuas. Os reis necessitavam de fi nanças para bancar uma burocracia civil 
e militar visando taxar adequadamente suas populações. Como contrapar-
tida, os negociantes recebem apoio dos Estados e formam as sociedades 
comerciais privadas, grandes companhias de comércio. Mas atenção: isto 
não deve levar à conclusão apressada de que se montou um Estado a serviço 
da burguesia nascente. Trata-se antes de uma relação tensa, na qual os dois 
lados procuram tirar o melhor proveito disto.
21
Guerras, peste e fome: a formação do sistema econômico comercial Aula
2CONCLUSÃO 
Tudo isto foi acompanhado por um processo fundamental, algo que 
modifi cou o jeito de lidar com a terra na Europa. A partir de um redimen-
sionamento visando maior produtividade, as atividades agrícolas foram 
regionalmente especializadas e promoveram o surgimento de áreas de 
monoculturas. A policultura europeia dava lugar a um uso mais racional dos 
solos. Com isto nascem “áreas exclusivamente dedicadas à cultura de cereais, 
outras onde predomina a vinha, áreas dedicas às plantas têxteis e tintoriais, 
e outras onde a pecuária se faz absoluta” (REZENDE, 1997, p. 78,).
Deste modo, com as regiões especializadas em determinadas culturas, 
alterou-se também a concepção que se tinha sobre o trabalho camponês. Agora, 
é preciso considerar a qualidade deste serviço, não apenas a quantidade dele. 
A construção de um cenário de terrenos especializados, a mudança de 
policulturas para monoculturas teve resultados importantes. Afi nal, elas 
contribuíram para que os eixos econômicos tradicionais perdessem seu 
lugar. O Mediterrâneo e o Báltico não mais alimentavam a Europa. Assiste-
se à decadênciados Eixos econômicos tradicionais. A África e a Ásia se 
tornam destinos imprescindíveis e a obtenção de novas rotas, necessidade 
inevitável. Assim, a Europa Centro-Atlântica surge para comandar a eco-
nomia continental.
RESUMO
O início da Idade Moderna apresenta sérios problemas herdados do 
Medievo. A inefi ciência dos métodos de cultivo no campo, aliada às suces-
sivas guerras e doenças do período contribuíram para a diminuição popu-
lacional na Europa. Com isso havia menos braços para cuidar da lavoura. 
Tal problema alimentou difi culdades econômicas no Continente. Nesse 
sentido, a peste negra merece destaque, tendo sido responsável pela morte 
de 1/3 da população europeia. Um resultado crucial deste conjunto de 
crises que assolou o Velho Continente ao fi m do século XIV foi a fratura 
no tradicional critério de funcionalidade entre servos, senhores e clérigos.
ATIVIDADE
1. A obra de arte pode ser uma interessante fonte para a História. Como 
tudo que o homem tocou, a arte pode ajudar a analisar o passado. Claro, não 
a vê-lo como numa fotografi a, mas para ajudar a entender o que as pessoas 
faziam, como agiam, sentiam e interpretavam os problemas e acontecimen-
tos do seu tempo. Sabendo disto, procure informações sobre manifestações 
artísticas do período aqui analisado e, após isto, escreva sobre os possíveis 
“sinais” de crise que você conseguiu identifi car nelas.
22
História Moderna I
COMENTÁRIOS SOBRE A ATIVIDADE
Entre as obras enfocando o período, percebemos uma diversidade de 
possibilidades de abordagem. Porém, merece destaque a frequência 
de imagens ligadas ao universo sobrenatural. A morte se faz presente 
na arte, numa nítida infl uência dos tempos da peste negra.
AUTOAVALIAÇÃO
A atividade de pesquisa exigirá do aluno capacidade de observação e 
refl exão sobre o conteúdo da aula. Será preciso ter atenção para interpretar 
as imagens e proceder a considerações sobre como os artistas representavam 
as mudanças trazidas nos momentos fi nais do medievo.
REFERÊNCIAS
REZENDE, Cyro. Sistema econômico comercial. In: História Econômica 
Geral. 3 ed. São Paulo: Contexto, 1997. p. 67-86
McEVEDY, Colin. Atlas de História Moderna (até 1815). Trad. Bernardo 
Joffi ly. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BOCCACIO, Giovanni. Decamerão. 2ed. Trad. T.Guimarães. São Paulo: 
Abril Cultural, 1971.
BERUTTI, Flávio, FARIA, Ricardo, MARQUES, Adhemar. A crise do 
feudalismo. In: História Moderna através de textos. 10 ed. São Paulo: Con-
texto, 2003 (Coleção textos e documentos, 3).p.22-37.
Filmografi a recomendada:
MONICELLI, Mario. O Incrível Exército de Brancaleone . Itália/Espanha/
França, 1966. 120 min. 
Sinopse: Brancaleone de Norcia (Vittorio Gassman), um atrapalhado 
cavaleiro, é contratado como líder de um pequeno e diversifi cado bando: 
inicialmente são três saqueadores, mas depois se juntam ao grupo um nego-
ciante judeu, um nobre de poucas posses. Os “contratantes” de Brancaleone 
estão com um pergaminho (na verdade roubado de um cavaleiro ferido) 
que lhes dava a posse do reino de Aurocastro. Contudo, a aventura até o tal 
feudo é muito mais complicada do que parece. Observações: Esta comédia 
italiana apresenta representações bastante interessantes sobre os problemas 
da Baixa Idade Média. A peste negra, as guerras, a fome, assim como a 
decadência da cavalaria são abordados na película. O poder da Igreja e os 
problemas em torno da fé também são explorados pelo diretor. A narrativa 
é inspirada em D.Quixote (1605), de Miguel de Cervantes.
23
Guerras, peste e fome: a formação do sistema econômico comercial Aula
2
Capa do DVD do fi lme O Incrível exército de Brancaleone. 
Fonte: http://blog3.opovo.com.br
META
Apresentar os fatores fundamentais que contribuíram para as Grandes 
Navegações do século XVI.
OBJETIVOS
Ao fi nal desta aula, o aluno deverá:
identifi car os principais fatores contribuintes para as Grandes Navegações do 
século XVI;
reconhecer a importância de um ideal de propagação da fé e da crença em 
um “Paraíso terreal” entre os europeus nas Grandes Navegações;
perceber os desdobramentos das Grandes Navegações para o mundo do 
século XVI, considerando as transformações econômicas, tecnológicas e 
culturais nelas envolvidas.
PRÉ-REQUISITOS
Leituras sobre a crise do Medievo. Noções de História Econômica.
Aula
3NAVEGAR É PRECISO: A EXPAN-SÃO ULTRAMARINA EUROPEIA E A EDENIZA-
ÇÃO DO NOVO MUNDO
Mapa representando a Rota da Seda – conjunto de caminhos que liga a 
costa do mar Mediterrâneo à China, atravessando 7 mil km entre os ter-
ritórios dos atuais Iraque, Irã, Turcomenistão, Uzbequistão, Afeganistão e 
Paquistão, e por onde eram transportadas mercadorias do Extremo Oriente 
para a Europa e o mundo árabe. A tomada de Constantinopla pelos turcos 
otomanos (1453) inviabilizou o comércio europeu pela rota, aumentando a 
necessidade da expansão marítima.
(Fonte: http://pt.wikipedia.org)
Painel representando Bartolomeu Dias e seus 
marinheiros em meio a uma tormenta, antes 
de chegar ao Cabo da Boa Esperança. Dias 
foi o primeiro europeu a navegar para além 
do extremo sul da África, dobrando, em 1488, 
o Cabo das Tormentas (futuro Cabo da Boa 
Esperança) e chegando ao Oceano Índico a 
partir do Atlântico. Antes, para se chegar à 
Índia era preciso cruzar o Mar Mediterrâneo, 
passando por Gênova e Veneza. A viagem de 
Bartolomeu Dias, continuada posteriormente 
por Vasco da Gama, abriu o caminho mari-
timo para a Índia.
(Fonte: http://pt.wikipedia.org)
26
História Moderna I
INTRODUÇÃO
 
“Eu vi um céu novo, e uma terra nova.
 Porque o primeiro céu e a primeira terra se foram,
 E o mar já não é. E eu João, vi a cidade santa, 
 A Jerusalém nova, que da parte de Deus descia do céu,
 Adornada como uma esposa ataviada para seu esposo”.
 (Apocalipse, XXI, 1 e 2)
“Navegar é preciso, viver não é preciso”. É quase impossível não lem-
brar dos versos de Fernando Pessoa (1888-1935), quando falamos das 
Grandes Navegações. Sim, pois o século XVI foi o século do transporte 
marítimo. As difi culdades das viagens por terra, a necessidade de novos 
terrenos, de especiarias e ouro, impunham aos homens dos seiscentos a 
urgência em lançar-se ao mar. Navegar era preciso. Viver, nem tanto. 
São várias as razões para navegar no século XVI. A primeira delas 
encontra-se na busca por alimentos. Afi nal de contas, a Europa passara por 
crises terríveis. Naqueles tempos, a fome e as crises de subsistência atormen-
tavam soberanos e comerciantes. Portugal, pioneiro nas aventuras, passou 
por aproximadamente 21 crises de subsistência entre os séculos XIV e XV.
Primeiro, foram os rios que tomaram viajantes das rotas terrestres: 
Sena, Meno, Reno, Danúbio, Loire, Saona, Rodano, Pó. Depois, o afas-
tamento das costas se torna uma exigência daqueles que buscavam novas 
terras agricultáveis, metais preciosos, especiarias e uma melhor sorte em 
suas vidas. O salto destes marujos rumo ao desconhecido, ao mar temido, 
ao tenebroso inimigo de suas mulheres, compreende um empreendimento 
comercial, sem dúvida alguma. Negociantes da Itália e de outros países se 
envolvem diretamente no fi nanciamento das viagens dos reinos ibéricos. 
Porém, é preciso considerar 
outras motivações. Entre elas, 
a concepção das novas terras 
como espaços do sagrado, 
a crença em um novo Éden 
merece ser considerada.
O período denomina-
do pelos historiadores de 
“descobrimento” compreende 
desdobramentos das signifi -
cativas mudanças ocorridas 
nas estruturas da sociedade 
europeia. A efervescência do 
Mercantilismo, a gestação e 
o fortalecimento dos Estados 
A frase, inspirada 
na afirmação em 
latim “ Navigare 
necesse; vivere non 
est necesse”, na 
verdade é de outro 
autor . A frase é 
de Pompeu, (106-
48 a.C ) generalromano. Segundo 
Eduardo Martins, 
“foi o general ro-
mano Pompeu , 
que precisava le-
var trigo de uma 
p rov ínc ia pa ra 
Roma e exortou os 
marinheiros a zar-
parem, num dia de 
tempestade e vento 
muito forte. Ou 
seja, navegar, para 
cumprir a missão, 
era mais impor-
tante que viver”. 
MARTINS, Eduar-
do. O que eles não 
disseram. História 
Viva. Ano I, n.5, 
mar.2004.p.17
Fernando António 
Nogueira Pessoa 
foi um poeta e 
escritor lusitano. 
Nasceu e mor-
reu em Lisboa. É 
considerado, jun-
tamente com Luís 
Vaz de Camões 
(1524-1580), um 
dos principais ex-
poentes da língua 
portuguesa. Caravelas portuguesas. 
Fonte: http://www.novomilenio.inf.br
27
Navegar é preciso: a expansão Ultramarina Européia e a edenização... Aula
3Nacionais, a construção de novos tipos de embarcações – as caravelas – 
mais rápidas e seguras, a aquisição 
de novas técnicas e instrumentos – o 
astrolábio, o quadrante, a bússola 
-, assim como a criação da Escola 
de Sagres (localizada em Cabo São 
Vicente, Portugal) alteraram defi ni-
tivamente a arte de navegar.
Pioneiro nas Grandes Navega-
ções, Portugal, “de frente para o 
oceano, é o lugar ideal para se con-
trolar a economia-mundo” como 
escreveu Fernand Braudel (1996, 
p. 22). Em 1415, Ceuta é atingida 
e inaugura o avanço europeu na 
caça de novos territórios. Nesta em 
preitada, Portugal teve na Espanha 
seu grande rival durante os primeiros 
tempos do processo de “descoberta”. 
Ainda em 1942, o genovês Cristóvão 
Colombo, apropriando-se da tecno-
logia de Sagres, fi nanciado pela coroa 
espanhola, antecipou-se aos lusitanos 
e atingiu o novo continente na altura 
da América Central. Anos depois, em 
1500, Cabral pisou terras americanas 
mais ao sul. 
Dentro desse período, muitos 
portugueses e espanhóis possuíram 
uma visão edenizada do novo mun-
do. Observem-se os relatos dos 
viajantes, diversas obras literárias ou 
mesmo certas ilustrações da época. 
É perceptível, em considerável 
parte destes, a imagem da América 
como a de um “paraíso terreal”. 
“Cristãos e especiarias”, teria 
respondido Vasco da Gama quando 
questionado sobre aquilo que 
buscava na Índia, em 1519. Ora, 
embrenhando-se pelos mares do 
Oeste, os portugueses acreditavam 
que encontrariam tanto soberanos 
A s c a r a v e l a s 
foram inventadas 
entre os séculos 
XV e XVI. Du-
rantes as Grandes 
Navegações, por-
tugueses e espan-
hóis utilizaram-
nas. Eram barcos 
de cerca de 30 
metros (tamanho 
máximo) , com 
capac idade de 
transporte para 50 
toneladas. Eram 
de fácil navega-
ção, possuíam 3 
mastros e utiliza-
vam velas latinas, 
maiores do que 
aquelas utilizadas 
nas tradicionais 
naus. Este tipo 
de vela permitia 
navegar contra 
o vento e, deste 
modo, evitar con-
t r a t e m p o s e m 
regiões descon-
hecidas pelos ex-
ploradores. A em-
barcação poderia 
também carregar 
artilharia.
Astrolábio.
Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt
Quadrante.
Fonte: http://www.astro.mat.uc.pt
Bússola.
Fonte: http://blig.ig.com.br
28
História Moderna I
quanto povos de fé cristã. Porém, para desencanto dos exploradores, a 
predominância era de mulçumanos. Ao chegar à Índia, Vasco da Gama 
percebeu que navegava em “mare islamicum”. O Oceano Índico era um 
terreno do Islã e o que ele, Vasco, encontrou? “Tutti i mori della Mecca”, 
ou seja, todos moradores de Meca (BRAUDEL, 1996, p.22).
Percebe-se que o poderio comercial mulçumano ameaçava Portugal. 
O controle por eles exercido sobre o comércio de especiarias (canela, noz-
moscada, gengibre, pimenta, açafrão etc.), assim como em entrepostos que 
serviam de escala na viagem destes produtos rumo à Europa, alimentara a 
fúria dos exploradores europeus. Em momentos como estes, caiu o véu de 
encantamento com as descobertas que pareciam envolver as navegações. 
Em seu lugar, apareceu o massacre. 
Foi assim, por exemplo, entre 1502 e 1505. Acompanhado de pesada 
armada, Vasco da Gama ataca, cobra tributos, dispara os seus canhões 
vorazmente. Mutila. Vence os seus inimigos. A violência passa a ser um 
expediente recorrente nas ações dos exploradores. Uma tripulação inteira 
é queimada em meio aos avanços de Vasco e suas embarcações. O paraíso 
estava distante daquela terra de “pagãos”. Tantas atrocidades evidenciam 
o empenho português em deter o avanço mulçumano, em desarticular as 
suas rotas comerciais. E pouco a pouco Lisboa avança: Quíloa, Sofala, 
Moçambique, Socotorá, Somo Quíso... O mar é percorrido, demarcado e 
controlado pelos lusitanos.
Cristóvão Colombo 
foi um navegador ital-
iano, provavelmente 
nascido em Gêno-
va. Há divergências 
quanto ao seu ano de 
nascimento (1437 ou 
1448) e mesmo sobre 
o seu nome. Sob o pa-
trocínio de Fernando 
II de Aragão e Isabel 
I de Castela, chama-
dos Reis Católicos da 
Espanha, Colombo 
liderou a expedição 
que atingiu o conti-
nente americano em 
12 outubro de 1492. 
O Objetivo inicial da 
sua viagem era chegar 
às Índias. Chegou a 
receber os títulos de 
Grande Almirante do 
Mar Oceano, Vice-Rei 
e Governador Perpétuo 
das Índias, e Cavalheiro 
da Corte dos Reis de 
Espanha. Faleceu em 
1509.
Orbis universallis, de 1552. Autor: Sebastian MUNSTER (1589 1552). Biblioteca Nacional. Disponível 
em http://objdigital.bn.br
29
Navegar é preciso: a expansão Ultramarina Européia e a edenização... Aula
3A crença do europeu na existência de um paraíso terreal, até então 
oculto, foi fundamental nas transformações ocorridas a partir do século XV. 
A força dos “signos do maravilhoso”, herdada da mentalidade medieval, 
atravessou os mares e, num primeiro instante, sacralizou o novo continente. 
Seria possível, falar em um mundo fascinado pelo maravilhoso, pelo 
sobrenatural? Poderíamos falar em homens abismados, extasiados com 
aquilo que foi visto na selva brasileira, por exemplo? Cabe, em meio ao 
racionalismo dos nossos dias, falar em medo ou angústia nas histórias do 
“descobrimento” e colonização? Talvez não. Mas se deixarmos nossos olhos 
atentos aos escritos de alguns personagens daqueles tempos, algo a mais 
do assunto venha à tona. Poderemos encontrar sinais de uma idealização 
das novas terras.
Tal edenização manifesta-se em textos diferenciados. A América 
apresenta-se, inicialmente, como uma antítese do continente europeu. 
Aqui, até os criminosos tornavam-se virtuosos. Um mercador fl orentino 
escreveu que “aqueles mesmo que na Espanha foram conhecidos como ho-
mens de má vida, ao chegarem às Índias mudaram totalmente de condição, 
tornaram-se virtuosos e procuraram viver civilizadamente”. A conclusão 
do negociante italiano não poderia ser outra: “mudando o céu, mudam de 
natureza” (GERBI, 1996, p.433). Distantes dos problemas do solo ibérico, 
o europeu deslumbra-se com as belezas tropicais. A Europa doente e fria 
contrastava com a América, saudável e de clima ameno.
Vamos aos exemplos. Entre os historiadores do período colonial, a 
escrita característica para o Novo Mundo é, salvo raras exceções, marcada-
mente elogiosa. Os trabalhos refl etem basicamente duas coisas: 1- a 
intenção dos autores em construir uma imagem paradisíaca da América 
e mesmo do Brasil; 2- Evidencia-se aí a esperança ou a crença na 
existência de um paraíso terreal num ponto até então desconhecido. 
Segundo o padre Antônio Vieira, (1608-1697) depois da primeira 
criação, “Deus não criou, nem cria substância alguma material ou 
corpórea; porque somente cria de novo as almas, que são espirituais: 
logo que terra nova, e que céus novos são estes, que Deus tanto tempo 
antes prometeu que havia de criar?”. O próprio Vieira respondeu 
ao escrever: “digo esta nova terra e estes novos céus, são a terra e 
os céus do mundo novo descoberto pelos portugueses”. Por fi m o 
clérigo arremata: “esta é a terra nova e o céu novo, que Deus tinha 
prometido porIsaías” (VIEIRA, 2001, p.597). Antes do sacerdote, 
o já citado Cristóvão Colombo apresentou argumento semelhantes 
aos reis espanhóis: “ao levar adiante a empreitada dos índios, nem a 
razão, nem a matemática, nem os mapas me tiveram qualquer utilidade: 
cumpriram-se apenas as profecias de Isaías” (VEJA, 1991, p.76). So-
bre a existência do paraíso terreal, é conhecida a promessa divina ao 
personagem bíblico: “porque eis aqui estou em que crio uns céus novos, 
Instrumento ini-
cialmente utilizado 
para determinar a 
posição dos astros 
no céu. Foi utiliza-
do para a navegação 
marítima a partir 
identificação das 
posições das estre-
las. O astrolábio 
era composto por 
um disco de latão 
graduado na borda, 
um anel de suspen-
são e num ponteiro 
chamado medic-
lina. Poderia ser 
utilizado em em-
barcações e mesmo 
carregado para terra 
firme. Depois, foi 
substituído por um 
instrumento semel-
hante denominado 
Sextante.
Padre Antônio Vieira Re-
ligioso português, nascido 
em Lisboa, que se destacou 
como escritor e orador jesuíta. 
Tornou-se fi gura infl uente na 
política do século XVII. É 
autor de uma obra respeitável. 
Alguns dos seus textos mais 
conhecidos estão em Ser-
mões (1679), publicados em 
vários tomos. Faleceu na Ba-
hia, em 18 de julho de 1697.
30
História Moderna I
e uma terra nova: e não persistirão na memória as primeiras calamidades, 
nem subirão sobre o coração” (ISAÍAS, LXV, 17). A partir da crença neste 
possível paraíso, a América parecia ser o local que Deus assegurou construir. 
Observe-se também que Colombo assinava no formato greco-latino 
Xpo Ferens, identifi cando-se com Cristo, cuja abreviatura era “X”. Deste 
modo, ele insinuava que desde o batismo estava ligado a São Cristóvão e, 
como este santo, nascera designado a grandes travessias. Sendo assim, a 
possibilidade de haver encontrado o “jardim delicioso”, a “cidade santa”, 
a “Jerusalém nova” (conforme GÊNESIS II, 8) não pareceu impossível 
àqueles que primeiramente aportaram na América. Conforme afi rma Sérgio 
Buarque de Holanda: “como nos primeiros dias da criação, tudo aqui era 
dom de Deus , não era obra do arador, do ceifador ou do moleiro”.
Na sua História da América Portuguesa, de 1730, Rocha Pita (1660-
1738) chegou a afi rmar que “é enfi m o Brasil o paraíso terreal descoberto”. 
Descrevendo nossas terras, o ufanismo é constante no autor baiano: “o sol 
em nenhum outro hemisfério tem raios tão dourados” e “vastíssima região, 
felicíssimo terreno em cuja superfície tudo são frutos, em cujo centro tudo 
são tesouros” (PITA, 1976, p.19)
Com as primeiras explorações da nova terra, alguns elementos simbóli-
cos reforçaram a ideia de um “jardim delicioso”: a ausência de invernos com 
nevascas e chuvas de granizo certamente contribuía para a edenização da 
América. Como a fl ora, a fauna brasileira era também motivo de espanto 
a muitos colonos. 
Não apenas o papagaio, pássaro que conforme Sérgio Buarque de 
Holanda, era associado na Índia ao Éden e ali “não faltava quem situasse, 
por sua vez, o Éden bíblico, contribuiria naturalmente para sua inclusão 
entre as aves paradisíacas” (HOLANDA, 1959, p.236), mas também o 
beija-fl or (que Fernão Cardim julgou ser uma borboleta que se convertia 
em pássaro formoso) e o louva-a-deus, para muitos colonos capaz de se 
converter em vegetal, além de diversos outros animais e insetos, foram alvos 
de especulações, servindo de argumento para a edenização Novo Mundo.
Isto, é provável, relaciona-se com o fato de que “durante o Renasci-
mento e ao longo do século XVIII, a tendência para se procurarem em 
todas as coisas os signifi cados ocultos, longe de constituir uma especialidade 
hispânica e sobretudo castelhana, estava generalizada para todo o mundo 
ocidental” (HOLANDA, 1959, p.248).
Nem mesmo os choques entre os colonos e os nativos destruíram, por 
completo, esta imagem. Ainda que para muitos a descoberta da América 
acabasse reduzindo-se a uma troca de males (a gripe do Velho Continente 
pela sífi lis do Novo) o evento cristalizou-se como o instante de contato do 
europeu com um mundo paradisíaco. Para alguns, a antropofagia indígena, 
a sua permanência na “idade do ouro”, eram o único aspecto lamentável 
no empreendimento das Grandes Navegações (PETER e REVEL, 1976, 
31
Navegar é preciso: a expansão Ultramarina Européia e a edenização... Aula
3p.141-159). Mesmo com todos os problemas, a América era “- um novo 
Éden de vastidão desmesurada, um milagre com que o homem preso nos 
limites do espaço pigmeu da Europa, mal pode sonhar”, sentenciaria, no 
século XIX, o irlandês Thomas Moore (GERBI, 1996, p.257).
E se a descoberta de tal “paraíso” por um lado motivou a vinda de tantos 
outros europeus, por outro auxiliou na arquitetura da imagem pecaminosa 
do nativo: diante de inúmeras riquezas sem, contudo, saber aproveitá-las. 
Conquistar o “paraíso” tornava-se, portanto, ideologicamente justifi cável. 
Dominar era preciso.
CONCLUSÃO
Certamente esta edenização sofreu fortes abalos com a efetiva colo-
nização. As montagens dos aparatos burocráticos e militares de Portugal 
e Espanha no Novo Mundo fi zeram este trabalho. Também é certo que 
esta sacralização da América não foi o único motivo para a “descoberta” e 
colonização do novo continente. Muito se deve às mudanças econômicas, 
políticas e tecnológicas. Quão longe se iria sem as caravelas? Todavia, tal 
idealização possui grande valor. A crença dos ibéricos num “mar tenebroso” 
abriu as portas para a fé num “paraíso terreal” e nos movimentos para 
encontrá-lo acabaram por domar as águas temidas e rebatizá-las de Atlântico.
RESUMO
As Grandes Navegações foram um empreendimento de muitas motiva-
ções. A necessidade de alimentos; a busca por terras agricultáveis; a neces-
sidade de ouro, prata e especiarias ajudam a explicá-la. Contudo, precisamos 
levar em conta outras facetas desta aventura. Uma delas é o caráter de uma 
cruzada em favor da propagação da fé levada adiante por muitos defensores 
das viagens. A afi rmação da existência de um Paraíso em terra se adequou 
ao novo universo aberto aos europeus que chegaram primeiro à América. 
Porém, é aconselhável evitar buscar fatores explicativos isoladamente. A 
aventura das Grandes Navegações requer uma explicação ampla, na qual 
todos os aspectos aqui citados sejam considerados.
32
História Moderna I
ATIVIDADE
1. Como se fazia uma viagem no século XIV? Quanto tempo levava para 
viajar de um país ao outro da Europa? E da Europa a qualquer outro conti-
nente conhecido? E no século XV? E no XXI? Faça uma pequena pesquisa 
sobre isto, levantando dados sobre as formas de transporte humanas no 
tempo. Depois, construa um quadro comparativo colocando ao lado das 
informações a fonte em que cada uma delas foi obtida. Depois, refl ita: o 
que mudou? Quais as vantagens e desvantagens de cada tempo?
COMENTÁRIOS SOBRE A ATIVIDADE
As Grandes Navegações marcam um avanço fundamental na história dos 
transportes. As inovações reunidas para este empreendimento do século 
XVI propiciaram embarcações mais rápidas e seguras. No século XXI, 
apesar de todos os avanços tecnológicos, nem sempre é confortável viajar. 
Além disto, a velocidade ou o modo como somos obrigados a viajar muitas 
vezes retiram de nós a possibilidade de apreciar paisagens, de comparar 
construções, de usar a viagem para refl etir. 
AUTOAVALIAÇÃO
Esta atividade propõe-se a colocar para o aluno a necessidade de 
comparar formas de transporte, sem necessariamente hierarquizá-las. Ela 
objetiva motivar no leitor o desejo de observar os prováveis ganhos resul-
tantes das transformações tecnológicas em diferentes tempos, mas também 
colocá-lo para refl etir sobre os desdobramentos das viagens. Sugere ainda 
um procedimento básico de pesquisa, com a coleta de informação e sua 
apresentação em forma escrita.REFERÊNCIAS
BÍBLIA SAGRADA. EDELBRA: Erechim / RS, 1979.
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo: séculos 
XV e XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
GERBI, Antonello. O Novo Mundo: história de uma polêmica (1750-1900). 
São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Companhia 
Editora Nacional. 1977.
O JULGAMENTO DE Colombo. Veja. 16 out. 1991. p. 68-88
33
Navegar é preciso: a expansão Ultramarina Européia e a edenização... Aula
3PETER, Jean Pierre e REVEL, Jaques. O Corpo: o homem doente e sua 
história. In: LE GOFF, J. e NORA, P. (org.). História: novos Objetos. RJ 
Francisco Alves, 1976.p. 141-159.
PITA, Sebastião da Rocha. História da América portuguesa. Belo Horizonte: 
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1976.
VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões. São Paulo: Hedra, 2001. v.I
Filmografi a indicada: 
SCOTT, Ridley. 1492: a conquista do Paraíso. 
França/Espanha/Estados Unidos/Inglat-
erra, 1992. Sinopse: O fi lme narra a luta de 
Cristóvão Colombo (Gerard Depardieu) para 
convencer a Coroa Espanhola a fi nanciar sua 
expedição com destino às Índias. Após con-
seguir o apoio da Rainha Isabel de Castela 
(Sigourney Weaver), Colombo parte em busca 
de ouro e especiarias. Porém, acaba encont-
rando muito mais do que esperava. Os desafi os 
do mar são apenas o começo da aventura e 
tragédia em que se converteria a sua vida. Ob-
servações: Obra de fotografi a cuidadosa, com 
cenas impactantes. O fi lme de Ridley Scott 
focaliza muito mais Colombo, o homem, do 
que propriamente a complexa teia de fatores 
que possibilitaram as Grandes Navegações. 
Na película, Colombo, é representado como 
um idealista, alguém obstinado e tolerante. O 
fi lme pode ser visto como um confronto entre 
a imagem idealizada das novas terras e a sua 
posterior transformação em território maldito, 
permeado de mortes, traições e tristeza. Ele 
possui seqüências que podem ser analisadas 
separadamente em aulas e seminários. É preciso estar atento para a maneira 
estereotipada com que alguns indígenas são apresentados. 
Capa do DVD do fi lme 1492: a conquista do paraíso.
(Fonte: http://images.quebarato.com.br)
META
Apresentar características fundamentais do Renascimento Artístico 
experimentado pela Europa, privilegiando as experiências na Itália. 
OBJETIVOS
Ao fi nal desta aula, o aluno deverá:
identifi car os principais traços que caracterizam o chamado Renascimento;
Reconhecer a relevâncias das mudanças produzidas pelo Renascimento na 
vida europeia do século XVI; 
perceber a importância da história da arte como elemento articulador dos 
conteúdos na abordagem da História Moderna. 
PRÉ-REQUISITOS
Leituras da aula anterior. 
Aula
4O RENASCIMENTO
Vista do teto da Capela Sistina/Vaticano, afresco de Michelângelo, 1508-1512.
(Fonte: http://www.territorioscuola.com)
36
História Moderna I
INTRODUÇÃO
“Não existe arte, existem apenas artistas”. É deste jeito que Sir Ernst 
Gombrich, conhecido historiador do assunto, defi ne a importância das 
manifestações artísticas como refl exos da vida em sociedade (GOM-
BRHICH, 1999, p.16). Olhar atentamente para as manifestações artísticas de 
um povo também é estudar aspectos da sua vida cotidiana, dos movimentos 
da sua economia e religiosidade. Porém, através da arte não nos deparamos 
exatamente com um espelho da realidade, um desenho nítido e simétrico 
do passado. Encontramos sinais, traços, pistas deixadas pelo tempo. Por 
isto, é importante o estudo do Renascimento Artístico ocorrido na Europa 
entre os séculos XV e XVI.
Afi nal de contas, o Renascimento marca o processo de construção do 
homem moderno e da sociedade contemporânea. São tempos em que se 
percebem sinais cada vez mais claros de individualismo, esboçado em fi ns 
de Idade Média, do Racionalismo, e de uma ambição ilimitada, “típicos de 
comportamentos mais imperativos e representativos do nosso tempo”, nos 
lembra Nicolau Sevcenko (SEVCENKO, 1985, p.5). O mesmo conjunto de 
mudanças eleva a razão abstrata como base para o Estado Moderno. Jun-
temos a tudo isto um inegável desejo de liberdade e autonomia de espírito. 
Um desejo de investigação, de exploração do homem e de suas coisas...
Ernst Hans Jo-
s e f G o m b r i c h 
(Viena,1909-Lon-
dres,2001). Histo-
riador da arte. Es-
creveu A História 
da Arte, livro origi-
nalmente publicado 
em 1950, trabalho 
fundamental para 
quem se dedique à 
crítica ou história 
da arte. Com lin-
guagem acessível e 
elegante, o livro foi 
um sucesso, ven-
dendo milhões de 
cópias e sendo tra-
duzido em aproxi-
m a d a m e n t e 3 0 
idiomas. Entre os 
títulos que recebeu 
em reconhecimento 
ao seu trabalho, foi 
nomeado Membro 
do Império Britâni-
co, em 1966, e or-
denado Cavaleiro 
em 1972.
O Leviatã desenhado por Abra-
ham Bosse para a obra de Thomas 
Hobbes. Foi no Renascimento que 
emergiu, ainda que embrionaria-
mente, o Estado moderno – pacifi -
cando as guerras feudais, unifi cando 
moedas, impostos, leis, fronteiras e 
aduanas, e instituindo uma moral 
própria e uma razão diferente do 
resto da sociedade: a razão de 
Estado. Hobbes, juntamente com 
Nicolau Maquiavel e Jean Bodin, 
participa da “tríade fundadora” do 
conceito de Estado moderno, em 
particular, e do pensamento político 
moderno em geral.
(Fonte: http://projetophronesis.
fi les.wordpress.com)
37
O Renascimento Aula
4ANTECEDENTES
O fi lósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso (540 a.C.-470 a.C) defendia 
a ideia de que tudo fl ui. Assim, como exemplo, lembrava que um homem 
nunca entra mais de uma vez no mesmo rio, pois nunca será o mesmo 
homem, tampouco o mesmo rio. Ora, se considerarmos este mesmo 
princípio de mudanças contínuas, opostas, mas ao mesmo tempo comple-
mentares, compreenderemos um pouco do impacto das idas e vindas dos 
europeus por suas próprias terras, mas também das suas imersões nas 
culturas do Oriente. 
Uma crescente procura de produtos obtidos em feitorias comerciais 
fi ncadas no Oriente ocorre paralelamente às turbulências sociais e econômi-
cas vividas pela Europa ao fi nal do medievo. As Cruzadas também provo-
caram um empreendimento comercial. 
Esta efervescência dos negócios serviu como base para a gestação de 
um novo estilo de vida e de um novo tipo social. Ainda desajeitado, mas 
arrogante e exigente, nascia o burguês. Vejamos o que diz Sevcenko: “A 
nova camada dos mercadores enriquecidos, a burguesia, procurava de todas 
as formas conquistar um poder político e um prestígio social correspon-
dentes a sua opulência material” (SEVCENKO, 1985, p.5). Sem saber ao 
certo como sentar-se adequadamente à mesa, sobre como portar-se em 
certas ocasiões, esta personagem invade a vida social europeia. E, como 
toda invasão, a chegada da burguesia provocou rebuliços.
Em outras aulas, vimos que as mudanças vividas durante o início do 
Renascimento encontram pelo menos três fatores explicativos: a Peste 
Negra, a Guerra dos Cem Anos (1346-1450) e as revoltas populares (con-
sulte a aula 2). Juntemos a isto a adoção do trabalho assalariado como 
prática nas esferas produtivas. Subproduto deste avanço é o surgimento de 
uma concorrência entre os indivíduos, o fortalecimento do individualismo, 
a partir da ruptura de antigos laços de dependência. Senhores e servos são 
lentamente eclipsados por patrões e empregados.
O RENASCIMENTO EM DUAS CIDADES: 
FLORENÇA E VENEZA
No século XVI, Florença era um centro do humanismo. Rica cidade, 
considerada “o palco mais prodigioso da efervescência renascentista”, 
Florença vivenciou o amor dos artistas ao belo, a sua idealização. Viu nas-
cerem artistas como Michelangelo Buonarotti. Entre os fl orentinos logo 
se defi niu uma das mais infl uentes correntes do pensamento humanista: “o 
platonismo, cheio de consequênciaspara toda a história das idéias e da arte 
do período” (SEVCENKO, 1985, p.18). Para os platonistas, a beleza era a 
manifestação do divino. A busca pelo belo representava o maior exercício 
38
História Moderna I
de virtude, o mais puro e sincero ato de adoração a Deus. 
Mas não se deve achar que eles considerassem a arte simples imitação da 
natureza. Os artistas adeptos do platonismo pretendiam antes a superação 
da natureza pela perfeição absoluta.
Diferentemente da perspectiva adotada em Florença, em Pádua, sob a 
infl uência de Veneza, um grupo de intelectuais se mostrou inspirado pelo 
aristotelismo. Desligaram-se das preocupações teológicas, interessados 
nos estudos dos fenômenos naturais. Os paduanos chegam a questionar 
os dogmas da Igreja - negaram a criação, a imortalidade da alma e os mila-
gres, abraçaram ardorosamente o naturalismo e defenderam a supremacia 
natural da razão.
Todavia, o Renascimento não pode e não deve ser visto como uma 
ruptura abrupta ou como um movimento unifi cado e homogêneo. Precisa-
mos considerar um conjunto de alterações ocorridas na Europa há certo 
tempo. Mudanças que, conjugadas, desembocam neste movimento sem 
antecedentes, diversifi cado em suas manifestações, variável de cidade para 
cidade. Contudo, o núcleo deste processo, sem dúvida, pode ser apontado 
no Humanismo. Mas o que foi o Humanismo?
HUMANISTAS – CONCEITUAÇÃO INICIAL
O Humanismo foi um movimento de renovação. De acordo com 
Sevcenko, o movimento representava a busca pela renovação dos estudos 
tradicionais e possuía raízes no século XIV, “baseado no programa dos 
studios humanitatis (estudos humanos), que incluíam a poesia, a fi losofi a, 
a história, a matemática e a eloqüência, disciplina esta resultante da fusão 
entre a retórica e a fi losofi a” (SEVCENKO, 1985, p.13).
Portanto, o Humanismo compreendeu um esforço em modifi car a 
produção do saber, inclusive aquele oriundo das universidades medievais, 
fortemente infl uenciadas pela preocupação em enfatizar três campos: o 
Direito, a Medicina e a Teologia. 
Ao se voltarem para a crítica ao saber produzido com a intenção de 
renovar e atualizar o conhecimento, os humanistas ajudaram a modifi car 
a posição do homem dentro dos debates do período. Através deste exer-
cício crítico, vemos emergir o antropocentrismo, ou seja, o homem e suas 
experiências passam a ser o centro das preocupações. Os valores humanos 
passam a servir de coordenadas. É diante destas referências que Macbeth, 
personagem de William Shakespeare, pondera: “Atrevo-me a fazer tudo 
o que é próprio de um homem. Quem se atreve a mais, homem não o é” 
(SHAKESPEARE, 2003, p.164).
O H u m a n i s m o 
cristão – Conforme 
Nicolau Sevcen-
ko, “segundo essa 
corrente, o Cris-
tianismo deveria 
centrar-se na lei-
tura do evangelho 
(...), no exemplo da 
vida de Cristo, no 
amor desprendido, 
na simplicidade da 
fé e na refl exão in-
terior. Era já o an-
seio da reforma da 
religião, do culto 
e da sensibilidade 
religiosa que se 
anunciava e que 
seria desfechada 
de forma radical, 
fracionando a cris-
tandade, por outros 
humanistas, como 
Lutero, Calvino 
e Melanchton” 
( S E V C E N K O , 
1985, p.20).
39
O Renascimento Aula
4O MECENAS SURGE
A cultura burguesa, se quisesse se impor, tinha que combater a cultura 
medieval. Deste modo, na Itália, França e Países Baixos, a prática se repete: 
“muito mercador bem-sucedido queria legar sua imagem aos vindouros; 
muito burguês respeitável que fora eleito vereador ou burgomestre desejava 
ser pintado com as insígnias do seu cargo” (GOMBRICH, 1999, p.413). 
Os artistas serviam para isto.
As prósperas famílias de burgueses enriquecidos com o comércio, os novos 
príncipes, os grandes clérigos disponibilizam parte de seus recursos para as artes. 
Graças a isto, poemas foram escritos, afrescos inventados, palácios construídos, 
igrejas e catedrais erguidas, estátuas talhadas. As cidades se embelezaram. 
Para o historiador Michael Baxandall, o termo mecenas soa restritivo. 
Devemos entender o mecenas como um sujeito ativo deste processo, alguém 
determinante “e não necessariamente benevolente: podemos chamá-lo o 
cliente. A melhor pintura produzida no século XV era realizada sob en-
comenda por um cliente que exigia sua execução conforme suas especifi -
cações”. Entre os empreendimentos possíveis, a pintura de quadros era o 
investimento relativamente mais baixo. Mas era algo que conferia visibilidade 
signifi cativa às ações dos “clientes”. Com o tempo, apurado pelas contínuas 
encomendas, pela concorrência frente aos seus rivais nos círculos sociais, 
o cliente, o mecenas, fi ndou sendo um “comprador de habilidades” (BAX-
ANDALL, 1991, p.11, 31).
Entre os “vendedores de habilidades”, um dos mais importantes pre-
cursores do Renascimento italiano foi Giotto di Bondone (1266-1337). 
Ele nos ofereceu uma pioneira ruptura com padrões medievais. Suas pin-
turas apresentam um esforço para estabelecer certa individualidade nas 
fi sionomias, nas vestes. Tomemos como exemplo o afresco A Lamentação 
(1303-1310), pintado na Capella degli Strovegni, em Pádua. Há nela uma 
busca emocionada por expressões, 
por dotar a imagem não apenas 
de uma dimensão de volume, de 
espaço, mas por impor à pintura 
um caráter dramático. Embora 
não sejam imagens tão sofi stica-
das quanto veremos depois em 
artistas como Leonardo Da Vinci 
(1452-1519), Giotto fez algo ex-
tremamente difícil. Ele descobriu 
caminhos, preparou o terreno para 
as mudanças que a arte sofreria 
nos anos do Renascimento.
Giotto nasceu em 
Colle Vespignano, 
nas cercanias de 
Florença,Itália. 
Aluno do conheci-
do artista toscanês 
Cimabue, foi, além 
de pintor, arquiteto.
A Lamentação. Fonte: http://naturalpigments.com
Leonardo di ser 
Piero da Vinci, 
nasceu em Vinci, 
na região da Tos-
cana, província de 
Florença. Foi discí-
pulo de Verocchio, 
respeitado pintor 
fl orentino. Foi um 
renascentista de 
múltiplas ocupa-
ções: engenheiro, 
arquiteto, botânico, 
músico, escultor, 
matemático, pin-
tor, poeta, cientista. 
Trabalhou a maior 
parte da vida em 
Milão, mas viveu 
ainda em Roma, 
Bolonha, Veneza 
e na França, país 
onde faleceu. Eis 
apenas alguns dos 
seus trabalhos mais 
famosos: Mona 
Lisa (1503-1507), 
A Última Ceia 
(1495-1498), A 
Adoração dos Ma-
gos (1481-1482), A 
Virgem dos Roche-
dos (1483-1486).
40
História Moderna I
ARTE DE PESQUISA E INTERAÇÃO
A arte do Renascimento é arte de pesquisa. É arte feita de maneira me-
ticulosa, cheia de inovações, marcada por experiência, ousadia, progressos 
técnicos. Uma destas inovações é o estabelecimento da perspectiva como 
primordial na construção das obras. Graças ao uso gradativamente mais 
frequente da perspectiva, ampliam-se os quadros em que a sensação obtida 
é a de que se pode ir além da pintura. Os pintores deliciam seus clientes 
com a ilusão da profundidade.
Claro, isto não foi feito de uma hora para outra. Foram muitas as ex-
periências, as tentativas para chegar a um equilíbrio. Os renascentistas se 
abrem para a investigação da natureza. Novas cores, novas técnicas surgiram. 
Os artistas observam pássaros, cavalos. Ousam até a dissecar cadáveres. E 
qual o resultado de tanto esforço? Na interpretação de Nicolau Sevcenko, 
o artista ascende não mais como artesão, mas como cientista. E, com isto, 
“abre-se um enorme fosso entre a arte voltada para a elite e presa a todos 
esses procedimentos científi cos e a arte popular, a que se habituou chamar 
de primitiva” (SEVCENKO, 1985, p.32). Porém, Peter Burke nos convida 
a olhar com um pouco mais de calma esta paisagem e perceber as relações 
contínuas e frutíferas entre os dois tipos de arte, a de “elite” e a “popular”.
Conforme Burke, “estudos recentes da cultura popular afi rmaram, de 
maneira muito razoável, que é mais

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