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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA DISCIPLINA: CINÉTICA QUÍMICA E REATORES HOMOGÊNEOS PROFESSOR: PEDRO LEITE DE SANTANA PERÍODO: 2021-1 (22-08-2021) "A Filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o Universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto" (GALILEU GALILEI) NOTAS DE AULA (Versão: Período 2014-1) Idéias Gerais sobre o Projeto de Reatores 1. Introdução Atualmente, são realizadas muitas pesquisas, em universidades, institutos de pesquisa e grandes companhias, para a solução de problemas relacionados à Engenharia das Reações Químicas, uma área que engloba um corpo de conhecimentos sistematizados e que hoje constitui uma parte fundamental da engenharia química. De acordo com Tavares Silva1: “A engenharia das reações químicas tem por objetivo o projeto e a otimização dos vários tipos de reatores químicos. Pode-se dizer que ela nasceu da necessidade de considerar a influência de fatores não-químicos na análise e compreensão do comportamento de reatores industriais. Em geral, considera-se conhecida a cinética das reações, passando a atenção a ser concentrada em aspectos tais como a transferência de massa de reagentes e produtos, mistura das correntes de reagentes e distribuição de tempos de residência, controle da temperatura, e outros”. Como uma 2 visão simplificada, pode-se afirmar que a engenharia das reações químicas preocupa-se em gerar conhecimento científico-tecnológico para permitir o projeto e a operação otimizados de sistemas de reação em função das diversas características cinéticas e termodinâmicas envolvidas no processo. O projeto de um reator para a produção de um dado produto P envolve, grosso modo, as seguintes etapas: 1) Obtenção de dados em laboratório para o sistema reacional de interesse (dados cinéticos, propriedades físicas e termodinâmicas); 2) Cálculos globais para predizer o desempenho do processo em escala industrial, de modo a estabelecer a viabilidade do projeto; 3) Projeto do reator para uma operação em escala de planta-piloto; 4) Projeto do reator em escala piloto. A última etapa envolve a utilização dos dados obtidos da planta-piloto, em conjunto com outros dados de laboratório e informações já existentes na própria literatura (tais como propriedades físicas e termodinâmicas), para projetar e predizer o desempenho de um reator industrial com funcionamento otimizado do ponto de vista da economia do processo. O produto desejado deve ser obtido sob determinadas especificações de qualidade, e com a garantia de que o processo seja facilmente operável e atenda a todos os critérios de segurança, bem como às normas de regulamentação ambiental. Neste ponto, deve-se ressaltar que aspectos ligados à segurança do trabalho e à proteção ambiental têm sido muito destacados e valorizados no atual cenário científico-tecnológico. A Figura 1 mostra uma representação esquemática da sequência acima indicada. Faz-se importante destacar as complicações práticas que permeiam a etapa de passagem do projeto em escala piloto ao projeto em escala industrial, designada como ampliação ou “scale-up”. Em 1 Prefácio ao livro: Reatores Químicos, vol. 1, A. M. Nunes dos Santos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. p. 1. 3 qualquer projeto de engenharia a ampliação é feita com base nos princípios de similaridade geométrica, mecânica, térmica e química2. A primeira etapa, que é a obtenção de dados em laboratório, estaria mais diretamente relacionada ao trabalho do químico, cujo interesse básico é estudar uma dada reação de modo a estabelecer o mecanismo descritivo de como, em nível molecular, os reagentes se convertem em produtos. Dispondo-se de um mecanismo que estabelece as etapas, determina-se uma expressão matemática para a equação da taxa cinética. O engenheiro químico deve estar preparado para estabelecer o modelo matemático3 (equação cinética) que ajusta adequadamente os dados experimentais. Uma vez disponível o modelo cinético, este pode ser utilizado para fins de projeto em nível de planta-piloto e em escala de produção. É com base no modelo cinético representativo de uma dada reação que se faz a escolha das condições ótimas de processo para a obtenção do produto desejado (tipo de reator, tamanho do reator, concentrações dos reagentes, tempo de reação, regime térmico de operação, etc.). O projeto de um reator é uma tarefa complexa, devido aos múltiplos aspectos que precisam ser considerados quanto ao comportamento de sistemas químicos. Em primeiro lugar, deve-se proceder à determinação e análise de dados de laboratório, para o desenvolvimento de modelos que representem os processos físicos e químicos que ocorrem, seguindo-se da utilização desses modelos para o dimensionamento de equipamentos, a otimização das condições operacionais e o projeto dos sistemas de segurança e de controle necessários à operação do reator. O projeto de reatores demanda o trabalho conjunto de diversos profissionais, envolvendo conhecimentos de várias disciplinas, tais como: 1) Estequiometria, Termodinâmica e Cinética Química; 2 Uma observação que se deve ter em mente é que mesmo seguindo-se todos os princípios de similaridade, os efeitos e os resultados que se obtêm no processo em escala industrial será diferente daquele observado em escala piloto. Em termos de similaridade geométrica esta idéia se expressa pelo famoso Paradoxo da Fragilidade dos Gigantes (Galileu Galilei). Dados dois corpos geometricamente similares e construídos com o mesmo material, demonstra-se que o maior é menos estável dinâmicamente. Essa questão já era posta por Aristóteles na Grécia Antiga, mas foi Galileu quem fez um estudo completo sobre essa questão, expondo-o em sua célebre obra intitulada Duas Novas Ciências. Para um maior aprofundamento dos aspectos envolvidos na ampliação de projetos em Engenharia Química, dispõe-se da seguinte referência bibliográfica: R. E. Johnstone, M. W. Thring, Pilot Plants, Models, and Scale-up Methods in Chemical Engineering. New York: McGraw-Hill Book Company, 1957. 3 “Modelo Matemático” é qualquer relação funcional existente entre um vetor Y de variáveis dependentes e outro vetor X de variáveis independentes. Esta relação pode ser dada em diversas formas. A maneira mais simples é dispor de uma equação matemática explícita, na qual, dadas as variáveis independentes, podem-se obter, por um cálculo substitutivo direto, os correspondentes valores das variáveis dependentes. Uma maneira mais complicada, porém mais frequente em engenharia, é quando se tem um conjunto de equações diferenciais relacionando as variáveis, obtidas via modelagem matemática. Neste caso, a determinação dos valores das variáveis dependentes, para uma dada situação paramétrica, é feita por resolução de um conjunto de equações diferenciais (as quais podem ser ordinárias ou parciais; lineares ou não-lineares) empregando-se métodos matemáticos adequados. A simples equação de uma reta, por exemplo, y = a + bx, constitui um modelo matemático que estabelece como uma variável dependente ‘y’ varia em função de uma variável independente ‘x’. 4 2) Otimização, Controle, Segurança e Legislação Ambiental; 3) Ciência dos Materiais; 4) Fenômenosde Transporte; 5) Cálculo Diferencial e Integral; 6) Economia e Estatística. Figura 1: Etapas do projeto de um reator químico. 2. O Reator como coração da indústria química Todo processo químico industrial é concebido em função da necessidade de produzir algum material com um valor de mercado que justifique a concepção de uma sequência de etapas de processamento para obtê-lo a partir de uma matéria-prima disponível. As transformações que as matérias-primas sofrem ao longo de todo o processamento dividem-se, de modo geral, em etapas físicas (chamadas de “operações unitárias”) e etapas químicas ou de conversão (chamadas de “processos unitários”). Na concepção de qualquer processo químico, a idéia fundamental é implementar em escala industrial uma dada reação química, utilizando-se de todos os conhecimentos teóricos e técnicos disponíveis para garantir a viabilidade 5 econômica do processo. O projeto envolverá o delineamento de todas as etapas do processo, a definição do conjunto de equipamentos e de ações requeridas para obter o produto final desejado a partir da reação escolhida. O projeto do reator químico, equipamento em que ocorrerá a reação, é um dos aspectos principais, pois da estratégia adotada para o seu funcionamento dependerá o projeto e a operação dos outros equipamentos que lhe deverão ser associados, os quais serão necessários para o processamento das matérias-primas reagentes (antes da etapa de reação) e para a separação dos produtos desejados (após a etapa de reação). Assim, por exemplo, se o produto desejado for obtido através de uma rota química que conduza à formação de vários subprodutos (gerados seja pela reação principal ou por conta de reações secundárias), então, infere-se facilmente que a separação desse produto a partir da mistura reacional que deixa o reator, será uma tarefa de maior complexidade, e demandando métodos de separação (operações unitárias) mais sofisticados, comparativamente à situação em que o produto desejado já fosse obtido na etapa de reação com um grau bem satisfatório de pureza. A rota química ideal seria aquela que levasse apenas ao produto desejado. Dada a sua importância no projeto e na operação de todo o processo, é comum afirmar- se que o reator constitui o coração da indústria química4, pelo fato de que o projeto e o modo de operação dos demais equipamentos da planta química serão definidos em função do regime operacional do reator. Assim, de início, far-se-á necessário o tratamento físico das matérias- primas para obter os reagentes que devem alimentar o reator, onde serão processados segundo uma rota química que conduzirá a uma mistura contendo o produto P desejado, o qual deve ser separado utilizando-se os processos físicos mais adequados (extração, destilação, evaporação, absorção, etc.). É por isso que as etapas de processamento físico (operações unitárias) não podem ser vistas em separado das etapas de processamento químico (processos unitários), pois é necessário que o processo apresente-se como um todo integrado e conduza a um produto que atenda a um conjunto de especificações de mercado, assegurando-se, assim, a máxima eficiência e retorno econômico do projeto. A Figura 2 mostra o esquema representativo típico de uma planta química industrial, com o reator ocupando um lugar de destaque na concepção de todo o projeto. É importante ter uma visão geral de todos os aspectos práticos e problemas que podem surgir na implementação industrial de uma reação química. Assim, por exemplo, os reagentes, 4 Essa afirmativa é atribuída a Levenspiel, considerado como pai da Engenharia das Reações Químicas. 6 em geral, não são puros e nunca se consegue uma rota química e/ou um modo de operação que leve à formação única e exclusiva do produto P desejado. No reator ocorrem as reações químicas que formam o produto P desejado em conjunto com outras espécies indesejáveis para o contexto do processo. O engenheiro químico, depois de definida a rota química, tem a tarefa de definir o tipo de reator e as condições operacionais que garantam a obtenção do produto P nas condições mais satisfatórias possíveis. Isso conduz à necessidade de resolver um problema de otimização muitas vezes bastante complexo, mas que admite soluções inovadoras e inventivas, sempre baseadas em amplo conhecimento teórico e prático disponível sobre os fenômenos envolvidos no processo global. Figura 2: Esquema representativo de uma planta química. 3. Cinética química e projeto de reatores O conhecimento da estequiometria e das expressões cinéticas de todas as reações envolvidas no processo é imprescindível para o projeto do reator químico. Essas expressões indicam como a velocidade da reação depende das concentrações das espécies envolvidas, e constituem o que se chama “modelo cinético” ou “equação da taxa”. Sem o conhecimento das expressões cinéticas é impossível fazer o projeto de um reator. Para projetar um processo químico é indispensável saber quais reações ocorrem e dispor das expressões que descrevem suas cinéticas. Nas equações de conservação (balanços de massa, energia e quantidade de movimento), necessárias ao projeto do reator, aparecerá um termo relacionado à taxa de reação, representada por (-rj), o qual deve ser estabelecido a partir de dados experimentais, uma vez que não se dispõe ainda de métodos teóricos seguros para a 7 predição de taxas de reação com base nas teorias cinéticas disponíveis. Contudo, não têm cessado os estudos teóricos sobre a cinética das reações químicas, buscando-se métodos para a dedução de modelos cinéticos a partir de conhecimentos sobre a estrutura molecular das espécies químicas envolvidas na reação. A expressão cinética ou equação da taxa de reação constitui um modelo matemático que descreve o efeito das concentrações das espécies interagentes envolvidas (reagentes e produtos) sobre a velocidade da reação. Além disso, essas equações podem incluir o efeito de espécies catalisadoras ou inibidoras. O modelo cinético combinado com os balanços de conservação para as diversas espécies fornece um conjunto de equações diferenciais que permite estabelecer a distribuição temporal ou espacial destas espécies em um dado reator5. De modo geral, a taxa de reação pode ser expressa na forma: (-rj) = F(k’s, C’s) (1.1) A relação funcional acima indica que a velocidade de conversão da espécie ‘j’ é função das concentrações das espécies interagentes e de constantes cinéticas, as quais, por sua vez, são dependentes da temperatura (expressas pela lei de Arrhenius). Conforme já afirmado, a situação mais usual é que em um sistema reacional ocorra mais de uma reação, não havendo a formação exclusiva do produto P desejado. Outro aspecto a ser levado em conta é que a reação nunca é completada nas condições operacionais escolhidas, não havendo o consumo total dos reagentes, além da necessidade que se tem de empregar excessos de determinados reagentes. Assim, quase sempre o que se tem é uma rota química que leva a uma mistura contendo o produto P desejado, produtos considerados como secundários, frações de reagentes não-convertidos e, eventualmente, espécies inertes alimentadas juntamente com os reagentes. Para o engenheiro químico, é imprescindível o conhecimento das expressões cinéticas de todas as reações que podem ocorrer no reator. Somente assim, é possível fazer um estudo das condições operacionais mais adequadas para a obtenção do produto P de modo otimizado. No que se relaciona à cinética das reações químicas, deve-se destacar que existe uma diferença marcante entre as reações homogêneas e as reações heterogêneas. Os processos 5 Para reações gasosas é usual expressar a equação da taxa em termos das pressões parciais das espécies,ao invés de utilizar as concentrações molares. Entretanto, deve-se lembrar que a concentração e a pressão de uma dada 8 homogêneos são mais simples de analisar, e ocorrem em uma única fase (gasosa ou líquida). Em determinadas situações, essas reações envolvem duas fases (gás e líquido), mas as condições operacionais podem permitir que tais processos sejam considerados homogêneos para a análise cinética do sistema. A idéia de homogeneidade em sistemas químicos reagentes está fortemente vinculada ao grau de agitação imposto à mistura reacional. A característica marcante dos sistemas heterogêneos é a presença distinta de mais de uma fase, incluindo-se usualmente a presença de um sólido catalisador. Faz-se, portanto, imprescindível que o engenheiro químico tenha um bom conhecimento dos principais aspectos envolvidos no projeto de reatores homogêneos e heterogêneos, sendo importante ressaltar que os reatores heterogêneos, notadamente aqueles que envolvem uma reação sólido-fluido-catalítica (leitos fixos, leitos fluidizados), são os principais tipos de reatores utilizados nos processos de síntese da indústria química atual. O projeto de reatores heterogêneos para reações do tipo sólido-fluido catalíticas demanda conhecimentos de fenômenos de transporte (transferência de calor e massa), tendo em vista as resistências difusionais que aparecem devido à ocorrência da reação nos sítios ativos do catalisador sólido. Comentário sobre Cinética Molecular Numa reação química algumas substâncias (reagentes) são convertidas em outras espécies (produtos), como resultado de fortes interações moleculares. Para que as moléculas reagentes possam ser convertidas em produtos são necessárias duas condições: 1) Deve haver colisão entre as moléculas reagentes; 2) As moléculas dos reagentes devem ter energia suficiente para sobrepor a barreira energética associada à formação das moléculas dos produtos. Numa mistura de reagentes há uma distribuição de energia entre as moléculas e uma dada probabilidade de que num dado instante um número de moléculas colida encontrando todas as condições necessárias para reagir e formar os produtos. Uma reação química, espécie, numa mistura gasosa, podem ser relacionadas entre si a partir de uma equação de estado representativa do sistema. Admitindo-se comportamento de gás ideal, por exemplo, tem-se que CA = PA/RT. 9 geralmente, não ocorre de forma espontânea ou instantânea, requerendo um dado tempo, o qual depende da distribuição de energia das moléculas e da probabilidade das colisões entre elas. Há duas teorias que são usadas na análise de taxas de reação, as quais diferem em detalhes básicos, mas conduzem a resultados similares para os propósitos da engenharia química. São elas: 1) Teoria das colisões moleculares; 2) Teoria do estado de transição (ou do complexo ativado). A Teoria das Colisões surgiu no início do século XX, e foi desenvolvida com base na Teoria Cinética dos Gases (que se encontrava bastante desenvolvida, graças aos trabalhos de inúmeros físicos da segunda metade do século XIX, com menção especial para o nome de Boltzmann). Esta teoria assume que a reação ocorre quando duas moléculas, formadoras do produto, colidem com energia suficiente para penetrar as forças intermoleculares repulsivas de van der Walls, resultando uma combinação química a partir da colisão. Quando duas moléculas são forçadas a se aproximarem a energia total do sistema depende da distância entre elas. Esta energia atinge um máximo (Emax) a uma distância aproximadamente igual à soma dos raios moleculares. Uma aproximação adicional envolve a formação do produto, atingindo-se um estado de menor energia. Utilizando-se a Teoria Cinética dos Gases é possível calcular a fração de moléculas que contém energia superior a Emax, seu número absoluto e o número de colisões destas moléculas por segundo. Entretanto, as taxas de reação observadas experimentalmente são sempre alguns fatores menores que aquelas calculadas. Esses desvios são explicados utilizando-se o conceito de “impedimento estereométrico”, ou seja, assumindo-se que apenas uma fração das moléculas colide com uma orientação geométrica propícia à efetivação da reação. Até o presente momento não se dispõe de nenhum método para a predição de valores para esse parâmetro. A Teoria do Estado de Transição assume que as moléculas reagentes precisam colidir e ter uma energia suficiente para atingir o topo de sua barreira de energia potencial, o qual corresponde a um estado de transição que pode ser rompido, resultando em estados mais estáveis: ou a reversão aos reagentes, ou a conversão aos produtos. A partir desta teoria, taxas de reação poderiam ser preditas se a forma do estado de transição fosse bem definida. Cabe ressaltar que esta teoria, em sua versão original, não fazia nenhuma consideração mecanística 10 sobre as interações/choques das moléculas do sistema reacional, reduzindo-se toda a explicação às relações de energia envolvidas na transformação dos reagentes em produtos. Isso constitui uma marca original de diferença entre essas duas teorias cinéticas. Enquanto a teoria das colisões era de inspiração atomista, a teoria do estado de transição situava-se no campo do energetismo6. Ambas as teorias predizem que a taxa de reação é proporcional ao número de colisões entre as moléculas. Como a probabilidade de que moléculas A e B que ocupam o mesmo volume num dado instante colidam é proporcional ao número de moléculas de A e de B por unidade de volume, encontra-se que a taxa de formação de um produto P, para uma reação A+B P, é diretamente proporcional às concentrações de A e de B, podendo-se escrever: BABA P P CkCCC dt dN V r 1 (1.2) 6 Enquanto o Atomismo assume que a matéria é constituída de átomos, o Energetismo, concepção filosófica surgida no final do século XIX, reduz todos os fenômenos da natureza a modificações de energia, sem a necessidade de base material. Dois grandes representantes dessa concepção filosófica da ciência foram Mach e Ostwald. Mach costumava afirmar: “eu não acredito que os átomos existam”. À época, o atomismo teve na figura de Boltzmann um de seus mais notáveis defensores. Nota Histórica sobre Boltzmann* Durante os últimos anos do século XIX, uma grande batalha intelectual foi travada no campo da teoria científica entre os que acreditavam em átomos como partículas fundamentais reais e os que os consideravam apenas como modelos úteis para discussões matemáticas num mundo baseado inteiramente em transformações de energia. O líder das forças do atomismo era Ludwig Boltzmann da Universidade de Viena, cujo nome está ligado ao de Maxwell, como co-fundador da teoria cinética dos gases, e ao de Gibbs no desenvolvimento da mecânica estatística. Em 1895, uma conferência foi convocada em Lübeck para discutir as visões conflitantes da estrutura do mundo. A exposição em favor da energética foi feita por Helm, de Dresden. Atrás dele estava Wilhelm Ostwald, e atrás de ambos alinhava-se o poderoso sistema filosófico positivista do ausente Ernst Mach. O oponente principal da energética foi Boltzmann, secundado por Felix Klein. Arnold Sommerfeld reportou que a luta entre Boltzmann e Ostwald se assimilou externa e internamente à luta do touro com o elástico matador. Mas desta vez o touro conquistou o matador a despeito de toda a sua astúcia. Os argumentos de Boltzmann venceram. Todos os jovens matemáticos ficaram do seu lado. Boltzmann era sujeito a rápidas transições, da felicidade até a aflição, que ele atribuía ao fato de ter nascido nas horas mortas de um alegre baile de terça-feirade carnaval. Outros sugeriram que suas depressões eram causadas pela teoria atômica. Os inimigos do atomismo tradicional, sob liderança de Mach, denominaram Boltzmann o último pilar daquele arrojado edifício da imaginação. Boltzmann pessoalmente sentiu cada tremor daquilo que então se acreditava ser um “edifício vacilante”. Numa súbita intensificação de depressão ele cometeu o suicídio por afogamento em Duino, próximo a Trieste durante uma excursão de verão em 1906. Da nossa posição privilegiada de agora, poderá parecer que os ataques de Mach e Ostwald ao atomismo foram apenas retrocessos menores num avanço global da teoria básica, que deveria atingir alguns de seus maiores sucessos na primeira metade do século XX. Pode ser indevidamente romântico denominar Boltzmann, como alguns o fizeram, de mártir da teoria atômica. Seu monumento é um busto de mármore branco feito por Ambrosi sob o qual foi gravada uma fórmula curta: S = k ln W. * Walter J. MOORE. Físico-Química, v. 1. 4ª edição. Editora Edgar Blücher Ltda, São Paulo, 1976, p. 158. 11 A expressão acima tem sido observada para reações simples elementares e é comumente designada como Lei da Ação das Massas7. A constante de proporcionalidade k, que aparece na Equação (1.2), é conhecida como constante da taxa de reação ou taxa específica de reação. Embora as predições fornecidas pelas teorias cinéticas sejam importantes para a compreensão da velocidade das reações, a precisão das equações cinéticas resultantes é inadequada para o uso nos vários cálculos e estudos de engenharia. Por isso, o modelo cinético para uma dada reação deve ser estabelecido a partir dos dados experimentais. Somente dados cinéticos obtidos a partir de experimentos bem planejados e cuidadosamente implementados permitirão decidir sobre o modelo cinético de uma dada reação química. Molecularidade À luz dos conhecimentos teóricos que constituem a Cinética Química, assume-se que as reações químicas ocorrem por meio de uma sequência de etapas, sendo cada etapa individual considerada como uma reação elementar. O conjunto de etapas elementares é chamado de “mecanismo de reação”, o qual envolve etapas que são lentas e outras que são praticamente instantâneas. Em Cinética Química, o termo “molecularidade” é um conceito utilizado para expressar o número de moléculas reagentes envolvidas numa etapa elementar. A rigor, o termo molecularidade não deveria ser aplicado a uma reação global; entretanto, define-se a molecularidade de uma reação como sendo a molecularidade da etapa mais lenta (limitante da reação global). Assim, por exemplo, se uma reação se dá através de duas etapas elementares, das quais a primeira envolve duas moléculas A e B que se chocam para formar quase que instantaneamente uma outra C, e a segunda etapa envolve uma decomposição lenta de C para formar o produto P da reação; então, a primeira etapa é bimolecular e a segunda unimolecular, e como a segunda etapa (que é a mais lenta) controla o processo global e tem molecularidade um, afirma-se, nesse caso, que a reação global é unimolecular. Quase todas as reações elementares devem ser de molecularidade um ou dois, porque os processos trimoleculares são extremamente improváveis de ocorrer, pois devem envolver o 7 A lei da ação das massas é também conhecida como lei de Waage-Guldberg, e seu enunciado estabelece que para uma reação elementar a taxa é diretamente proporcional às concentrações dos reagentes elevadas aos seus respectivos coeficientes estequiométricos. 12 choque simultâneo de três moléculas em condições (configurações geométrica e energética) favoráveis para a efetivação da reação. Ordem de reação A ordem de uma reação química é um conceito diretamente associado à expressão cinética da taxa de reação, obtida por ajuste de dados experimentais. Se a reação for elementar a ordem coincidirá com os coeficientes estequiométricos dos reagentes na equação química; se a reação não for elementar, então, não haverá nenhuma relação entre a ordem e a estequiometria da reação. Como exemplo, consideremos a reação A+B P. A taxa de reação de A pode ser dada na forma: bB a AA CkCr )( (1.3) Se esta reação for elementar, então, a=1 e b=1, havendo correspondência das ordens com os coeficientes estequiométricos dos reagentes. Neste caso, a reação seria de ordem um (ou de primeira ordem) em relação à espécie A, de ordem um em relação à espécie B, e de ordem global dois (a+b). Se esta reação não for elementar o ajuste dos valores dos expoentes (a e b), a partir dos dados experimentais, conduzirá a valores de ‘a’ e de ‘b’ diferentes de um. Supondo, por exemplo, que após o ajuste chegue-se a a=0,5 e b= 0,8, a reação seria de ordem meio (0,5) em relação à espécie A, de ordem 0,8 em relação à espécie B, e de ordem global 1,3 (a+b). Disso se conclui que a ordem de uma reação pode ser um número fracionário, e que se trata de um parâmetro associado à expressão cinética (equação da taxa) ajustada para a reação a partir dos dados empíricos, e não se pode supor nenhuma correspondência a priori com a estequiometria da reação. 4. Efeito da temperatura na velocidade das reações químicas Para a maioria das reações observadas na prática, verifica-se que sua velocidade aumenta com o aumento da temperatura. A antiga regra de van’t Hoff estabelece que “a 13 velocidade de uma reação química dobra para cada aumento de 10oC”. Mas esta regra só pode ser empregada para um número reduzido de reações e de situações operacionais. Sua relevância reside na ideia por ela expressa, ou seja, seu enunciado é indicativo da influência marcante da temperatura na velocidade das reações químicas. Ambas as teorias cinéticas acima mencionadas (teoria das colisões e teoria do estado de transição) estabelecem que apenas as moléculas que possuem um certo grau de energia podem reagir. Da Teoria Cinética dos Gases sabe-se que a distribuição de níveis de energia numa amostra de moléculas, resultante das trocas de energia devidas às colisões randômicas, tem uma forma exponencial. Pode ser demonstrado que um deslocamento da distribuição, por variação da temperatura, produz como resultado uma fração diferente de moléculas que possuem energia superior, e que esta fração é proporcional a e E RT / . A partir dessas teorias, prediz-se que a constante da taxa de reação é uma função exponencial da temperatura, podendo ser expressa por: k A e E RT / (1.4) A relação acima é conhecida como Lei de Arrhenius e é válida para quase todas as reações. A constante A é chamada de fator de frequência ou fator pré-exponencial, e E é a energia de ativação. A relação expressa pela Equação (1.4) foi descoberta, independentemente, por van’t Hoff (1887) e por Arrhenius (1889). As teorias cinéticas estabelecidas não fornecem meios para calcular o efeito da temperatura sobre as taxas de reação. É possível apenas predizer a sensibilidade à temperatura para reações similares. Assim, por exemplo, conhecendo-se o que ocorre para a hidrogenação do benzeno, pode-se prever um comportamento semelhante para a hidrogenação do fenol, pois o que estaria em jogo, nos dois casos, seria a adição de três moléculas de hidrogênio a um anel benzênico. Além disso, a teoria é suficiente apenas para fornecer os limites esperados para as diversas constantes que aparecem na equação da lei de Arrhenius, mas não valores que possam ser aplicados a um projeto de engenharia. Até o momento, semelhantemente ao que ocorre com a expressão para a taxa de reação, não há nenhum procedimento preciso, com base apenas na teoria, para a predição de uma expressão que defina a variação de k (constante da taxa de reação) com a temperatura. Na prática, o que se faz é ajustar os dados cinéticos experimentais de uma dada reação à equaçãoda lei de Arrhenius, determinando-se os valores dos parâmetros A e E por regressão de dados. 14 5. Aspectos a considerar no projeto de reatores químicos Qualquer equipamento de uma indústria deve operar num regime que seja o mais adequado para o processo em questão. Deve-se levar em conta o equipamento em si e sua integração com o conjunto da planta. “Na classificação dos processos tecnológicos reveste-se de grande importância a idéia de “Regime Tecnológico” necessário para sua otimização. “Chama-se regime tecnológico ao conjunto de fatores principais (parâmetros) que influenciam na velocidade do processo, no rendimento e na qualidade do produto8. “Para a maioria dos processos químico-tecnológicos os parâmetros principais do regime são: (a) as concentrações das substâncias interagentes; (b) procedimento e grau de agitação das substâncias interagentes; (c) emprego de catalisador e sua atividade; (d) temperatura; (e) pressão”. Para fazer o cálculo completo do reator, fixando-se seu regime tecnológico, deve-se formular um modelo matemático, baseado na aplicação dos princípios de conservação ao sistema (equações que expressam os balanços de massa, de energia e de quantidade de movimento). Dispondo-se de um modelo matemático representativo do reator, é possível estudar seu desempenho por simulação computacional. O projeto de um reator pode ser visto como um cálculo cujo objetivo é compatibilizar todas as variáveis de processo, de modo a obter como resultado do processo um dado produto P em condições otimizadas. É importante ressaltar que na solução do problema devem ser levadas em conta questões associadas a problemas de segurança operacional, bem como aqueles relacionados à preservação do meio- ambiente. Concentrações das substâncias reagentes As concentrações das espécies químicas que interagem no sistema reacional influenciam na velocidade do processo, de acordo com a equação matemática que expressa a lei cinética. Termos de concentração aparecerão nas equações que descrevem os balanços de conservação para as diversas espécies presentes no sistema reacional considerado. O balanço 8 Mujlionov., I. P., Tecnologia Quimica Geral, Vol. 1, p. 25, Ed. Mir, 1979. 15 material para um sistema envolvendo reação química consiste numa combinação entre a equação cinética e as relações estequiométricas do processo. Para cada caso específico, devem ser buscadas as condições de concentrações que garantam a máxima produtividade do produto P desejado. Por exemplo, numa reação reversível sabe-se (pelo princípio de Le Châtelier) que a remoção dos produtos desloca o equilíbrio no sentido da reação direta. Cabe ao engenheiro utilizar os conhecimentos e recursos técnicos disponíveis para otimizar o projeto em termos de faixas de concentrações em que o reator deve operar, de modo a garantir o desempenho ótimo do processo. Procedimento e grau de agitação das substâncias interagentes Para efetuar uma reação química entre espécies reagentes é necessário fazer contato entre elas, surgindo a questão de como implementar da melhor maneira possível esse contato. Deve-se utilizar um modelo fluidodinâmico representativo do escoamento da mistura reagente. Na abordagem usual para a análise de reatores homogêneos consideram-se dois modelos extremos para a representação do nível de misturas. O primeiro assume que a mistura reacional encontra-se num regime de “mistura perfeita”, ideia esta essencial ao estudo de reatores do tipo tanque agitado; enquanto que o segundo assume que a mistura escoa segundo um padrão “empistonado” (plug-flow, em inglês), ideia que se aplica al ao estudo de reatores do tipo tubular. Essas duas situações extremas representam modelos fluidodinâmicos idealizados que servem como base para o projeto e análise operacional dos reatores industriais. Nos reatores que operam com mistura o projeto do reator deve contemplar, também, a presença de um dispositivo para promover a mistura no sistema (agitador). O modo e o grau de agitação ou mistura das substâncias reagentes têm um efeito considerável sobre a velocidade do processo. Nos reatores de mistura o projeto do agitador deve merecer atenção especial, pois de seu funcionamento depende diretamente o desempenho do sistema. Emprego de catalisador e sua atividade Nas reações que ocorrem na presença de um catalisador a velocidade de reação é fortemente aumentada comparativamente ao processo não-catalítico. 16 Há um grande número de reações catalisadas que ocorrem em fase homogênea, e cuja concepção de projeto pode ser conduzida com base apenas nos conhecimentos disponíveis para a descrição e o cálculo de sistemas homogêneos. Quando ocorre a presença de um catalisador sólido, aumentam as dificuldades e a gama de conhecimentos necessários ao projeto eficiente do reator. Nestes casos, é fundamental conhecer os princípios básicos de Catálise Heterogênea e de Fenômenos de Transporte. O projeto de um reator de leito fixo, por exemplo, é bem mais complexo do que aquele de um reator tubular homogêneo. Temperatura O efeito da temperatura, ao considerar-se o projeto de um reator químico, surge da constatação fenomenológica de que todas as reações apresentam um efeito térmico: o processo ou é endotérmico (absorve calor) ou é exotérmico (libera calor). A consideração desse fenômeno aparece na formulação das equações de balanço de energia para o reator. A influência da temperatura constitui uma das questões mais importantes na concepção do projeto de um reator químico, pela grande influência que esta variável exerce sobre a taxa de reação. Já foi destacado que a constante da taxa de reação varia exponencialmente com a temperatura, de acordo com a lei de Arrhenius, dada pela Equação (1.4). Uma elevação considerável da temperatura pode levar a taxas altas de reação quando o processo é exotérmico, e uma redução da temperatura pode conduzir a uma taxa de reação excessivamente baixa quando o processo é endotérmico, tornando-a praticamente insignificante. Em geral, as duas situações são indesejáveis industrialmente, pelos inconvenientes operacionais que resultam. Para o caso de reações endotérmicas, o projeto do reator deve prevê um mecanismo para adicionar calor ao sistema; enquanto que para reações altamente exotérmicas o projeto deve contemplar uma solução eficiente para a remoção do calor gerado no sistema. Na prática industrial existe uma grande variedade de concepções operacionais e de dispositivos para efetivar a troca de calor em reatores químicos, podendo-se citar o uso de jaquetas externas, serpentinas ou canaletas internas e esquemas de reatores tubulares com uma configuração idêntica à de um trocador de calor do tipo tubo-duplo ou casco-tubo, ou ainda sistemas multitubulares. 17 A grande influência das características térmicas da reação na concepção de projeto e na operação de reatores químicos conduz à necessidade de conceber um esquema para o controle da temperatura, de modo a garantir que a reação ocorra numa temperatura ótima ou com um perfil de temperatura em que a variação seja mantida dentro de uma faixa de valores aceitáveis. A Figura 3 ilustra esquematicamente uma malha de controle de temperatura em um reator do tipo tanque agitado no qual se realiza uma reação exotérmica, utilizando-se uma camisa de refrigeração através da qual circula um fluido térmico. Considerando-se a situação específica de um processo exotérmico, podem ser citados os seguintes inconvenientes de uma elevação excessiva da temperatura do sistema reacional: (i) desativação e decomposição de materiais, o que é muito comum no caso de reações bioquímicas envolvendo enzimas, microrganismos e produtos termossensíveis; (ii) perda da atividade catalítica em reações catalisadas (exemplo: envenenamento dos sítios ativosonde ocorre a reação superficial, deposição de substâncias sobre os poros do catalisador e sinterização); (iii) Desenvolvimento de reações secundárias, como por exemplo, o caso de uma reação em série do tipo A P B, na qual a taxa de formação de B é sensivelmente aumentada pela elevação da temperatura. Um exemplo prático é a oxidação de etileno a óxido de etileno utilizando ar, que em altas temperaturas pode levar à formação completa de dióxido de carbono e água, passando-se, portanto, de uma reação de oxidação parcial a uma combustão. Na prática, quanto ao aspecto térmico, os reatores podem ser operados de três modos diferentes, a saber: (i) operação isotérmica; (ii) operação adiabática; (iii) operação intermediária. No funcionamento isotérmico o reator opera numa temperatura especificada, e neste caso a concepção e implementação de um sistema eficiente de controle da temperatura é de importância fundamental para o bom desempenho do reator. Uma malha de controle deve ser implementada para manter a temperatura sempre no valor especificado (designado como temperatura de “set-point”). Na prática, é impossível manter a temperatura do reator sempre em um mesmo valor9. Do ponto de vista industrial, quando se diz que o reator opera 9 Esta afirmação é válida para qualquer variável operacional em um processo industrial. 18 isotermicamente numa temperatura T isso corresponde a afirmar que esta variável de processo permanece controlada, flutuando dentro de uma faixa de valores-limite adequados. Figura 3: Esquema representativo de uma malha de controle da temperatura de um reator tanque agitado. No funcionamento adiabático o reator opera sem troca térmica. Essa estratégia pode ser adotada nas situações em que a variação entre a temperatura inicial do sistema e a final (ou entre a entrada e a saída) resulta em um T admissível para as condições de reação. Industrialmente ocorrem situações em que um reator de leito fixo, por exemplo, é dividido numa série de vários reatores menores que operam adiabaticamente, fazendo-se o resfriamento da mistura reacional antes que esta entre no próximo reator da série. A ilustração na Figura 4 representa uma série de leitos gotejantes (trickle bed reactor, em inglês), utilizado na hidrodessulfuração do petróleo. A estratégia indicada é conhecida como tecnologia “quench” (do inglês, apagar), a qual busca eliminar a incorporação de dispositivos para a troca de calor acoplados ao próprio reator, o que flexibiliza as possibilidades de concepção de projeto. Para o bom funcionamento de qualquer equipamento no modo adiabático necessita-se de um projeto adequado para o isolamento térmico do mesmo. No modo de funcionamento intermediário, incorpora-se ao reator um sistema de troca de calor que não é suficiente para garantir seu funcionamento isotérmico. Neste caso, para o 19 cálculo do reator, devem ser resolvidos, simultaneamente, os balanços de energia para a mistura reagente e para o fluido térmico. Figura 4: Esquema de um reator de leitos múltiplos. Pressão A pressão afeta termodinamicamente o desempenho do reator, pois é em um estado termodinâmico definido pela pressão e pela temperatura (T, P) que todos os processos químicos ocorrem. A pressão exerce influência sobre diversos fenômenos físico-químicos que comumente estão presentes em diversos sistemas reacionais (o grau de solubilização de gases em líquidos, em reações líquido-gás, por exemplo, é fortemente aumentado com a elevação da pressão). Para sistemas gasosos a pressão pode ser relacionada à concentração das espécies, 20 sendo usual expressar a equação da taxa de uma reação em fase gasosa em termos das pressões parciais das espécies envolvidas. O efeito termodinâmico da pressão é bastante relevante para o caso das reações que ocorrem em fase gasosa, e que envolvem variação molar ao passar dos reagentes aos produtos. É o caso, por exemplo, da reação de síntese da amônia (N2+ 3H2 2NH3, reversível), que ocorre com uma redução no número de mols e demanda uma análise do equilíbrio termodinâmico para a definição do valor de pressão que conduz a uma conversão adequada. Pressão, temperatura e concentração (ou número de mols) são relacionadas entre si por meio de uma equação de estado. Para as situações em que se pode considerar comportamento de gás ideal, tem-se: NRTPV (1.5) Para os casos em que a mistura gasosa não pode ser descrita pela hipótese de gás ideal, deve-se utilizar a expressão modificada: ZNRTPV (1.6) Sendo Z o Fator de Compressibilidade, parâmetro que corrige o desvio da idealidade, e que deve ser calculado a partir de um procedimento próprio para cada substância nas correspondentes condições de processo. Existem tabelas de dados e correlações disponíveis para a predição do fator de compressibilidade das substâncias que usualmente aparecem nos processos químicos industriais. Para algumas reações que ocorrem em fase líquida o efeito da pressão pode ser desprezível sobre a cinética do processo, podendo o sistema ser considerado como incompressível. No projeto de reatores também deve ser prevista a perda de carga (queda de pressão) que ocorre associada ao padrão de escoamento da mistura reacional dentro do reator. Em alguns cálculos de engenharia das reações químicas a queda de pressão associada ao escoamento do fluido pode ser desconsiderada frente aos fenômenos de variação do número de mols dos componentes da mistura reacional e da energia térmica do sistema. A avaliação da queda de pressão, para os diversos tipos de escoamento, constitui um importante tópico da Fluidodinâmica. Em termos gerais, esse cálculo envolve a consideração 21 do balanço de quantidade de movimento, o qual consiste num balanço de forças que afetam o escoamento, sendo este expresso pela segunda lei de Newton ou princípio fundamental da dinâmica. Com a formulação do balanço de quantidade de movimento para um fluido em escoamento chega-se às equações da Dinâmica de Fluidos. Para o caso específico do escoamento incompressível de um fluido newtoniano em regime laminar são obtidas as célebres equações de Navier-Stokes, que consistem em equações diferenciais parciais bastante complexas que descrevem os campos de velocidade e de pressão associados ao escoamento, e cuja resolução na sua forma completa é algo até o momento ainda impossível. Dada a dificuldade de resolução das equações do movimento, o que se faz na prática do projeto de reatores químicos é utilizar uma correlação específica para estimar a perda de carga em cada tipo de reator considerado10. 6. Materiais de Construção Os materiais que devem ser escolhidos para a construção do reator, bem como de todos os dispositivos a ele acoplados, têm de satisfazer às condições do processo, atendendo a todos os requisitos de estabilidade estrutural e de segurança. Deve haver compatibilidade quanto à inércia química entre os materiais de construção do reator e os reagentes, para que não haja (ou, se houver, que seja em um nível desprezível) interações químicas. Deve-se buscar como diretriz básica que o material de construção do reator seja o mais inerte possível à ação da mistura reacional, de modo a minimizar os problemas de corrosão química. Quando estão envolvidos reagentes e/ou produtos corrosivos é usual fazer o revestimento interno do reator com uma camada polimérica, para garantir a preservação do reator e um maior tempo de operação sem interrupções. Em geral os reatores químicos são construídos em aço inoxidável, que acabam sofrendo corrosão sob a ação de substâncias ácidas e básicas; e por isso, periodicamente, deve-se interromper a operação para proceder à limpeza e manutenção do reator. Para o caso de reatores que operam no modo descontínuo (reatores dotipo batelada), procedimentos de limpeza e manutenção podem ser implementados comumente após cada batelada. 10 Neste ponto o aluno é convidado a rever os aspectos básicos associados ao cálculo da perda de carga em um escoamento através de um tubo vazio e em um tubo cheio com partículas de catalisador sólido (escoamento através de um meio poroso). 22 7. Definição da Velocidade de uma Reação Química A taxa de uma reação homogênea é definida como sendo a mudança em mols, devida à reação, de um reagente ou produto, por unidade de tempo e por unidade de volume da mistura reagente. A taxa de produção (ou formação) de uma espécie i pode ser descrita matematicamente como: r V dN dti i 1 (1.7) Na hipótese de que o volume da mistura reagente permanece constante, a expressão acima se reduz à forma: dt dC r ii (1.8) A taxa de reação é expressa em quantidade de mols/volume/tempo. Se i for um reagente a taxa de formação será negativa; se i for um produto a taxa de formação será positiva. Em cinética química, como o interesse maior é o acompanhamento do grau de transformação (conversão) dos reagentes, o conceito de taxa de reação é comumente empregado. A taxa de reação é definida como: dt dN V r ii 1 )( (1.9) Para uma mesma reação o valor numérico da taxa de reação variará em função da espécie utilizada para sua expressão. As taxas de reação das espécies estão relacionadas entre si pelos coeficientes estequiométricos da equação química. Considerando-se uma estequiometria do tipo: aA + bB cC + dD 23 então, pela estequiometria da reação, pode ser escrita a seguinte relação entre a variação do número de mols: 1 1 1 1 a dN dt b dN dt c dN dt d dN dt A B C D (1.10) A equação acima permite escrever a seguinte relação entre as taxas de reação: r a r b r c r d A B C D (1.11) Reações a Volume Variável Quando as reações ocorrem em fase líquida, pode-se, em geral, considerar o volume da mistura reagente constante (notadamente para o caso de uma operação isotérmica). Uma exceção ocorre no caso das reações poliméricas, as quais podem ocorrer com uma forte contração de volume. Mesmo em algumas operações não-isotérmicas, para muitas reações homogêneas em fase líquida, pode-se desprezar a variação da massa específica da mistura reacional com a temperatura. Para o caso de reações gasosas, considerando-se uma operação isotérmica e isobárica, o volume de reação só permanece constante se a reação não envolver variação no número de mols, ou seja, quando o número de mols dos reagentes for igual ao número de mols dos produtos. Exemplos: 2 A(g) + B(g) C(g) + D(g): N Nreag prod 3 2 , com N = 2 - 3 = - 1 2 A(g) 2 C(g) + D(g): N Nreag prod 2 3 , com N = 3 - 2 = 1 No primeiro caso, como há uma redução no número de mols, diz-se que a reação é de contração; e no segundo, como há um aumento no número de mols, diz-se que a reação é de expansão. 24 Quando o volume é constante a taxa de reação coincide com a derivada temporal da concentração, pois a expressão de definição da taxa de reação, Equação (1.7) reduz-se à Equação (1.8). Para uma reação a volume variável, deve-se substituir na Equação (1.7) a seguinte relação: N CVi i (1.12) Obtendo-se o seguinte resultado: r V d C V dti i 1 r V V dC dt C dV dti i i 1 r dC dt C V dV dti i i (1.13) Comparando-se as Equações (1.8) e (1.13) nota-se que elas diferem pelo termo que contém a derivada temporal de V. Se V for constante (ou sua variação desprezível) esta derivada será nula, e a Equação (1.13) se reduzirá à Equação (1.8). A necessidade de considerar a variação de volume da mistura reacional torna mais complexa a análise do problema. 8. Tipos de Reações Químicas Na prática industrial ocorrem os mais variados tipos de reações químicas. Conforme já destacado, o que se tem é uma rota química que produz, em meio a outras espécies, o produto P desejado. Sistematicamente, as reações podem ser divididas em simples e complexas. Reações Simples Uma reação é considerada simples quando ocorre segundo uma única equação estequiométrica. Do ponto de vista cinético, uma reação simples pode ser classificada como 25 elementar e não-elementar. São consideradas como elementares as reações químicas que ocorrem numa única etapa, e cujas taxas cinéticas podem ser expressas na forma de uma proporcionalidade com o produto das concentrações dos reagentes elevadas aos respectivos coeficientes estequiométricos, ou seja, por uma aplicação direta da lei da ação das massas. Assim, por exemplo, se uma reação do tipo A+B P for elementar e ocorrer a volume constante, então, a taxa de reação para a espécie A será dada por: BAA CkCr )( (1.14) Quando a reação não é elementar, admite-se que a mesma ocorre segundo um mecanismo que envolve um conjunto de reações ou etapas intermediárias que levam à formação dos produtos. Um exemplo clássico apresentado na literatura é a reação entre o bromo e o hidrogênio para a formação de ácido bromídrico (H2+Br2 2HBr). A cinética dessa reação foi estudada minuciosamente por Bodenstein e Lind, por volta de 1907, e este pesquisadores chegaram à conclusão de que os dados experimentais podiam ser adequadamente ajustados pela seguinte expressão cinética: 2 2 1 22 2 1 BrHBr BrH HBr CCk CCk r (1.15) Sendo rHBr a taxa de formação do ácido bromídrico. A complexidade na forma matemática da expressão obtida para a taxa de formação do ácido bromídrico, e a falta de correspondência entre a forma da equação da taxa de reação e a equação estequiométrica constitui uma indicação de que a reação não ocorre numa única etapa, não podendo ser classificada cineticamente como elementar. Bodenstein e Lind propuseram um mecanismo clássico de reação em cadeia, para explicar o comportamento cinético da reação de síntese do ácido bromídrico. Nesses casos, caberá ao químico, com base em teorias bem estabelecidas no campo da Química, propor mecanismos que conduzam a uma expressão cinética compatível com os dados experimentais. Em princípio, não deve ser uma preocupação do engenheiro químico a busca de mecanismos para a explicação de reações não-elementares. Para os cálculos de projeto, em geral, basta dispor de uma expressão que ajuste os resultados experimentais. 26 Um procedimento bastante utilizado na prática é a aproximação dos dados empíricos a uma expressão conhecida como cinética do tipo lei de potências. Para uma reação A + B P, por exemplo, pode-se supor uma taxa de reação dado por: pP b B a AA CCkCr )( (1.16) Os dados cinéticos são obtidos a partir de experimentos, os quais são conduzidos geralmente em reatores do tipo batelada, fazendo-se o acompanhamento da variação das concentrações das espécies com o tempo de reação decorrido. Para uma reação do tipo A + B P, por exemplo, um experimento em reator batelada conduzirá a conjuntos de dados para diferentes temperaturas, conforme indicado na tabela abaixo. Temperatura: T1, T2, T3, ... Tempo CA CB CP 0 CA0 CB0 CP0 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... tf CAf CBf CPf Com dados do tipo indicado na tabela acima é possível ajustar uma expressão matemática para a equação da taxa de reação, determinando-se os valores de todas as constantes cinéticas envolvidas na equação. A obtenção de uma expressão para a taxa de velocidade de uma dada reação, representativa das observações empíricas, pode ser uma tarefa complicada, envolvendo tentativas guiadas pelos conhecimentos teóricos de cinética química. O experimento cinéticodeve ser feito para várias temperaturas, podendo-se, assim, determinar os valores para as constantes cinéticas que aparecem na equação da taxa, em cada temperatura, e, a partir destes dados, ajustar uma expressão do tipo lei de Arrhenius (Equação (1.4)) para obter os valores dos parâmetros A e E associados a cada constante cinética que aparece na equação da taxa. 27 Na etapa de ajuste dos dados cinéticos utiliza-se o Método dos Mínimos Quadrados (regressão de dados), para ajustar o melhor modelo ao conjunto de dados experimentais. O Método dos Mínimos Quadrados se aplica a modelos lineares e não-lineares. Para facilitar o problema de regressão, quando se tem um modelo não-linear, verifica-se a possibilidade de escrever a equação em uma forma linear por meio de alguma operação matemática. Com isso, o problema fica mais simples do ponto de vista computacional. Para o caso da lei de Arrhenius, tem-se a seguinte expressão: k A e E RT / (1.17) Trata-se de um modelo não-linear que pode ser facilmente escrito numa forma linear tomando-se o logaritmo natural dos dois membros da equação. Efetuando esta operação, a equação passa a ser escrita como: ln lnk A E R T 1 (1.18) Esta última equação tem uma forma linear do tipo Y=a+bx, com Y ln k e x 1/T. Assim, um conjunto de dados fornecendo a variação da taxa específica de reação com a temperatura (k versus T) pode ser convertido em um conjunto de dados ln k versus 1/T, e, então, um ajuste dos parâmetros ‘a’ e ‘b’(coeficientes linear e angular da reta) permite calcular os valores das constantes da lei de Arrhenius. O fator pré-exponencial A e a energia de ativação E são dados por: bREaA e )exp( ; sendo R a constante universal dos gases (R = 8,314 J mol-1 K-1 ). Reações Múltiplas (ou Complexas) Uma reação é dita múltipla quando envolve mais de uma estequiometria. Em sistemas de reações múltiplas formam-se produtos estáveis por meio de mais de uma reação. Reações complexas ocorrem principalmente com os compostos orgânicos. Como exemplo, cita-se a cloração do metano, onde se pode obter uma mistura de substâncias (clorometano, diclorometano, triclorometano e tetraclorometano). Como em todo processo químico o interesse está em alguns produtos, faz-se necessário buscar as condições operacionais que garantam a produtividade máxima em termos das espécies desejadas. 28 O tratamento de sistemas envolvendo reações múltiplas envolve a resolução de sistemas de equações diferenciais que fornecem a distribuição de concentração das diversas espécies interagentes. Os casos encontrados na prática podem ser classificados como reação paralela e reação em série. Reação Paralela Pode ser representada pelo seguinte esquema: P B +A 1 k (P, produto desejado) R B A 2 k (R, produto secundário) Reação Consecutiva (ou em Série) P B +A 1 k (P, produto desejado) R P 2 k (R, produto secundário) Reação Reversível (ou de Equilíbrio) As reações de equilíbrio químico ocorrem quando os produtos reagem reversivelmente, regenerando os reagentes. Há uma reação direta e uma reação inversa. A + B P + R k1 P + R A + B k2 As taxas de formação de R pelas reações direta e inversa, supondo-as elementares, podem ser escritas como: r k C CR d A B, 1 (1.19) 29 r k C CR i R P, 1 (1.20) Atingindo-se a condição de equilíbrio termodinâmico, a soma dessas duas taxas de reação é nula, o que leva à equação que constitui a definição da Constante de Equilíbrio: K k k C C C Cc P R A B 1 2 (1.21) A presença de reações reversíveis leva à necessidade de considerar as constantes de equilíbrio e calcular previamente a conversão de equilíbrio correspondente à condição operacional do reator. Isso permite conhecer o máximo valor possível que poderá ser atingido para a conversão de um dado reagente. Numa reação reversível, a força motriz do processo está relacionada ao afastamento entre a condição atual do sistema e aquela que existirá quando for atingido o estado de equilíbrio.
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