Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Resenha Crítica do Filme “A Família Beliér” E Sua Relação Com A Psicologia A Família Bélier é um filme do diretor Eric Lartigau, produzido em 2014, que combina comédia, drama e músicas do grande cantor francês Michel Sardou. O longa conta a história de uma família que mora no interior da França que se sustenta através da venda de gado e produção de queijos na feira da cidade. Entretanto, todos os membros da família são surdos-mudos (pai, mãe e irmão), exceto Paula (interpretada por Louane Emera), que ainda adolescente*, cuida das negociações comerciais da família e é a intérprete de todos no convívio social. Buscando ao mesmo tempo, conciliar sua rotina de adolescente como a vida escolar, a relação Mathilde sua melhor amiga e as paqueras, ela descobre que tem o dom para o canto. Assim sendo, a jovem vive um grande conflito entre a dependência dos pais com ela e a tentativa de cortar o cordão umbilical, ao participar do concurso Radio France, uma das maiores escolas de canto da capital francesa. Todavia, o talento musical da jovem ganha outro significado a partir do momento em que não pode ser apreciado pelos pais, uma vez que eles não conseguem compreender o que a música representa para a garota. De acordo com David G. Myers, autor do livro Psicologia, 9ª Edição, a sensação é o processo pelo qual nossos receptores sensoriais e o sistema nervoso recebem e representam energias de estímulos do ambiente. Significa o processo de experimentar o mundo através dos sentidos, sendo eles: visão, audição, olfato, paladar e tato. Posto isso, na família Beliér, os pais (interpretados pela francesa Karin Viard e pelo belga François Damiens) assim como o filho caçula (interpretado por Luca Gelberg) são surdos-mudos, isto é, são deficientes auditivos e, ao mesmo tempo, sofrem com um impedimento na linguagem oral. A despeito de suas muitas variações, a vida sem audição impõe desafios. No caso dos Beliér, devido à incapacidade de se comunicar por meios habituais, necessitavam de uma intérprete para interagir com aqueles que não compreendiam a língua de sinais. Todavia, para os seres humanos, a audição é secundária à visão como fonte de informação sobre o mundo. Trata-se de um mecanismo para determinar o que está acontecendo em um ambiente e também fornece um meio para a linguagem falada. Assim sendo, a fim de viver uma vida normal em um mundo ouvinte, utilizavam-se de técnicas bastante comuns entre os deficientes auditivos como a leitura labial e as notas escritas. Não obstante, quando pensamos em pessoas com deficiência auditiva vivendo em seu mundo silencioso, o que nos vem à mente é que elas possuem uma vida triste e pacata. Porém, Lartigau não explora o lado do sofrimento e da tragédia que pode ser a surdez, ao mostrar que o jeito sincero e muito direto dos surdos é divertido, sensibilizando o espectador. Destarte, nos chama a atenção à escolha por artistas não deficientes para a representação dos pais, realizando uma ótima atuação em seus diálogos silenciosos, gestos e expressões faciais. Ademais, o longa-metragem conduz para uma complexidade ainda maior que é a descoberta de Paula de seu talento vocal, que se torna um processo de autodescoberta e afirmação, e a sua família não poder apreciá-la em seu novo talento. Apesar de muitos desentendimentos, seus pais, ao perceberem o quanto aquilo significa para a menina, buscaram apoiá-la em seu sonho de participar do concurso. Assim, embora seja uma obra cinematográfica esteticamente realista, esta passa uma mensagem ironicamente idealista de que todos os nossos sonhos podem se concretizar se lutarmos o bastante por eles. Partindo do pressuposto de que muitos consideram a música como algo inacessível para os surdos, uma cena bem interessante é quando o pai pede para Paula poder cantar para ele e, então, este coloca sua mão sobre a laringe (garganta) da filha e, através das vibrações das cordas vocais, consegue sentir e, de certa forma, ouvi-la cantar. Fica claro então que o surdo não está alheio à música e que pode se desenvolver socialmente com o reconhecimento de vibrações sonoras e do ritmo musical. Desse modo, “a vibração é um parâmetro muito importante para o surdo, pois através dela consegue diferenciar timbre, que para nós são diferenciados através da audição” (SOARES, 2007, p. 22). Junto a isso, outro ponto essencial a ser destacado é a surperproteção dos pais e a não aceitação que sua filha tornou-se uma mulher. Isto fica claro quando Paula canta a música Je Vole de Michel Sardou, que tem como tema a saída do filho da casa de seus pais. Assim sendo, a independência acaba vindo para os dois lados, já que com a filha falante, os pais e irmão se acostumaram a ter uma intérprete em todos os momentos. Por conseguinte, o drama musical traz à tona temas delicados como o da inclusão dos deficientes auditivos e o preconceito sofrido por eles devido a sua condição. Isto fica claro no filme com a presença de um personagem secundário, Roussigneux (interpretado por Bruno Gomila), aparentemente insignificante, mas que reflete a realidade de muitos deficientes auditivos. Tal personagem é um morador da pequena cidade que possui deficiência auditiva assim como Gigi, Rodolphe e Quentin. Entretanto, farto das provocações e de ninguém entendê-lo, toma como medida sanativa a aquisição de um aparelho de amplificação sonora (AASI), que é indicado na reabilitação da deficiência auditiva de indivíduos de diversos graus, inclusive severo e que ainda possuem audição residual. A cultura é expressa e vivida em suas comunidades e por sua vez é um grupo que compartilha aspectos comuns com os quais se identificam. Embora não possuam marcadores de raça ou de nação, os membros dessas culturas surdas autorreferenciadas não têm dúvidas de suas identidades culturalmente distintas. A despeito de os surdos não terem dúvidas quanto a suas identidades culturalmente distintas, as pessoas não-surdas têm muita dificuldade em admitir que os surdos têm processos culturais específicos, então, muitos continuam a tratá-los apenas como um grupo de deficientes ou incapacitados. Contudo, é por meio da cultura surda que o surdo pode entender melhor o seu mundo e dessa forma se for preciso modificá-lo, e assim, se ajustar, tornar acessível. Diante disso, é possível notar que Roussigneux não se identifica como um surdo e, portanto, não deseja fazer parte da cultura surda. Obviamente os surdos ainda sofrem discriminação e consequente isolamento social, este último amenizado no filme, pelo fato de serem três surdos na composição familiar e por Paula ser a intérprete em suas interações com os não surdos. A voz aqui transpassa o sentido de transmitir som. Sua descoberta significará principalmente para a mãe, o confronto com o mundo não-surdo e a necessidade de quebra de um preconceito que ela sempre nutriu, inclusive contra a filha. Assim, o olhar naturalista do diretor nos permite ver a situação da família sem piedade ou vitimização ao retratar também o julgamento por parte dos próprios deficientes. A audição é importante no aprendizado da fala, mas os mudos não o fazem porque possuem prejuízo no aparelho fonador, o que não acontecem com os surdos, que podem aprender a falar, embora seja difícil e necessite de muito investimento. Todavia, este não é o caso dos membros da família Bélier, visto que esses são surdos e mudos. Dessa maneira, um ponto interessante trazido no filme é a trama política envolvendo o pai, mesmo sendo surdo- mudo, tem muitas ideias para ajudar a comunidade, se candidatando a prefeito do condado, trazendo uma crítica social pertinente, que o surdo tem a capacidade de ouvir a necessidade do povo, muito mais que um político. Contudo, o resultado desse enredo, assim como de outros personagens como Gigi, Quentin e Mathilde, é pouco explorado pelo diretor ao decorrer do filme.Por conseguinte, o filme se mostra recheado de emoção como, por exemplo, a inversão de lugares na cena em que o espectador é colocado no local dos surdos, impondo-lhe o silêncio precisamente na hora da apresentação de canto de Paula, na escola. REFERÊNCIAS MYERS, David. Introdução à Psicologia Geral. Rio de Janeiro: LTC, 1999. SOARES, Cristina da Silva. Educação Musical para surdos: uma experiência na escola municipal Rosa do Povo. Trabalho de Conclusão de Curso. P. 38. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: https://musicaeinclusao.wordpress. com/2013/06/09/da-silva-cristina-soares-educacao- musical-parasurdos-uma-experiencia-na-escola-municipal-rosa-do-povo-2008/ Acesso em 02 de maio de 2018.
Compartilhar