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1ºAula Concepções de linguagem e o ensino da Língua Portuguesa Objetivos de aprendizagem Esperamos que, ao término desta aula, vocês serão capazes de: • analisar criticamente os aspectos que envolvem o ensino da língua portuguesa a partir dos diferentes níveis de linguagem; • compreender os aspectos que envolvem as diferentes variações linguísticas e empregar corretamente a linguagem de acordo com o contexto, bem como instruir os futuros alunos sobre este emprego da língua; • identificar, analiticamente, as concepções de linguagem que envolvem o ensino da Língua Portuguesa. Prezados(as) alunos(as), iremos iniciar a disciplina “Conteúdo e metodologia do ensino da Língua Portuguesa e Literatura nos anos iniciais E.F.” conhecendo e refletindo sobre o ensino da língua portuguesa à luz das concepções da linguagem construídas ao longo de décadas. Nesta aula, terão a oportunidade de saber como o ensino da língua portuguesa muda de acordo com a noção que se adota sobre a linguagem. Bons estudos! 181 Conteúdo e Metod. do Ensino da Língua Port. e Lit. nos anos Iniciais do Ensino Fundamental 8 Seções de estudo 1 - A caracterização da língua portuguesa 2 - Concepções de linguagem 3 - Os tipos de ensino de língua 4 - A variação linguística e o ensino da Língua Portuguesa 5 - O ensino da Língua Portuguesa e os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) Há alguns anos, muitas pesquisas vem sendo feitas em relação ao ensino da Língua Portuguesa em todos os níveis de ensino. Isso porque se percebeu que os alunos terminavam o Ensino Médio com bastante dificuldade quanto à leitura e à escrita. Pensando nisso, mudou-se o enfoque dado em relação a esta disciplina. Tal modificação se tornou mais visível a partir da implantação dos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) no ano de 1997; neste contexto, os PCN’s é o um documento oficial que tem como objetivo nortear o ensino brasileiro, ou seja, ele aponta aspectos importantes sobre as várias disciplinas. Além disso, ele apresenta usos e formas da língua portuguesa, cujo objetivo é propor possíveis atividades a serem realizadas em sala de aula. Os PCN’s e outros textos teóricos importantes sugerem que o ensino da Língua Portuguesa deve ser contextualizado, fugindo, assim, de práticas mecânicas e sem sentido algum. Para tanto é apresentado como “pretexto” de ensino o texto, pois a partir dele é possível trabalhar a leitura e a produção textual (oral ou escrita); afinal de contas, ensinar a língua portuguesa por meio de frases isoladas, torna a Língua um organismo isolado de sua aplicação prática. Vocês, caros(as) alunos(as), devem estar pensando: “Então, vamos abolir a gramática?. Nunca mais estudaremos ela?.” Nada disso. Continuaremos a estudar a gramática, mas em contextos práticos que permitam ao aluno perceber a Língua como um organismo vivo em práticas sociais. Para tanto, tomaremos como suporte teórico os estudos feitos em relação à Linguística Aplicada, haja vista que esses dão conta de detectar problemas acerca do ensino da Língua, mas, também, apresentam soluções para estes problemas. Em relação ao ensino da Língua Portuguesa, alguns pontos são fundamentais para que a prática seja eficiente. Primeiramente, é preciso refletirmos sobre o que é a linguagem. Temos que a linguagem nada mais é que a faculdade 2 - Concepções de linguagem: usos e nalidades 1 - A caracterização da língua portuguesa (capacidade) de exercitar a comunicação. Nesse sentido, podemos conceber a linguagem a partir de três concepções. A primeira concepção concebe a linguagem como expressão do pensamento. Essa ideia foi sustentada pela tradição gramatical grega, depois, pelos latinos, continuando pela Idade Média e Idade Moderna, no entanto, ela foi rompida, pelo menos em tese, pelos estudos feitos por Saussure (1969) no início do século XX. Essa teoria afirma que as ideias são formadas no interior da mente humana, assim a linguagem traduz o pensamento humano. Nesse contexto, o indivíduo deve seguir as normas gramaticais padrão do bem falar e do bem escrever. Para tanto, deve ser seguidas as normas prescritivas da língua, as quais propõem o estudo voltado para a concordância, à sintaxe, à regência etc. Embora, por volta dos anos 60 estudos linguísticos tenham sido feitos para discutir esta prática tradicionalista, algumas escolas ainda abordam o ensino da Gramática a partir deste enfoque, cujos objetivos de aprendizagem se apresentavam desvinculadas da prática de leitura e da produção textual, como se isso fosse possível. Em contrapartida, a segunda concepção de linguagem apresenta uma ruptura com a teoria anterior, haja vista que Saussure centraliza seus estudos sobre a linguagem a partir de dois objetos: a língua (langue) e a fala (parole). Temos, então, a concepção da linguagem como instrumento de comunicação. Segundo Saussure, a língua é um conjunto de signos e é falada por um povo, uma nacionalidade, os quais se apropriam de regras próprias de sua língua (é a chamada gramática), por isso trata-se de um sistema social, homogêneo e abstrato, a qual já é internalizada na mente do falante de determinada língua desde o seu nascimento. Já a fala é uma ação individual, pois o falante de uma determinada língua se apropria de regras da sua própria língua para construir o seu discurso. Devido a sua caracterização individual, a fala pode apresentar variação de um falante para outro, portanto não se trata de uma manifestação homogênea. A partir da concepção da linguagem como instrumento de comunicação, os estudiosos da linguagem tomaram emprestadas teorias que envolvem os estudos da área da Comunicação e, consequentemente, da Informação, por isso a dicotomia langue/parole passou a ser estudada a luz da Teoria da Comunicação/ Informação. Jakobson (1973), aponta que aumentou os elementos da comunicação, cujo modelo proposto por Karl Bühler admite três elementos essenciais para a comunicação, são eles: emissor, receptor e referente/contexto. Além dos três elementos citados acima, Jakobson (1973) aponta três outros elementos, os quais julga serem imprescindíveis para o processo de comunicação verbal: mensagem, código e canal. Para cada um dos elementos, Jakobson apresenta as Funções da Linguagem (função expressiva, função poética, função conativa, função metalinguística, função referencial e função fática). Essas funções são relacionadas aos seis elementos de acordo com o fator predominante durante o processo de comunicação. Veja o esquema a seguir proposto por Jakobson: 182 9 As teorias que têm a linguagem como instrumento de comunicação, afirmam ser ela puramente informativa, visto que se adotou a ideia de Karl Bühler, o qual entendia que a linguagem servia apenas para a comunicação (transmissão da informação), prática essa realizada pelo emissor da mensagem e que deve ser recebida pelo receptor em uma situação (contexto). Portanto, nesse sentido, a função da linguagem que predomina é a função referencial (informativa). Na prática, essa concepção de linguagem mudou o método e a forma de apresentação dos conteúdos em Língua Portuguesa. Agora, já não são mais separados os conteúdos de gramática e leitura/ produção de texto; porém, observou-se que os livros didáticos propuseram exercícios práticos, os quais solicitavam aos alunos: siga o modelo, isto é, qualquer resposta que fugisse ao modelo pré-estabelecido era tida como errada. Por último, temos a concepção da linguagem como forma de interação. Essa concepção aponta que a linguagem permite a interação humana, haja vista que o receptor não é passivo durante o processo de comunicação como aponta o esquema de comunicação apresentado por Jakobson. Do ponto de vista prático, essa concepção sugere que a mensagem enviada pode ser ou não aceita pelo receptor, ou seja, pode haver ou não a construção do sentido por parte de quem desempenha o papel de receptor. Bakhtin (1986, p.123),faz uma importante observação sobre essa concepção de linguagem: A verdadeira substância da linguagem não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psico siológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada pela enunciação ou pelas enunciações. A interação verbal constitui, assim, a realidade fundamental da linguagem. O linguista Bakhtin contraria a noção de que a língua seja abstrata, noção essa defendida na concepção estudada anteriormente a esta. Para ele, a interação verbal é necessária e fundamental para a produção de sentidos. Retomando as concepções de linguagem, temos que: • 1ª concepção – a linguagem como expressão do pensamento: a expressão é construída no interior da 3 - Os tipos de ensino de língua Fonte: <http://acd.ufrj.br/~pead/tema01/lingfuncoes.html>. E, então? Vocês se lembraram desse esquema? Ele foi apresentado na disciplina de Leitura e produção de textos. mente, por isso o falante exterioriza um pensamento. • 2ª concepção – a linguagem como instrumento de comunicação: a língua é vista como um conjunto de signos, cujas normas devem ser dominadas pelo falante; portanto, a língua é traduzida, isto é, é decodificada pelo receptor da mensagem. • 3ª concepção – a linguagem como processo de interação: a linguagem permite a interação entre interlocutores, ou seja, o indivíduo realiza ações, atuando de forma interativa com o seu interlocutor. Por isso, a linguagem é caracterizada pelo diálogo, essa concepção deu origem ao termo dialogismo. Segundo Travaglia (2003 apud Halliday, McIntosh e Stevens (1974, p. 257-289), o ensino da língua é classificado em três tipos, os quais servem para dar um norte para as aulas de língua materna. É evidente, pois, que a escolha por cada um destes tipos depende do posicionamento do docente frente à concepção de língua/ linguagem e da escolha de determinado enfoque teórico, ou seja, alguns professores poderão se mostrar mais “tradicionais” e recusar qualquer uso da linguagem que fuja da norma culta, enquanto outros poderão apresentar uma postura menos “radical” e mostrar para o aluno a existência dos diferentes níveis de linguagem, cujo uso é feito em contextos específicos de comunicação. Para o referido autor, o ensino da língua pode ser de três tipos: prescritivo, descritivo e produtivo. O tipo prescritivo é aquele, como o próprio nome sugere que tem como finalidade a normatização, isto é, apontar o correto. Nessa concepção, não há aceitação do desvio da norma culta, ao contrário disso, é ensinada a linguagem que deve ser seguida. Esse tipo interfere nas habilidades linguísticas já existentes, aquele conhecimento prévio de linguagem que o aluno traz de casa, pois apresenta a correção formal da linguagem, considerando, no contexto de sala de aula, apenas a norma padrão da língua. Outro tipo de ensino é o descritivo, cuja finalidade é mostrar a linguagem em uso e como determinada língua funciona em contextos mais complexos, ou seja, em situações particulares. Assim, esse tipo aborda sobre as habilidades linguísticas já adquiridas sem alterá-las, mas indicando o seu contexto de uso. Diferentemente do tipo descritivo, cujo professor ensina a linguagem a partir da norma culta, mostrando-a como lei a ser seguida, portanto, o que foge disso é erro. Já o tipo produtivo não altera padrões linguísticos já adquiridos pelos alunos, mas ensina outras habilidades linguísticas. Nesse sentido, objetiva desenvolver a competência comunicativa, visto que a partir desta concepção, o aluno adquire novas habilidades de uso. Por isso, pode-se afirmar que esse tipo de ensino engloba o ensino da língua padrão e o das variantes linguísticas; é como se fosse uma mediação dos dois primeiros tipos de ensino da língua. 183 Conteúdo e Metod. do Ensino da Língua Port. e Lit. nos anos Iniciais do Ensino Fundamental 10 4 - A variação linguística e o ensino da Língua Portuguesa Ao falarmos sobre o ensino da Língua Portuguesa é necessário enfatizar que a escola deve se abrir para novos discursos. Um deles diz respeito à variação linguística, visto que no nosso país existe um grande número de variantes linguísticas, ou seja, trata-se de outras variantes da língua. Assim, podemos encontrar vários modos de falar uma mesma língua. Por exemplo: o Brasil é um país, como todos sabem, miscigenado. Essa mistura de raças e as diferenças de origem do brasileiro trouxeram de forma involuntária influências para a Língua Portuguesa. Portanto, é possível perceber que o Brasil possui diferentes modos de falar, não somente em relação ao sotaque, mas em relação ao vocabulário e a fonética de algumas palavras, a esse fenômeno damos o nome de variação linguística. Travaglia (2003, p. 42), afirma que existem dois tipos de variedades linguísticas, a saber: dialetos e registro. A variação dialetal está associada à dimensão territorial e/ou geográfica, assim, esse fenômeno ocorre devido à variação que as pessoas de diferentes regiões apresentam em relação a sua Língua. Este tipo de variação, segundo o mesmo autor, se divide em seis dimensões, são elas: territorial, social, de idade, de sexo, de geração e de função. Fonte: http://macacobabaca.blogspot.com.br/2010_08_01_archive.html Acesso em: 27 de janeiro de 2013. A variação dialetal territorial é também chamada de geográfica ou regional e diz respeito à variação que ocorre por influência de regionalismos, ou seja, os indivíduos falam uma mesma língua, mas por questões de influência que cada região sofreu ao longo de sua história, o falante pode apresentar um falar diferente a partir de uma mesma língua. Observe o diálogo abaixo, ele é um exemplo de regionalismo: Os interlocutores do diálogo acima falam a Língua Portuguesa, mas por uma questão de regionalismo, ou seja, influência que a língua sofreu em razão da sua localização territorial, os falantes apresentaram outra variante linguística que não a variante padrão. A variação dialetal social diz respeito à variação linguística que ocorre quando falantes de uma mesma língua pertencem a classes sociais diferentes. Nesse caso, podemos citar indivíduos que exercem práticas sociais diferentes, as quais possuem uma linguagem mais específica, com termos e jargões mais costumeiramente falados no seu meio social, como, por exemplo, os médicos, os advogados, os artistas etc. Mas, veja: citamos grupos de pessoas que ocupam papel de destaque na sociedade, no entanto, além desses, temos também indivíduos que fazem parte de uma classe social baixa e que, por isso, são pessoas marginalizadas socialmente (marginais, moradores de favelas). Diálogo Nordestino Estrebuchado Zé fala: -Ó Rosa! Que catinga é essa nessa casa? (Rosa) - Zé as criança zerum um funaré. É um monte de burundanga por todo canto, vou alimpar e rebolar no mato. (Zé) -Se avexe logo com isso muié, parece que tá môca. (Rosa) Por que não arriba daí e vem me ajudar homi? (Zé) - Ocê sabe que isso num é serviço pra cabra macho. (Rosa) - Fico o dia inteirim matutando como dá um jeito nessas cria e elas faz é mangar de mim. Pra completar ocê chega agora com esse mastigado. Valha minha virgi Maria! Aí, Galera Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo “estereotipação”? E, no entanto, por que não? — Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera. —Minha saudação aos a cionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares. — Como é? — Aí, galera. — Quais são as instruções do técnico? — Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto,E bem que a culpa é toda sua Zé que acoita, Assim não voga! Estrebuchado - Aborrecer-se Catinga - Mal cheiro Funaré - Bagunça Rebolar no mato - Jogar fora Burundanga - Doces, balas Se avexe - Apresse-se Môca- Surda Arribar - Levantar Matutar - Pensar Mangar - Rir Mastigar - Conversação Acoitar - Proteger Não voga - Não vale Rafaela Elane Fonte: <http://recantodasletras.uol.com.br/humor/1006190>. Pessoas que participam do processo de interação. 184 11 - Ê cara, tô azarando uma mina que é o maior barato. - Estou interessado em uma mulher muito bonita, elegante e inteligente. (Travaglia, 2003, p. 46) Perceberam como alguns grupos sociais são “taxados” por sua linguagem??? No exemplo acima, Veríssimo apresentou uma entrevista com um jogador de futebol que apresentou um nível de linguagem inesperado, ou seja, o jogador usou uma linguagem mais formal, a qual não é muito usada por jogadores de futebol. surpreendido pela reversão inesperada do uxo da ação. — Ahn? — É pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça. — Certo. Você quer dizer mais alguma coisa? — Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas? — Pode. — Uma saudação para a minha progenitora. — Como é? — Alô, mamãe! — Estou vendo que você é um, um... — Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com di culdade de expressão e assim sabota a estereotipação? — Estereoquê? — Um chato? — Isso.” Luís Fernando Veríssimo. Além dos exemplos citados acima, podemos citar, também, a gíria como uma variante do dialeto social. Esse tipo de linguagem é mais falado por adolescentes e jovens. Travaglia (2003, p.45), aponta um aspecto importante sobre esse tipo de dialeto: “Os dialetos sociais exercem na sociedade um papel de identificação grupal, isto é, o grupo ganha identidade pela linguagem”. Assim, esses dialetos servem, em alguns momentos, de “instrumento de dominação”, mas quando o objetivo é apresentar um discurso de cunho reivindicativo ou mesmo dialogar com o grupo sem que haja intervenção de outras classes sociais, a linguagem serve como um “escudo”. A variação dialetal de idade representa os diferentes modos de falar uma mesma língua por influência da idade dos falantes. Observe o exemplo abaixo, o qual demonstra o dialeto por idade: O primeiro exemplo é uma Cantiga de escárnio escrita por Trovadores portugueses nos séculos XII a XIV. Já o segundo texto é uma poesia de Carlos Drummond de Andrade escrita no século XX. Sendo assim, é inevitável que a Língua tenha sofrido alterações ao logo deste período, afinal, trata-se de um organismo vivo. Por último, temos a variação dialetal por função, esse tipo de dialeto não é muito comum na Língua Portuguesa, no entanto, sua correção nessa língua é verificada a partir da função que o falante desempenha no momento da interação comunicativa. Segundo Travaglia (2003, p. 51): (...) Um exemplo dessa variação seria o chamado plural majestático, em que governantes ou altas autoridades expressam seus desejos ou intenções com o pronome “nós”, sinalizando sua posição de representantes do povo. Esse tipo de variação é comumente verificado em discursos políticos, cujo propósito é apresentar promessas e anseios se colocando como “voz” de muitos. A variação de dialetos da geração (histórica) representa a evolução da linguagem ao longo dos anos, visto que a nossa Língua não é morta, ao contrário, ela é viva e suscetível de mudanças, por isso dissemos que ela evolui. A Língua Portuguesa falada por Camões não é a mesma Língua que falamos nos dias de hoje, essa mudança ocorreu por motivos históricos. A seguir, temos exemplos de dois textos, os quais foram escritos em épocas diferentes e, por isso, possui um dialeto diferente: Ai, dona feia, foste-vos queixar que nunca vos louvo em meu cantar; mas agora quero fazer um cantar em que vos louvares de qualquer modo; e vede como quero vos louvar dona feia, velha e maluca! Dona feia, que Deus me perdoe, pois tendes tão grande desejo de que eu vos louve, por este motivo quero vos louvar já de qualquer modo; e vede qual será a louvação: dona feia, velha e maluca! Dona feia, eu nunca vos louvei em meu trovar, embora tenha trovado muito; mas agora já farei um bom cantar; em que vos louvarei de qualquer modo; e vos direi como vos louvarei: dona feia, velha e maluca! (Tradução de uma cantiga de escárnio de Garcia Guilhade) José E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, Você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, Você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José? (...) Carlos Drummond de Andrade 185 Conteúdo e Metod. do Ensino da Língua Port. e Lit. nos anos Iniciais do Ensino Fundamental 12 Depois de estudarmos sobre as variações de dialetos, estudaremos, agora, as variações de registro. Prontos??? Já a variação de registro indica instâncias em que pode ocorrer esse fenômeno. Por isso, podemos classificar três tipos de registros, são eles: grau de formalismo, modo e sintonia. O grau de formalismo orienta o nível de linguagem que o falante deve usar para se comunicar. Para tanto, ele deve tomar como parâmetro os recursos que a língua dispõe em relação à fonética, a morfologia, a sintaxe, o léxico, a estilística etc. Assim, o discurso representará uma escala de formalidade se aproximando mais da língua padrão. Para entendermos o grau de modo (modalidade de uso) é preciso considerar que a linguagem verbal é dividida em duas modalidades: falada e escrita, as quais possuem distinção quanto ao seu estilo, isto é, a linguagem falada difere da linguagem escrita devido às circunstâncias de produção. Segundo Koch (2011), as modalidades “fala e escrita” apresentam características bem definidas, que permitem entendermos como ocorre a produção textual, haja vista que os fatores que a envolvem descrevem suas características. FALA ESCRITA contextualizada descontextualizada implícita explícita redundante condensada não planejada planejada predominância do “modus pragmático” predominância do “modus sintático” fragmentada não fragmentada incompleta completa pouco elaborada elaborada pouca densidade informacional densidade informacional predominância de frases curtas, simples ou coordenadas predominância de frases complexas com subordinação abundante pequena frequência de passivas emprego frequente de passivas poucas nominalizações abundancia de nominalizações menor densidade lexical maior densidade lexical Tabela extraída de Koch (2011) Caros(as) alunos(as), perceberam a diferença entre as duas modalidades? De acordo com Koch, a fala não é planejada, pois o seu planejamento ocorre no momento de interação face a face. Pode ser que o produtor do texto elabore um roteiro para ser seguido durante seu pronunciamento, mas à medida que for interagindo com os seus interlocutores, o texto vai sendo reformulado, isso porque a fala é construída em um contexto específico. Por isso, a autora afirma que é há predominância do modus pragmático, visto que o mais importante é o planejamento do texto de acordo com os elementos da comunicação - emissor, receptor e contexto. Por isso mesmo pode-se dizer que se trata de um texto incompleto, com ideias fragmentadas e com poucas informações, visto que o tempo de produção do texto é menor, o que impossibilita recorrer a um maior número de informações. Ao contrário, a escrita permite que o texto seja bem elaborado, planejado e refeito, pois há tempo disponível para o refazimento do texto.Caso erre, o produtor do texto poderá refazê-lo quantas vezes achar necessário. Enquanto no texto falado há maior preocupação com os fatores pragmáticos (o planejamento do texto), no texto escrito a preocupação recai no uso dos fatores linguísticos, como a colocação das palavras na frase de modo que haja concordância entre elas. A sintonia diz respeito à adequação da linguagem ao contexto em que ela será empregada. Para tanto, o falante fará adequação de sua linguagem de acordo com o seu público, a partir de informações que ele tem sobre o seu interlocutor. Portanto, o discurso que o falante usa para falar com o seu chefe, é diferente do discurso que usa ao se comunicar com o seu filho ou com os amigos. Embora os brasileiros de várias regiões falem de modo diferente uns dos outros, podemos afirmar que todos são falantes da Língua Portuguesa, pois suas falas são estruturadas a partir do mesmo sistema linguístico (a língua). Em razão disso, nós, professores, não podemos dizer ao aluno que fala de modo diferente da língua padrão que o mesmo fala de forma errada; ao contrário, a postura do professor deve ser a de orientador no sentido de que possa mostrar ao aluno que sua fala deve ser adequada em cada situação de uso. Para isso, deve-se tomar como parâmetro a Língua Portuguesa padrão, pois é por meio dessa que todos nós, brasileiros, conseguiremos nos comunicar eficientemente. Depois de observar o quadro comparativo com as características que de nem fala e escrita, é necessário continuar estudando sobre mais um tipo de variação de registro. Agora falaremos um pouco sobre a sintonia. Percebeu como a nossa língua possui vários tipos de variações? Caso tenham alguma dúvida, não prossigam com a leitura. Parem, e leiam novamente com bastante atenção. 186 13 Sobre isso, Messias (2008, p. 63), afirma que alguns professores têm uma postura preconceituosa quanto ao tipo de linguagem que os alunos fazem uso, ou seja, o professor, nestes casos, demonstra ter “preconceito linguístico”; que nada mais é do que exercer uma postura preconceituosa em relação ao modo de falar do aluno. Para a autora: (...) Esta postura comprova o quanto a falta de embasamento acerca da variação lingüística pode di cultar o entendimento da língua como atividade em situações concretas de enunciação, que varia de acordo com o grau de formalidade exigido pela situação. Nesse sentido, observa-se que os equívocos quanto ao ensino da língua portuguesa decorreram da falta de conhecimento sobre os tipos de ensino da língua portuguesa e os níveis de linguagem presentes na sociedade como um todo. Entretanto, não significa que o professor deve ser passivo diante do falar inadequado do aluno, mas, ao contrário, ele (o professor) deve mostrar ao aluno que existe a língua padrão e que é por meio dela que devemos nos comunicar em contextos que exijam uma linguagem formal. Depois de estudarmos alguns conceitos que envolvem a linguagem, é preciso discutir sobre o ensino da Língua Portuguesa à luz dos PCN’s, ou seja, veremos os pontos que devem ser estudados conforme os Parâmetros, os quais serão norteadores no processo de aprendizagem de metodologias e conteúdos para o ensino da língua portuguesa nos anos iniciais. É necessário salientar que o ensino da língua materna nos anos iniciais está pautado na leitura e na produção de textos, sejam eles verbais (escrito ou falado) ou não verbais. Nesse sentido, podemos afirmar que o texto é considerado unidade de ensino, afinal, ele é o instrumento que será usado para a prática de leitura e produção textual. Por isso, estudaremos, também, em outro momento sobre os tipos e os gêneros textuais, a fim de que compreendam a importância do aluno ter contato com variadas espécies de textos desde os anos iniciais. Segundo os PCN’s (1997, p. 28), o ensino da língua portuguesa, por muito tempo, esteve marcado por uma sequência 5 - Concepções de linguagem: usos e nalidades de conteúdos que pode ser denominada de aditiva. Isso porque os docentes ensinam a língua a partir de letras, as quais juntas formavam frases, que por sua vez, formavam textos. De acordo com os Parâmetros, o uso deste tipo de metodologia permitia que o “texto” servisse apenas para a leitura. Além disso, a produção destes textos ficava limitada ao ambiente de sala de aula, visto que eles não exerciam qualquer função no meio social. Em razão disso, percebeu-se a necessidade de se trabalhar com os gêneros textuais, tanto na prática da leitura quanto na produção textual, visto que o contexto é considerado, assim como os demais fatores que envolvem o planejamento e/ou a produção textual. O contexto (situação) de produção e de comunicação deve ser considerado para que seja capaz de identificar os aspectos que envolvem o texto, pois isso irá direcioná-lo em relação à leitura, ao uso da linguagem e a produção textual. É importante destacar que os PCN’s, em vários momentos, propõem o rompimento com concepções tradicionais, que, neste contexto, impossibilitam um repensar quanto ao ensino da língua portuguesa. Afinal de contas é preciso romper com velhos paradigmas, bem como com concepções errôneas do passado. Uma dessas concepções errôneas diz respeito à leitura, cuja definição se restringia a mera decodificação da palavra, ou seja, até pouco tempo tinha-se o conceito de que saber ler era converter letras em som. Assim, houve a formação de leitores capazes de identificar letras, palavras e orações no interior do texto, mas que não sabiam compreender de fato aquilo que se leu. Será isso leitura? É evidente que ler vai muito mais além do processo citado acima. Pode-se dizer que a decodificação é o primeiro nível de leitura para se construir sentidos sobre o lido. Nesse sentido, propõe-se, por meio dos PCN’s, que se trabalhe a leitura para a formação de cidadãos críticos e reflexivos. Para tanto, essa prática deve ser concebida como prática social, visto que fora da escola o aluno terá contato com uma infinidade de espécies de textos, os quais orientam estas práticas na sociedade. Por isso, não há motivos para ensinar a ler apenas no nível superficial, cuja compreensão torna-se limitada e sem sentido para o leitor. Sobre a produção textual, propõe-se que a escola forme cidadãos, que sejam capazes de produzir textos de forma coesa, coerente e eficaz. Nesse sentido, há que se considerar, novamente, o contexto (a situação) de produção, uma vez que o produtor do texto deverá fazer uso do gênero textual de acordo com a prática social na qual o discurso se realizará. 187 Conteúdo e Metod. do Ensino da Língua Port. e Lit. nos anos Iniciais do Ensino Fundamental 14 Assim, é inconcebível que o aluno produza um texto inadequado ao contexto de comunicação. Por exemplo: ao escrever um documento direcionado a Câmara de Vereadores - uma solicitação, por exemplo- não poderá o fazer por meio de uma carta pessoal. Isso faz com a comunicação seja incoerente do ponto de vista pragmático, pois não há coerência entre os elementos (emissor-receptor e situação). Depois de falarmos sobre a produção textual escrita, é preciso discorrer sobre a produção oral e a escuta em sala de aula, habilidades muitas vezes esquecidas ou quando lembradas são desenvolvidas de forma inadequada. Sobre esse tema, os PCN’s (1997), destacam que o ensino da produção oral muitas vezes é feito erroneamente, visto que muitos professores acreditam que este conteúdo refere-se à correção da fala do aluno quando este se pronuncia oralmente. Ainda sobre essa confusão, Messias (2008), aponta que alguns professores entendem a produção oral como sendo a leitura em voz alta feita pelo aluno, quando, na verdade, não é. Segundo os PCN’s, expressar-se oralmente requer confiança em si mesmo, para tanto alguns fatores são importantes, como ambientes favoráveis para que haja a manifestação do pensamento. Além disso, é importante e fundamental quea escola ensine aos alunos sobre os diferentes níveis de linguagem, permitindo-os perceber que para cada situação de comunicação, exige-se o uso de determinado nível de linguagem, em alguns momentos são mais formais, e em outros momentos são informais. Portanto, o aluno deverá transitar em um caminho que exige uma linguagem mais coloquial, mas também adquirir habilidades de uso da linguagem mais formal, aquela que é a de prestígio social. Neste contexto, os gêneros textuais orais são ferramentas indispensáveis para o ensino da produção oral, uma vez que atividades como entrevista, apresentação de programa de rádio, desenvolvem nos alunos a habilidade de se expressar na oralidade. Em contrapartida, a escuta de textos exige do aluno que este seja capaz de ouvir. Para tanto, faz-se necessário que o professor ensine-o a escutar em momentos em que o outro estiver falando, seja o professor ou o colega de sala. É importante que isso se torne um hábito em suas vidas e que esta prática não seja feita porque o professor solicitou que ouvisse, mas está relacionado à conscientização do aluno em respeitar a vez do outro falar. Parece algo simples, mas não é, às vezes, até mesmo no ensino superior é difícil incutir na mente dos alunos que é preciso preservar o momento de escuta do texto oral. Por isso, é importante que desde cedo, os alunos sejam ensinados sobre esta prática. Na próxima Aula, continuaremos a nossa “conversa” sobre a produção textual, mas, desta vez, veremos quais são os fatores que determinam um texto como realmente um texto. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola e agora? São Paulo: Parábola, 2005. BUENO, Elza Sabino da Silva. Nós, a gente e o bóia-fria: uma abordagem sociolingüística. São Paulo: Arte & Ciência, 2003. BRASIL, Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. <http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/ linguagem/0501/8%20art%206.pdf>. Vale a pena Vale a pena ler Vale a pena acessar Minhas anotações 188
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