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E-BOOK TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA O conhecimento histórico científico APRESENTAÇÃO A História pode ser mais bem compreendida como disciplina científica a partir de seu desenvolvimento ao longo do tempo. Há registros históricos desde os primeiros povos que inventaram a escrita. Porém, a forma como eles os escreviam era praticamente a de um gênero literário voltado para a constituição da memória, nada tendo de científico. Assim, somente a partir do século XIX é que se pode falar da constituição da História como um conhecimento científico de fato. Nesta Unidade de Aprendizagem, você verá como se deu o processo de consolidação da História como ciência e também como surgiu a primeira grande escola histórica, analisando suas principais características. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o conhecimento histórico como ciência no século XIX.• Caracterizar a Escola Metódica e o método histórico do século XX.• Identificar a História Científica a partir dos "homens do tempo".• DESAFIO Para relembrar a importância de Ranke para a historiografia, o professor José D'Assunção de Barros (2013, p. 979) indica que algumas de suas principais contribuições foram a "análise integrada das diversas instâncias do documento – entre as quais a autenticidade, a veracidade, os modos de análise da própria informação que seriam sofisticados gradualmente [...]". Ou seja, o documento é a matéria-prima do trabalho do historiador, e sua análise deve ser feita com esmero, seriedade e, acima de tudo, honestidade. Porém, a vida de um historiador muitas vezes é levada a situações insólitas, como a que será descrita a seguir. Veja: Diante do exposto, e considerando as discussões sobre a Escola Metódica, você classificaria o lote em questão como de interesse público ou como assunto pessoal? Explique. INFOGRÁFICO A criação da Escola Metódica (fundamental para a constituição da História como saber científico) não se deu de forma repentina e abrupta; ela foi resultado de uma série de processos que aconteciam na época. Assim como qualquer outro modelo científico, ela também passou por um momento de crise, no qual recebeu diversas críticas, até ser superada por um novo modelo científico. No Infográfico a seguir, você verá um resumo da trajetória da Escola Metódica, desde sua fundação até as críticas sofridas e a superação de seu modelo de análise. Confira. CONTEÚDO DO LIVRO A consolidação da História como conhecimento científico pode ser mais bem compreendida a partir do desenvolvimento da Escola Metódica. Nos tempos antigos, vários povos produziram relatos sobre o passado, mas uma ciência que refletisse sobre esse passado só se deu a partir do século XX. Assim, é fundamental falar sobre esse século para que se compreenda como a História se tornou uma ciência de fato. Leia o capítulo O conhecimento histórico científico, da obra Teoria da História e historiografia, e entenda como o conhecimento histórico se tornou um conhecimento científico, a partir da análise do contexto da época e de uma das primeiras escolas de pensamento dentro desse ramo: a Escola Metódica Francesa. Boa leitura. TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA Nilton Silva Jardim Junior O conhecimento histórico científico Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o conhecimento histórico como ciência no século XIX. Caracterizar a escola metódica e o método histórico do século XX. Identificar a história científica a partir dos “homens do tempo”. Introdução Apesar de hoje definida como a ciência do homem no seu tempo, a história nem sempre foi assim. Durante muitos séculos, a história foi uma disciplina muito mais ligada à literatura e à formação da memória. Várias civilizações produziram relatos sobre o seu passado, orais ou escritos, mas sem preocupação com critérios de cientificidade. Porém, como veremos, no século XIX isso mudou. Neste capítulo, você vai compreender como o movimento de formação das ciências sociais do século XIX, o Romantismo e suas relações com as unificações tardias do mesmo período contribuíram para a consolidação da história enquanto ciência. Para isso, será necessário falarmos não apenas da conjuntura do meio histórico e político, mas também do estágio de desenvolvimento da história na época e como se constitui a escola que a elevou à categoria de ciência. Também veremos as principais influências e ca- racterísticas dessa escola, além das críticas posteriormente recebidas por ela. Um século de paixões e o nascimento da ciência histórica Se o século XVIII foi o “Século das Luzes”, o século XIX com certeza foi o “Século das Paixões”. Palco de grandes movimentos — como as unifi cações tardias (Alemanha e Itália), o movimento neocolonialista/imperialista, as guerras napoleônicas, as independências das colônias americanas (inclusive o Brasil) — o século XIX foi sem dúvida um período defi nidor da história da humanidade. Se a Revolução Francesa e a queda da Bastilha marcaram a virada do mundo moderno para o contemporâneo, o “século das paixões” foi o responsável pelo desenvolvimento dessa nova era. Não sem motivo, o Ro- mantismo foi a grande mola propulsora dessa época, infl uenciando a literatura, as artes plásticas e, de certa forma, a política. Num mundo onde vários países buscavam um sentimento de unidade e identidade, o nacionalismo romântico funcionou perfeitamente (HOBSBAWM, 1988). Surgido no final do século XVIII, o Romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico que teve seu auge no século XIX. Entre suas principais características estão o subjetivismo, o individualismo, o nacionalismo e o sentimentalismo (Figura 1). A partir desta última característica, podemos dizer que se contrapunha ao racionalismo do Iluminismo (HOBSBAWM, 1988). Figura 1. A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix (1830), exposta no Museu do Louvre. Fonte: File... (2019a, documento on-line). O conhecimento histórico científico2 Para além das fronteiras nacionais e sistemas de governo, é também nesse século que outro importante elemento do nosso tempo começa a se definir: a ciência. A revolução científica, iniciada com o Iluminismo no século anterior, passa a ganhar outros contornos a partir dessa época. Ciências sociais como a sociologia e a antropologia começavam a ser reconhecidas como tal (HO- BSBAWM, 1988). Simultaneamente, a história gradativamente deixava de se tornar um ramo da literatura ligado ao que hoje compreendemos (DOSSE, 2001). Para isso, foi fundamental o conceito de ciência positiva de Auguste Comte. Para Comte, a ciência deveria ser acima de tudo a investigação do real, feita a partir da observação, experimentação, comparação e classificação como métodos. Em sua visão positivista, os fenômenos sociais, assim como os fenômenos naturais, também respeitavam leis, o que serviu de base para que criasse a ciência que ele chamou de “física social”, e que posteriormente se tornou a sociologia. (FONTANA, 2004) Os trabalhos de Comte tiveram grande eco entre estudiosos da época e serviram como referencial básico para a sistematização das ciências humanas. No campo da história, essas ideias ganharam força com Leopold von Ranke e, posteriormente, com a Escola Metódica na França, que serão analisados mais adiante. É nesse cenário que a história começa a se moldar como ciência, nessa conjun- tura que mesclava a consolidação das ciências humanas com a consolidação de dois importantes Estados nacionais. Com isso, a história acabará se caracterizando como uma ciência que vai buscar no passado elementos que ajudem na construção da unidade nacional. E se mantendo fiel ao discurso positivista de Comte, esse elementos serão suportados com documentos históricos produzidos na época pesquisada, as chamadas fontes primárias. Para Barros (2013, documento on-line):A atenção central à “fonte de época”, e a uma metodologia que a permitisse abordar com maior precisão, constituiu o vértice de partida do ideário histori- cista, cumprindo notar que os historicistas sempre insistiram acertadamente em fazer notar que esta atenção às fontes deve ser acompanhada pela consciência de que qualquer documento ou texto foi um dia produzido por seres humanos sujeitos a contextos históricos e interesses específicos. Sendo assim, como vemos nessa citação do professor José D'Assunção de Barros (2013), graças aos metódicos a imagem do historiador vai se firmar como a do profissional que vasculha arquivos e busca em antigos documentos embasamento para suas pesquisas. O tratamento das fontes primárias vai adquirir suma importância no fazer historiográfico, com a história deixando 3O conhecimento histórico científico de ser um gênero literário para se tornar a ciência do homem no seu tempo. Com isso, a fidelidade ao documento histórico se torna a raison d'être do historiador, sendo necessária a elaboração de toda uma metodologia para a extração das informações contidas nos documentos. A escola metódica e seu método: uma história “patriota” Formada na França, a Escola Metódica tinha como principais nomes Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos. Essa escola do século XIX tinha fortes características patriotas. No contexto da França pós-revolucionária, a ideia era organizar um novo modelo de história com base científi ca, capaz de se reconciliasse com um passado mais distante e fornecer um novo elemento de unidade nacional para a o contexto pós-Restauração a partir de 1815. Esse próprio sentimento de unidade nacional também embalava os historiadores franceses que buscavam fazer uma história voltada para a identidade nacional. Essa mesma motivação era percebida quando da unifi cação da Alemanha e Itália, que tinham como de suma importância a construção de uma narrativa que estabelecesse um elemento de unidade para nações que após séculos separadas estavam se unifi cando. Realizadas em 1870 e 1871, as unificações da Itália e da Alemanha são comumente chamadas de unificações tardias, por terem ocorrido cerca de 500 anos depois de demais movimentos similares no continente europeu. Como forma de criar um senti- mento de unidade nacional entre os povos das terras que estavam sendo anexadas, o resgate de mitos fundadores dos povos germânicos e italianos foi amplamente usado. Para entender melhor o caso alemão, você pode acessar o artigo “‘Hail Arminius: o pai dos alemães!’: a construção mítica da unificação alemã entre 1808 e 1875” (SILVA; ALBUQUERQUE, 2017) no link a seguir. https://qrgo.page.link/QDtJx Para isso, foi também fundamental a revista Revue Historique, publicada por Gabriel Monod e Gustave Charles Faganiez, a partir de 1876. Eles privi- legiaram as fontes primárias como matéria-prima do trabalho do historiador, O conhecimento histórico científico4 buscando fazer uma história com uma narrativa objetiva e neutra, privilegiando o documento e os métodos de análise como forma de comprovação. Gabriel Monod vinha propunha uma revista que fosse “[...] uma coletânea de ciência positiva e de livre discussão” (DOSSE, 2001, p. 17). Outra importante influência para a Escola Metódica foi a do historia- dor Ernest Lavisse, de quem Seignobos fora aluno e protegido (BURKE, 1992). Nas palavras de François Dosse (2001, p. 18), Lavisse foi “[...] o grande mestre que vai reinar do final do século XIX e início do século XX”. Herdeiros de Jules Michelet, Lavisse, Monod e seus colaboradores da Revue Historique vão somar às ambições de uma história nacionalista uma proposta de história científica. Nesse contexto, foi de fundamental importância a figura do historiador alemão Leopold von Ranke (Figura 2). Seu trabalho influenciou não somente seus compatriotas como também os historiadores franceses, como os próprios fundadores da Revue Historique entre outros, que tiveram acesso a suas ideias quer por meio de publicações e congressos quer indo estudar na própria Alemanha, como Seignobos o fez. Figura 2. Leopold von Ranke. Fonte: File... (2019b, documento on-line). 5O conhecimento histórico científico Grande parte desse interesse foi motivado pela derrota da França na guerra franco-prussiana, quando tais pensadores viram nesse intercâmbio uma opor- tunidade de compreender as razões de tal revés, bem como uma forma de fazer sua pátria progredir científica e militarmente (PAYEN, 2011). A guerra franco-prussiana ou franco-germânica foi um confronto entre o Império Francês e o Império Prussiano (atual Alemanha), entre 19 de julho de 1870 e 10 de maio de 1871. Parte importante do processo de unificação da Alemanha, a guerra começou com uma querela envolvendo a sucessão do trono espanhol e terminou com a vitória incontestável dos prussianos. Você pode encontrar mais detalhes no artigo “Do Império à Comuna: a guerra franco-prussiana e as revoltas de Paris” (VALLE, 2014). Leopold von Ranke Fundador da escola histórica alemã e Historiógrafo Real da Corte da Prússia, Ranke é frequentemente citado como o fundador da “história científi ca” (até então a história era considerada um ramo da literatura, muito mais próximo do que hoje chamamos de memória). Como critério de cientifi cidade, Ranke se utilizava da: [...] análise integrada das diversas instâncias do documento — entre as quais a autenticidade, a veracidade, os modos de análise da própria informação que seriam sofisticados gradualmente — a própria coleta de documentação e constituição de novos tipos de fontes (na época de Ranke, essencialmente arquivísticas e ligadas à política, à diplomática e às instâncias institucionais) [...] um elemento que trouxe efetivamente um novo tônus àquela historiografia que agora se postulava como científica (BARROS, 2013, documento on-line). Ranke tinha como prioridade o emprego de fontes primárias, o uso da história narrativa e foco em mostrar o passado como ele ocorreu. O assunto prioritário de suas obras era a política internacional e seus escritos tinham como método principal a citação das fontes primárias buscando o que chamava de “[...] tendências dominantes em cada século”; porém, ele não se limitava exclusivamente à política, escrevendo também sobre a Reforma e a Contrar- reforma, história da sociedade, da arte e da literatura (BURKE, 1992, p. 18). Essa sua abordagem vai influenciar toda a Escola Metódica em sua busca de produzir uma história científica. O conhecimento histórico científico6 Sendo assim, esse novo paradigma historiográfico vai estabelecer que a subjetividade deve ser controlada e o documento precisa sofrer dupla crítica: uma interna, operando por meio de raciocínio e analogia, e outra externa, propiciada pela erudição. Esses valores de objetividade científica atuarão também com anseios nacionalistas, como a reconquista de fronteiras exteriores e a pacificação do interior do país (DOSSE, 2001). Uma ciência de homens no seu tempo Ao amalgamar a busca por uma identidade nacional e o dever de construir uma ciência positiva do passado, a história feita pela Escola Metódica vai se fi rmar como uma ciência dos homens no seu tempo. Baseados no historicismo alemão, os pensadores franceses criaram uma ciência fortemente focada na abordagem (e respeito) de fontes primárias e nos grandes nomes da política, como vemos nesta passagem de Gabriel Monod (um dos fundadores da Revue Historique): [...] A história do passado acaba por adquirir uma influência sobre a própria política, pois preside a esse movimento das nacionalidades que domina a política contem- porânea. É pela história que os povos tomam consciência de sua personalidade. O movimento nacional alemão, o movimento nacional italiano, o movimento nacional tcheco, o movimento nacional húngaro, o movimento nacional eslavo, embora não tenham sido criados pela erudição histórica, nela encontraram, ao menos, um poderoso auxiliar, um núcleo de excitação,um ativo instrumento de propaganda. (MONOD, 1889 apud PAYEN, 2011, documento on-line). Influenciados pelas ideias de Ranke e Comte, os historiadores faziam uma crítica ao modelo que chamado “História Mestra da Vida”. Segundo esse modelo, a “[...] história era, antes de mais nada, percebida como provedora de modelos de comportamentos. Ela deveria servir à instrução do leitor [...] considerada como uma reserva de exempla destinada à instrução e à edificação dos leitores” (PAYEN, 2011, documento on-line). Sendo assim, a história não tinha uma finalidade meramente explicativa, mas também moralizante, já que deveria fornecer exemplos de conduta para os cidadãos do país. Esta história de cunho mais analítico era vista pelos românticos como uma história “fatalista”, pois se concentrava em explicar os acontecimentos como produto de “determinantes sociais” (FONTANA, 2004). O rompimento com esse modelo já começara a ser ensaiado na França após a revolução, e teve nos trabalhos de Adolphe Thiers e François Mignet importantes precursores. No entanto, somente após 1876 é que se dará o rompimento 7O conhecimento histórico científico definitivo. Mesmo em importantes trabalhos como A História da França (1847), de Jules Michelet, ainda há a presença da abordagem literária, tão cara aos românticos, porém com um cunho mais identificado aos ideais do liberalismo burguês da França pós-revolucionária. Foram os metódicos que romperam com essa ideia e se propuseram a fazer uma história calcada no rigoroso escrutínio das fontes e na crítica constante ao trabalho do historiador. Esses historiadores eram profundamente críticos do que denominavam “História Romântica”, pois identificavam nela uma “escrita histórica puramente factual desprovida de sentido” (DOSSE, 2001, p. 12). Essa preocupação com a história como um elemento formador da unidade nacional, privilegiando a política e a biografia de grandes homens, já aparecia no trabalho de Ranke e do historicismo alemão. Bons exemplos são obras como História das Nações Latinas e Teutônicas de 1494 a 1514 (1824), Hardenberg e a História do Estado Prussiano de 1793 a 1813 (1877) e Memórias da Casa de Brandemburgo e História da Prússia (1847–1848). No caso dos analíticos, esse interesse fica evidente em obras como Introdução aos Estudos Históricos (Langlois, 1898), História do Povo Romano (Seignobos, 1902) e Estudos críticos sobre as fontes da história carolíngia (Monod, 1898). O próprio Ga- briel Monod também já havia escrito livros de caráter mais biográfico, como Gregório de Tours (1872) e outro sobre um importante cronista do século VII, Fredegário (1895). Essa preferência pela história política e por uma história de grandes homens se tornou o principal foco das críticas feitas por Febvre e seu companheiros dos Annales, conforme veremos a seguir. Para entender melhor sobre as aproximações da história romântica com a literatura tão criticadas pela Escola Metódica, uma boa recomendação de leitura é o artigo “Jules Michelet: um historiador às voltas com a crítica literária”, de autoria de Maria Juliana Gambogi Teixeira, que pode ser acessado pelo link a seguir. https://qrgo.page.link/XnR4W Crítica aos metódicos Posteriormente, a Escola Metódica sofreu críticas, iniciadas por François Simiand em sua obra Método Histórico e Crítica Social. Discípulo do soci- O conhecimento histórico científico8 ólogo Émile Durkheim (um dos “pais da sociologia”, junto com Max Weber e Karl Marx), Simiand atacava o que chamava de os três “ídolos da tribo dos historiadores”: o “ídolo político” (como ele chamava a eterna preocupação de se fazer uma história política, de fatos políticos, guerras, etc.), o “ídolo individual” (como ele chamava a ênfase exagerada em grandes homens) e o “ídolo cronológico” (como ele chamava o hábito do historiador se perder nas origens) (BURKE, 1992). Essas críticas vinham do caráter político, individual e cronológico caro aos historiadores dessa escola (em especial Charles Seignobos, que foi transformado em símbolo daquilo a que esses novos historiadores se opunham) e não tinham o mesmo apreço no âmbito das ciências sociais da época. Além de Simiand, os fundadores da Escola dos Annales, Marc Bloch e Lucien Febvre, fizeram novas críticas. Sobre os ombros desses historiadores também pesava o trauma da Primeira Guerra Mundial, na qual eles viam o modelo ana- lítico como parcialmente responsável pelo que viveram. Para Bloch e Febvre, o modelo nacionalista e político defendido por Ranke e também pelo metódicos foi corresponsável por toda aquela tragédia. O tom dessa crítica ficou meio dividido entre esses dois grandes nomes, sendo Febvre mais enfático. Porém, todos eles tiveram em comum as críticas ao historicismo alemão, em especial ao que eles consideravam uma história política (BRAUDEL, 2007) e uma história narrativa (REVEL, 1989). De acordo com Fontana (2004), ficava evidente que esse modelo de objetividade científica defendido pelo historicismo alemão e pela Escola Metódica era uma máscara para seu verdadeiro propósito de servir à educação das classes dominantes e de produzir uma visão de história nacional que pudesse ser ensinada e divulgada nas escolas. De qualquer forma, a Escola Metódica foi fundamental para elevar a história ao patamar de ciência, o que era inegável até mesmo para seus críticos da Escola dos Annales, como Bloch e Febvre. Um bom exemplo das críticas que Bloch faz ao modelo analítico pode ser encontrado no artigo “A Força da Tradição: a persistência do Antigo Regime historiográfico na obra de Marc Bloch", de Tiago De Melo Gomes. Nele, porém, o autor fala não apenas das críticas que Bloch tinha aos analíticos, como também da presença dos próprios na obra dele. Você pode acessar o artigo pelo link a seguir. https://qrgo.page.link/zgJ5H 9O conhecimento histórico científico Se, por um lado, a Escola Metódica produziu uma história que pode tanto ser acusada de “ingênua” pela sua fé exagerada nos documentos e pela busca da neutralidade e imparcialidade quanto de “elitista” por sua predileção pelos grandes homens, pela política e pelos grandes fatos nacionais, por outro não podemos negar sua importância na maturação do estudo da história, afastando-a da literatura e buscando a profissionalização dos historiadores. Seu empenho em afastar-se do amadorismo dos historiadores românticos também foi de suma importância para o desenvolvimento de toda uma metodologia e uma ética de trabalho que, mesmo com certas atualizações e críticas, ainda hoje são empregadas. É bem verdade que, desde então, o universo documental acabou se ampliando, mas o trabalho do historiador ainda é feito a partir de documentos que servem de vestígios da época investigada e que devem ser criticados à exaustão. O escopo dos atores sociais também se expandiu, mas a história ainda é feita a partir de pessoas que tiveram relevância no período estudado (embora a disciplina tenha pedido muito do seu caráter personalista e por vezes biográfico). É com o final da Primeira Guerra que todo esse pensamento vai ser posto em cheque e um novo modelo será elaborado. Nos anos seguintes, a história dos metódicos, voltada à política, à narrativa e aos grandes homens, deu lugar a uma “nova história” que buscou ser uma história-problema, voltada a entender todos os aspectos da sociedade: uma História Total. BARROS, J. A. Ranke: considerações sobre seu modelo historiográfico. Diálogos, v. 17, n. 3, p. 977–1.004, 2013. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/ article/download/35976/18595. Acesso em: 14 ago. 2019. BRAUDEL, F. Escritos sobre a história. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007. BURKE, P. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929–1989. São Paulo: Editora UNESP, 1992. DOSSE, F. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: Editora UNESP, 2001. FILE: Eugène Delacroix — La liberte guidant le peuple. WikimediaCommons, the free media repository, 2019a. Altura: 599 pixels. Largura: 757 pixels. Formato: JPG. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismo#/media/Ficheiro:Eug%C3%A8ne_De- lacroix_-_La_libert%C3%A9_guidant_le_peuple.jpg. Acesso em: 14 ago. 2019. O conhecimento histórico científico10 FILE: Jebens, Adolf — Leopold von Ranke (detail) — 1875. Wikimedia Commons, the free media repository, 2019b. Altura: 600 pixels. Largura: 433 pixels. Formato: JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jebens,_Adolf_-_Leopold_von_Ranke_ (detail)_-_1875.jpg. Acesso em: 14 ago. 2019. FONTANA, J. A História dos homens. Bauru: EDUSC, 2004. HOBSBAWM, E. J. A era dos impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. PAYEN, P. A constituição da história como ciência no século XIX e seus modelos anti- gos: fim de uma ilusão ou futuro de uma herança? História da Historiografia, v. 4, n. 6, p. 103–122, 2011. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/ article/download/250/180. Acesso em: 14 ago. 2019. REVEL, J. A invenção da sociedade. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand, 1989. Leituras recomendadas GOMES, T. M. A força da tradição: a persistência do antigo regime historiográfico na obra de Marc Bloch. Varia Historia, v. 22, n. 36, p. 443–459, 2006. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752006000200011&lng=e n&nrm=iso. Acesso em: 14 ago. 2019. SILVA, D. G. G.; ALBUQUERQUE, M. C. “Hail Arminius! O Pai dos Alemães!”: a construção mítica da Unificação Alemã entre 1808 e 1875. Topoi (Rio de Janeiro), v. 18, n. 35, p. 330-355, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237- -101X2017000200330&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 14 ago. 2019. VALLE, C. O. Do Império à Comuna: a guerra Franco-Prussiana e as revoltas de Paris. In: ENCONTRO REGIONAL DA ANPUH-RIO: Saberes e Práticas Científicas, 16., 2014, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: http://www.encontro2014. rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400267970_ARQUIVO_artigocompletoanpuhCami- laValle.pdf. Acesso em: 14 ago. 2019. 11O conhecimento histórico científico DICA DO PROFESSOR Como todo ramo da Ciência, a História obedece a etapas e procedimentos de trabalho, os quais têm por finalidade estabelecer critérios de cientificidade para garantir a qualidade e a idoneidade da produção de conteúdo. Para ajudar a compreender como a História se consitituiu em conhecimento científico, nesta Dica do Professor, você verá algumas etapas da construção do conhecimento histórico. Acompanhe a seguir. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) O século XIX foi definidor para a formação do mundo contemporâneo e das ciências sociais. Diversos acontecimentos mudaram a face do planeta e moldaram o mundo para uma nova realidade até então impensada. Diante disso, pode-se afirmar que os elementos redefinidores característicos dessa época foram: A) a consolidação da Sociologia e da Antropologia como ciências sociais e a Queda da Bastilha. B) a publicação da revista Revue Historique e a Guerra de Independência dos Estados Unidos. C) a Guerra Franco-Prussiana e a publicação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. D) a unificação da Alemanha e da Itália e a Guerra Franco-Prussiana. E) a unificação da Alemanha e da Itália e o assasinato do arquiduque Francisco Ferdinando. 2) A noção de ciência positiva, de Auguste Comte, foi crucial para a consolidação da História como conhecimento científico. Também chamada de Positivismo, essa vertente foi extremamente importante para a sistematização das ciências sociais, como a Sociologia e a Antropologia. Nesse sentido, tal vertente afirmava que: A) a ciência deveria ser, acima de tudo, a investigação do real, feita a partir de observação, experimentação, comparação e classificação como métodos, buscando estudar as leis. B) a ciência deveria ser, acima de tudo, a investigação do real, feita a partir de observação, experimentação, comparação e classificação como métodos, buscando estudar as causas. C) a ciência deveria ser apenas mais uma entre várias outras narrativas e saberes que buscavam explicar a realidade e aceitar que o discurso desses saberes é tão válido quanto o dela. D) a ciência deveria, acima de tudo, buscar encontrar soluções para os diversos problemas da sociedade, mais do que pura e simplesmente tentar explicá-la. E) não importava quais fossem todos os fenômenos, sejam eles sociais, naturais ou de qualquer outra origem, estes provêm somente de um único princípio, o qual é sua explicação. Além do Positivismo de Comte, a Escola Metódica Francesa teve muita influência do historicismo alemão. Essa corrente científica teve Leopold Von Ranke como seu principal expoente, e o periódico Historische Zeitschrift como principal veículo, valorizando princípios como veracidade, autenticidade e formas de análise da informação. Nesse cenário, pode-se afirmar que os principais motivos da influência alemã na 3) historiografia francesa foram: A) o avanço dos problemas decorrentes da industrialização e o reconhecimento de novas metodologias aprendidas na Universidade de Berlim. B) o reconhecimento de um modelo de história total que se preocupasse com todos os aspectos da sociedade e o avanço dos problemas decorrentes da industrialização. C) o avanço dos problemas decorrentes da industrialização e o desejo de buscar uma história que desse conta da trajetória dos povos vencidos. D) a derrota da França na Guerra Franco-Prussiana e o desejo de buscar um modelo historiográfico que desse conta de trabalhar com fontes materiais. E) a derrota da França na Guerra Franco-Prussiana e o desejo de aperfeiçoar as ciências e demais saberes no país, por meio do aprendizado com os alemães. 4) A principal busca da Escola Metódica era fazer uma história científica, em oposição à história romântica – modelo até então vigente na época –, que estava mais ligada à literatura do que à ciência. É correto afirmar que essa busca por modelos científicos de análise histórica resultou em um modelo historiográfico que: A) privilegiava as fontes primárias de diversas origens (materiais, orais, escritas) como matéria-prima do trabalho do historiador, buscando fazer uma história que tentasse entender o ponto de vista de grupos marginalizados na sociedade. B) privilegiava as fontes primárias como matéria-prima do trabalho do historiador, buscando fazer uma história com uma narrativa objetiva e neutra, privilegiando o documento e os métodos de análise como forma de comprovação. C) privilegiava as fontes primárias como matéria-prima do trabalho do historiador, buscando fazer uma história total e politicamente engajada e cobrir todos os aspectos do período tratado. D) privilegiava as fontes primárias como matéria-prima do trabalho do historiador, buscando fazer uma história com uma narrativa marxista e dar um novo tratamento para a cultura, tentando entender a luta da classe trabalhadora nos diversos períodos de tempo. E) privilegiava as fontes primárias orais como matéria-prima do trabalho do historiador, buscando fazer história com a reprodução escrita de relatos de testemunhas oculares. 5) Tanto no final do século XIX quanto após a Primeira Guerra Mundial, começaram a surgir críticas à Escola Metódica, que eram provenientes de diferentes áreas do conhecimento, como cientistas sociais, que viam falhas no modelo científico da história metódica desde o início do século XX, e novos historiadores, que vinham com um novo modelo, a partir da década de 1920. Tais críticas acusavam o modelo analítico, afirmando que: A) seu caráter político e o modelo nacionalista foram corresponsáveis por toda a tragédia da Primeira Guerra Mundial. B) seu caráter factual o tornava prisioneiro do acontecimento e incapaz de determinar aspectos estruturantes, o que prejudicava suacientificidade. C) seu caráter excessivamente relativista acabava por negar a cientificidade da História e poderia dar magens a revisionismos perigosos. D) seu caráter político e economicista deixava pouco espaço para abordagens de ótica cultural e dava pouca margem de ação para o livre-arbítrio humano. seu caráter idealista, voltado para uma finalidade da História como "Mestra da Vida", era E) algo pouco científico e ultrapassado. NA PRÁTICA Parte do trabalho do historiador concentra-se na organização e no tratamento de instituições diversas, como governos, Forças Armadas e até mesmo empresas e ordens religiosas. O ser humano está a todo tempo produzindo documentação sobre seu passado, mas nem sempre ela é devidamente organizada e catalogada; daí a importância do trabalho do historiador e de outros profissionais em organizar todo esse material. Neste Na Prática, você verá como decorreu o trabalho do Centro de Memória, Pesquisa e Documentação de Cantagalo (CMPD), no Rio de Janeiro, em catalogar a documentação dos registros de batismo e matrimônio do Santuário Diocesano do Santíssimo Sacramento de Cantagalo. Perceba como a metodologia da Escola Metódica pôde ser aplicada nesse caso. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: O Positivismo Histórico O Positivismo Histórico foi uma corrente historiográfica que surgiu no século XIX, influenciada pelo clima de cientificismo e nacionalismo que marcou o continente europeu naquele período. No vídeo a seguir, veja as principais características dessa corrente, também conhecida como História Tradicional. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Seignobos x Simiand: a querela do método histórico com a ciência social no início do século XX Neste artigo, você verá sobre as divergências de Simiand com a Escola Metódica, compreendendo quais foram os principais pontos falhos dessa matriz historiográfica. Confira. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A historiografia francesa do século XIX nas páginas da Revue Historique (1876-1914) Neste artigo, você vai compreender a influência que a Revue Historique e os periódicos científicos, de forma geral, tiveram na divulgação de novas formas do pensamento científico. Boa leitura. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! O ofício do historiador APRESENTAÇÃO Ofício relativamente recente (sua origem remonta ao século XIX), o historiador teve várias vezes seu papel questionado e ampliado ao longo do século passado, ao sabor das diferentes correntes históricas que surgiram. Porém, ele se consolidou como o profissional que pesquisa e escreve a História. Assim, apesar da metodologia ter mudado ao longo do século, o ofício se fixou no decorrer dele. Nesta Unidade de Aprendizagem, você verá qual é o ofício do historiador e como as diferentes abordagens influenciaram nesse processo de consolidação. Também será discutido como a História enquanto disciplina científica foi mudando ao longo do século XX. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar a história narrativa da história problema.• Definir as causas modificadoras do processo histórico nas décadas de 1960-1970.• Analisar a participação das ciências humanas e sociais na revisão das teorias na pesquisa histórica a partir de 1970. • DESAFIO Desde Bloch e Braudel que a proposta de se fazer uma História Total era deixar de olhar somente para os fatos e os grandes nomes da História, para se entender como problemas que incomodam o historiador no presente eram lidados no passado. Não é à toa que essa modalidade também foi conhecida como História problema. Um ponto em comum tanto entre a terceira geração da escola dos Annales quanto a Nova Esquerda Britânica é de se dar voz às classes subalternas. Essa preocupação (que de certa forma já estava presente também n'Os reis taumaturgos, de Bloch) tem por objetivo colocar o povo como protagonista e diversificar as fontes de análise histórica, para se ter um quadro mais fiel. Levando em conta esse contexto, imagine que você é professor de história de uma turma do sexto ano do ensino fundamental e, de acordo com o conteúdo planejado para este semestre, você deve construir um modelo para uma atividade que busque fazer o aluno reconhecer-se, e também a sua comunidade, como protagonista da história. INFOGRÁFICO A constituição da Escola dos Annales se deu como uma resposta ao historicismo alemão e à escola metódica. Ela veio como uma alternativa a uma proposta cronológica e personalista dessas duas escolas, buscando fazer uma História Total que abarcasse os diversos aspectos de um período e não somente falasse de política. Neste Infográfico, você verá uma cronologia da Escola Metódica, da sua fundação à terceira geração, mostrando como a revista foi se atualizando e se moldando aos acontecimentos e às críticas ao longo do século XX. CONTEÚDO DO LIVRO Como em todo ramo profissional, o ofício do historiador sofreu várias mudanças ao longo de seu processo de consolidação. Mesmo sendo legalizado na França desde o final do século XX, o ofício do historiador passou por mudanças em resposta aos diversos acontecimentos que marcaram a sociedade ao longo do século XX. Sendo a História a ciência do homem no seu tempo e o historiador o profissional que a investiga e escreve, o campo e o profissional foram reagindo a esses acontecimentos e se adaptando à realidade. No capítulo O ofício do historiador, da obra Teoria da História e Historiografia, você verá como a História continuou evoluindo como ciência ao longo do século XX e como o ofício do historiador se adaptou a tudo isso. Boa leitura. TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA Nilton Silva Jardim Junior O ofício do historiador Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar a história narrativa da história problema. Definir as causas modificadoras do processo histórico nas décadas de 1960 e 1970. Analisar a participação das ciências humanas e sociais na revisão das teorias na pesquisa histórica a partir de 1970. Introdução Nenhuma ciência conta com um modelo definitivo. Todo modelo científico passa por períodos de crise, superação e substituição por um novo. Com a história não é diferente. Apesar de sua importância e de seu pioneirismo inegáveis para a estruturação da disciplina como conheci- mento científico, a Escola Metódica (e até mesmo o historicismo alemão) começou a receber pesadas críticas no início do século XX, até que no final dos anos 1920 dois historiadores franceses vieram com uma nova proposta de modelo historiográfico. Neste capítulo, você vai ver como as críticas de Marc Bloch e Lucien Febvre à Escola Metódica contribuíram para dar origem a uma nova forma de se fazer história e a um dos periódicos mais importantes da historiografia. Além disso, você vai compreender a relação dessas críticas com o trauma gerado pela Primeira Guerra Mundial e o como que eles identificavam a proposta dos metódicos como responsável. Por fim, vai entender também as mudanças pelas quais o pensamento historiográfico passou ao longo do século XX e sua relação com o que acontecia no mundo. A distinção entre história narrativa e história problema Peter Burke certa vez afi rmou que gostava de pensar nos historiadores como guardiões dos esqueletos do armário da memória social (BURKE, 2000). Esse ponto de vista diz muito sobre as mudanças e críticas propostas por Lucien Febvre e Marc Bloch no fi nal dos anos 1920 (Figura 1). Até então, o modelo de “história dos grandes homens”, defendido pelos metódicos, era infl uenciado pelo historicismo alemão e pela derrota da França na guerra franco-prussiana. Esse grupo liderado por Gabriel Monod, Charles Seignobos e Gustave Charles Faganiez tinhacomo proposta uma história científi ca com caráter político, voltada para a construção da identidade nacional. Para isso, o historiador deveria se dedicar a "escavar" os arquivos e se debruçar sobre os documentos, escrutinando-os à exaustão. O signo máximo da cientifi cidade se tornou a fi delidade aos documentos. Sendo assim, o historiador deveria ter extremo cuidado ao analisá-los. Figura 1. Marc Bloch e Lucien Febvre. Fonte: Annales1 ([20--?], documento on-line). Nesse princípio de século XX, tal escola historiográfica era acusada de, sob uma justificativa de cientificidade, ter como verdadeiro propósito servir à educação das classes dominantes e produzir uma visão de história nacional que pudesse ser lecionada e divulgada nas escolas (FONTANA, O ofício do historiador2 2004). Por sua extrema preocupação com essa questão de construir uma narrativa contando a história do país ou de uma determinada figura, esse modelo historiográfico ficou conhecido como “história narrativa” pelos seus críticos da geração dos Annales. Assim, o modelo da história narrativa seria “[...] o da organização do caos de eventos em uma Trama da qual, antes mesmo da pesquisa, o historiador já conhece o seu fim. Esta narrativa linear [...] tem como modelo a biografia unilinear e falsamente coerente, com início e fim” (BARROS, 2010, documento on-line). A bem da verdade, os annalíticos (como chamaremos daqui por diante os ligados à escola dos Annales) não foram os primeiros a criticar o modelo da Revue Historique, conforme veremos adiante. Comte, por exemplo, referia-se à história narrativa feita pelos metódicos como “[...] insignificantes detalhes estudados infantilmente pela curiosidade irracional de compiladores cegos de anedotas inúteis”, e defendia que fosse feita uma “História sem nomes” (BURKE, 1991, p. 20). Pesavam também críticas de Émile Durkheim e François Simiand de que os metódicos tinham uma abordagem de caráter excessivamente político, individual e cronoló- gico (BURKE, 1991). Em geral, o que fica patente em todas as críticas é o desinteresse por uma abordagem cronológica, personalista e nacionalista, que era a tônica dessa história narrativa feita pelo grupo da Revue Histori- que. Fazendo justiça aos metódicos, sua preocupação com os documentos e os arquivos foi de suma importância para estabelecer as primeiras bases do trabalho do historiador como cientista social e para fincar as primeiras metodologias científicas da historiografia. Porém, é inegável também que as críticas recém-mencionadas são válidas. Sob o argumento de se manter uma imparcialidade científica, os metódicos e historicistas construíam, em sua maioria, narrativas de origem que deixavam de lado grandes questões, privilegiando acima de tudo o fato e o personagem histórico em detrimento ao povo e outros segmentos. Contra isso, dois jovens historiadores franceses vieram com a proposta de realizar uma história que se assemelhasse a uma “psicologia social”, abarcando diversos aspectos da vida das pessoas. Além disso, seria uma abordagem inter- disciplinar, que estabelecesse diálogos com outros saberes, como a geografia e a psicologia, por exemplo. Com isso, teríamos uma História Total ou História Problema, numa clara tentativa de se desvincular do modelo vigente. Como o professor José D'Assunção Barros (2010, documento on-line) aponta: “[...] constituem a identidade dos Annales como um movimento: a interdisciplina- ridade, a problematização da história, e as novas proposições nas formas de conceber o Tempo”. No próprio número de estreia de sua revista (a Annales 3O ofício do historiador d’histoire économique et sociale, de 15 de janeiro de 1929), já era enfatizada a necessidade de intercâmbio entre historiadores e cientistas sociais (BURKE, 1991). Tal proposta ficou conhecida como histoire totale. Como aponta Barros (2010, documento on-line): Trata-se de reconstruir o vivido através de problemas e motivações da épo- ca do próprio historiador. Para além disto, trabalhar com um “problema” pressupõe o gesto de reconhecer e explicitar para os leitores os conceitos e fundamentos que estão por trás do problema e das escolhas historiográ- ficas, e não esconder estes conceitos dos olhos do leitor, para forjar o mito da neutralidade. Segundo essa nova perspectiva, o fato histórico deixa de ser visto como um dado já constituído, para ser encarado como uma construção do histo- riador, já que o trabalho do historiador passa a ser focado em um problema suscitado por ele próprio, a partir das motivações de sua época. Essa será a tônica dos Annales: o desenvolvimento de uma história obedecendo a tais moldes de problematização. O historiador passa a adotar uma perspectiva de Janus (deus grego de duas faces, uma olhando para o passado e outra olhando para o futuro), em que mira o passado para entender questões que o incomodam no presente. Assim, o historiador não mais se preocupa em construir narrativas de origem com viés patriótico, e passa a se debruçar em questões que despertam seu interesse no presente para ver como essas questões se desenvolveram no passado. Não há como descolar essa nova perspectiva da frase de Bloch: “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado” (BLOCH, 2001, p. 65). Daí a preocupação dele e de Braudel em olhar para o passado a partir dos problemas do presente, o que se tornou a tônica da revista Annales d’histoire économique et sociale em todas as gerações até hoje. Muda-se a metodologia, o foco, mas o norte da revista continua sendo o de olhar para o passado a partir de problemas do tempo presente. Tal revista foi (e ainda é) de suma importância para a sistematização da proposta de História Problema de Febvre e Bloch, que aconteceria basicamente quando “[...] os historiadores atribuem um sentido ao objeto e lhe direcionam questionamentos que oportunizam a inversão do que se pensa sobre ele, ex- pressando um produto inédito” (SANTOS; ANDRADE, 2015, documento on-line). Tal objeto deixou de ser as biografias de grandes figuras históricas e os fatos políticos de um país, para se voltar para sistemas de crenças, como visto, por exemplo, na obra Os reis taumaturgos, de Marc Bloch, ou em Martinho Lutero, um destino, de Lucien Febvre. O ofício do historiador4 A revista sofreu um duro baque quando, em 1944, Marc Bloch foi preso, torturado e assassinado pelo governo nazista. Era época da Segunda Guerra Mundial e a França se encontrava ocupada pelos nazistas desde 1940. Isso obrigou uma série de mudanças na revista, como a alteração de seu título para Mélanges d'histoire sociale a partir de 1942 (o que se manteve até 1944) e o afastamento de Bloch (que era judeu e fora vetado pelo governo nazista) do corpo editorial (FONTANA 2004). Mesmo após a morte de Bloch, Febvre continuou publicando a revista, que segue até hoje sendo publicada e se reinventando constantemente, sob título Annales. Histoire, Sciences sociales (Annales HSS). Para saber mais sobre as interações da abordagem de Febvre e Bloch com a psicologia, leia o artigo “A história psicológica de Lucien Febvre e Marc Bloch”, de Lucineide Demori Santos e Solange Ramos de Andrade, disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/eup3i 1960–1970: identificando as mudanças na história A década de 1960 é conhecida por importantes transformações. A guerra do Vietnã, a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, os protestos universitários na Sorbonne (França), o golpe militar no Brasil e o surgimento de diversas outras ditaduras militares com apoio americano na América Latina foram alguns acontecimentos que mudaram a face do planeta, alterando situações que se achavam imutáveis. No meio acadêmico, essas alterações tampouco passaram despercebidas e causaram grande alvoroço, inspirando diversas novas leituras acerca da realidade, mudando a forma de se fazer pesquisa histórica. Sobre os protestos de 1968, vale a pena dedicarmos um parágrafo à parte para compreendersua importância. Na França, esse movimento se originou a partir de protestos que ocorreram na Universidade de Paris Nanterre contra a divisão de dormitórios masculinos e femininos, além da articulação de vários movimentos de esquerda dentro do meio universitário. Em paralelo aos protestos franceses, ocorreram diversos outros movimentos ao redor do mundo: a mobilização da juventude tanto nos Estados Unidos quanto na 5O ofício do historiador Europa contra guerra americana no Vietnã, a revolta dos negros nos Estados Unidos, a luta armada na América Latina e na África, a Revolução Cultural na China (1966–1969), entre outros (THIOLLENT, 1998). Além disso, ocorreu a maior greve geral até então na Europa e diversas manifestações em Berkeley, Turim, Londres, Praga, México, entre outros lugares, as quais, nas palavras de Varella e Della Santa (2018, documento on-line) “[...] colocaram os ‘de baixo’ no epicentro do processo histórico”. Vale lembrar, como as outores destacam: O baby boom do pós-guerra e o impulso científico e tecnológico, [...] pari passu com as conquistas sociais do Estado Social, tinham aberto as universidades às classes trabalhadoras, [e] o número de estudantes no ensino superior tinha passado de 175 mil para mais de meio milhão em dez anos (entre 1958 e 1968) (VARELLA; DELLA SANTA, 2018, documento on-line). Essa combinação de aumento do número de estudantes universitários com o aumento do número de filhos da classe trabalhadora na universidade foi fundamental para dar origem a um protesto sem precedentes na história. Tais protestos representaram uma ruptura de grande relevância na história contemporânea dada a sua forma repentina e radical, mas de difícil mensu- ração no meio acadêmico. Esses movimentos representaram o que Fontana (2001, p. 381) chamou de “reviravolta cultural”, pois uma de suas principais características foi “[...] a negação da cultura estabelecida”. Em geral, esses movimentos serviram para abalar o estruturalismo presente no meio acadêmico e expandir as fronteiras da ciência histórica. Para o grupo dos annalíticos, a década de 1960 foi um momento de transição. Marcou o fim da era sob direção de Fernand Braudel e sua abordagem geo- -história de longa duração para uma nova geração. Com nomes importantes, como Pierre Nora e Jacques Le Goff, essa nova geração marca um período de internacionalização dos Annales e de flertes com a antropologia e a sociologia, além da ascensão daquilo que ficou conhecido como História das Mentalidades e uma abordagem que buscava olhar para pequenos casos a fim de entender como funcionavam grandes estruturas em realidades menores, conhecida com “micro-história”. Um bom exemplo é o livro Montaillou, povoado occitânico, 1294–1324, de Emmanuel Le Roy Ladurie (1997). Nessa obra, a partir da his- tória de um vilarejo na região da Occitânia (França), Ladurie (1997) combinou a análise histórica do detalhe com os estudos antropológicos, fazendo o que Burke (1991, p. 97) denominou como estudar “[...] o mundo através de um grão de areia”. Nas palavras do próprio Burke (1991, p. 96) sobre essa obra: O ofício do historiador6 A novidade de sua abordagem está em sua tentativa de escrever um estudo histórico de comunidade no sentido antropológico — não a história de uma aldeia particular, mas o retrato da aldeia escrita nas palavras dos próprios ha- bitantes, e o retrato de uma sociedade mais ampla, que os aldeãos representam. Não por acaso, é após esse movimento que surge a geração mais popular dos Annales, ganhando espaço até na grande mídia (BURKE, 1991; DOSSE, 2001). Uma nova esquerda nasce No outro lado do Canal da Mancha, um importante movimento nasce para renovar o pensamento dentro da historiografi a. Descontentes com a invasão de Praga e com a ortodoxia marxista no Partido Comunista, seus membros se desligam para fundar a New Left Review. Essa revista reuniu brilhantes historiadores e cientistas sociais, como Eric Hobsbawm, Stuart Hall, Edward Palmer Thompson e Christopher Hill. O grupo buscava entender a história da organização das classes populares, suas lutas e ideologias por meio da chamada “história social”. Para isso, tais estudiosos propuseram uma nova abordagem que revia alguns pilares da teoria marxista, repensando-a através de uma nova ótica sobre a cultura e dando protagonismo às classes operárias. Um bom exemplo disso é obra A formação da classe operária inglesa, de Edward Palmer Thompson (2012), publicada originalmente em 1963, que quebra com a ortodoxia marxista de que uma classe social existe por si só, propondo que ela existe somente quando se reconhece como tal e identifica seus adver- sários. Logo, ela passa por um processo de construção. Além disso, outros autores também saem em busca de uma nova ótica para analisar os fatos contemporâneos, como foi o caso de Eric Hobsbawm, em sua obra A era dos extremos. Para Hobsbawm (1995), o grande acontecimento definidor do século XX foi a Guerra Fria; por isso, seu início deve ser delimitado pela ascensão da Revolução Russa e seu fim pela queda da URSS. Stuart Hall (2005) também buscou entender a globalização sob novas óticas, principalmente como ela afeta a questão da identidade nas ex-colônias europeias, como podemos ver em obras como A identidade cultural na pós- -modernidade, em que ele resgata a questão identitária desde o Iluminismo para entender como funciona nessa era globalizante. Enfim, os trabalhos dessa escola até hoje são de grande relevância e são reconhecidos como obras que equilibram rigor científico e engajamento político com equanimidade poucas vezes apresentada. 7O ofício do historiador Conhecido por obras como O Mediterrâneo na época de Filipe II e Escritos sobre história, Fernand Braudel sucedeu Lucien Febvre no comando da revista Annales d’histoire économique et sociale em 1946, se mantendo até 1968. Tendo que lidar com críticas como a do antropólogo Claude Lévi-Strauss, que argumentava que a história era uma eterna prisioneira dos acontecimentos, o que a impossibilitava de compreender os princípios gerais da sociedade, Braudel (2016) propôs uma nova abordagem baseada na longa duração, o que ele chamava de tempo quase imóvel. Para conhecer melhor sobre a abordagem de Braudel, leia O Mediterrâneo na época de Filipe II, em que ele conta a história do Mar Mediterrâneo, ao invés da história do rei espanhol mencionado no título. Embora o tema central continue sendo o século XVI, o autor fez incursões em outros períodos históricos, desde a Antiguidade até o século XX. 1970: uma época de revisões e influências Com todas essas mudanças ocorrendo ao longo do tempo, a história vai adqui- rindo cada vez mais um caráter interdisciplinar. Vale ressaltar que desde fi ns dos anos, 1920 a história já fazia intercâmbios com outras ciências. Febvre, por exemplo, tinha grande infl uência da geografi a e Bloch tinha interesse por psicologia para tentar entender como as estruturas de crença funcionavam. O fi m dos anos 1960, com todas as mudanças que já abordamos, propiciou intercâmbios da história com áreas como sociologia, antropologia e economia. É importante destacar que a relação da história com a sociologia não era necessariamente amistosa. Comte e Durkheim já faziam críticas à história desde fins do século XIX. Tais críticas foram sistematizadas por Simiand e, de certa forma, acatadas por Febvre e Bloch, ao construírem sua proposta de História Total. Nos anos 1940 e 1950, a crítica viria com toda força da antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss, sendo rebatida pela proposta da longa duração de Braudel. As diversas alterações testemunhadas nos anos 1960 obrigaram aos histo- riadores a repensar o papel da cultura na sociedade. Num primeiro momento, a História das Mentalidades, desenvolvida por Nora, Le Goff e outros nomes da terceira geração dos Annales, tentou dar conta de como valores perpassavam diversos segmentos da sociedade em uma mesma época. Esse movimento tambémganhou o apelido de “viragem antropológica” (BURKE, 1991), dado o papel que esta ciência exerceu sobre as novas pesquisas então realizadas. O ofício do historiador8 Com o advento da História Cultural de Roger Chartier (que por vezes é considerada uma quarta geração dos Annales), acabou crescendo o intercâmbio não apenas com a antropologia, mas também com a literatura. Um dos grandes méritos desse novo modelo difundido por Chartier foi ter recuperado a veia narrativa/literária da história, mas sem abandonar o seu caráter científico. Vale lembrar que a Nova Esquerda do outro lado do Canal da Mancha também estava tentando pensar a cultura das classes subordinadas e como isso influen- ciava em sua mobilização, como e quais valores dessas classes se opunham aos dos estratos dominantes e como o colonialismo afetava a identidade dos povos diaspóricos. Nesse aspecto, Hall e Thompson foram magistrais. Para isso, foram buscar suporte para suas análises tanto na antropologia cultural quanto na sociologia da Escola de Chicago (grupo de pensadores surgido na Universidade de Chicago na década de 1920, cuja preocupação ia além da busca por explicações, interessando-se em encontrar soluções para os problemas da sociedade, como criminalidade, exclusão social, etc.). Todas as edições publicadas dos Annales d’histoire économique et sociale desde o número um, em francês, podem ser encontradas no link a seguir. https://qrgo.page.link/1M5sz Sendo assim, se pudéssemos resumir essa história pós-anos 1960, pode- ríamos dizer que se trata de uma disciplina calcada mais ainda no diálogo com outras ciências sociais (em especial a antropologia, no caso francês, e a sociologia, no caso inglês). Além disso, é uma história que reflete constan- temente sobre seu papel e sua relação com o seu objeto de pesquisa: o ser humano no seu tempo. Nessa reflexão acerca da relação com o seu objeto, uma preocupação constante nessas abordagens que surgiram em ambos os lados do Canal da Mancha foi um olhar para os segmentos populares. Lembremos que a história romântica, o historicismo alemão e a história metódica francesa eram basicamente histórias produzidas por vencedores. Bloch e Febvre começaram a identificar isso em trabalhos como, por exemplo, Os reis taumaturgos, em que Bloch analisa como a crença do poder de cura dos reis na França contri- 9O ofício do historiador buía para a manutenção de seu poder na Idade Média. As obras dessa época, porém, ainda tinham as classes dominantes como foco principal. A partir dessa virada pós-1968, tanto historiadores como antropólogos e sociólogos vão buscar colocar o povo, ou melhor, os segmentos subalternos da sociedade, como protagonistas históricos, numa perspectiva que ficou conhecida como “a história dos vencidos” ou “a história vista de baixo”. Um bom exemplo de como funcionou essa “viragem antropológica” é o livro A invenção do cotidiano, de Michel de Certeau (Figura 2a). Essa obra, que teve muita influência no pensamento da terceira geração, examina as maneiras como as pessoas individualizam a cultura de massa, alterando coisas desde objetos utilitários até planejamentos urbanos, rituais, leis e linguagem, de forma a apropriá-los. Outro livro importante para entender essas novas formas de abordagem é Costumes em comum, de Edward Palmer Thompson (Figura 2b). Sobre esta obra, vale a pena um comentário sobre o capítulo “A economia moral”. Nele, o autor analisa uma série de protestos contra o aumento no preço do trigo na Inglaterra e como esses atos eram guiados por uma moral que diferia totalmente daquela das classes dominantes (para se ter uma ideia, muitas vezes os carregamentos de trigo eram cercados, o preço negociado e, mesmo se não se chegasse a um acordo, a mercadoria era levada e os manifestantes pagavam o preço que consideravam justo). Figura 2. Capas de edições brasileiras de Michel de Certeau e E. P. Thompson. Fonte: Certeau (2014); Thompson (1998). O ofício do historiador10 ANNALES1. [20--?]. 1 imagem. Altura: 380 pixels. Largura: 336 pixels. Formato: JPG. Disponível em: http://1.bp.blogspot.com/-jyx9hgO2qX8/TdUfC4JHLfI/ AAAAAAAAAKo/6NBG6wcsPxU/s1600/annales1-1.jpg. Acesso em: 23 set. 2019. BARROS, D’A. A escola dos Annales e a crítica ao historicismo e ao positivismo. Revista Territórios e Fronteiras, v. 3, n. 1, p. 75-102, 2010. 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Acesso em: 23 set. 2019. 11O ofício do historiador DICA DO PROFESSOR Além da Escola dos Annales, outra importante escola histórica do século XX foi a New Left Review, responsável por dar um novo ânimo à teoria marxista. Esta escola histórica foi extremamente importante por revelar toda uma geração de historiadores ingleses que traziam um novo olhar sobre os grupos subalternos. Nesta Dica do Professor, você entenderá um pouco mais da New Left Review, a sua importância, as origens dos membros fundadores e algumas disputas internas. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Em 1906, François Simiand sistematizou em seu livro Método histórico e ciência social várias críticas à História que já vinham desde fins do século XIX. Basicamente, eram uma crítica ao personalismo (preocupação com grandes nomes) e à busca pelas origens dentro dos trabalhos produzidos pelos historiadores da época. Como a proposta de História Total de Febvre e Bloch servia como resposta a essas críticas? A) Estabelecendo uma História vista de baixo, analisando o perfil e a ideias das classes subalternas, travando fortes diálogos com a antropologia, a sociologia e outras ciências sociais, e também adaptando as metodologias dessas ciências à abordagem da História. B) Preocupando-se, por exemplo, com grandes estruturas de crença e fazendo uma História que privilegiava mais o funcionamento da sociedade do que se preocupava com biografias ou grandes fatos, tentando fazer uma espécie de Psicologia Social. Buscando uma abordagem que privilegiasse análises de grande duração e um diálogocom a geografia, a economia e a estatística, em uma concepção de tempo quase imóvel, tentando adaptar uma análise estrutural à pesquisa histórica como forma de identificar C) estruturas atemporais. D) Uma abordagem tentando analisar pequenos casos e as suas relações com contextos maiores, em uma abordagem que privilegiasse o diálogo com a literatura e a antropologia, tentando, assim, estabelecer uma relação entre contextos macro e micro. E) Uma abordagem que resgatasse o caráter de narrativa/literatura da História, mas sem perder o rigor científico, estabelecendo diálogos com a semiótica e a antropologia, porém admitindo os limites da História em construir uma narrativa científica de acordo com a documentação da época disponível. 2) Ao assumir o comando dos Annales, em 1946, Fernand Braudel veio com uma nova proposta de se analisar a História a partir de grandes intervalos de tempo e estabelecendo diálogos com a geografia, a estatística e a economia. Um bom exemplo é a sua obra O Mediterrâneo e o mundo na época de Filipe II, na qual ele quebra com paradigmas construindo uma história sobre o mar Mediterrâneo focada no século XVI, mas fazendo conexões até com o século XX. Essa nova abordagem foi uma resposta às críticas de Lévi-Strauss que diziam: A) que a História era prisioneira de três ídolos: a origem, a biografia e a nação, e por isso as suas análises eram limitadas e pouco científicas. B) que a sua análise não dava conta de compreender as classes subalternas da sociedade. C) que ela não dava conta de grandes estruturas de crença e valores, que serviam como elemento de organização da sociedade. D) que suas análises só serviam para educar as classes dominantes e propagandear sentimentos nacionalistas. E) que a História era "prisioneira do acontecimento", sendo, por isso, impossível de se conhecer grandes leis que explicassem o funcionamento da sociedade. 3) As manifestações de maio de 1968 representaram um grande impacto na História e nas ciências sociais. A união entre universitários e trabalhadores na França e as diversas manifestações no planeta sinalizaram uma virada de paradigma para a História. Esses acontecimentos demonstraram uma necessidade de: A) uma história narrativa acrítica, de caráter mais literário e que seja voltada para exaltar os grandes mitos da nação e os grandes fatos históricos, pensando na mobilização dos cidadãos do país. B) os historiadores se apropriarem da antropologia e outras ciências sociais para compreender como funcionava a perspectiva e os valores das classes subalternas. C) uma História voltada para a análise de grandes períodos de tempo, focada na estatística e geografia, tentando estabelecer grandes leis que expliquem o funcionamento da sociedade. D) uma História que desse conta de criar um sentimento de nacionalidade em países divididos, mas que tivesse uma abordagem científica valorizando o documento e prezando pelo rigor metodológico, vasculhando os arquivos. E) uma História politicamente engajada que buscasse dar conta das diversas estratégias de luta das classes subalternas ao longo do tempo e dar protagonismo a esses grupos. 4) A década de 1960 também foi famosa em revelar para o mundo os pensadores da New Left Review. Formada por importantes intelectuais de esquerda da Inglaterra e com uma proposta de também ter um olhar diferenciado para as classes populares, a New Left Review nasceu de um acontecimento traumático quando esses intelectuais se desligaram do Partido Comunista inglês e se uniram para criar a revista. Qual foi esse acontecimento? A) O bombardeio nazista na cidade de Londres. B) A ocupação da França durante a Segunda Guerra e o governo colaboracionista de Vichy. C) A invasão de Praga pela URSS. D) Os protestos de maio de 1968. E) A eleição da liberal Margaret Thatcher para o cargo de primeira ministra. 5) Apesar de o tocante à questão do engajamento político e da influência da teoria marxista serem diametralmente diferentes, a historiografia da Nova Esquerda Inglesa e da Nova História da Terceira Geração dos Annales tinha uma importância. Além de cronologicamente contemporâneas, as duas correntes eram: A) a busca da compreensão das classes subalternas, ainda que por meio e razões diferentes. B) a busca por uma História nacionalista e científica que buscasse valorizar os documentos escritos, grandes fatos históricos e grandes nomes da História. C) a busca por uma história de longa duração tentando dar conta de descobrir grandes estruturas que funcionam por eras. D) a busca por uma História que resgata o papel de narrativa/literatura da História, mas sem perder o rigor científico. E) a busca por uma História que relacione realidades "micro" (pequenas aldeias, vilarejos) com estruturas "macro" (Estado, Igreja, festas, etc.), tentando entender como funciona toda uma teia de valores e crenças. NA PRÁTICA Uma das abordagens que ganhou muita fama neste contexto pós-1968 foi a dos grupos tradicionalmente marginalizados na sociedade, ao invés de fazer uma História de Grandes Homens, como era o caso da Escola Metódica. Um dos grandes problemas de se fazer esse tipo de História é encontrar documentação produzida pelos próprios vencidos. Na Prática, você conhecerá mais a respeito da escritora Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra e favelada do início do século XX, cuja a obra constitui um raro exemplo de corpus documental produzido por segmentos subalternos da sociedade. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Braudel e o tempo Para entender melhor como era a concepção de tempo para Fernand Braudel e as críticas feitas por Lévi-Strauss, veja este vídeo do canal Leitura Obrigahistória. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Compreendendo os Annales Assista ao vídeo do canal Leitura Obrigahistória para compreender melhor sobre a relevância da Escola dos Annales. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Apresentação – “A História é uma recolha de experiências” Para ter uma ideia do painel geral da historiografia, acesse este artigo de Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli e veja como há várias maneiras de se fazer história. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Stuart Hall e a fundação da New Left Review Para saber direto de um de seus fundadores como se deu a fundação da New Left Review, veja este artigo, de Stuart Hall, traduzido na revista da USP. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! O conceito de história APRESENTAÇÃO A história pode ser melhor compreendida enquanto disciplina científica a partir do seu desenvolvimento ao longo do tempo. As primeiras tentativas no sentido de uma virada científica ocorreram no início do século XIX. No entanto, esses primeiros passos, embora tivessem avançado nas questões metodológicas, ao exigir maior rigor no trato das fontes, eram insuficientes em termos de filosofias ou teorias da história. E não é possível para o historiador exercer a sua tarefa sem refletir sobre a natureza dela e elaborar hipóteses sobre os seus objetos de estudo. Contudo, após esses primeiros momentos, deu-se início uma evolução contínua nos estudos historiográficos que, ao longo dos séculos XIX e XX, com as escolas positivista e marxista, ganhou densidade tanto em termos metodológicos quanto teóricos e sobre os novos problemas de pesquisa que se apresentaram. A partir da década de 1960 ocorre uma nova guinada no campo histórico com a ascensão da terceira geração da Escola dos Annales, que investiu em novos objetos de estudo. Uma das grandes conquistas da história, enquanto ciência, foi determinar a importância do contexto histórico, de maneira que o historiador não incorra em anacronismos. Junto com o estudo dos fatos e da cultura dos povos, deve-se considerar as condições materiais e a organização dosgrupos por épocas históricas. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer o contexto em que a história passa a se tornar uma ciência e, os seus fundamentos, as principais características de três grandes escolas históricas: a positivista, a marxista e a chamada Nova História. Por fim, você poderá reconhecer a importância do contexto histórico para a compreensão dos fatos estudados. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Apontar os fundamentos da história como ciência.• Descrever as correntes historiográficas do Positivismo, Marxismo e Nova História.• Reconhecer a importância do contexto histórico para a análise dos fatos. • DESAFIO Atualmente, no âmbito da história, são muito vivos os debates acerca dos fundamentos científicos dessa. De um lado, historiadores vinculados às correntes pós-modernas defendem que a história não pode ser considerada uma ciência. Em outra via, historiadores que são partidários da história científica argumentam que esta tem teorias próprias e metodologias científicas. Outros historiadores tentam ajustar um meio termo, afirmando que a história é sim uma ciência, porém uma ciência de tipo peculiar. Você, como historiador, está participando de um congresso. Baseado nesta situação, responda: a) Quais argumentos você utilizaria para comprovar o seu ponto de vista, caso você precisasse defender a história ciência? b) Quais argumentos você utilizaria para comprovar o seu ponto de vista, caso você precisasse defender a não cientificidade da história? INFOGRÁFICO O desenvolvimento da história como ciência foi um longo processo iniciado no início do século XIX. De lá para cá, grandes escolas históricas surgiram, influenciando gerações de historiadores e permitindo a construção de trabalhos históricos dos mais diversificados. Dessas escolas, três se destacam, principalmente: a positivista, a marxista e a chamada de Nova História. O positivismo, como doutrina influente no século XIX, teve papel importante na formação da história enquanto ciência. Praticamente contemporâneos a ela, os trabalhos de Karl Marx foram os responsáveis pela formação de uma escola histórica própria, muito influente no século XX. Por fim, a Nova História diferenciando-se das duas anteriores em seus métodos e temas, também exerce influência até hoje nos meios acadêmicos da história. Veja, no Infográfico, informações sobre essas três grandes escolas históricas. CONTEÚDO DO LIVRO A discussão sobre se a história é uma ciência, ou não, é algo que precisa ser confrontado pelos historiadores como parte de seu trabalho. Desde o início do século XIX, quando pela primeira vez esse debate surgiu – e mais que um debate, uma imposição dos tempos sobre o fazer histórico – o tema continua sendo pautado nas discussões a respeito do ofício do historiador. A importância desse diálogo reside no fato de que é fundamental para o profissional da história refletir sobre a sua prática. Indo além: determinar os fundamentos científicos da história é essencial para que a produção do conhecimento histórico seja racionalizada. Em meio a diversas tendências historiográficas, o historiador deve buscar incessantemente conhecê-las, compreender os seus métodos, dominar as suas teorias e filosofias, enfim, apreender a história como ciência. Afinal, montando esse instrumental metodológico e esse arcabouço teórico, o historiador terá muito mais capacidade em compreender os diversos contextos históricos a fim de evitar o “pecado” do anacronismo. No capítulo, O conceito de história, da obraTeoria da História e Historiografia, você encontrará uma discussão sobre os fundamentos da história e a sua cientificidade, bem como as características de três grandes escolas históricas: positivista, marxista e a Nova História. Você também irá aprender a importância do contexto histórico e dos conceitos para o trabalho do historiador. Boa leitura. TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA Eduardo Pacheco Freitas O conceito de história Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Apontar os fundamentos da história como ciência. Descrever as correntes historiográficas do positivismo, marxismo e nova história. Reconhecer a importância do contexto histórico para a análise dos fatos. Introdução Definir se a história é ou não é uma ciência faz parte de um debate aparentemente eterno dentro do campo da história. Nenhum historiador poderá ficar indiferente a esta discussão, devendo confrontar o pro- blema mais cedo ou mais tarde. A importância de realizar essa reflexão é que, a partir dela, o trabalho do historiador pode ganhar contornos mais precisos, auxiliando sua tarefa como produtor de conhecimento histórico. Em um ramo do conhecimento que possui tantas tendências relevantes e diversos paradigmas, conhecê-los e estar apto a fazer sua crítica é outra característica essencial para um bom historiador. Ademais, o domínio dos conceitos e a sua correta aplicação para evitar o erro do anacronismo são fundamentais para o correto desenvolvimento de um trabalho histórico. Neste capítulo, você vai conhecer a discussão sobre a cientificidade da história e quais os principais fundamentos da história como ciência. Além disso, vai aprender sobre as principais correntes historiográficas surgidas a partir do século XIX. Por fim, você vai refletir sobre a impor- tância do contexto histórico e do uso dos conceitos para a análise dos fatos históricos. Afinal, a história é uma ciência? Em seus estudos, você descobrirá que até hoje existem historiadores que debatem se seu ramo do conhecimento humano se trata de uma ciência ou não. Essa discussão envolve sobretudo o questionamento das possibilidades de se conhecer objetivamente o passado. Isso signifi ca que, de uma certa perspectiva, o uso de teorias e métodos permite que a história seja uma ciência; sob outra ótica, pode-se dizer que a escrita da história é apenas um discurso autorreferente. Nesta primeira seção, você conhecerá as características de ambas as correntes, bem como historiadores que representam cada uma delas. Além disso, você conhecerá os fundamentos da história enquanto ciência. Os primórdios da história científica A história, como ramo independente do conhecimento humano, existe desde a Antiguidade. Os gregos foram os primeiros a produzir trabalhos envol- vendo a sua própria história e a de outros povos. Nesse sentido, Heródoto de Halicarnasso (séc. V a.C.) frequentemente é tido como o “pai” da história. Sua obra mais conhecida, Histórias, traz relatos de suas viagens e conversas com habitantes de lugares distantes, possibilitando ao autor discorrer sobre costumes tanto de gregos quanto de outros povos. Contudo, esse tipo de fazer historiográfi co carecia de métodos precisos e de um instrumental teórico. Portanto, não se tratava ainda de uma história científi ca. A história científica irá surgir somente na virada do século XVIII para o século XIX, momento em que a ciência como um todo passa a avançar con- sideravelmente em pouco tempo. Na história científica, que aparece após a Revolução Francesa, exige-se rigor no trato das fontes, cuja autenticidade deve ser verificada, e a teoria passa a ocupar papel fundamental para a interpretação dos acontecimentos do passado narrado pelo historiador, agora profissiona- lizado. Portanto, foi somente nos últimos 200 anos que os pesquisadores da história buscaram traçar fronteiras mais nítidas entre o discurso narrativo histórico e a narrativa literária ou poética. De acordo com Moscateli (2005, documento on-line): “[...] o século XIX assistiu ao esforço dos historiadores para institucionalizar sua área de estudos por meio de uma ruptura da história em relação à arte e à filosofia”. O nome mais importante na institucionalização da história como ciência foi o do alemão Leopold von Ranke (1797–1886). Assim como
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