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Desenho Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Miguel Luiz Ambrizzi Revisão Textual: Prof. Ms. Claudio Brites Estratégias e Técnicas de Observação e Criação • Composição e Espaço – O Positivo e o Negativo • Representação de Estruturas e Volumes: Os Sólidos Geométricos (Cubos, Esferas, Prismas e Cilindros) • A luz como elemento de modelagem para a representação dos volumes – escala de valores • Perspectivas, Sistemas de Profundidade e Subversão da Perspectiva • Construção e Desconstrução · Abordaremos conceitos sobre estratégias e técnicas de observação, criação, composição e espaço – o positivo e o negativo; representação de estruturas e volumes – os sólidos geométricos (cubos, esferas, prismas e cilindros); a luz como elemento de modelagem para a representação dos volumes – escala de valores; perspectivas, sistemas de profundidade e subversão da perspectiva. · O principal objetivo aqui é observar aspectos da composição no desenho, assim como um dos elementos compositivos – a perspectiva, que altera conceitos fundamentais no desenho e no olhar –, além de estabelecer a forma geométrica na representação da imagem, de maneira incisiva. OBJETIVO DE APRENDIZADO Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Contextualização Para iniciarmos, propomos que você assista ao vídeo: A perspectiva na arte (Publicado em 4 de jun. de 2013, La reinterpretación del cánon clásico: la perspectiva y la proporción en el Renacimiento), no qual há um breve panorama com os principais aspectos relacionados ao conteúdo desta Unidade. https://youtu.be/2bAmW57IZzY Ex pl or A perspectiva e o pensamento racional, aliados à geometria, são temas centrais analisados, propondo um olhar para a mudança de interesse no desenho e, portanto, em outras compreensões na representação da imagem. A questão do ponto de vista também se constitui um fator de mudança no comportamento do artista e do espectador, feito que será o tema central durante séculos desde seu surgimento como interesse na estrutura do desenho. 8 9 Composição e Espaço – O Positivo e o Negativo Primeiramente, ao desenhar, tente dar ao olhar uma indicação da intenção e invenção feitas antes em sua imaginação; em seguida, prossiga retirando e adicionando até ficar satisfeito; deixe modelos vestidos ou desnudos se posicionarem da maneira em que você colocaria a obra; e certifique-se de que eles correspondam em medida e escala à perspectiva, de modo que nada haja na obra que não esteja de acordo com a razão e os efeitos naturais (LEONARDO DA VINCI apud FREUD, 1910). Geralmente, a composição de imagens se desenvolve junto ao processo criativo do artista, sua percepção em relação aos materiais utilizados e seus procedimentos para manipulá-los, a dinâmica constante que se estabelece entre o artista, seu processo criativo e seu tempo. Ao longo do tempo, é possível observar a criação de diversos instrumentos como: espelhos, lentes, entre outros. Com esses objetos e o conhecimento sobre suas finalidades, surgem descobertas de como e para quê utilizá-los, o que inclui o desenho diante da compreensão desses sistemas, além da finalidade a que o desenho se propõe nesse período, no qual surgem essas possibilidades representativas aliadas à imagem. Sem deixar de lado a experiência visual como fator de conhecimento e identificação do olho humano com o mundo sensível, podemos observar (de acordo com diferentes referências e materiais) alguns recursos que possibilitaram a representação experimental do desenho, com esboços e desenhos preparatórios para a produção de imagens, por meio de recursos perceptivos (realizados de acordo com o entendimento da percepção do olhar e da compreensão desse uso na representação da perspectiva), o que possibilitou obter imagens com maior rapidez e certo rigor na precisão – como as câmeras escuras, utilizadas desde o Renascimento. Com o advento do Renascimento, o comportamento para uma pesquisa racional e científica, o desenvolvimento e o aprimoramento do desenho da perspectiva e a relação do artista e “o ponto de vista” como importância indissociável na realização do desenho surgiram, além de uma profunda observação às imagens e modelos a serem representados, recursos óticos que tornaram essa compreensão e fazer um dos meios facilitadores para a realização do desenho a partir do olhar e do entendimento da observação por meio desses recursos. 9 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 1 – Método de Dürer, que utiliza de um vidro quadriculado como plano secante da pirâmide visual Fonte: Wikimedia Commons Além da câmera escura (considerada por Descartes compatível com o olho humano em seus aspectos de observação), diversos métodos eram utilizados para a preparação de desenhos, como, por exemplo: o vidro quadriculado registrado por Dürer, no qual se estabelecia, a partir da observação das linhas delimitadas pelo campo quadriculado e pelo ponto de referência que dirigia o olhar, o traçado do objeto/figura a ser desenhado, ou mesmo com método semelhante. Figura 2 – Albrecht Dürer. Desenhador realizando um retrato com o método do vidro, xilogravura, c.1525. Florença, Gabinetto Disegni e Stampe degli Uffizi Fonte: Wikimedia Commons Figura 3 – Albrecht Dürer. Dispositivo de Keser/Dürer, xilogravura, c.1525. Florença, Gabinetto Disegni e Stampe degli Uffizi Fonte: Wikimedia Commons 10 11 Todos eles baseados na compreensão do olhar em relação à perspectiva e seus fundamentos, inspirados pelo espírito científico sobre a melhor maneira de representá-la, tendo, entre os objetivos da representação, os ideais de proporção, vistos com grande importância na produção de desenhos, e a compreensão dos princípios matemáticos geométricos existentes na perspectiva – além do olhar apurado e atento aos indicativos desses recursos. Por esse motivo, pode-se dizer que esses recursos eram úteis aos aprendizes junto aos seus mestres, pois traziam noções interpretativas, descritivas da obser- vação, exemplificadas na apreensão desse processo entre o fazer e o próprio desenho realizado.Figura 4 – Xilogravura do Século 16 de Albrecht Dürer. Método mecânico para a reprodução de um desenho em perspectiva exata. As cordas que partem dos olhos do espectador para o alaúde correspondem aos raios de luz refl etidos por eles Fonte: Wikimedia Commons Figura 5 – Distanciômetro de Baldassarre Lanci com seção semicilíndrica com reprodução do desenho de Cristina de Lorena. Florença, Istituto e Museo di Storia della Scienza Fonte: Wikimedia Commons Se, por um lado, na Itália, iniciou-se essa sistematização da perspectiva, é na Grécia antiga, antes desse processo, que vemos as percepções da imagem em movimento serem observadas a partir das possibilidades de projeção (o que gerou mais tarde o pensamento e as concepções para a câmera obscura e seus desdobramentos), momento em que se prenuncia, também, de certa forma, a ideia da projeção da imagem em movimento, o que séculos depois viria a ser conhecido como cinema. A história amplamente difundida descreve a observação de Aristóteles em um dia de eclipse parcial. Em cima de uma árvore, prestava atenção à projeção que acontecia do Sol e observou que, quando os raios reluzentes passaram por entre as folhas, a imagem ocasionada pelo eclipse em meia lua precipitava-se no chão, o que o fez observar tanto a projeção quanto as relações que geraram esse fenômeno, pelo qual se passava os raios de luz da imagem, projetando-a com nitidez. Mais tarde, Bruneleschi experimenta as questões relativas à perspectiva aplica- das ao desenho e vê o mesmo fenômeno a partir de um pequeno furo na pare- de. Projetado em um ambiente escuro, observou a projeção da imagem externa 11 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação provocada pelo fenômeno da luz dentro desse ambiente que, rebatido, projeta seus raios, mostrando a imagem invertida. Há aí o princípio para o entendimento da fotografia que, por volta do século XIX, interfere radicalmente na compreensão para produção e criação de imagens. Vale ressaltar que a compreensão proporcionada pelos sistemas óticos foi amplamente utilizada por diferentes áreas do conhecimento, além do desenho. Figura 6 – Câmera obscura Fonte: Wikimedia Commons A câmera escura (descrita por Giovanni Baptista della Porta – 1558) com o mesmo princípio levantado nas observações de Aristóteles e Bruneleschi foi pro- jetada para fazer esse esboço da imagem com mais rapidez, buscando o desenho linear, e ganhou um design com características portáteis ao longo do tempo. Embora houvesse diferentes modelos, todos compostos por uma caixa com interior escuro, o objetivo dela era rebater a imagem que se queria desenhar no suporte, permitindo sua projeção de forma translúcida, porém nítida o suficiente para um desenho claro do que se via. Após esse primeiro esboço, a imagem poderia ganhar outras nuances e rigor de detalhes da cena representada. Figura 7 – Canaletto, Reprodução de 4 desenhos representando Campo de São João e São Paulo, obtido com uma câmera escura, Veneza, Gallerie dell’Accademia Fonte: Wikimedia Commons 12 13 Figura 8 – Modelos de câmera escura Fonte: Wikimedia Commons Assistir ao fi lme Moça com Brinco de Pérola, que retrata uma história fi ctícia de como o pintor holandês Johannes Vermeer teria reproduzido seu famoso quadro de mesmo nome, conhecido como a “Monalisa holandesa”. O fi lme retrata uma família europeia do século XVII/XVIII e, em uma das cenas, mostra-se o pintor produzindo um desenho por meio da câmera escura. Ex pl or Com a expansão do uso desde a sua criação e domínio de seu meio nos séculos seguintes, foram acrescentadas lentes, entre outros detalhes, para maior acuidade na captação da imagem e realização do desenho linear e, no século XIX, a ideia da câmera escura, que já poderia ser considerada o protótipo da fotografia, passa a ser utilizada com esse princípio. Partindo do pressuposto das diferen- tes formas e estratégias de se desenhar até aqui apresentadas, podemos perce- ber que as imagens são vistas de forma “positiva”, ou seja, a projeção ou o for- mato que se vê resultam em uma aproxi- mação da cena representada, o que fazia do desenho realizado praticamente uma “cópia” do que era observado e a ima- gem produzida se arranjava de forma di- reta das linhas e formas. Figura 9 – Câmera escura do século XVIII Fonte: Wikimedia Commons 13 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 10 – G. Brander. 1769. Desenhando com o auxílio de uma câmera escura Fonte: G. Brander, 1769 Figura 11 – Exemplo do funcionamento de uma projeção que resulta em uma perspectiva (o ponto O indica o observador.) Fonte: Wikimedia Commons Figura 12 – Uma gravura de 1830 de uma câmera lúcida sendo usada Fonte: Wikimedia Commons Figura 13 – Câmera Lúcida em uso Fonte: Wikimedia Commons A câmera clara ou câmera lúcida também foi um instrumento na utilização do desenho. Apresentava-se útil no contorno dos objetos, pois a imagem era refletida comumente em um prisma, batendo a imagem em espelhos que se direcionavam ao suporte no qual era desenhado. A imagem se apresentava de forma nítida e diferente da câmera escura; não era necessário um invólucro para obter a imagem. Ex pl or Nesse sentido, se partirmos do pressuposto de que o desenho pode ser captado por meio de recursos como as câmeras, temos a fotografia (ou no “desenho da luz”, em seu significado) mais precisamente exemplificada com a fotografia analógica, na qual a entrada da luz pelo diafragma, ao atingir com uma determinada abertura e velocidade o filme ou papel fotossensível (no caso da fotografia digital, a imagem é captada pela incidência de luz e registrada por outro processo, por meio de sensores), obtêm-se o registro dessa luz que, no primeiro momento, é a imagem captada e fixada no suporte sensibilizado para tal. 14 15 Dessa forma, onde a imagem já está fixada no filme ou suporte sensível, ela se apresenta como ‘negativo’ do que foi captado e, após procedimentos químicos, a imagem revela-se, trazendo seus aspectos observados inicialmente, evidenciando o “desenho sutil”. Com o desenvolvimento e a invenção da fotografia, entre outros interesses no campo das Artes, esses sistemas de produção de desenhos por meio desses instrumentos deixam de ser utilizados. Por outro lado, o artista plástico David Hockney, nos anos 1990, inicia uma pesquisa dedicada à investigação de como os grandes artistas do passado conseguiram atingir tamanho grau de sofisticação nas representações por eles realizadas, o que gerou uma pesquisa com esses sistemas de percepção e produção de desenhos, revisitando os vários instrumentos utilizados pelos grandes mestres. Sugestão de Leitura: HOCKNEY, David. O Conhecimento Secreto: redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres. São Paulo: Cosac Naif, 1991.Ex pl or Nos estudos da linguagem visual, o positivo e negativo são aspectos fundamentais na criação de formas, pois imaginamos que elas existem em relação a um fundo, um espaço, que pode ser o plano do papel ou mesmo o espaço real, no caso de uma escultura. É na relação entre a figura e o fundo que temos a definição de forma: a forma positiva é a figura, a forma negativa é o fundo. Importante! Os conteúdos acerca das relações entre fi gura e fundo serão aprofundados na disciplina Linguagem Visual. Importante! A percepção de figura e fundo está condicionada por nosso instinto de colocar ordem e significado nas informações visuais. Quando olhamos para uma imagem, tendemos a finalizar uma conclusão sobre o significado, e ignoramos as outras possibilidades. É difícil perceber as outras imagens, treinar o olho a perceber depois da primeira impressão é um desenvolvimento crucial na alfabetização visual. Figura 14 – Exemplo de positivo e negativo 15 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação O que você vê nesta imagem? São taças e cálices pretos? Ou são várias faces humanas em perfil? Ou seriam as duas coisas? Somos condicionados a uma percepçãodas imagens identificando o aspecto positivo, ou seja, a figura, geralmente trabalhada em tons e cores escuras sobre um fundo claro. Por esse fato, nossa primeira impressão dessa imagem, provavelmente, seja na identificação de objetos negros sobre um fundo branco. Ex pl or Vejamos agora exemplos de desenhos feitos a partir de uma composição em natureza-morta com objetos. Observe as duas possibilidades de resultados visuais, o positivo feito com desenho de contornos e o negativo realçando o fundo. Figura 15 – Exemplo de desenhos em positivo e negativo a partir de uma natureza-morta Fonte: HARRISON, 1994 Sobre a concepção dos espaços positivos e negativos no desenho, Philip Hallawell ressalta: É difícil manter-se concentrado na observação de espaços negativos e em elementos sem significado abstrato. Quando tentamos desenhar o espaço negativo, sentimos, de início, uma certa rebelião inconsciente ou irritação e impaciência. Esta reação é uma manifestação do lado esquerdo do cérebro, que não encontra meios de decifrar tal tarefa. Somente com a insistência consciente do desenhista é que o lado direito do cérebro terá condições de controlar e resolver o exercício (1994, p. 33). Quando representamos um objeto linearmente, estamos utilizando linhas para determinar os limites entre os espaços negativos e positivos. Essas linhas são conhecidas como arestas. Podemos entender o desenho do círculo de diversas maneiras: pode estar representando uma esfera, um disco no espaço ou um buraco numa área sólida; não há informação suficiente para determinar qual é o caso. Figura 16 – Desenho de esfera e cone com luz e sombra Fonte: Acervo do Conteudista 16 17 Como podemos ver na imagem acima, a maneira como foi graficamente tratado o círculo e o triângulo ao trabalhar com luz e sombra, definiu uma forma bidimensional (largura e altura) em tridimensional (largura, altura e profundidade). A seguir, veremos como a luz e sombra somadas ao uso de linhas na criação de planos são fundamentais na representação de estruturas e volumes. Representação de Estruturas e Volumes: Os Sólidos Geométricos (Cubos, Esferas, Prismas e Cilindros) Os sólidos geométricos são representações tridimensionais com caráter mate- mático e basicamente demonstrados a partir de formas como cubos, esferas, pris- mas, cilindros, entre outros. Sabemos que as composições renascentistas, por exemplo, tinham como intenção estruturar suas imagens buscando qualidades como a racionalidade, simetria, equilíbrio, baseados em um ideal de beleza da Antiguidade Clássica. Essa inspiração buscava, na preparação de desenhos, esquemas geométricos que estruturavam a imagem representada, geralmente localizando a figura em uma composição triangular, enfatizando essas qualidades estéticas no desenho. Dessa forma, a concepção da representação geométrica também envolveu o conhecimento da representação figurativa, e o êxito da geometria e da ótica são responsáveis para o entendimento quando se pretende projetar objetos em profundidade – sem contar o próprio desenho arquitetônico, muito apoiado nesse conhecimento, próprio de sua natureza como projeto e representação. A representação de estruturas e volumes no desenho se dá pela configuração de linhas que definem os planos, definindo o objeto representado, o qual dá a ilusão de um objeto tridimensional. A seguir, vemos a representação simples de formas e de sólidos geométricos: quadrado – cubo; triângulo – cone; retângulo – cilindro; triângulo – prisma. É possível vermos como as linhas da base de sólidos como o cone e o cilindro são curvas, e como essa simples mudança altera a percepção do sólido. Ainda podemos perceber que há linhas cheias e pontilhadas: a primeira representa a face visível do objeto a partir desse ponto de vista; a segunda representa as linhas ocultas, projeta a forma tridimensional do objeto, identificando o volume que possui, mas que não se pode enxergar, considerando o referencial do olhar em relação ao objeto. 17 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 17 – Sólidos geométricos Fonte: Wikimedia Commons Após termos o conhecimento de como essas linhas definem a representação de sólidos, veremos como a luz e as sombras irão trabalhar na modelagem dos volumes. A luz como elemento de modelagem para a representação dos volumes – escala de valores [...] somos treinados para confiar mais no conhecimento que no sentido da visão, a tal ponto que é preciso explicação dos ingênuos e dos artistas para nos fazer entender o que vemos (ARNHEIM, 1986, p. 294). A luz se configura na história da arte de maneira muito particular, afinal, a luz interfere fundamentalmente no que vemos e como vemos. Na representação, ela pode ser percebida pela incidência natural, produzida pelo Sol, ou pela iluminação artificial. Ao produzir uma determinada iluminação, dependendo de quem emite essa luz, seja o Sol ou uma chama de vela, a luz pode se comportar de forma mais ou menos intensa, assim como os objetos que a “recebem” podem absorver e refletir mais ou menos luz, dependendo de sua qualidade reflexiva. Também há a percepção do observador nesse contexto, que diante de uma situação na qual há luzes e sombras, por exemplo, captará com seus sentidos tais relações entre claro, escuro e volumes da sua forma. Mas como representar, por exemplo, uma escala de valores? A escala de valores pode ser cromática (por meio de um matiz de cores) ou acromática (branco e preto), e isso já denota um determinado comportamento na percepção ótica. Quando observamos um determinado objeto, tendo como exemplo uma escala acromática, nota-se que a luz pode ser mais intensa em uma extremidade do que na outra. Isso se dá pela refração da luz, que incide mais em um lugar da superfície do que em outro, permitindo que esses valores aconteçam e fazendo com que percebamos sombras, luzes e tonalidades, ou seja, a partir de contrastes que, em uma escala tonal, ocorrerão de maneira gradual. 18 19 Figura 18 – Escala tonal As imagens acima representam a escala tonal em duas formas: com os tons divididos e com os tons suavemente mesclados em degrade mais sutil. Ao observarmos o desenho de Rembrandt, abaixo, notamos que ele desenhou utilizando alguns tons para localizar a figura e o espaço no qual foi representada. Todo o “espaço de luz” sugere que a modelo estava diante de sua observação e em um espaço mais iluminado; portanto, aparece com mais luz, enquanto os tons mais escuros das sombras ajudam a perceber que o espaço encoberto pela modelo desenhada é representado pelas sombras, indicando a figura e o fundo na composição. Embora o exemplo não seja exatamente a aplicação sutil da escala tonal, é possível ter uma ideia, por meio do desenho de Rembrandt, das possibilidades de composição da imagem a partir da compreensão de como esses valores acontecem, não apenas no seu exemplo, mas também na observação dedicada para a representação da imagem. Figura 19 – Rembrandt Harmenszoon van Rijn, Nude Woman Seated on a Stool, 1654-56 Fonte: Wikimedia Commons 19 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação A combinação do sombreado com a linha amplia a gama de possibilidades para desenhar. O estudo da luz e da sombra permite ao desenhista aproximar-se mais ainda dos elementos que conferem realismo ao desenho. Estabelecer os valores tonais é registrar o desenvolvimento dos tons de um objeto, esclarecer e comparar os tons e matizes, decidindo quais são mais escuros e quais mais claros. Portanto, essa operação parte do estabelecimento, no modelo, de uma gama de grisês suficientemente completa para que o desenho adquira corpo, volume e atmosfera. Ao fazermos o desenho de qualquer objeto, é preciso contemplá-lo como um conjunto de manchas mais ou menos intensas, de acordo com a incidência da luz sobre as diferentes zonas. O êxito do estabelecimento de valores no desenho não é obtido por meio de contrastes duros entre zonas de luze sombra, mas por meio de valores progressivos, com suaves transições entre um sombreado e outro (ROIG, 2007, p. 127) A luz pode ser empregada no desenho de diferentes formas. Comumente, quando o desenho é feito sobre um suporte branco, as áreas de luminosidade são definidas pela ausência ou pela menor quantidade de aplicação do material sobre o suporte. Porém, o giz ou o lápis branco podem ser usados para realçar a luminosidade, geralmente em suportes de diferentes tonalidades de creme ou até de diferentes cores. Um realce não é mais do que um acréscimo de uma tonalidade muito mais luminosa do que o papel e do que os outros meios utilizados. O contraste é mais forte e o desenho adquire um novo interesse, conforme podemos ver nas imagens abaixo. Figura 20 – Desenho com luz e sombra Fonte: Acervo do Conteudista Figura 21 – Vicenç Badalona Ballestar, Desenho feito com carvão e realces com giz branco Fonte: CERVER, 2005 20 21 Importante! A luz, em suas diversas intenções na representação, pode ser utilizada como em uma observação direta de uma imagem, mas pode funcionar como um elemento com outros interesses – seja para enaltecer uma fi gura representada, seja para reforçar elementos de cena em uma determinada composição. Importante! Podemos ainda aplicar efeitos de luz com o uso da borracha em trabalhos com o grafite e o carvão. Para além da função de corrigir erros, ela serve para desenhar em negativo, ou seja, para traçar sobre uma superfície manchada e criar linhas ou manchas brancas ou da cor do papel. O trabalho com a borracha pode ser feito em pequenos detalhes de reflexos de luz ou em toda a construção do desenho na técnica chamada maneira negra. Figura 22 – Vicenç Badalona Ballestar, Desenho feito com grafi te e realces de luz com a borracha Fonte: CERVER, 2005 Figura 23 – Desenho feito na técnica maneira negra Fonte: HARRISON, 1994 Figura 24 – Desenho feito na técnica da maneira negra Fonte: Acervo do Conteudista 21 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação A técnica da maneira negra consiste em cobrir o papel com carvão e esfumaçá-lo com um pedaço de algodão para produzir uma área cinza homogênea. Em seguida, sobre esse fundo cinza, é feito um rascunho com tons mais escuros, produzindo guias das áreas de realce a serem puxadas para fora. Com o uso de uma borracha ou um apagador de massa, o artista trabalha as principais áreas de luz do desenho, usando a lateral do apagador para traços maiores e os cantos para os detalhes mais finos. Aos poucos, num processo de adição de carvão e de subtração com os apagadores, o artista vai modelando o desenho, criando áreas de realce e finalizando. Essa técnica favorece desenhos arrojados e dramáticos, produzindo efeitos pictóricos com os realces de luz que se assemelham a pinceladas. Ex pl or Perspectivas, Sistemas de Profundidade e Subversão da Perspectiva Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? [...] É janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento (...) Ó admirável necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo? (LEONARDO DA VINCI apud CHAUÍ, 1988, p. 81). O uso da perspectiva como representação na história da Arte trouxe uma nova estética e conceito para a representação do ambiente tridimensional no suporte bidimensional, tanto na esfera representativa quanto conceitual. O seu domínio possibilitou outro panorama em sua utilização, tanto de forma prática – para as questões nas quais seu entendimento é fundamental para a descrição visual de algo aproximado à compreensão da visão humana –, quanto no campo relacionado aos estudos das representações visuais e das artes. Se considerarmos essa uma entre outras definições da perspectiva1 e olharmos rapidamente para a história da Arte, veremos que no antigo Egito – dada às devidas proporções no que se refere ao conceito empregado às imagens –, observamos que já havia um prenúncio da perspectiva, pelo menos no que se refere ao início da perspectiva que conhecemos hoje. Não a perspectiva matematicamente racionalizada e sistematizada do Renascimento, mas sim uma sugestão representada 1 Arte de figurar, no desenho ou pintura, as diversas distâncias e proporção que têm entre si os objetos vistos a distância. 2 Fís Parte da óptica que ensina a representar sobre um plano os objetos com todas as modificações aparentes, ou com os diversos aspectos que a sua posição determina com relação à figura e à luz. 3 Pintura que representa jardins ou edificações em distância. 4 Desenho ou pintura que representa os objetos tais como se apresentam à nossa vista. 5 Panorama. 6 Aparência, miragem. 7 Esperança ou receio de uma coisa provável, mas ainda afastada. 8 Modo de ver baseado em dados conhecidos. Var: perspectiva. P. aérea: a) a que o pintor consegue graduando as cores; b) aspecto de uma paisagem, como se apresenta vista do avião. P. axométrica: projeção ortogonal de um objeto sobre um plano oblíquo às três direções e desigualmente inclinado sobre elas. P. cavalheira: a que tem por fim dar uma representação nítida dos objetos. P. cônica: V perspectiva linear. P. especulativa: a que se destina a representar certos objetos, segundo as diversas posições do respectivo observador. P. isométrica: projeção ortogonal de um objeto sobre um plano igualmente inclinado sobre as três direções. P. linear: a que dita regras para a direção e dimensão das linhas. P. prática: a que ensina a representar os objetos com a forma que apresentam à nossa vista. P. sentimental: a que se pratica mais de ideia do que segundo regras fixas. Em perspectiva: esperado, no futuro. Fonte: <https://goo.gl/VFnLud>. 22 23 pela dimensão da proporção entre a imagem do faraó e os outros elementos representados ao lado de sua figura, o que conferia especialmente uma posição hierárquica de maior importância ou destaque em relação à imagem representada. Figura 25 – Tumba de Sarenput Fonte: Wikimedia Commons Olhar para as primeiras manifestações na tentativa de representação tridimen- sional no espaço bidimensional é importante para entender essa mudança de olhar e comportamento para outras relações com a imagem e a própria postura do ob- servador nesse espaço. Esse processo, inicialmente, configurou-se numa perspectiva com características mais planificadas e, no decorrer do tempo, com os estudos empregados às suas correções e aperfeiçoamentos, foi ganhando as formas que conhecemos. Como já vimos, isso se deu essencialmente com o advento do Renascimento, quando o “renascer” das ideias da Antiguidade Clássica tomaram proporções e dimensões elevadas, em um período de aproximadamente quatrocentos anos de produção estética. Figura 26 – Fra Angelico, A Anunciação, 1437 Fonte: Wikimedia Commons 23 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 27 – Pietro Perugino, Cristo entregando as chaves a São Pedro. 1481-1482 Fonte: Wikimedia Commons Figura 28 – Giovanni Battista Piranesi, Vila de Maecenas em Tivoli, 1745 Fonte: Wikimedia Commons A partir dessas obras de Perugino e Piranesi, podemos compreender as leis da perspectiva, seus elementos constituintes e os processos de construção das imagens. A perspectiva, além de ser uma das fórmulas mais utilizadas, é uma das mais eficientes para representar a profundidade – basta escolher de antemão o ponto de vista e o enquadramento que possibilite reproduzir o efeito de distanciamento. Mas, na prática, como funciona a perspectiva? Quando iniciamos um desenho de paisagem ou objeto, devemos localizar a linha do horizonte, uma linha imaginária no plano horizontal que passa exatamente na altura de nossos olhos. A posição do horizonte dependerá do enquadramento e nos servirá de referência ao longo de todo o trabalho. O objeto representado sofrerá alterações de proporção e visão de acordo com a sua posição perante o nosso olhar.A perspectiva é alterada de acordo com o ponto de vista de quem está a ver, como, por exemplo, alguém que esteja sentado e outro em pé. Se você estava sentado tinha uma visão; se você se levantou, modificou o horizonte, o ponto de fuga e a direção das linhas paralelas. 24 25 Figura 29 – Desenho de cubo com perspectiva paralela Fonte: Acervo do Conteudista A teoria da perspectiva linear baseia-se, principalmente, na percepção da progressiva diminuição visual dos objetos, na medida em que se distanciam do olhar. Quando linhas paralelas se afastam do olhar, a distância entre elas diminui progressivamente, até que se encontram num ponto. Esse ponto é conhecido como o ponto de fuga. Observou-se também que o pondo de fuga, de linhas paralelas no mesmo plano do olhar, sempre é situado na linha do horizonte. Observe a imagem abaixo e veja a simples diferença no desenho de uma casa, comumente desenhada, com uma casa feita com o uso da perspectiva paralela, com somente um ponto de fuga. Há uma melhor ilusão de profundidade e volume, devido à distorção de uma das laterais da casa, a qual vai diminuindo. Figura 30 – Desenho de uma casa simples e outra com o uso da perspectiva paralela Fonte: Acervo do Conteudista Lembre de quando você esteve numa estrada ou rodovia. A largura da pista não foi estrei- tando e as linhas laterais não se encontravam lá na frente? Os postes que são colocados ao lado da rodovia, em intervalos, também não diminuem em tamanho? Os dois lados convergem no horizonte, mas, na verdade, essas linhas nunca se encontram, elas o fazem em termos visuais, sendo o desenho o testemunho do que vemos. Ex pl or O afresco de Pietro Perugino demonstra a utilização do esquema em perspectiva com um ponto de fuga central localizado na linha do horizonte, situada um pouco acima da metade da altura do quadro. 25 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 31 – Localização da linha do horizonte (LH), do ponto de fuga central e das linhas guias para o desenho do piso. Observe como as linhas paralelas vão diminuindo a distância entre si e como as linhas verticais do piso vão se aproximando até se encontrarem no ponto de fuga (PF) Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Como as linhas paralelas parecem se aproximar cada vez mais até se juntarem, sabemos que os elementos vão ficando menores quanto mais distantes e também modificam a tonalidade das cores dos elementos, indo das cores mais vivas, nos que estão em primeiro plano, e clareando aos poucos à medida que vão se distanciando. A obra de Piranesi também é elaborada com um ponto de fuga, mas em diagonal. Figura 32 – Linhas do horizonte, ponto de fuga e linhas guia na obra de Piranesi Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons A perspectiva paralela ou de um ponto de fuga é a mais simples que existe. Utilizamos quando representamos um objeto que apresenta um lado vertical que nos seja praticamente frontal. As linhas das faces laterais convergem para um único ponto de fuga. Na vista frontal, as linhas verticais e horizontais são paralelas. Para encontrar na prática o ponto de fuga, basta traçar a olho o prolongamento das linhas das faces laterais – conforme vimos na imagem de Piranesi. 26 27 Mas a perspectiva pode ser ainda mais complexa, pois muitas vezes existe mais de um ponto de fuga, dependendo do ângulo da visão. Se nós estivermos, por exemplo, numa esquina, olhando de frente para o canto da casa, teremos os dois planos (as duas laterais) partindo de nós, portanto as linhas desenhadas através das partes superior e inferior irão se encontrar em pontos de fuga diferentes. Numa cidade antiga, as casas podem estar arranjadas em ângulos diferentes das outras e os resultados serão diferentes pontos de fuga. A perspectiva com dois pontos de fuga é chamada de perspectiva oblíqua e caracteriza-se por apresentar a ilusão de maior profundidade que a perspectiva paralela. Figura 33 – Desenho de cubos com perspectiva oblíqua. Observe como cada um dos cubos está localizado no nível da linha do horizonte, acima e abaixo. Veja como essas posições alteram a nossa percepção: no que está acima da linha do horizonte, é possível vermos a sua base; e do que está abaixo da linha do horizonte, podemos ver seu topo. Fonte: Acervo do Conteudista Tomemos como exemplo os trabalhos de Piranesi e Hondius. É possível verifi- carmos como a perspectiva oblíqua foi utilizada na representação de um ambiente interno e externo, tanto na representação arquitetônica quanto do mobiliário. Figura 34 – Exemplo de perspectiva oblíqua: Desenho de Piranesi com a identifi cação dos dois pontos de fuga (PF1 e PF2) na linha do horizonte Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons 27 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 35 – Gravura de Henricus Hondius, séc. XVII – perspectiva oblíqua Fonte: Wikimedia Commons Por fim, temos a perspectiva aérea, a qual é constituída por três pontos de fuga. Nela, dois pontos de fuga se situam na linha do horizonte e o terceiro se situa na vertical, perpendicular à linha do horizonte. Há três séries de linhas, cada uma delas convergindo para seu correspondente ponto de fuga. A característica peculiar desse tipo de perspectiva é que não há linhas paralelas, todas sofrem distorção. Figura 36 – Perspectiva com três pontos de fuga Fonte: Acervo do Conteudista 28 29 Na pintura de Van Eyck, o espelho ao fundo contém um processo de perspectiva curvilínea. A perspectiva curvilínea, indicada pela representação ao fundo do espelho na parede, pode ser vista como mais um sistema de profundidade. A composição da representação no centro superior da imagem nos leva intencionalmente a olhar esse aspecto do quadro, reforçado pelas duas pessoas representadas e a curvatura entre elas, que ressalta o fundo da imagem. Figura 37 – Jan Van Eyck, O Retrato de Giovanni Arnolfi ni e sua esposa, 1434 Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Veja o vídeo Pinceladas de Arte – Jan Van Eyck – O Casal Arnolfi ni e o vídeo Coleção História Geral da Arte – Jan Van Eyck no Youtube. O vídeo analisa a obra, comentando aspectos históricos e teóricos, revelando a simbologia presente no quadro e como o espelho nos permite uma outra visão sobre o mesmo: https://youtu.be/n_uI-ZpgzUo https://youtu.be/N6gy5QL8IFc Ex pl or A perspectiva trouxe ao plano bidimensional a aplicação de um procedimento para a realização de uma representação ótica, uma espécie de simulacro mais aproximado do que real, e como o olhar consegue captar do mundo sensível, representando-o. Com isso, deu-se o entendimento da representação da profundidade espacial, o desenho de planos, a aplicação de escalas mais próximas à indicação do referencial de ponto de vista, ou de fuga. Voltando a alguns aspectos históricos, importa ressaltar que foi o teórico Leon Battista Alberti (1404-1472) quem realizou uma descrição formal sobre a perspectiva, sistematizando procedimentos e fornecendo aos seus contemporâneos o estudo e o aprimoramento da perspectiva por meio de sua ação reflexivo-teórica. Os desenhos assumem nos projetos da época todo o pensamento de quem iria executá-los, materializando-os, comunicando as ideias e o raciocínio espacial contido nelas. 29 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 38 – Leon Battista Alberti, Projeto do ponto de vista da Adoração dos Magos Fonte: Wikimedia Commons Figura 39 – Andrea Mantegna, A lamentação sobre Cristo morto, 1490 Fonte: Wikimedia Commons Com os experimentos sugeridos pelo uso de lentes, impulsionados pelo uso dos recursos óticos para desenho, vemos o prenúncio da aplicação da anamorfose, ainda em caráter pontual, como elemento constituinte da composição. Já vemos no caráter inquietante de Leonardo da Vinci essa representação que, mais adiante, na contemporaneidade, é retomada com interesse acentuado. Figura 40 – Leonardo Da Vinci, Anamorfose Fonte: Leonardo Da Vinci, 1485 30 31 Anamorfose é um efeito de perspectiva cuja imagemrepresentada é compre- endida a partir de um único ponto de vista. Se o observador se colocar em qual- quer outra posição, a imagem ficará deformada e praticamente incompreensível. Como na imagem de Da Vinci, acima, por exemplo: vista de frente, é deformada e, portanto, não temos uma perfeita visão. Figura 41 – Edgar Müeller, The Crevasse, 2008 Fonte: Edgar Müeller, 2008 Você já viu fotografi as na internet daqueles trabalhos de pintura nas ruas e calçadas que nos dão a impressão de que há um buraco ou uma piscina? Esses trabalhos utilizam a técnica da anamorfose. Para saber mais, assista ao vídeo The Crevasse – Making of 3D Street Art: https://youtu.be/3SNYtd0Ayt0 Visite também os sites dos artistas: Edgar Mueller: https://goo.gl/4dkIIv Julian Beever: https://goo.gl/frIRlu Nesses sites, você poderá conhecer o processo de trabalho e ver fotos feitas por outros ângulos, mostrando como a técnica funciona. Ex pl or Com o Barroco, há um grande domínio na representação da perspectiva, levan- do-a ao extremo, fazendo com que a sensação espacial também atue fortemente na percepção emocional. O desenho da perspectiva aqui não está apenas demonstrado como um aspecto compositivo de equilíbrio, como no Renascimento, decodificado pelo olhar, ele compõe, com sensação de acentuado movimento e cores, uma perspectiva ascendente, “vertiginosa”, “em direção às alturas”, localizando o observador em outra perspectiva diante dessa imagem. Ou seja, de acordo com o uso e composição na perspectiva, é possível se relacionar com diferentes aspectos emocionais. 31 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 42 – Pietro da Cortona, O triunfo da Divina Providência, 1633-1639. Afresco em teto do Palazzo Barberini, Roma Fonte: Wikimedia Commons Figura 43 – Andrea Pozzo, Apoteose de Santo Inácio. Teto da Igreja de Santo Inácio de Loyola, Roma Fonte: Wikimedia Commons Desde a sua sistematização, a representação da perspectiva segue como um fundamento essencial na preparação de imagens, nas quais será recorrente e essencialmente importante até por volta do século XIX. As convenções mantidas até então se diluem com a arte moderna na qual, no Impressionismo, além de outros aspectos formais, altera-se fortemente a compreensão da perspectiva como apresentada no Renascimento, dando lugar, por exemplo, à luz e sua representação como maior interesse, além do abandono sistemático da representação ilusória da concepção do espaço pontuado na perspectiva renascentista. É possível observar nas pinceladas o desenho da figura e do fundo mesclando- se, alterando a representação do espaço e a composição de maneira geral ligada às sensações visuais, deixando mais difusa, nesse exemplo, a marcação de linhas e planos, embora a sua presença ainda se faça na representação. Muitas dessas pinturas trabalham somente com a perspectiva tonal, cujos tons mais claros são utilizados em elementos que ficam mais distantes dentro da composição. Ou ainda podemos observar o recurso da diminuição dos elementos como estratégia de ilusão de profundidade, como vemos na pintura de Gauguin. 32 33 Figura 44 – Claude Monet. Impressão, Amanhecer, 1872-1873 Fonte: Wikimedia Commons Figura 45 – Paul Cézanne, Monte Santa Vitória, 1888-90 Fonte: Wikimedia Commons Figura 46 – Paul Gauguin. O Cristo Amarelo, 1889 Fonte: Wikimedia Commons Na produção contemporânea, citamos o trabalho do artista brasileiro Carlito Carvalhosa, o qual trabalha e enquadra uma simples estrutura quadriculada de me- tal e vidro, mostrando a distorção da inclinação da luz e o jogo de sombras pro- jetadas sobre uma claraboia. Seu interesse poético resulta em obras que buscam explorar como a luz transforma o espaço expositivo e quais são as possibilidades de confronto entre a luz e a arquitetura do local. Já no trabalho de Regina da Silveira, temos a técnica da anamorfose, onde a artista parte do desenho baseado no plano geométrico/matemático e produz a distorção da forma, levando-a ao extremo. 33 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Figura 47 – Regina Silveira, In Absentia M.D., 1983 Fonte: reginasilveira.com Nessas obras, Regina Silveira trabalha com a projeção distorcida da sombra de objetos ausentes, sendo esses objetos obras readymades de Duchamp. De acordo com as palavras da artista, A perspectiva seria a descoberta das aparências do mundo através daquilo que poderia ser uma visão científica da realidade. Desde o momento em que ela foi inventada, porém, já criou sua contraposição, sua situação de hipótese questionável. Ou seja: até que ponto a perspectiva não é também uma construção artificial? Que olhar é esse que equaciona e resolve tudo através apenas de duas coordenadas? A perspectiva é uma convenção tão arbitrária quanto todas as outras (apud MORAES, 1998, p. 96). Em outros trabalhos seus feitos em desenhos e gravuras, Regina cria ima- gens anamórficas que demonstram ser a perspectiva um meio convencio- nal de representação, enraizado cul- turalmente, que, além de criar repre- sentações consideradas como a “visão correta” e realista, serviram para a artista se apoiar na credibilidade des- ses códigos projetivos para inventar aparências distorcidas: “[...] Recorri não só à perspectiva, mas também a soluções topográficas perspectivadas, de modo a poder livremente esticar, comprimir e dobrar os contornos dos objetos” (SILVEIRA, 1980, p. 11). Figura 48 – Regina Silveira, Escada Inexplicável II, 1997 Fonte: Itaú Cultural Na obra Escada Inexplicável II, pode-se observar a imagem de uma escada achatada, bidimensional, ocupando um canto do espaço expositivo, são três planos, nos quais, a imagem da escada provoca uma armadilha visual vertiginosa. 34 35 Para se aprofundar sobre a obra de Regina da Silveira, indicamos a dissertação de mestrado de Lígia Luciene Rodrigues, intitulada A perspectiva no trabalho de Regina Silveira: uma investigação sobre a utilização da perspectiva na arte contemporânea, realizada no Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Essa dissertação está disponível para download gratuito no link: https://goo.gl/RA5Eew Assista também a série de vídeos sobre as obras da artista nos seguintes links do Youtube: https://youtu.be/1oQmg6LB8W8 Série de entrevistas sobre a ocupação realizada no Itaú Cultural: https://youtu.be/AvHc5BkT7yA Ex pl or Até o presente momento, conhecemos ferramentas de representação de objetos e de paisagens urbanas e naturais, como o uso da luz e sombra e das leis da perspectiva. Através de exemplos históricos, podemos verificar como essas estratégias foram bem aplicadas em trabalhos que buscavam uma aproximação à realidade, representando-a com o uso de materiais como o grafite, o nanquim, o giz pastel e até a tinta a óleo. No entanto, essas técnicas e leis não são uma norma e, portanto, podem ser subvertidas. Vimos como essa subversão se deu com seu início na arte moderna e posteriormente com o trabalho da brasileira Regina Silveira, que usa o alto conhecimento da perspectiva para trabalhá-la em outros contextos, buscando jogar com a ilusão e a percepção do espectador. Tanto a luz e sombra quanto a perspectiva podem ser exploradas de outras formas. O desenho deve ser livre para expressar as ideias e intenções do artista, cujo interesse foi ampliando na contemporaneidade. Veremos, a seguir, exemplos de desconstrução no desenho e na pintura, ou seja, formas distintas e em processo inverso do que vimos até o momento. Construção e Desconstrução O processo criativo enriquece espiritualmente tanto o indivíduo que cria, como também o indivíduo que recebe a criação e a recria para si (OSTROWER, 1978) Devemos lembrar-nos de que um quadro – antes de ser um quadro de batalha, uma mulher nua ou uma anedota – é essencialmente uma superfície plana coberta de cores reunidas em certa ordem. (DENIS, Pintor moderno) A criatividade, o processo de criaçãoe a busca pelo desenvolvimento de uma poética na arte são muito singulares, por isso a importância de conhecê-los em seus mais diferentes níveis. Cada artista possui, em suas criações, aspectos muito 35 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação particulares nas relações com o mundo sensível e seus aspectos subjetivos. Isso implica diretamente nas imagens que podem ser produzidas. A partir da arte moderna, o desenho, entre outras linguagens, passa a ter uma mudança no foco de investigação. A arte fala da arte e, com isso, a superfí- cie, as texturas, as cores e a materialidade passam a se tornar o próprio assunto da arte. O tema inspirador deixa de ser representado de forma naturalista e pas- sa a ser apenas um ponto de partida para investigações, do qual os elementos visuais se relacionassem de formas diferenciadas, sugerindo sensações visuais significativas e inquietantes. Ao olhar para as produções completas dos artistas, temos, no primeiro momento, uma ideia que sugere que seus processos criativos foram absolutamente lineares, sem conflitos, pesquisas ou descobertas; observando melhor, percebemos que as descobertas de tentativa e erro diante de uma escolha indicam o porquê de um determinado percurso escolhido em suas criações. Tomando como exemplo um dos processos criativos de Mondrian, podemos observar algumas imagens que exemplificam o percurso de seu olhar na busca pelo que considerou o essencial na imagem, partindo de uma observação figurativa, sin- tetizando, em suas experimentações, o essencial da forma, que, entre outras coisas, considerava a abstração geométrica a síntese em suas intenções representativas. Figura 49 – Piet Mondrian, Árvore Vermelha, 1908 Fonte: Wikimedia Commons Figura 50 – Piet Mondrian, Árvore Cinzenta, 1911 Fonte: Wikimedia Commons Figura 51 – Piet Mondrian, Árvore Horizontal, 1911 Fonte: Wikimedia Commons Figura 52 – Piet Mondrian, Macieira em Flor, 1912 Fonte: Wikimedia Commons 36 37 Pesquise o processo completo de criação a partir da observação de árvores de Mondrian. Verifi que como o artista foi realizando um processo de sintetização da forma e como, aos poucos, o artista foi caminhando para a abstração. Ex pl or Embora o processo criativo de Mondrian seja trabalhado na pintura, seu raciocínio está na percepção da forma e na investigação acerca das linhas que vão da sua organicidade, passando pela sintetização em linhas curvas até chegar, futuramente, em linhas verticais e horizontais em suas pinturas, definindo a marca desse artista. Semelhante a esse processo também podemos citar os estudos dos touros de Picasso, cuja expressividade gestual da mancha e da luz e sombra vai sendo, aos poucos, trabalhada em um processo de síntese e limpeza da linha, revelando a essência do animal representado, dentro da estética do cubismo. Figura 53 – Pablo Picasso, Bull, 1945 Fonte: Wikimedia Commons Ana Angélica Albano Moreira ao analisar essa série irá ressaltar: “Observando a série de touros de Picasso podemos perceber, que se o desenho IX lembra o traço de uma criança, porém o seu processo para chegar a este traço só foi possível a partir das estruturas mentais de um adulto” (2005, p. 39). 37 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Moreira cita Jean Celestin, artesão e litógrafo, que trabalhava com Picasso. Celestin afirmou: “Ele terminou onde devia começar. Mas Picasso procurava o seu touro. E para chegar ao touro de um único traço passou por todos aqueles touros. E quando se vê esse traço único não se pode imaginar o trabalho que o artista teve” (apud MOREIRA, 2005, p. 39). Inspirado por Picasso, Roy Lichtenstein também fez um processo semelhante de desconstrução da imagem do touro, porém, em sua linguagem específica, a Pop Arte, claramente influenciada pela estética das produções de histórias em quadrinhos. Figura 54 – Roy Lichtenstein, Série Touro em Perfil, 1973 Fonte: nga.gov Para ver detalhes dessa série de Roy Lichtenstein, veja o vídeo disponível no site do Centro Pompidou: https://goo.gl/ENJMiP Ex pl or No entanto, diferentemente de Picasso, Roy irá caminhar para a abstração. Se estivéssemos a ver somente o último trabalho, certamente não associaríamos a imagem a um touro, porém, dentro do contexto do processo, colocada juntamente com os outros estudos, podemos identificar alguma relação. Esses exemplos são importantes para compreendermos que muitos artistas não iniciaram suas produções já com a linguagem abstrata, mas foi um processo que, provavelmente, levou anos de investigação. Assim como no desenho cego, em que o procedimento do método sugere um exercício perceptivo, os exemplos pontuais dos percursos criativos de Mondrian, Picasso e Roy Lichtenstein podem ser bons exercícios para entendermos processos criativos, tendo em vista exercícios como construção e desconstrução na arte. A partir da decupagem do processo de produção da forma, entende-se o processo criativo com base na esquematização, subtração e transformação dos elementos gráficos em que é possível perceber a complexidade de criação e seus desdobramentos. 38 39 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Enciclopédia Itaú Cultural https://goo.gl/AJlUH5 Thesaurus de Acervos Científicos em Língua Portuguesa https://goo.gl/b5xi08 Livros Laboratório do Mundo Ideias e saberes do século XVIII. Catálogo de exposição (Pinacoteca). Imprensa Oficial, 2004. O livro Laboratório do Mundo, ideias e saberes do século XVIII apresenta uma coleção de diversos instrumentos utilizados pelo homem de forma experimental, incluindo sistemas óticos de representação da imagem. O Conhecimento Secreto HOCKNEY, David. O conhecimento secreto. São Paulo: Cosacnaify, 2002. Este livro descreve o percurso realizado pelo artista David Hockney que, inspirado pelos grandes mestres em seus usos com lentes e espelhos, pesquisa em seus processos de criação artística os mesmos procedimentos realizados para a realização das grandes obras de arte, incluindo aqueles produzidos por meio de recursos óticos. Arte e Percepção Visual ARNHEIN, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora: nova versão. 3.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1986. O Olhar CHAUÍ, M. Janela da alma, espelho do mundo. In: NOVAES, A. (Org.). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.31. Técnicas de Desenho e Pintura HARRISON, Hazel. Técnicas de Desenho e Pintura: um curso completo de técnicas criativas e práticas. Erechim – RS: Edelbra, 1994. Regina Silveira MORAES, Angélica de (org.). Regina Silveira: Cartografias da Sombra. São Paulo: Edusp, 1998. Espaço do Desenho MOREIRA, Ana Angélica Albano. Espaço do desenho – a educação do educador. São Paulo: Edições Loyola, 2005. 39 UNIDADE Estratégias e Técnicas de Observação e Criação Livros A Perspectiva no Trabalho de Regina Silveira RODRIGUES, Lígia Luciene. A perspectiva no trabalho de Regina Silveira: uma investigação sobre a utilização da perspectiva na arte contemporânea Campinas, SP: [s.n.], 2008. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. Fundamentos do Desenho Artístico ROIG, Gabriel Martín. Fundamentos do Desenho Artístico. Barcelona: Parramón, 2007. Fundamentos Del Diseño SCOTT GILLAM, Robert. Fundamentos Del Diseño. Buenos Aires: Editorial Victor Leru S. A., 1980. Anamorfas SILVEIRA, Regina. Anamorfas. São Paulo: ECA USP, 1980. Dissertação de Mestrado. Manual Prático do Artista SMITH, R. Manual Prático do Artista. Porto: Civilização, 2006. Vidas dos Artistas VASARI, Giorgio. Vidas dos Artistas. São Paul: Martins Fontes, 2011. Leitura A Ciência Visual de Leonardo da Vinci: Notas para uma Interpretação de seus Estudos Anatômicos https://goo.gl/n0fHX5 40 41 Referências DERDYK, E. Desegno. Desenho. Designio São Paulo: SENAC, 2008. VILASALO, P.; J. M. A Perspectiva na Arte. Lisboa: Presença, 1998. SIMBLET, S. Desenho: uma FormaPrática e Inovadora para Desenhar o Mundo que nos Rodeia. São Paulo: Ambientes & Costumes, 2011. EDWARDS, B. Desenhando Com o Lado Direito do Cérebro. 7.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. HOCKNEY, D. O Conhecimento Secreto – Redescobrindo as Técnicas Perdidas dos Grandes Mestres. São Paulo: Cosace Naify, 2001. WONG, W. Princípios de Forma e Desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. DWORECKI, S. M. Em Busca do Traço Perdido. São Paulo: Scipione, 1999. SMITH, R. Manual Prático do Artista. Porto: Civilização, 2006. 41
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