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Proporcionalidade e Argumentação (1)

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Proporcionalidade e Argumentação 1
Henrique Ribeiro Cardoso2
Proporcionalidade e Argumentação 3
PROPORCIONALIDADE
E
ARGUMENTAÇÃO
A Teoria de Robert Alexy
e seus pressupostos filosóficos
Henrique Ribeiro Cardoso4
Visite nossos sites na Internet
www.jurua.com.br e
www.editorialjurua.com
e-mail: editora@jurua.com.br
ISBN: 978-85-362-
Av. Munhoz da Rocha, 143 – Juvevê – Fone: (41) 3352-3900
Fax: (41) 3252-1311 – CEP: 80.030-475 – Curitiba – Paraná – Brasil
Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco
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Curitiba: Juruá, 2009.
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Proporcionalidade e Argumentação 5
Henrique Ribeiro Cardoso
Professor de Hermenêutica e Filosofia do Direito da Universidade
Federal de Sergipe (UFS). Doutor e Mestre em Direito, Estado e
Cidadania – Universidade Gama Filho (UGF). Especialista em
Direito Constitucional Processual (FAPESE/UFS). Promotor
de Justiça da Fazenda Pública em Sergipe (MPSE)
PROPORCIONALIDADE
E
ARGUMENTAÇÃO
A Teoria de Robert Alexy
e seus pressupostos filosóficos
Curitiba
Juruá Editora
2009
Henrique Ribeiro Cardoso6
Proporcionalidade e Argumentação 7
Aos meus amados filhos Clarinha e Dudu, razão
dos esforços de uma vida, recompensa em forma
de carinho, de amor, de alegria e de felicidade.
Henrique Ribeiro Cardoso8
Proporcionalidade e Argumentação 9
AGRADECIMENTOS
A elaboração da obra que apresento ao público não seria
possível sem a contribuição de pessoas presentes em diversas fases
da vida profissional e acadêmica. Agradeço primeiramente aos
meus pais, pelo incentivo ao estudo, desde tenra idade, e por esta-
rem sempre presentes em todas as fases de minha vida.
Aos Procuradores de Justiça do Ministério Público do
Estado de Sergipe, Doutores Moacyr Soares da Motta, Luiz Valter
Ribeiro Rosário e Maria Cristina da Gama e Silva Foz Mendonça,
pelo apoio institucional ofertado quando à frente desta Instituição.
Aos Procuradores de Justiça José Carlos de Oliveira Filho, Maria
Creuza Brito Figueiredo e Maria Luíza Vieira Cruz, membros do
Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Sergipe,
que viabilizaram meu afastamento das funções de Promotor de
Justiça, para cursar, no Rio de Janeiro, o Doutorado em Direito
Estado e Cidadania, época em que o presente estudo começou a
ser gerado.
Aos professores da Universidade Gama Filho pelo conhe-
cimento transmitido em aulas e em seminários. Dentre tantos, e
com receio de cometer alguma injustiça, agradeço especialmente a
Margarida Maria Lacombe Camargo, por seu incentivo em apro-
fundar as questões filosóficas do Direito, e ao meu orientador – no
Mestrado e posteriormente no Doutorado – José Ribas Vieira, ins-
piração máxima na busca e no compartilhamento do saber acadê-
mico. A Marcos Juruena Villela Souto, por sua amizade sincera – e
por tudo o que me foi passado para a compreensão da Administra-
ção Pública contemporânea.
Henrique Ribeiro Cardoso10
O devido agradecimento, também, pelas discussões em-
preendidas no decorrer do Programa de Pós-Graduação da UGF,
aos colegas – e amigos – Sérgio Guerra, Ricardo Lodi Ribeiro,
Sérgio André R. G. da Silva, Marco Aurélio Gonçalves Ferreira e
Vanice Lírio do Valle.
Agradeço aos alunos da Universidade Federal de Sergipe
(UFS) que, ao demonstrarem surpreendente interesse na disciplina,
estimularam-me a produzir e a organizar estudos de filosofia do di-
reito e de hermenêutica, no intuito de atender às suas expectativas.
De igual modo, agradeço aos colegas Eduardo Lima de
Matos e Carlos Augusto Alcântara Machado pelo estímulo e pelo
exemplo de Promotores de Justiça que se dedicam, com competên-
cia, à cátedra acadêmica na UFS.
Por fim, e especialmente, agradeço à minha amada esposa
Michelle, que mais uma vez me estimulou a prosseguir no caminho
da busca do conhecimento e da produção acadêmica. Nós, você e
eu, Michelle, sabemos o quanto ter você ao meu lado foi uma con-
dição para a realização desta obra.
Obrigado!
Proporcionalidade e Argumentação 11
PREFÁCIO
O livro de autoria do professor Henrique Ribeiro Cardoso
preenche uma lacuna importante no âmbito da Teoria do Direito.
Na primeira metade do século XX vimos vigorar o positivismo jurí-
dico sob o pretexto de se conferir objetividade no tratamento das
premissas jurídicas, de forma a se obter certeza daquilo que possa
ser reconhecido e assim chamado de Direito. Kelsen pretende con-
ceder status de cientificidade ao Direito, como área autônoma do
conhecimento, dotada de objeto e método próprios. O objeto é a
norma válida, posta pela autoridade competente, e o método, o de-
dutivo, a partir de premissas dadas, pelo critério de validade,
como verdadeiras. Dessa forma, para o reconhecimento e trato
com o Direito, era dispensável qualquer recurso de ordem moral.
Ainda que a norma jurídica sirva de invólucro deontológico para
determinadas opções valorativas – bens jurídicos protegidos – a
justiça para Kelsen é relativa e não absoluta. Logo, o Direito não
dispõe de nenhum parâmetro crítico-valorativo para afastar a
norma injusta.
A separação entre o Direito e a Moral provoca sério pro-
blema para a hermenêutica jurídica. A ciência do Direito, ao tratar
da interpretação e aplicação da norma, não obtém nenhum recurso
metodológico capaz de discernir ou provar o acerto da decisão. A
sentença, para Kelsen, é norma individual, também fruto de um ato de
vontade da autoridade competente, cuja escolha recai sobre uma das
várias possibilidades lógicas que o texto normativo oferece. O jurisdi-
cionado, desta forma, fica a mercê da discricionariedade do juiz, sem
qualquer mecanismo de controle sobre esse ato de poder.
Ocorre que a moldura normativa engloba decisões con-
traditórias entre si. Não raramente verificamos a existência de vo-
Henrique Ribeiro Cardoso12
tos vencidos que decidem contrariamente à maioria, mas que em
outro momento, ou sob outra conformação do tribunal, poderia
constar como vencedor. Bom exemplo disso é o Habeas Corpus
82.424, julgado pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro em
2003. Nele a Corte decidiu por maioria de oito de seus onze mem-
bros, pela condenação do réu pelo crime de racismo. Os três mi-
nistros vencidos votaram pela absolvição, não reconhecendo a pu-
blicação de livros de conteúdo antissemita como crime de racismo.
Para efeitos metodológicos é importante notar que tanto a conde-
nação como a absolvição são, ambas, decisões que sob o ponto de
vista da Ciência do Direito podem ser tidas como válidas, ainda
que considerado o mesmo caso concreto. O mesmo pode se dizer
daqueles que, ao contrário da maioria, entenderam que a Consti-
tuição brasileira não permite a perda do mandato para o parla-
mentar que trocar de partido; daquele que julga constitucional a
exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista,
ao contrário da maioria que decidiu diferente. Dessa forma, o pro-
blema da discricionariedade frente à segurança do jurisdicionado
permanece em aberto.
A partir da segunda metade do séc. XX, diante das práti-
cas dos regimes nazifascistas contrárias aos Direitos Humanos,
mas legítimas sob o ponto de vista da lei vigente, o Direito lançou
esforços para rever seus parâmetros teóricos. Nesse momento o
positivismo jurídico recebe um golpe fatal. A validade não pode
mais servir de critério último para a imposição coercitiva da nor-
ma jurídica. A dogmática passa a circunscrever-se a exigências
últimas de justiça, sem as quais o Direito perde o seu sentido. Leis
extremamente injustas, diz Radbruch1, não podem ser obrigatórias.
Diante de tais desafios, o Direito recobra sua dimensão
prática, na esteira das demais ciências humanas e sociais.2 Perelman
 
1 A fórmula de Radbruch é enunciada em 1946, num artigo intitulado “Injusto legal e direito
supralegal” (“Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches Recht”. In: Rechtsphilosophie,
Stuttgart, 1970, p. 347). Na fórmula de Radbruch, o conflitoentre justiça e segurança
do direito deveria resolver-se de forma que o direito positivo, garantido pela lei e pelo
poder, tenha proeminência ainda quando seu conteúdo seja injusto ou inadequado,
salvo quando o conflito entre a lei positiva e a justiça alcance uma medida tão intole-
rável que a lei, como 'direito injusto', ceda ante a justiça.
2 MAIA, Antônio Cavalcanti. A importância da dimensão argumentativa à compreen-
são da práxis jurídica contemporânea. Posfácio à terceira edição de Hermenêutica e
Proporcionalidade e Argumentação 13
talvez seja o autor que melhor denote essa perspectiva, abrindo
espaço para trabalhos posteriores como os de Robert Alexy, Ro-
nald Dworkin, Manuel Atienza e Neil MacCormick. A teoria do
discurso, ou as teorias do discurso, passam a ser desenvolvidas
com o intuito de se verificar se dos fundamentos racionais de justi-
ficativa das decisões judiciais obtemos indícios de sua correção.
Diante das dificuldades de reconhecimento de um direito natural
capaz de servir de critério de validade do ordenamento jurídico, a
perspectiva da correção valorativa adentra o sistema pela via do
discurso de fundamentação, principalmente porque dele decorre a
criação da norma individual, a servir de critério para situações
futuras. O princípio da igualdade, que demanda tratamento igual
para situações semelhantes, a expectativa da segurança e a previ-
sibilidade típicas do Direito também aumentam o grau de impor-
tância do precedente. Nesse sentido é que Robert Alexy sustenta
que o ordenamento jurídico é composto de regras, princípios e
procedimento. Henrique Ribeiro Cardoso nos traz agora o resulta-
do de seu esforço intelectual no sentido de sistematizar as teorias
de Jürgen Habermas e Robert Alexy, com o intuito de amparar os
cursos de Direito de um maior instrumental teórico para lidar com
a perspectiva ora denominada de pós-positivista.
O pós-positivismo se apresenta como um movimento de
superação dialética do positivismo jurídico, a partir do momento
em que este aponta para suas próprias insuficiências. A ausência
de um método capaz de respaldar, com critério, o acerto da deci-
são judicial, nos parâmetros do Estado Democrático de Direito,
faz com que toda uma linhagem crítica de autores, filósofos e teó-
ricos do Direito, se dediquem a identificar as reais necessidades
que a prática decisória do Direito apresenta, em especial, condi-
ções de se estudar a lógica de construção de suas decisões.
Robert Alexy, na sequência na teoria construída por
Habermas acerca da ética do discurso, concentra-se na premissa
de que o Direito é um caso especial do discurso prático geral. Ape-
sar de a dogmática jurídica, considerada como o conjunto formado
pela lei, pela doutrina e pela jurisprudência, servir de limite ao
discurso jurídico, este não perde sua qualidade corretiva como
discurso moral. Nesse sentido Alexy, com amparo na experiência
 
Argumentação, de Margarida Maria Lacombe CAMARGO. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 271 e ss.
Henrique Ribeiro Cardoso14
do Tribunal Constitucional Federal alemão, desenvolve toda uma
metodologia capaz de oferecer condições de sustentação e corre-
ção aos atos do poder público, em consonância com os Direitos
Fundamentais.
A questão da discricionariedade ganhou ênfase com a di-
mensão objetiva dos direitos fundamentais, a partir do compromis-
so assumido pelo Tribunal Constitucional Federal, no momento de
sua criação, em aplicá-los na conformidade com o disposto na
Carta Fundamental de Bönn, depois transformada na Constituição
da Alemanha. Às antigas “liberdades públicas”, que serviam de
mecanismo de defesa do cidadão frente o abuso do poder estatal,
somam-se agora os direitos fundamentais, como normas jurídicas
principiológicas, devidamente positivadas pelo poder constituinte
originário, a exigirem aplicação. A dimensão objetiva desses di-
reitos recrudesce a jurisdição constitucional na medida em que sua
aplicação provoca o afastamento dos atos infraconstitucionais que os
contrariem. O mesmo ocorre com todas as constituições contempo-
râneas comprometidas com os Direitos Humanos. Os critérios de
validade das leis de cada país não são mais apenas os que dizem
respeito à competência formal e material para legislar, conforme
dispõe a Constituição. Aparece agora, para o Direito Constitucio-
nal e para a Teoria do Direito, a questão da validade substantiva
relativamente aos direitos fundamentais. Não é mais um problema
apenas de definição de competência, mas um problema relaciona-
do ao exercício das liberdades fundamentais, que invariavelmente
implica na restrição do exercício de um outro direito fundamental.
Sobre o princípio da proporcionalidade, seguido pelo Tri-
bunal alemão, Alexy desenvolve uma teoria de base analítica e
metodológica. Verifica que as normas de direito fundamental são
princípios com estrutura distinta das regras e que o exercício de
uma liberdade invariavelmente implica na restrição de uma outra
liberdade. Assim, a verificação da validade de um ato do poder
público está condicionada à proporcionalidade da restrição de um
direito fundamental face à necessidade da realização de um outro
direito fundamental, medida em uma situação concreta. Uma sen-
tença judicial então só é válida se não contrariar o princípio da
proporcionalidade. E o que permite verificar tal coisa, é a consis-
tência e coerência dos argumentos que dão suporte à seguinte
equação: a restrição de um direito fundamental só se justifica na
Proporcionalidade e Argumentação 15
exata medida da realização de um outro direito fundamental que
com o mesmo venha a colidir. A partir das críticas apontadas prin-
cipalmente por Habermas, que não acredita na racionalidade de
uma suposta proporcionalidade, Alexy aprimora cada vez mais sua
teoria com um requinte metodológico tal, capaz de permitir, pela
sequência do método, o controle das decisões judiciais. A verifica-
ção do acerto da decisão a partir do uso adequado dos argumentos
que dão equilíbrio à equação da proporcionalidade é mostrada ao
final do trabalho, após todo o percurso necessário à compreensão
do problema que lhe dá ensejo: o da discricionariedade das deci-
sões judiciais. Portanto, é com muito entusiasmo que recebemos o
livro do professor Henrique Ribeiro Cardoso.
Margarida Lacombe Camargo
Pesquisadora da Casa de Rui Barbosa
Professora da Universidade Gama Filho
(UGF)
Professora da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ)
Henrique Ribeiro Cardoso16
Proporcionalidade e Argumentação 17
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 19
Capítulo I – LINGUAGEM E TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO................... 23
1.1 Considerações iniciais................................................................................... 23
1.2 Linguagem e pensamento ............................................................................. 26
1.3 Guinada linguística ....................................................................................... 29
1.4 Guinada pragmático-linguística: atos de fala e fazer com palavras.............. 31
1.5 Teoria do Agir Comunicativo ....................................................................... 43
1.6 Uso comunicativo da linguagem e espécies de agir comunicativo................ 55
1.7 Racionalidade, reflexão e liberdade na Teoria do Agir Comunicativo......... 67
1.8 Quadros de modalidades de atos de fala ....................................................... 79
Capítulo II – ARGUMENTAÇÃO E VERDADE NA ÉTICA DO DISCURSO....... 83
2.1 Considerações iniciais................................................................................... 83
2.2 Ética do Discurso como ética cognitivista .................................................... 87
2.3 Princípio da Universalização e correção normativa ..................................... 95
2.4 Regrasdo discurso e inevitabilidade de suas pressuposições..................... 111
2.5 Ética do Discurso como Princípio do Discurso........................................... 125
2.6 Estágios morais e Ética do Discurso ........................................................... 135
2.7 Correção e verdade na Ética do Discurso.................................................... 142
Capítulo III – TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE ROBERT ALEXY ............. 151
3.1 Considerações iniciais................................................................................. 151
3.2 A Tese do Caso Especial............................................................................. 154
3.3 As regras da argumentação jurídica de Robert Alexy ................................ 171
Henrique Ribeiro Cardoso18
Capítulo IV – OS PRINCÍPIOS E SUA APLICAÇÃO NA TEORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS ........................................................................................................193
4.1 Considerações iniciais.................................................................................193
4.2 Regras e Princípios......................................................................................197
4.3 Constitucionalismo moderado e regra da proporcionalidade......................205
4.4 Proporcionalidade em sentido estrito: regras de colisão e de ponderação ..227
REFERÊNCIAS ............................................................................................................249
ÍNDICE ALFABÉTICO ...............................................................................................255
Proporcionalidade e Argumentação 19
INTRODUÇÃO
A obra que se apresenta busca colmatar uma das muitas
lacunas existentes no ensino do Direito no Brasil: a distância entre
a graduação e a pós-graduação. Para tanto, intenta expor, sem maio-
res pretensões acadêmicas, o conteúdo central da produção inte-
lectual de dois dos maiores teóricos contemporâneos do Direito,
Jürgen Habermas e Robert Alexy, na elaboração da Teoria da Ar-
gumentação Jurídica.
Se na pós-graduação, especialmente em cursos de mestra-
do e de doutorado, são figuras sempre presentes em discussões
acadêmicas, em dissertações e em teses, ainda são muito pouco ex-
plorados na graduação. Talvez pela dificuldade na leitura das obras,
apenas recentemente traduzidas para o português, talvez pela den-
sidade dos textos ou pela dificuldade em captar os ensinamentos
centrais dos autores, o fato é que poucos se aventuram em seu estu-
do ainda na graduação.
É a partir desta constatação que este livro foi pensado,
posto como uma porta de entrada, mais pavimentada, para que os
cultores do bom direito, do direito justo – estudantes de graduação,
de pós-graduação, professores e demais operadores do direito,
como advogados públicos e advogados profissionais liberais, mem-
bros do Ministério Público e da Magistratura – possam, numa leitu-
ra mais acessível, apreender os pontos centrais da construção teóri-
ca mais relevante do direito contemporâneo – o direito compreen-
dido como argumentação.
No intuito de consagrar ao leitor a necessária densidade
para a compreensão do tema a que se propõe expor, outros autores
de incontestável qualidade serão utilizados, sempre buscando ofe-
Henrique Ribeiro Cardoso20
recer ao leitor um panorama seguro do atual estágio de discussão
acerca do tema. Desta forma, por sua importância, autores como
Viehweg, Perelman, Dworkin, Rawls e Atienza serão referidos,
bem ainda renomados autores brasileiros, como Margarida Maria
Lacombe Camargo, José Ribas Vieira, Luís Virgílio Afonso da Silva
e Cláudio Pereira de Souza Neto, dentre outros.
Buscando oferecer maior clareza ao leitor, far-se-á uso de
quadros analíticos e de notas de rodapé remissivas e explicativas.
As notas remissivas, ou de referência, servem para encaminhar o
leitor para o texto original dos autores estudados, apontando as pas-
sagens que lastreiam as assertivas desta obra. As notas explicativas
servem para aprofundar o tema. A leitura das notas de rodapé é re-
comendada, mas sua ausência não retira a concatenação ou o senti-
do do texto principal.
A Teoria da Argumentação de Robert Alexy, central tanto
em sua Tese do Caso Especial, relacionada nitidamente com a apli-
cação de regras de direito, quanto em seu modelo lógico de aplica-
ção dos Direitos Fundamentais, expressos usualmente em princípios
sediados na Constituição, é a mais importante contribuição con-
temporânea no âmbito da aplicação do Direito.
É uma teoria pós-positivista, pautada na Ética do Discurso
proposta por Jürgen Habermas, uma teoria da argumentação que
busca a promoção do agir comunicativo, em que atos de fala regu-
lativos – tais como normas de direito – devem ser validados pelo
atendimento de certas condições: inteligibilidade, pretensão de ver-
dade, pretensão de sinceridade e pretensão de correção normativa.
A participação dos atingidos por eventuais normas é valorizada,
num modelo positivo de liberdade, sem postergar, entretanto, a se-
gurança jurídica.
O principal obstáculo à compreensão da Teoria da Argu-
mentação Jurídica é a complexidade teórica do tema, o que tornará
necessário o aprofundamento em questões de filosofia da lingua-
gem e de filosofia prática, com destaque para a Teoria do Agir
Comunicativo e para a teoria da argumentação proposta pela Ética
do Discurso – ambas delineadas por Jürgen Habermas. Apenas com a
correta compreensão destes conhecimentos poderão ser compreendi-
das as concepções da Teoria da Argumentação Jurídica – ou Teoria
Discursiva do Direito.
Proporcionalidade e Argumentação 21
O capítulo I se ocupará da análise da Teoria do Agir Co-
municativo. Será o primeiro passo na construção da Teoria Discur-
siva do Direito. Para tanto, enfrentará a relação entre linguagem e
pensamento, no paradigma filosófico da virada linguística. Num
viés pragmático, a comunicação será posta como um fazer através
de palavras. O uso comunicativo da linguagem será realçado, com a
demonstração dos três tipos básicos de interação: agir comunicativo
forte, agir comunicativo fraco e agir estratégico, com a demonstra-
ção das condições de validade destes proferimentos. A racionalida-
de característica do agir comunicativo será a discursiva, resultante
do entrelaçamento entre racionalidade epistêmica, teleológica e
comunicativa.
No capítulo II se apresentará uma teoria da argumentação
construída para a conformação do agir comunicativo forte, delinea-
do no capítulo anterior. Esta teoria da argumentação, a Ética do
Discurso, procedimental e seletiva, propõe que questões morais são
passíveis de um teste de validade, análogo ao teste da verdade em
proposições assertóricas. Para tanto, o Princípio da Universaliza-
ção, de matriz kantiana, é posto como um princípio indutivo que
sujeitará as decisões práticas ao teste da universalidade. Para a con-
secução de uma argumentação ideal, serão apresentadas regras do
discurso, sustentando-se a inevitabilidade de suas pressuposições,
derivadas das práticas de interações da sociedade. A Ética do Dis-
curso será sinteticamente posta como um princípio, o Princípio do
Discurso, que estabelece a possibilidade de que todos os potencial-
mente atingidos por normas de ação – morais ou jurídicas – manifes-
tem sua concordância ou discordância, fundamentadamente, às
questões práticas postas em argumentação. A teoria psicológica
construtivista será utilizada como possível confirmação dos resulta-
dos da Ética do Discurso, relacionando a evolução psicológica do ser
humano com a conduta exigida para a configuração do agir comuni-
cativo forte. A racionalidade discursiva fará a necessária ponte entre o
tema em discussão e o contexto do mundo da vida, tornando os atos
de fala compreensíveis e aceitáveis. Em suma, as decisões práticas –
o que devo ou devemos fazer? – devem ser decididas racionalmente.
O terceiro capítulo apresentará a Teoria da Argumentação
Jurídica de Robert Alexy – a Tese do Caso Especial –, em que de-
fende que o discurso jurídicoé um caso especial do discurso práti-
co, balizado pela concordância com as fontes do direito. Esclarece,
Henrique Ribeiro Cardoso22
ofertando segurança à sua teoria pós-positivista, que numa argu-
mentação jurídica deve-se levar em consideração todo o argumento
que seja possível formular, mas que sempre deverá haver, diferen-
temente do discurso geral (moral ou político), uma especial vincu-
lação às fontes formais do direito. Para a demonstração da teoria,
serão expostas analiticamente as regras da argumentação jurídica.
O quarto capítulo tratará de duas outras contribuições de
Robert Alexy para a aplicação discursiva do Direito: princípios do
direito como espécies de normas que veiculam mandamentos de
otimização; e a aplicação dos princípios – e também das diretrizes,
objetivos e políticas públicas – pautada pela regra da proporciona-
lidade. A proporcionalidade será demonstrada com a necessária
profundidade, analisando-se cada uma de suas subregras, apresen-
tando-se, ainda, as regras específicas de ponderação.
Proporcionalidade e Argumentação 23
Capítulo I
LINGUAGEM E TEORIA
DO AGIR COMUNICATIVO
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Teoria do Agir Comunicativo ocupa-se em identificar e
propor modelos de fala que produzam resultados mais justos, que
promovam o bem comum de todos os envolvidos no processo, e
que sejam pautados pelo critério da correção normativa. Para tanto,
propõe Jürgen Habermas uma modalidade de coordenação do pro-
cesso de comunicação – atos ilocucionários orientados ao acordo
num agir comunicativo forte.
A aplicação da teoria permite traçar postulados de racio-
nalidade, tais como: clareza linguística e conceitual; compartilha-
mento acerca da questão prática em debate; resultados práticos uni-
versalizáveis; e abertura a opiniões e concepções diferentes1. Estes
objetivos, realizados apenas aproximativamente, deverão ser perse-
guidos em procedimentos regidos por regras, e serão estudados no
próximo capítulo, que trata especificamente da Ética do Discurso,
uma teoria da argumentação – o elemento procedimental da Teoria
Discursiva do Direito. A Teoria do Agir Comunicativo possui uma
faceta pluralista que lhe permite participar da reconstrução de co-
 
1 ALEXY, Robert. El concepto y validez del derecho. 2. ed. Tradução de Jorge M.
Seña. Barcelona: Gedisa, 2004. p. 176.
Henrique Ribeiro Cardoso24
nhecimentos científicos2 – como o direito, por exemplo. Aponta
Habermas que “as proposições fundamentais da teoria do agir co-
municativo ramificam-se em diferentes universos do discurso e
contextos de argumentação nos quais elas têm que comprovar-se”3.
A Teoria da Argumentação Jurídica – ou Teoria Discursi-
va do Direito – proposta por Robert Alexy, calcada na Ética do
Discurso, é lastrada em conceitos e construções teóricas delineados
primeiramente por Habermas, o que faz necessário, na medida do
possível, em razão da vultosa produção acadêmica deste autor, o es-
tudo do conjunto de sua obra4. Com o fito de elucidar passagens de
sua produção literária, ou mesmo de trilhar caminhos já desvendados
por ele, far-se-á uso de autores por ele citados, de colaboradores, e de
comentadores de sua extensa e complexa bibliografia. A fonte pre-
ponderante, entretanto, será primária – o conjunto de sua obra.
Habermas foi um dos que primeiro identificou, na filosofia
do séc. XX, a correlação da racionalidade com a linguagem, tratan-
do-as como fenômenos que se autoimplicam, denominando esta
relação de “linguistischen wende” – guinada linguística5. Os sinais
 
2 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2. ed. Tra-
dução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. I, p.
09.
3 Idem, p. 10.
4 “E, nessa operação, sirvo-me de princípios da ética do discurso desenvolvidos alhu-
res”. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2. ed.
Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. I,
p. 10. Ou ainda: “Não quero repetir a análise do agir orientado para o entendimento
que levei a cabo em outro lugar”. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir
comunicativo. 2. ed. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Bra-
sileiro, 2003. p. 79. A íntima conexão entre a teoria da linguagem e do discurso em
Habermas – Teoria do Agir Comunicativo e sua Ética do Discurso – e sua Teoria Dis-
cursiva do Direito, com a proposta de um modelo de Democracia Deliberativa, num
paradigma procedimental de direito, justifica o estudo aprofundado de sua filosofia da
linguagem. São os argumentos trazidos por Habermas desde a elaboração de sua Teo-
ria do Agir Comunicativo que possibilitaram construção da Teoria Discursiva do Direito
e da Democracia proposta em Direito e democracia: entre facticidade e validade.
5 A tradução guinada linguística é a proposta por Flávio Beno Siebeneichler. Em inglês, o
termo que se consagrou foi “linguistic turn”. Em português, autores também se referem a
este movimento da filosofia como virada linguística, ou giro linguístico. “Uma boa parte
dos historiadores da filosofia tem construído narrativas a parir de ‘viradas’ ou ‘giros’ – os
‘turns’. [...] O filósofo alemão Jürgen Habermas tem adotado essa terminologia, falando
em ‘virada epistemológica’, ‘linguística’ e ‘linguístico-pragmática’”. GHIRALDELLI
J.R., Paulo. O que é virada lingüística. Disponível em: <http://www.filosofia.pro.br/
modules.php?name=news&file=article&sid=29>. Acesso em 12 maio, 2006.
Proporcionalidade e Argumentação 25
linguísticos, instrumento e equipamento de representações, adqui-
rem uma dignidade própria6.
É esta concepção filosófica de linguagem que permitirá,
com Habermas, fazer-se uma associação entre pensar, falar, agir e
argumentar, sempre pautados por noções de deliberação, de demo-
cracia e de legitimidade na busca da solução justa. A racionalidade,
ou mais precisamente, a íntima relação entre linguagem e pensa-
mento, servirá de base para toda a sustentação da racionalidade do
discurso, conferindo-lhe amplitude com vistas à sua legitimação e
transformação no princípio democrático. Somente em posse do co-
nhecimento da teoria dos atos de linguagem – Teoria do Agir Co-
municativo – pode-se afirmar, com conhecimento de causa, porque
todo discurso é racional7. Partindo desta racionalidade, explorada
na Teoria do Discurso – moral, dialógica e ampla – o agir comuni-
cativo é proposto como uma forma direcionada à consecução do
bem comum, e contraposto à noção do agir estratégico, que visa à
satisfação exclusiva de interesses egoísticos. Será em processos
deliberativos – pautados pela Ética do Discurso – que a legitimida-
de e a democracia estarão asseguradas.
Na Teoria Discursiva do Direito – bem como na correlata
noção de Democracia Deliberativa de Habermas – assume especial
relevo, como arcabouço teórico, a Ética do Discurso desenvolvida
na obra Consciência moral e agir comunicativo8. Entretanto, a Éti-
ca do Discurso é calcada numa teoria de atos de linguagem – Teo-
ria do Agir Comunicativo9– que associa a guinada linguística à
 
6 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 15.
7 Reitera-se que “discurso” é uma relação de comunicação entre duas ou mais pessoas,
estabelecida por meio de uma conversação argumentativa, onde cada parte dispõe-se a
defender suas opiniões frente às demais.
8 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. 2. ed. Tradução de
Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 61-141. Observa
Habermas que a obra “Teoria do Agir Comunicativo”, publicado originalmente em
1981, representa sua virada rumo à “tentativa de uma fundamentação direta pela
pragmática lingüística. Desde então, foi de modo independente de questões transcen-
dentais do conhecimento que analiseios pressupostos pragmáticos da ação orientada
ao entendimento mútuo”. HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Tradução de
Milton Camargo Mota. Rio de Janeiro: edições Loyola, 2004. p. 13.
9 Expressa Habermas ao fundamentar sua Ética do Discurso que as argumentações mo-
rais estão inseridas nos contextos do agir comunicativo. HABERMAS, Jürgen. Cons-
Henrique Ribeiro Cardoso26
guinada pragmática10, tratada em Pensamento pós-metafísico11.
A racionalidade dos atos de fala e o agir comunicativo são retoma-
dos em Verdade e justificação12 e em Agir comunicativo e razão
destranscendentalizada13.
O presente capítulo se ocupará de traçar o embasamento
teórico da filosofia da linguagem de Habermas – Teoria do Agir
Comunicativo –, ponto de partida para a construção da Teoria Dis-
cursiva do Direito, com reflexos na argumentação jurídica e na
aplicação da regra da proporcionalidade delineadas por Alexy.
1.2 LINGUAGEM E PENSAMENTO
Para a construção da teoria de atos de linguagem relativa a
proposições normativas, Habermas identifica quatro movimentos
modernos de pensamento que influenciaram toda a filosofia do sé-
culo XX14: pensamento pós-metafísico, guinada linguística, modo
de situar a razão e inversão do primado da teoria frente à prática –
“superação do logocentrismo”15.
Leciona que as formas modernas da filosofia prática, in-
fluenciadas pelo direito racional e pela teoria moral deontológica
 
ciência moral e agir comunicativo. 2. ed. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 99.
10 A guinada pragmática “oferece uma saída para a recuperação da abstração estrutu-
ralista”. HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 57.
11 Idem, p. 65-148.
12 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Tradução de Milton Camargo Mota.
Rio de Janeiro: Loyola, 2004. p. 63-132.
13 HABERMAS, Jürgen. Agir comunicativo e razão destranscendentalizada. Tradu-
ção de Lúcia Aragão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 29-106. A produção
intelectual de Habermas é incomensurável, especialmente em considerando sua parti-
cipação em periódicos de filosofia e direito, ou em revistas e jornais não especializa-
dos. A seleção das obras foi feita pelo critério de relevância em sua construção teóri-
ca, e por sua abrangência no tratamento de temas relacionados ao presente capítulo.
14 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 14. Embora tenha sua filo-
sofia calcada no séc. XX, observa Paulo Ghiraldelli Júnior que “Habermas é, como
Rorty, um filósofo do século XXI”. Pragmatismo e neopragmatismo. Disponível em:
<http://www.odialético.hpg.ig.com.br/filosofia/pragmatismo_e_neopragmatismo.htm>.
Acesso em: 18 mar. 2006.
15 Idem, p. 14.
Proporcionalidade e Argumentação 27
nos moldes propostos por Immanuel Kant, diferem da tradição
aristotélica da ética. Essas formas “substituem a questão existencial
sobre o que, no conjunto, é bom para mim pela questão moral-
política sobre regras de uma vida em comum que seja justa e
igualmente boa para todos”. Neste novo momento da filosofia,
“são justas as normas que correspondem ao interesse igual de
cada um e podem, por isso, contar com o assentimento universal
dos sujeitos racionais”16.
O pensamento pós-metafísico da Modernidade, com sua
racionalidade do método científico apoiado em procedimentos, pas-
sou a decidir sobre a possibilidade de uma proposição ser verdadei-
ra ou falsa17. Com a guinada linguística, “passagem do paradigma
da consciência para o paradigma da filosofia da linguagem”18, os
sinais linguísticos, antes meros instrumentos de representação, ad-
quirem dignidade própria: “As relações entre linguagem e mundo,
entre proposição e estado de coisas substituem as relações sujeito-
-objeto”19. O trabalho reconstrutivo dos filósofos da linguagem se
apresenta como algo mais palpável que a introspectiva filosofia da
consciência, pois que os signos encadeados, as frases formadas e os
enunciados produzidos podem ser deduzidos de formações linguís-
ticas já existentes20. O filosofar é posto sobre uma base metódica
mais segura, e liberto das aporias das teorias da consciência21. A
 
16 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Tradução de Milton Camargo Mota.
Rio de Janeiro: Loyola, 2004. p. 315. Este ponto é central à formatação da Ética do
Discurso.
17 É a passagem do “crer para ver” para o “ver para crer”, influência do “pensamento
científico-experimental”. HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tra-
dução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 37.
18 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 15. “A história da filosofia
da consciência, que vai de Descartes até Husserl, ensina que os conceitos mentalistas
básicos não se orientavam casualmente pela representação de objetos, portanto, pela
relação sujeito-objeto. Foi a guinada lingüística, que vem desde Frege [Friedrich
Ludwig Gottlob Frege], que nos fez descobrir que também nossas representações
possuem uma estrutura proposicional análoga à dos enunciados”. HABERMAS, Jürgen.
Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 140.
19 Idem, p. 15.
20 Idem, ibidem.
21 Idem, ibidem. Leciona Paulo Ghiraldelli Júnior, ao explicar a virada linguística, que
“alguns filósofos se voltaram para a idéia de que o melhor para a filosofia seria,
mesmo, abandonar a ‘filosofia da consciência’, porque ela estava envolta a algo que
Henrique Ribeiro Cardoso28
razão – “consciência transcendental” – deve ser concretizada no
mundo da vida22, contextualizada, adquirir “carne e sangue em en-
carnações históricas”23. A razão endeusada e abstrata deve ser res-
tituída aos campos de operação que lhe são próprios. Por fim, a in-
versão do primado da teoria frente à prática se calca em evidências
de que “nossas realizações cognitivas estão enraizadas na prática
das relações pré-científicas que existem entre pessoas e coisas”24.
Nenhum destes movimentos – “motivos” – passou desper-
cebido da filosofia de Habermas. Possuem especial relevo a virada
linguística e a virada pragmática, habilmente identificadas já em seu
nascedouro, e reconstruídas com maestria numa teoria dos atos de fala
como fundamentação da ação orientada ao entendimento mútuo.
O objetivo de Habermas, em sua teoria de atos de lingua-
gem, é elaborar uma “teoria pragmático-formal do significado” es-
clarecendo “porque o meio da linguagem natural25 dispõe de um
potencial de forças de ligação utilizável para fins de coordenação
da ação”. Num discurso, quando o falante assume a garantia de
aduzir razões em prol da validade da ação de fala, o ouvinte “que
conhece as condições de aceitabilidade e compreende o que é dito,
é desafiado a tomar uma posição, baseado em motivos racionais”.
 
mais era uma ciência empírica do que com a filosofia propriamente dita. Tal ciência
era a psicologia. O melhor seria, então, se livrar de todo e qualquer psicologismo em
filosofia”. O que é virada lingüística. Disponível em <http://www.filosofia.pro.br/
modules.php?name=news&file=article&sid=29>. Acesso em: 12 maio 2006.
22 O mundo da vida é “uma rocha ampla e inamovível de lealdades, habilidades e padrões
de interpretação consentidos”; um “maciço pano de fundo consensual”. HABERMAS,
Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. I, p. 40.
23 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico.2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 15. Em palavras de
Humboldt transcritas por Gadamer, pode-se sentir de modo claro e intenso “como in-
clusive o mais remoto passado permanece vinculado ao sentimento do presente, já que a
língua percorreu seu caminho por entre as sensações das gerações primitivas, conser-
vando em si seu hálito”. GADAMER, Hans-Georg. Tradução de Flávio Paulo Meurer,
rev. Enio Paulo Giachini. Verdade e método I. 6. ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2004.
p. 569. A relação entre historicidade e linguagem é o ponto de contato entre a segunda
e a terceira parte da obra Verdade e método I.
24 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 15.
25 “É verdade que as regras gramaticais garantem a identidade de significado das ex-
pressões lingüísticas; todavia, elas têm de deixar, ao mesmo tempo, espaço para um
uso individualmente nuançado e inovativamente imprevisível destas expressões, cujo
significado possui uma identidade apenas suposta”. Idem, p. 57.
Proporcionalidade e Argumentação 29
Aceitando a oferta contida no ato de fala, assume as obrigatorieda-
des decorrentes daquilo que foi dito, sendo relevantes “para as
conseqüências da interação e se impõem a todos os envolvidos”26.
1.3 GUINADA LINGUÍSTICA
A guinada linguística faz surgir um novo paradigma que
põe a linguagem no centro das preocupações filosóficas. A visão de
que a linguagem constitui a realidade opõe-se à tradição filosófica
ocidental de conceber as palavras como rótulos. Esclarece Habermas
que surge “a convicção de que a linguagem forma o meio para as
encarnações culturais e históricas do espírito humano e que uma
análise metodicamente confiável da atividade do espírito não deve
começar pelos fenômenos da consciência e sim pelas suas expres-
sões lingüísticas”27.
O termo linguistic turn tornou-se popular após a publica-
ção, em 1967, da obra The linguistic turn: essays on philosophical
method, coordenada por Richard Rorty28. Hans-Georg Gadamer29
identifica em sua obra Verdade e método: traços de uma her-
menêutica filosófica, originalmente publicada em 1960, a existên-
cia do que também denomina linguistic turn já no início dos anos
 
26 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 82.
27 Idem, p. 170. Esta asserção de Habermas torna nítida a importância e a influência da
hermenêutica filosófica – onde a linguagem é a expressão da tradição – para a guinada
linguística. Habermas admite a influência de Gadamer em sua filosofia. Perguntado
em entrevista “acerca da seqüência das principais influências intelectuais em sua
obra”, respondeu: “Em Heidelberg, a partir de 1961, Wahrheit und Methode, de
Gadamer, ajudou-me a encontrar meu caminho de volta à filosofia acadêmica. A
hermenêutica me interessava, de um lado, em conexão com questões da lógica das ci-
ências sociais, e de outro em comparação com o último Wittgenstein. Este foi o perí-
odo de meu primeiro envolvimento mais intensivo com a filosofia da linguagem e com
a filosofia analítica da ciência”. HABERMAS, Jürgen. Um perfil filosófico-político:
entrevista com Jürgen Habermas. Tradução de Woltgang Leo Maar. Novos estudos
CEBRAP, Rio de Janeiro, n. 18, p. 78. set. 1987,
28 RORTY, Richard M. The linguistic turn: essays on philosophical method. Chicago: The
University of Chicago Press, 1967. O editor e organizador é autor da introdução: Meta-
physical difficulties of linguistic philosophy. O autor será referido como Rorty.
29 Doravante Gadamer.
Henrique Ribeiro Cardoso30
50 do séc. XX30. O próprio Gadamer é apontado por Habermas
como um proeminente autor da guinada linguística, na vertente da
hermenêutica filosófica – juntamente com Heidegger –, reconhe-
cendo também a existência da vertente analítica, protagonizada por
Rorty31.
A guinada linguística aconteceu nos limites do semanti-
cismo32, “onde se pagou o preço de abstrações que tornaram im-
possível explorar plenamente o potencial de solução do novo para-
digma”33. O próprio Rorty, um dos precursores, estava à época pre-
so à filosofia analítica34, tornando-se gradualmente um filósofo
pragmático35. Observa Habermas que a análise semântica36 ainda
estava presa à análise das formas de preposição assertóricas, afas-
tadas das situações de fala, do uso da linguagem, dos contextos, das
pretensões, das tomadas de posições e dos papéis dos atores em
 
30 GADAMER, Hans-Georg. Tradução de Flávio Paulo Meurer, rev. Enio Paulo Giachini.
Verdade e método I. 6. ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2004. p. 540.
31 Vide Capítulo I: Da hermenêutica à pragmática formal, especialmente pp. 63-89.
HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Tradução de Milton Camargo Mota.
Rio de Janeiro: Loyola, 2004. p. 63-134.
32 Ainda tendo como preocupação central a relação dos signos com os objetos.
33 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 55.
34 A filosofia analítica, ou mais corretamente, o procedimento analítico de filosofar,
reconhece a existência de dados que são descritos ou analisados. A característica das
filosofias analíticas é a limitação a que elas se julgam submetidas em razão dos dados.
É analítica a filosofia de linguagem que “discerne nesta o fato intersubjetivo funda-
mental e, portanto, na aclaração e na retificação da linguagem o instrumento mais
apto a eliminar equívocos e a retificar relações intersubjetivas”. ABBAGNANO,
Nicola. Tradução de Alfredo Bossi. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003. p. 453-457.
35 Mais precisamente, Richard M. RORTY combina o pragmatismo com a linguística de
Wittgenstein que declara que o significado de algo é um produto sociolinguístico e que as
sentenças não são meros links com a realidade. Disponível em <http://www.answers.com/
mais/ntquery?method=4&dsis=2222&dekey=Richard+Rorty>. Acesso em: 12 maio 2006.
36 Rudolf CARNAP propõe em 1956 três aspectos fundamentais da semiótica: a prag-
mática, relacionada a comportamentos gestuais dos seres humanos tendentes à comu-
nicação; a semântica, que sem considerar as circunstâncias concretas restringe seu
campo de investigação à relação entre signo e referente; e sintática, que estuda as relações
entre os signos de determinado sistema linguístico. ABBAGNANO, Nicola. Tradução de
Alfredo Bossi. Dicionário de filosofia. 4. ed. Martins Fontes: São Paulo, 2003.
p. 869. Rudolf CARNAP é autor de dois artigos na obra Linguistic turn. São eles: On
the character of philosophical problems e Empiricism, semantics, and ontology. Não
havia, na origem, a densidade que só a virada pragmática no seio dos estudos linguísticos
poderia conferir: a teoria do significado como uso, retomada de WITTGENSTEIN por
seus seguidores John Langshaw AUSTIN e John Rogers SEARLE.
Proporcionalidade e Argumentação 31
diálogos37. Na teoria semântica era irreconhecível o caráter autorre-
ferencial da linguagem: “Expressões lingüísticas identificam-se a si
mesmas, porque estão estruturadas de modo auto-referencial e
comentam o sentido de aplicação do conteúdo nelas expresso”38. A
descoberta da estrutura proposicional-performativa por Ludwig
Wittgenstein39, e posteriormente elaboração da teoria dos atos de
fala de John Langshaw Austin40 e de John Rogers Searle41, “constituiu
o primeiro passo no caminho de uma integração de componentes
pragmáticos no contexto de uma análise formal”42. Abriram-se as
portas para a análise, empreendida por Habermas, “dos pressupostos
gerais que devem ser preenchidos para que os participantes da comu-
nicação possam entrar em entendimento sobre algo no mundo”43. A
guinada pragmática oferece uma saída à abstração, recolocando a indi-
vidualidade e a criatividade do sujeito capaz de fala e de açãocomo
fenômeno central de uma realidade social que tem que se reproduzir
através do agir orientado pelo entendimento44.
1.4 GUINADA PRAGMÁTICO-LINGUÍSTICA: ATOS DE FALA
E FAZER COM PALAVRAS
Aponta Habermas uma tríplice relação entre o significado
de uma expressão linguística e: “a) aquilo que é subentendido, b)
aquilo que é dito, c) o modo como é utilizado na ação de fala”45.
Partindo do reconhecimento de cada uma destas relações, três teo-
 
37 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 55.
38 Idem, p. 56.
39 O autor será referido, daqui em diante, como WITTGENSTEIN.
40 John Langshaw AUSTIN, filósofo inglês nascido em 1911 e falecido em 1960 não
deve ser confundido com John AUSTIN, jurista inglês, nascido em 1790 e falecido
em 1859. No presente capítulo, as citações e referências a John AUSTIN são relativas
ao filósofo, e não ao jurista. Doravante, será referido unicamente como AUSTIN.
41 O autor será referido nesta obra como SEARLE.
42 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 56.
43 Idem, ibidem.
44 Idem, p. 57.
45 Complementa Habermas que “normalmente o significado lingüístico não se esgota em
nenhuma dessas três relações”. Idem, p. 106.
Henrique Ribeiro Cardoso32
rias do significado são propostas, cada uma com enfoque diferencia-
do: a semântica intencionalista; a semântica formal, e a teoria do
significado como uso.
A semântica intencionalista, na investigação da relação
entre signo e referente, considera fundamental apenas o que o fa-
lante tem em mente numa determinada situação de fala: “O falante
usa os sinais e os encadeamentos de sinais por ele produzidos
como um veículo, a fim de comunicar a um interlocutor aquilo que
ele intenciona ou aquilo em que acredita”46. O enfoque é dado ao
fato de a linguagem representar algo, bem ainda à atividade teleo-
lógica da cada indivíduo. As interações entre sujeitos são postas de
forma secundária, como possibilidade de influência mútua47, e tidas
como uma autoafirmação potencialmente conflituosa entre sujeitos.
A linguagem é equiparada aos meios físicos de intervenções que
visam a um fim: “Fazer com que um ouvinte deduza a intenção do
falante e seja motivado, através disso, a formular a opinião cor-
respondente ou a tomar a decisão adequada”48. A crítica que se
apresenta a esta relação entre significado e subentendido é que a
linguagem é posta como uma forma de manifestação do sujeito que
age visando a um fim – equiparada, como já dito, a um meio físico
– um instrumento plenamente formatável pelo falante, perdendo “a
autonomia de uma estrutura interna própria”49.
A semântica formal, também denominada de semântica da
verdade50, apresentada por Wittgenstein na obra Tractatus logico-
-philosophicus51, embora ainda presa na investigação da relação
entre signo e referente, “toma como ponto de partida as condições
sobre as quais uma proposição é verdadeira”52. O enfoque desta
 
46 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 107.
47 Idem, ibidem.
48 Idem, p. 108.
49 Idem, ibidem.
50 Idem, p. 115.
51 ALEXY informa que na teoria referida, “a função da linguagem é a representação do
mundo”. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso
racional como teoria da justificação jurídica. 2. ed. Tradução de Zilda Hutschinson
Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005. 71.
52 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 106. WITTGENSTEIN foi
um dos defensores da semântica formal. Observa Roger SCRUTON que “o slogan do
Proporcionalidade e Argumentação 33
semântica é o sistema de regras da própria linguagem. São as ex-
pressões linguísticas, e não a prática da linguagem entre falantes e
ouvintes que constituem o objeto desta teoria do significado. A
compreensão correta do significado depende do conhecimento “da
forma e das leis de formação da própria expressão”, da dimensão
“lógico-semântica da linguagem”53. Somente a linguagem gramati-
cal torna clara articulação de pensamentos e intenções – “os esta-
dos das coisas somente se refletem em proposições”54. Com isto,
“ela limita sua análise à função de representação”55. Nesta função
de representação, o que se coloca no centro da teoria do significado
é a “relação entre linguagem e mundo, entre a proposição assertó-
rica e estado de coisas”56. A relação entre significado e significante
(sinal) deve ser esclarecida com auxílio da relação entre o símbolo
(sinal) e o objeto designado: “Os fatos é que tornam verdadeiras as
proposições assertóricas”57. Tornando mais claro o que foi dito: se
o significado de uma proposição assertórica é o estado de coisas
que ela reproduz e se essa proposição é verdadeira quando o estado
de coisas existe, há compreensão da proposição na medida em que se
conhece as condições sob as quais esta é verdadeira58. Compreender
uma proposição significa, então, saber o estado de coisas quando
este é verdadeiro. As proposições, ainda que questionáveis, devem
ser capazes de verdade para proporcionar um entendimento sobre a
existência de determinado estado de coisas59. Observa Habermas,
 
positivismo – o significado de uma sentença é seu método de verificação – é tirado do
Tractatus, como grande parte do aparato mediante o qual se buscou livrar o mundo de
entidades metafísicas”. Disponível em: <http://wwwcfh.ufsc.br/~mafkil/scruton.htm>.
Acesso em: 11 maio 2006. Versão para internet do texto “Introdução ao pensamento
de Wittgenstein” em: SCRUTON, Roger. Introdução à Filosofia Moderna. Rio de
Janeiro: Zahar, 1982. p. 268-281.
53 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 109.
54 Idem, p. 115.
55 Idem, p. 109. Refutando a proeminência desta teoria do significado: “A função de
representação é uma função da linguagem, ao lado de muitas outras, que se desen-
volvem quase que naturalmente em meio à variedade de jogos de linguagem entrela-
çados e possuindo em princípio os mesmos direitos”. Idem, p. 118.
56 Idem, p. 109.
57 Idem, p. 110.
58 Idem, ibidem.
59 Idem, ibidem. HABERMAS denomina de olhar objetivante o presente no discurso
constatativo de fatos. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo.
2. ed. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
Henrique Ribeiro Cardoso34
entretanto, que a virada linguística tornou claro que “em face de
pretensões controversas de verdade, dependemos exclusivamente
das melhores razões, por não dispor de um acesso direto a condi-
ções de verdade não interpretadas”60. Como deficiência desta teo-
ria do significado – semântica da verdade – aponta o fato de não
conseguir explicar o sentido de uma pretensão de ordem. Somente
é possível esclarecer a comunicação possibilitadora de que uma or-
dem seja seguida se esta for analisada pragmaticamente; se houver
a referência a uma autoridade que está por trás da ordem61.
A teoria do significado do vocábulo como uso na lingua-
gem, desenvolvida por Wittgenstein62 a partir da crítica à teoria da
semântica formal por ele defendida anteriormente, “descobre o ca-
ráter accional dos proferimentos lingüísticos”63. A função repre-
sentativa da linguagem não é a única, tampouco a mais importante.
A linguagem “serve também para dar ordens e para adivinhar
enigmas, para contar anedotas, para agradecer, para amaldiçoar,
para saudar e para rezar”64. O uso das expressões linguísticas de-
riva de um modo de ação comum, num jogo de linguagem formado
pela “totalidade dos proferimentoslingüísticos entrelaçados uns
nos outros às atividades não lingüísticas”65.
 
p. 81-82. Transcreve, ainda, na p. 65 da mesma obra, o seguinte trecho de P. F.
STRAWSON: “Se uma atitude de alguém é inteiramente objetiva, então, muito embo-
ra você possa combatê-lo, você não pode discutir com ele e, muito embora você possa
falar com ele e até negociar com ele, você não pode argumentar com ele. Você pode,
no máximo, fingir que está discutindo, ou argumentando, com ele”. STRAWSON, P.
F. Freedom and resentment. Londres, 1974. p. 9, apud Consciência moral e agir
comunicativo. 2. ed. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Bra-
sileiro, 2003. p. 65.
60 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Tradução de Milton Camargo Mota.
Rio de Janeiro: Loyola, 2004. p. 284. No mesmo sentido: “Não existe um acesso di-
reto, não filtrado pelo discurso, às condições de verdade de convicções empíricas”.
Idem, p. 49.
61 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 116.
62 Para Paulo GHIRALDELLI JÚNIOR, WITTGENSTEIN esteve “próximo de posições
pragmáticas em vários momentos, se é que não adotou algumas”. Pragmatismo e neopragma-
tismo. Disponível em: <http://www.odialético.hpg.ig.com.br/filosofia/pragmatismo_e_ neo-
pragmatismo.htm>. Acesso em: 18 mar. 2006.
63 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 110-111.
64 Idem, p. 111.
65 Idem, p. 112.
Proporcionalidade e Argumentação 35
Leciona Alexy, relativamente aos jogos de linguagem, que
“como quaisquer outros jogos, são atividades guiadas por regras.
Isso não significa que neles esteja tudo determinado”. E, transcre-
vendo Wittgenstein, arremata: “Tampouco há regra para até que
altura se pode arremessar uma bola de tênis ou com que força; no
entanto, tênis é um jogo e tem também regras”66. Para que uma re-
 
66 WITTGENSTEIN, L. Philosophische untersuchugen, § 86, apud ALEXY, Robert.
Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justi-
ficação jurídica. Tradução de Zilda Hutschinson Schild Silva. 2. ed. São Paulo: Lan-
dy, 2005. p. 73. O conceito de jogo remete ao conceito de regras. Não se deve con-
fundir o jogo de linguagem na proposta de WITTGENSTEIN, adotada por HABER-
MAS, com o jogo hermenêutico presente na obra de GADAMER. Para determinar o
que significa verdade, GADAMER retoma o conceito de jogo, mais precisamente, o
modo de ser do jogo, utilizado na Primeira Parte de Verdade e Método I, que trata da
verdade a partir da experiência da arte. O modo como se coloca em jogo o peso das
coisas que vêm ao encontro na compreensão é um processo de linguagem: “Um jogo
com palavras que pelo jogo transpõem o que se tem em mente”. GADAMER, Hans-
Georg. Tradução de Flávio Paulo Meurer, rev. Enio Paulo Giachini. Verdade e mé-
todo I. 6. ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2004. p. 630. São também jogos de linguagem os
que permitem a todos chegarem à compreensão do mundo na qualidade de aprendizes.
No jogo – compreendido em sua essência – o comportamento do jogador não deve se
entendido como um comportamento de vontade, uma vez que é o jogo que joga, que
inclui em si os jogadores, e se converte no verdadeiro sujeito do movimento lúdico.
Não se pode falar em jogar com a linguagem, com os conteúdos da experiência do mundo
ou com a tradição. “Trata-se, antes, do jogo da própria linguagem que nos interpela, pro-
põe e se recolhe, que pergunta e que se consuma a si mesmo na resposta”. A compreensão
é um jogo em razão daquele que “compreende já está sempre incluído num acontecimento,
em virtude do qual aquilo que possui sentido acaba se impondo”. GADAMER,
Hans-Georg. Tradução de Flávio Paulo Meurer, rev. Enio Paulo Giachini. Verdade e
método I. 6. ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2004. p. 631. Essa assertiva de GADAMER se
torna mais clara ao compreendermos o conceito de jogo traçado pelo mesmo nas
p. 154-155 de Verdade e método I. GADAMER inicia o tratamento do tema mani-
festando seu interesse afastar o significado subjetivo que se dá ao jogo, especialmente
em KANT e SCHILLER. No jogo há uma seriedade própria: jogar é lúdico, mas deve
ser encarado com seriedade, pois o jogo só cumpre sua função quando é levado a sé-
rio. Não há como se fixar a natureza do jogo a partir da reflexão de quem joga, já que
o jogo não pode ser visto como um objeto. Possui um modo de ser significativo: tem
uma natureza própria, que independe da consciência daqueles que jogam. Os jogado-
res não são os sujeitos do jogo, mas o jogo ganha representação através dos que jo-
gam. No uso da palavra jogo está implícito um vaivém de um movimento que não se
fixa em nenhum alvo: o jogo é a realização do movimento como tal. Para a linguagem
o verdadeiro sujeito do jogo não é a vontade, mas o próprio jogo. Todo jogar é um ser
jogado e sua fascinação reside no fato de que o jogo se assenhora do jogador. O
“algo” do jogo é o espaço em que ele se desenrola, limitado e reservado pelo jogo – é
a delimitação de seu campo de jogo. Jogar é jogar algo no sentido de que cada jogo
coloca uma tarefa ao homem que o joga. O verdadeiro fim do jogo não é a solução das
tarefas que o jogo impõe, mas a ordenação e a configuração do movimento do jogo.
Como se depreende do exposto, o jogo de linguagem hermenêutico não tem relação
com regras para a construção de uma ética normativa, vinculando falar e agir. Busca
uma identificação histórica do sujeito da experiência hermenêutica, um reconheci-
Henrique Ribeiro Cardoso36
gra exista, é necessário que ela seja seguida por diversas vezes por
várias pessoas, estando o conceito de jogo, ligado, desta forma ao
conceito de “forma da vida”, numa série de “práticas comuns da
vida diária”67. Este conjunto da linguagem é constituído, como ob-
serva Habermas, “através de um consenso preliminar numa forma
de vida compartilhada intersubjetivamente ou através da pré-
compreensão de uma prática comum regulada através de institui-
ções e costumes”68. Para se dominar uma linguagem ou aprender
como compreender expressões numa linguagem, é preciso que o
envolvido no processo de linguagem “exercite uma determinada
forma de vida. Esta, por sua vez, regula preliminarmente o empre-
go dos vocábulos e das proposições numa rede de possíveis colo-
cações de fins e de possíveis ações”69 A especial importância que a
teoria em estudo possui se deve ao fato de entrelaçar linguagem
com a prática interativa, “na qual uma forma de vida se reflete e ao
mesmo tempo, se reproduz”70. As ações de fala e as ações por ela
 
mento do que, de certo modo, já está dado – dasein – já está no mundo, sendo mais
compreendido do que construído.
67 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional
como teoria da justificação jurídica. Tradução de Zilda Hutschinson Schild Silva.
2. ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 74.
68 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 112. Há um ponto de con-
tato entre a teoria do significado como uso e a hermenêutica filosófica de GADAMER.
Para este autor, os conceitos e palavras são continuamente moldados pela tradição, e
não por simples subsunção de algo a um conceito prévio. Há um constante e progres-
sivo desenvolvimento da formação de conceitos, com compreensão e aplicação. “O
intérprete não se serve das palavras e dos conceitos como o artesão que apanha e
deixa de lado suas ferramentas. Precisamos, antes, reconhecer que toda compreensão
está intimamente entretecida por conceitos e refutar qualquer teoria que se negue a
aceitar a unidade interna de palavrae coisa”. Esta unidade interna é formada conti-
nuamente pela tradição – ou mais precisamente, como se verá, por seu uso. GADA-
MER se afasta neste ponto da filosofia da linguagem, incorporando, no sentido do de-
fendido na Segunda Parte de Verdade e Método I a tradição na formação da lingua-
gem, ou mais precisamente, a linguagem como concreção da tradição. GADAMER,
Hans-Georg. Tradução de Flávio Paulo Meurer, rev. Enio Paulo Giachini. Verdade e
método I. 6. ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2004. p. 521-522. E mais: “A tradição não é
simplesmente um acontecer que aprendemos a conhecer e dominar pela experiência,
mas é linguagem, isto é, fala por si mesma, como um tu”. GADAMER, Hans-Georg.
Tradução de Flávio Paulo Meurer, rev. Enio Paulo Giachini. Verdade e método I. 6.
ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2004. p. 467.
69 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 112.
70 Idem, ibidem. Como adiante se verá, é a partir deste entrelaçamento entre linguagem e
prática interativa de comunicação, proposto por WITTGENSTEIN, base da Teoria do
Agir Comunicativo de HABERMAS, que HABERMAS assevera, na fundamentação
Proporcionalidade e Argumentação 37
coordenadas “carregam a prática interativa”; identificam-se por si
mesmas: o falante ao mesmo tempo diz o que ele faz! Os atos reali-
zados numa linguagem natural são sempre autorreferentes, revelando
como se deve compreender e como se deve utilizar o que é dito71.
Para Alexy, são quatro as principais contribuições da teo-
ria apresentada por Wittgenstein, e que devem ser mantidas para o
desenvolvimento da Teoria Discursiva: (1) o uso descritivo e expli-
cativo da linguagem não é o único possível; nem mais e nem menos
importante que o uso normativo; (2) a lógica dos jogos da lingua-
gem pode ser entendida mediante a consideração do comporta-
mento não verbal e de outras circunstâncias fáticas; (3) os jogos de
linguagens – e os discursos moral e jurídico – são atividade regidas
por regras; e (4) as representações de mundo e as formas da vida
que subjazem aos jogos de linguagem, não são passíveis de funda-
mentação nem de crítica.
Ponderando acerca da contribuição desta última conclusão,
que reconhece ser “problemática”, traz que se deve “diferenciar entre
a observação de que tanto as fundamentações como a crítica não
são possíveis sem que se pressuponha algo, e a tese de que o que se
pressupõe não é discutível”. E esclarece: a “tese da discutibilidade
de todos os pressupostos não diz que tudo pode ser fundamentado
simultaneamente. Diz apenas que não existe nenhuma proposição
que exclua a possibilidade de algum argumento ser apresentado
contra ou a favor a priori”72.
A teoria dos atos de fala de Austin73 apoiada em
Wittgenstein74 investiga “o modo como a linguagem depende da
 
de sua Ética do Discurso, que: “Nem mesmo aquele que salta fora da argumentação
de maneira conseqüente consegue saltar fora da prática comunicacional quotidiana;
ele permanece preso aos pressupostos desta – e estes, por sua vez, são pelo menos
parcialmente idênticos aos pressupostos da argumentação em geral”. HABERMAS,
Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. 2. ed. Tradução de Guido A. de
Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 123.
71 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 113. Este componente ilo-
cucionário, nitidamente pragmático, foi posteriormente explorado por AUSTIN em
sua teoria de atos de fala, exposta a seguir.
72 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional
como teoria da justificação jurídica. Tradução de Zilda Hutschinson Schild Silva. 2.
ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 74-75.
73 AUSTIN, John Langshaw. How to do things with words. Oxford: Oxford University
Press, 1962. O autor faleceu em 1960. Sendo póstuma a publicação desta obra.
Henrique Ribeiro Cardoso38
prática interativa no interior de uma forma de vida”, sem abando-
nar a relação entre linguagem e mundo objetivo, e entre enunciado
e estado das coisas, nos moldes propostos pela semântica formal
(semântica da verdade)75.
Observa Alexy, diferentemente de Wittgenstein, que en-
xerga uma prodigiosa diversidade de usos da linguagem, que Austin
entende ser necessário uma estrutura conceitual mais precisa para a
análise de determinados usos de linguagem, elaborando para tanto,
um sistema de atos de fala, com maior determinação e concreção
do que o proposto pela teoria dos jogos de linguagem de Wittgens-
tein76.
Austin, numa interpretação dualista, opõe os atos de fala
ilocucionários aos atos de fala de constatação de fatos. Onde há
utilização de proposições assertóricas, com a finalidade de repro-
dução de estados de coisas, “o falante emprega atos locucionários,
a fim de dizer algo (to say something: dizer como são os estados de
coisas)77. Nos atos ilocucionários, ao contrário, não deve haver ne-
nhum conteúdo proposicional, tampouco um significado: não há
nada que possa ser tido por verdadeiro ou falso, pois o ato de fala
“realiza uma ação social”78. Assim, o ato ilocucionário não possui
significado, mas traz à tona “um poder na forma da obrigatorieda-
de de uma promessa”79. Os atos locucionários tornam possível o
emprego cognitivo da linguagem, ao passo que “os falantes e ou-
vintes conseguem, através de atos ilocucionários, estabelecer rela-
 
74 “[...] Apoiada no segundo Wittgenstein”. HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-
metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2002, p. 118. Em ALEXY: “Tornou-se comum fazer uma distinção entre a
primeira e a última filosofia de Wittgenstein”. Na primeira fase, o trabalho mais signi-
ficativo foi Tractatus logicophilosophicus; e na segunda, Philosophische untersuchu-
gen. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racio-
nal como teoria da justificação jurídica. 2. ed. Tradução de Zilda Hutschinson Schild
Silva. São Paulo: Landy, 2005. p. 70.
75 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 118.
76 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional
como teoria da justificação jurídica. 2. ed. Tradução de Zilda Hutschinson Schild SILVA.
São Paulo: Landy, 2005. p. 76.
77 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 119.
78 Idem, ibidem.
79 Idem, ibidem.
Proporcionalidade e Argumentação 39
ções entre si; estes servem ao uso interativo da linguagem”80.
Neste dualismo inicial de sua teoria, estabelece Austin as seguintes
correlações: ato locucionário – proposição assertórica – significado –
verdadeiro ou falso; ato ilocucionário – proposição performativa81 –
força – bem-sucedido ou fracassado82.
Austin, na pesquisa de atos ilocucionários, que Alexy
aponta como “a parte verdadeiramente original da teoria”83, dá os
primeiros passos na ligação das ideias da semântica da verdade
com as da pragmática do jogo de linguagem84.
Posteriormente Austin percebeu que, de modo geral, o
“falante realiza um ato ilocucionário dizendo algo”85. O compo-
 
80 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 119.
81 A locução deriva do verbo inglês to perform, que significa executar, fazer, efetuar.
Performativas são proposições que fazem algo ao invés de descrevê-lo: nas proposi-
ções constatativas (assertóricas) já existe algo antes de ser dito; as performativas refe-
rem-se a fatos que dependem seupróprio sucesso. Dizer é fazer. Características gerais
das proposições performativas: não descrevem, reportam ou constatam; não podem
ser classificadas como verdadeiras ou falsas; não podem ser checadas em comparação
ao mundo existente. Condições necessárias para produção de efeitos performativos:
palavras apropriadas às circunstâncias, e sinceridade (intenção) não posta em dúvidas.
JL Austin: key concepts – notes from “How to do things with words” – Southern Ore-
gon University. Disponível em: <http://www.sou.edu/English/Hedges/Sodashop/
RCenter/Theory/People/austin.htm>. Acesso em: 18 maio 2006.
82 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 119.
83 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional
como teoria da justificação jurídica. Tradução de Zilda Hutschinson Schild Silva. 2.
ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 77.
84 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, p. 118.
85 Idem, p. 119. AUSTIN identifica, além da locução e da ilocução, um terceiro modo de
ser da linguagem: a perlocução. Esta se relaciona diretamente com os efeitos produzi-
dos pela ilocução. “Consider what happens when John Smith turns to Sue Snub and
says ‘Is Jeff’s shirt red?’, to which Sue replies ‘Yes’.[…] John has therefore
performed a locutionary act. He has also done at least two other things. He has asked
a question, and he has elicited an answer from Sue. Asking a question is an example
of what Austin called an illocutionary act, the performance of an illocution. Other
examples would be making an assertion, giving an order, and promising to do
something. An illocutionary act is to use a locution with a certain force. It is an act
performed in saying something, in contrast with a locution, the act of saying
something. Eliciting an answer is an example of what Austin calls a perlocutionary
act, an act performed by saying something. Notice that if one successfully performs a
perlocution, one also succeeds in performing both an illocution and a locution”. Dis-
ponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/J._L._Austin>. Acesso em: 18 maio 2006.
Henrique Ribeiro Cardoso40
nente ilocucionário do ato de fala estabeleceria o modo de utiliza-
ção do enunciado, seja como “promessa, recomendação, confissão
etc”86. Há a realização, de uma só vez, de dois atos separados ape-
nas analiticamente. A partir desta observação, Austin denomina de
“Mp” o ato de fala ilocucionário – proposição (significado) mais
ação social (força)87.
As proposições performativas possuem um significado tão
claro quanto as proposições assertóricas, e o sucesso ou fracasso de
ações de fala não depende necessariamente de seu valor de verda-
de88 – pode ser que uma verdade seja tão mal explicada que seja
rejeitada89. Habermas põe a seguinte questão: “Será que apenas os
atos de fala constatativos podem ser válidos ou inválidos (verda-
deiro/falso), ou será que também outras ações de fala possuem um
equivalente para a dimensão de verdade?”90. Austin, que originaria-
mente interpretara o resultado verdadeiro/falso e sucesso/não suces-
 
86 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 119.
87 Idem, p. 119-120.
88 “Austin distingue en un comienzo entre expresiones performativas y constatativas.
Las primeras constituyen actos independientemente de algún valor de verdad para la
expresión, como cuando prometemos algo con las palabras ‘te prometo que volveré’.
La promesa es un hecho desde que se expresó ‘perform’, en este contexto, es ‘obrar’).
Las expresiones constatativas, por otro lado, dependen del valor de verdad del
enunciado. Así, si afirmo ‘el gato está debajo de la mesa’, el éxito de la expresión
depende de si el gato está realmente debajo de la mesa. Más tarde, Austin abandona
esta distinción, advirtiendo que la variedad de performativos, al igual que la variedad
de constatativos, también exige ciertas condiciones para su éxito. Por ejemplo, una
promesa se hace con la intención de cumplirla, una pregunta, en honesta ignorancia
y con la intención de averiguar, etc. Austin concluye que la condición de verdad en
los constatativos se encuentra a la par con la variedad de condiciones de éxito
‘felicity conditions’ que despliegan los performativos. Las expresiones constatativas
también son performativas. Son actos del habla, como afirmar, describir, referir,
evaluar. Alcanzado este punto, Austin introduce su teoría sobre la fuerza elocutiva de
las expresiones. Los actos del habla derivan en actos locutivos ‘locutionary acts’,
actos elocutivos ‘illocutionary acts’ y actos perlocutivos ‘perlocutionary acts’. Los
primeros son el hecho de expresar una secuencia lingüística con un significado, los
segundos son los actos que realizamos al expresarnos (como ‘preguntar’, ‘afirmar
algo’, ‘nombrar algo’), los terceros son los actos que realizamos por medio de nuestras
expresiones (por ejemplo hacer que alguien abra una puerta, luego de pedírselo, o que
alguien cierre la ventana, luego de insinuar discretamente ‘hace frío hoy ¿verdad?’).
Excerto do capítulo 2, p. (?): FISCHER, Emilio Rivano. Estructuras del diálogo. Santiago
do Chile: Bravo y Allende, 1994. Versão para internet da obra disponível em
<http://www2.udec.cl/~prodocli/dialogos/libro/DIALOGO.htm>. Acesso em: 18 maio 2006.
89 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. 2. ed. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 120.
90 Idem, ibidem.
Proporcionalidade e Argumentação 41
so como unidos exclusivamente aos atos de linguagem locucionári-
os e ilocucionários, respectivamente, passa a interpretar estas duas
dimensões (verdade e êxito) como aspectos analiticamente separá-
veis de um mesmo ato de fala91. Assim, “qualquer ato de fala pode
ser julgado a fim de saber se ele ‘está correto’ ou se ‘está em or-
dem’ (to be right vs. to be in order)”92.
É esclarecedora a seguinte lição de Alexy em análise à teoria
de Austin: um ato de fala pode ser defeituoso se o que se diz é falso
ou incorreto, e também se é “‘infeliz’ ou malsucedido (unhappy)
como ação”93. Há duas dimensões do ato de fala: “A dimensão, re-
lativa ao ato ilocucionário, de ter êxito ou fracassar (happiness;
unhappiness dimension) e a dimensão, relativa ao ato locucioná-
rio, de verdade ou falsidade (truth/falsehood dimension)”94.
Em relação aos atos performativos de fala, Austin acredi-
tava que ao invés de valores de verdade, estes deveriam apresentar
 
91 Tércio Sampaio Ferraz Júnior adota, em sua análise da natureza das normas de direito,
classificação semelhante, diferenciando as interações lingüísticas presentes nas nor-
mas de direito em dois níveis: nível relato e nível cometimento. O nível relato equi-
vale ao ato locucionário na teoria dos atos de fala de Austin, e o nível cometimento,
ao ato ilocucionário. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do di-
reito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 104. É esclarece-
dora a seguinte passagem: “No discurso normativo, o aspecto-relato – por exemplo:
‘não pise a grama’ – está sempre acompanhado do aspecto-cometimento – ‘isto é
uma ordem, obedeça’. Ora, enquanto a validade exprime uma relação entre o aspec-
to-cometimento de uma norma e o aspecto-relato de outra que a imuniza, a efetivida-
de exprime uma relação entre o aspecto-cometimento e o aspecto relato da mesma
norma”. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica, 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997. p. 115. Esclarece FERRAZ, em artigo recente sobre o tema,
que “o que determina o caráter normativo do discurso é o aspecto-cometimento (tam-
bém chamado de ilocutivo), de tal modo que uma dúvida quanto ao relato (também
chamado de locutivo) – por exemplo,

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