Prévia do material em texto
Homem, Cultura e Sociedade 1 Homem, Cultura e Sociedade Luara Carvalho Ribeiro da Motta 1 ª e d iç ã o Homem, Cultura e Sociedade 2 DIREÇÃO SUPERIOR Chanceler Joaquim de Oliveira Reitora Marlene Salgado de Oliveira Presidente da Mantenedora Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Planejamento e Finanças Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Organização e Desenvolvimento Jefferson Salgado de Oliveira Pró-Reitor Administrativo Wallace Salgado de Oliveira Pró-Reitora Acadêmica Jaina dos Santos Mello Ferreira Pró-Reitor de Extensão Manuel de Souza Esteves DEPARTAMENTO DE ENSINO A DISTÂNCIA Gerência Nacional do EAD Bruno Mello Ferreira Gestor Acadêmico Diogo Pereira da Silva FICHA TÉCNICA Texto: Luara Carvalho Ribeiro da Motta Revisão Ortográfica: Rafael Dias de Carvalho Moraes Projeto Gráfico e Editoração: Antonia Machado, Eduardo Bordoni, Fabrício Ramos e Victor Narciso Supervisão de Materiais Instrucionais: Antonia Machado Ilustração: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos Capa: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos COORDENAÇÃO GERAL: Departamento de Ensino a Distância Rua Marechal Deodoro 217, Centro, Niterói, RJ, CEP 24020-420 www.universo.edu.br Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universo – Campus Niterói Bibliotecária: ELIZABETH FRANCO MARTINS – CRB 7/4990 Informamos que é de única e exclusiva responsabilidade do autor a originalidade desta obra, não se responsabilizando a ASOEC pelo conteúdo do texto formulado. © Departamento de Ensino a Distância - Universidade Salgado de Oliveira Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito da Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura, mantenedora da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). Homem, Cultura e Sociedade 3 Palavra da Reitora Acompanhando as necessidades de um mundo cada vez mais complexo, exigente e necessitado de aprendizagem contínua, a Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) apresenta a UNIVERSOEAD, que reúne os diferentes segmentos do ensino a distância na universidade. Nosso programa foi desenvolvido segundo as diretrizes do MEC e baseado em experiências do gênero bem-sucedidas mundialmente. São inúmeras as vantagens de se estudar a distância e somente por meio dessa modalidade de ensino são sanadas as dificuldades de tempo e espaço presentes nos dias de hoje. O aluno tem a possibilidade de administrar seu próprio tempo e gerenciar seu estudo de acordo com sua disponibilidade, tornando-se responsável pela própria aprendizagem. O ensino a distância complementa os estudos presenciais à medida que permite que alunos e professores, fisicamente distanciados, possam estar a todo o momento, ligados por ferramentas de interação presentes na Internet através de nossa plataforma. Além disso, nosso material didático foi desenvolvido por professores especializados nessa modalidade de ensino, em que a clareza e objetividade são fundamentais para a perfeita compreensão dos conteúdos. A UNIVERSO tem uma história de sucesso no que diz respeito à educação a distância. Nossa experiência nos remete ao final da década de 80, com o bem-sucedido projeto Novo Saber. Hoje, oferece uma estrutura em constante processo de atualização, ampliando as possibilidades de acesso a cursos de atualização, graduação ou pós-graduação. Reafirmando seu compromisso com a excelência no ensino e compartilhando as novas tendências em educação, a UNIVERSO convida seu alunado a conhecer o programa e usufruir das vantagens que o estudar a distância proporciona. Seja bem-vindo à UNIVERSOEAD! Professora Marlene Salgado de Oliveira Reitora. Homem, Cultura e Sociedade 4 Homem, Cultura e Sociedade 5 Sumário Apresentação da disciplina ....................................................................................................... 6 Plano da disciplina ........................................................................................................................ 7 Objeto de Aprendizagem – Etapa 1 ...................................................................................... 9 Objeto de Aprendizagem – Etapa 2 ...................................................................................... 46 Objeto de Aprendizagem – Etapa 3 ...................................................................................... 69 Conhecendo o autor .................................................................................................................... 94 Homem, Cultura e Sociedade 6 Apresentação da Disciplina Olá, estudante! Essa disciplina é nomeada como Homem, Cultura e Sociedade e tem como objetivo instrumentalizar vocês a respeito desse assunto. Cabe apontar que discutir questões sobre cultura e sociedade é de grande importância em diversos cursos de graduação. Isso pode ser afirmado devido às grandes mudanças que temos vivido no nosso país e no mundo, no que diz respeito aos aspectos culturais e comportamentais da sociedade. Ao longo da disciplina, iremos então, conversar sobre essas questões, sobretudo em alguns pontos fundamentais, tais como: (1) A antropologia cultural aplicada ao estudo das sociedades complexas, bem como alguns dos seus objetos de análise; (2) A construção das identidades sociais e da memória coletiva; (3) A sociedade capitalista contemporânea; (4) A antropologia cultural e a mudança de paradigma; (5) As relações entre indivíduo e sociedade, além de entre processo de individualização e socialização; (6) Aspectos políticos na contemporaneidade; (7) Caracterização da sociedade humana; (8) Cultura e diversidade: uma temática antropológica e contemporânea; (9) Identidade, temperamento, personalidade e caráter; (10) Indivíduo e autoconhecimento; (11) Introdução às três áreas das ciências sociais: antropologia, sociologia e psicologia (12) O evolucionismo social e a abordagem da diversidade cultural: história, evolução e progresso; (13) Processo grupal; (14) Processos psicológicos; (15) Psicopatologias; (16) Relação entre psicologia, sociologia e antropologia; (17) Relações entre o significado de cultura, de diversidade cultural e da desigualdade social no mundo contemporâneo; (18) Ser humano como produtor de conhecimento, significados sociais e simbólicos; (19) Sociologia clássica; e, por fim, (20) Subjetividade humana. Todos os 20 tópicos aqui apresentados serão 3 etapas da disciplina. Cabe salientar, também, que todos os conteúdos terão indicações de referências bibliográficas para que vocês possam acompanhar de maneira didática e científica os estudos que estão sendo desenvolvidos sobre tais temáticas. Bons estudos! Homem, Cultura e Sociedade 7 Plano da Disciplina O Plano da disciplina Homem, Cultura e Sociedade é composto de 6 unidades divindades em 3 etapas, que juntas, buscam englobar o objetivo geral de toda disciplina. Assim, cabe ressaltar que as unidades estão em separado, no entanto, possuem uma interligação entre elas, ao passo que é necessário ir evoluindo o estudo do conteúdo para que se alcance o objetivo final. A primeira unidade faz parte da primeira etapa, que é a inicial e composta dos quatros primeiros pontos da disciplina: (1) A antropologia cultural aplicada ao estudo das sociedades complexas, bem como alguns dos seus objetos de análise; (2) A construçãodas identidades sociais e da memória coletiva; (3) A sociedade capitalista contemporânea; e (4) A antropologia cultural e a mudança de paradigma. Essa composição tem como objetivo principal instrumentalizar vocês acerca dos estudos da antropologia cultural e da sociedade atual. Esse conceito é importante para que se entenda o campo contemporâneo e como os processos identitários dos indivíduos são construídos mediante a isso. A segunda unidade, também faz parte da primeira etapa, que complementa a unidade anterior. É composta de mais quatro pontos da disciplina: (5) As relações entre indivíduo e sociedade e o processo de individualização e socialização; (6) Aspectos políticos na contemporaneidade; (7) Caracterização da sociedade humana; e (8) Cultura e diversidade: uma temática antropológica e contemporânea. O principal objetivo dessa unidade é complementar a primeira parte da disciplina caracterizando as relação indivíduo-sociedade no contexto cultural da atual realidade nacional. Já a terceira unidade, faz parte da segunda etapa, e apresenta três principais pontos: (9) Identidade, temperamento, personalidade e caráter; (10) Indivíduo e autoconhecimento; e (11) Introdução às três áreas das ciências sociais: antropologia, sociologia e psicologia O objetivo dessa unidade é Homem, Cultura e Sociedade 8 agora avançar um pouco mais nos conceitos teóricos-científicos acerca das variáveis até então estudadas, e entender em maiores detalhes as três grandes áreas das ciências sociais. A quarta unidade, também faz parte da segunda etapa, e é composta por mais dois pontos relevantes da disciplina: (12) O evolucionismo social e a abordagem da diversidade cultural: história, evolução e progresso; e (13) Processo grupal. O objetivo dessa unidade é o de evoluir o estudo para os conceitos grupais que tanto caracterizam a sociedade brasileira, sendo um dos fenômenos que merecem maior atenção dos pesquisadores e estudiosos da área. A quinta e penúltima unidade, portanto, faz parte da terceira etapa da disciplina. É composta por mais quatro tópicos da disciplina, respectivamente: (14) Processos psicológicos; (15) Psicopatologias; (16) Relação entre psicologia, sociologia e antropologia; e (17) Relações entre o significado de cultura, de diversidade cultural e da desigualdade social no mundo contemporâneo. O objetivo dessa unidade, em que já vamos caminhando para o final da disciplina, é então trazer alguns conceitos-chave dos processos psicológicos, bem como apresentar a sua relação com a sociologia e com a antropologia que já foram bem difundidas nas primeiras unidades. Por último, a sexta unidade é responsável por fechar a terceira etapa, e é composta dos três últimos pontos de aprendizagem, nomeadamente: (18) Ser humano como produtor de conhecimento, significados sociais e simbólicos; (19) Sociologia clássica; e (20) Subjetividade humana. O objetivo dessa última unidade é coroar o aprendizado de vocês sobre o assunto, com uma abordagem sistemática em que o homem é produtor de conhecimento e significados e enfatizar os aspectos da subjetividade nesse contexto. Assim, encerramos a disciplina Homem, Cultura e Sociedade abordando todos os tópicos relevantes e deixando clara a importância de estudar esses conceitos em diferentes áreas de atuação profissional, sobretudo de nível superior. Nesse sentido, a disciplina alcança o seu objetivo com as três etapas aqui propostas. Seja bem-vindo e aproveite os novos conhecimentos! Homem, Cultura e Sociedade 9 Objeto de Aprendizagem Etapa 1 1 Homem, Cultura e Sociedade 10 Bem, pessoal. Nessa primeira etapa nós vamos abordar as duas unidades iniciais da disciplina, em busca de entender melhor a antropologia cultural aplicada ao estudo das sociedades atuais, para que então, possamos entender um pouco mais sobre a construção de identidades sociais e memória coletiva. Além disso, faremos uma reflexão sobre as relações entre indivíduo e sociedade, bem como acerca dos aspectos políticos na contemporaneidade. Fecharemos essas duas primeiras unidades, portanto, com a apresentação de uma mudança de paradigma. Objetivos Analisar a antropologia cultural e seus estudos no campo da sociedade; Entender os processos construtivos identitários e memória coletiva; Compreender o conceito de sociedade capitalista; Avaliar as mutações paradigmáticas da antropologia cultural. Refletir sobre as relações sobre o processo de individualização e socialização; Compreender os aspectos políticos e antropológicos na contemporaneidade; Planejamento Seção 1: A antropologia cultural aplicada às sociedades complexas Seção 2: A construção das identidades sociais e da memória coletiva Seção 3: A sociedade capitalista contemporânea Seção 4: A antropologia cultural e a mudança de paradigma Seção 5: O processo de individualização e socialização Seção 6: Aspectos políticos na contemporaneidade Seção 7: Caracterização da sociedade humana Seção 8: Cultura e diversidade: uma temática antropológica e contemporânea. Bons estudos! Homem, Cultura e Sociedade 11 Seção 1: A antropologia cultural aplicada ao estudo das sociedades complexas Diante do exposto no plano dessa unidade, temos alguns objetivos propostos para serem esclarecidos ao fim da leitura. Para atingir tal objetivo, os conteúdos serão divididos assim como apresentados no plano de aula. Essa estratégia será adotada para que vocês, estudantes, consigam apreender os conteúdos de uma maneira mais didática. Assim, ao final dessa unidade teremos alguns exercícios que serão à nossa maneira de mensurar o quanto o conteúdo proposto foi apreendido por vocês. Tudo bem até aqui? Então vamos lá, seguiremos ao primeiro tópico da nossa primeira etapa. Espero que façam um bom proveito! Para começar, deixo a seguinte questão para vocês, afinal o que é antropologia? Se formos seguir à risca o que é descrito no nosso dicionário cotidiano, podemos entender a antropologia como a ciência do homem no sentido mais lato, que engloba origens, evolução, desenvolvimento físico, material e cultural, além também da fisiologia, psicologia, características raciais, costumes sociais, crenças, e não paramos por aí. A antropologia é sim uma ciência que engloba todos esses aspectos, no entanto é preciso ir um pouco mais além do que o nosso querido amigo dicionário nos informa. Para uma contextualização mais etimológica, cabe ressaltar que a palavra advinda de origem grega, tem como o seu prefixo “anthropos” que significa homem, e o seu sufixo logos ou logia que significa razão, pensamento, ou estudo. Eu, particularmente, gosto de pensar sempre o estudo, porque o estudo está para além da razão ou do pensamento. Sempre que virem o sufixo “logia”, vocês podem associar ao estudo e se perguntarem: estudo sobre o quê?. Esse questionamento os levará para o entendimento mais etimológico do nome da ciência, e consequentemente, ao entendimento mais profundo da proposição de estudo. Vamos a um exemplo: ao pensarmos sobre a psicologia, já sabemos que o sufixo quer dizer estudo, certo? Mas então, é o estudo de quê? Psico no grego quer dizer mental, logo, podemos Homem, Cultura e Sociedade 12 inferir que é o estudo da mente ou dos processos mentais. Essa mesma articulação pode ser utilizada para o entendimento de qualquer outra ciência que segue esses mesmos padrões. Agora voltando a falar exclusivamente da antropologia, que é a ciência que tem como objeto o estudo sobre o homem e a humanidade de maneira totalizante, bem como abrangendo todas as suas dimensões,é possível pensar algumas subdivisões para melhor compreensão. A divisão clássica da antropologia distingue a antropologia cultural da antropologia física ou biológica). No entanto, a divisão norte-americana, conhecida como Four Fields (quatro campos), divide a antropologia em arqueologia, linguística, antropologia física e antropologia cultural. Cada uma destas, em sua construção, abrigou diversas correntes de pensamento. Cabe destacar em maiores detalhes, a área de maior interesse dessa unidade, que é a antropologia cultural. A Antropologia Cultural estuda a diversidade cultural humana, tanto de grupos contemporâneos, como extintos. Pode-se afirmar que há poucas décadas a antropologia conquistou seu lugar entre as ciências. Primeiramente, foi considerada como a história natural e física do homem e do seu processo evolutivo, no espaço e no tempo. Se por um lado essa concepção vinha satisfazer o significado literal da palavra, por outro restringia o seu campo de estudo às características físicas do homem. Essa postura marcou e limitou os estudos antropológicos por largo tempo, privilegiando a antropometria, ciência que trata das mensurações das propriedades físicas do ser humano. Segundo o Museu de Antropologia Cultural da Universidade de Minnesota localizada na região norte dos Estados Unidos, a antropologia cultural abrange três tópicos gerais, que se constituem como especialidades. O primeiro é a etnografia ou etnologia, o segundo é a linguística aplicada à antropologia, e o terceiro ponto é a arqueologia. Para pensar as sociedades humanas, a antropologia preocupa-se em detalhar os seres humanos que as compõem e com elas se relacionam, seja nos seus aspectos físicos, na sua relação com a natureza, seja na sua especificidade cultural. Para o saber antropológico o conceito de cultura abarca diversas dimensões: universo psíquico, os mitos, os costumes e rituais, Homem, Cultura e Sociedade 13 suas histórias peculiares, a linguagem, valores, crenças, leis, relações de parentesco, política, economia, arte, entre outros tópicos. Como não é objetivo da disciplina, não vamos entrar em todo o aparato histórico da antropologia, mas nesse tópico conseguimos entender o que é a antropologia, por que tem esse nome, quais são os seus principais objetos de estudo, e as perspectivas referente a antropologia cultural, certo? Um dos maiores nomes da antropologia, quer seja no Brasil, quer seja no mundo inteiro é Claude Lévi-Strauss que foi um antropólogo, professor e filósofo belga. Lévi-Strauss é até hoje considerado o fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX. Não podemos falar de antropologia nessa unidade, sem ao menos explicar um pouco quem foi esse importante nome para essa ciência. As ideias de Lévi-Strauss são muito diferentes do pensamento da época em que viveu, porque rompem com a ideia de que índios são somente índios, pois não concordava com a divisão em civilizados e selvagens ou a divisão em superiores e inferiores, além de possuir uma visão ambientalista radical. Embora as obras de Lévi-Strauss em certo ponto descrevam os índios do Cerrado brasileiro de forma colonialista, ideias assim só apareceram a partir do final da década de 1960 com o surgimento da contracultura marxista cultural e ambientalista radical. Os estudos mais aprofundamos de Lévi-Strauss podem ser encontrados nos livros do próprio autor ou em trabalhos acadêmicos de outros grandes pesquisadores do assunto. Um exemplo são os estudos de outros autores brasileiros publicados em diversas revistas científicas no país. Deixo para vocês como um exemplo mais prático um artigo publicado por Francisco Salzano em 2016 que disserta sobre a antropologia no brasil e faz o seguinte questionamento: é a interdisciplinaridade possível? Lembro que tudo que referenciarmos aqui constará na nossa lista de referências bibliográficas finais que estará anexada ao final de cada unidade. Salzano (2016) aponta que a história da antropologia no Brasil foi dividida em três fases: 1. Os pioneiros; 2. Período formativo; e 3. Fase contemporânea. Os principais eventos e exemplos de figuras paradigmáticas foram apresentados com relação aos dois primeiros períodos, enquanto para o Homem, Cultura e Sociedade 14 terceiro foi fornecida uma lista de todos os presidentes da Associação Brasileira de Antropologia. A seguir desenvolveu-se abordagem similar para as quatro subáreas em que a Antropologia é tradicionalmente subdividida: Antropologia Social/Cultural; Arqueologia; Linguística; e Antropologia Física/Biológica. A pergunta feita no final do artigo de Salzano (2016) é se a interação entre essas subáreas é possível. A resposta é de que uma abordagem verdadeiramente interdisciplinar é difícil, mas parece ser o melhor caminho para pesquisas de ponta. Sugere-se, portanto, uma abertura maior dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia brasileiros à contratação de especialistas nas quatro subáreas, através de montagens de projetos de cunho nitidamente interdisciplinares. Assim, atingimos o nosso primeiro objetivo que foi analisar a antropologia, sobretudo a antropologia cultural, bem como seus estudos no campo da sociedade atual. Nesse sentido, cabe destacarmos que tal fenômeno corresponde ao desejo do homem de conhecer a sua origem, assim como produz um modo de autoconhecimento que é a identidade, diferenciando os grupos em função de suas idiossincrasias e adaptação em ambientes distintos. É nesse ponto que destacamos o próximo tópico dessa unidade, tal como apresentado no plano anterior. Homem, Cultura e Sociedade 15 Seção 2: A construção das identidades sociais e da memória coletiva Nessa seção buscaremos entender os processos construtivos identitários dos sujeitos e a memória coletiva. Mas antes, pergunto: o que é identidade?. No nosso amigo dicionário, a identidade é o conjunto de características próprias e exclusivas com os quais podemos diferenciar pessoas, animais, plantas e objetos inanimados uns dos outros, quer diante do conjunto das diversidades, quer ante seus semelhantes. Assim, sua conceituação interessa a vários ramos do conhecimento, tais como a antropologia, a psicologia, a sociologia, e outras áreas da ciência. Cada área em particular, possui definições, conforme o foco, podendo ainda haver uma identidade individual ou coletiva, falsa ou verdadeira, presumida ou ideal, perdida ou resgatada. Para a sociologia, por exemplo, a identidade é o compartilhar de várias ideias e ideais de um determinado grupo. Alguns autores, como Karl Mannheim, elaboram um conceito em que o indivíduo forma sua personalidade, mas também a recebe do meio onde realiza sua interação social, como podemos verificar nos estudos mais recentes de Weller (2010). Já para o nosso contexto específico dessa unidade, que é a antropologia, a identidade consiste na soma nunca concluída de um aglomerado de signos, referências e influências que definem o entendimento relacional de determinada entidade, humana ou não humana, percebida por contraste, ou seja, pela diferença ante as outras, por si ou por outrem. Portanto, a identidade está sempre relacionada à ideia de alteridade, ou seja, é necessário existir o outro e seus caracteres para se definir então por comparação e diferença. É nesse sentido que destacamos o aspecto social, e assim conseguimos pensar na construção da identidade social. Além desse aspecto a identidade cultural também merece destaque, uma vez que é um conceito da antropologia, que indica a cultura em queo indivíduo está inserido. É assim que determinados fatores de identidade são decisivos para que um grupo faça parte de tal cultura, por exemplo, a história, o local, a raça, a etnia, o idioma e a crença religiosa. Homem, Cultura e Sociedade 16 Nesse mesmo contexto, podemos esclarecer também a definição da memória coletiva. Tal memória coletiva é a memória de um grupo de pessoas, tipicamente passadas de uma geração para a seguinte, ou ainda a memória compartilhada de um grupo, família, grupo religioso, étnico, classe social ou nação. Segundo Lavabre (1998), o sociólogo francês Maurice Halbwachs cunhou o termo memória coletiva para designar o fenômeno que surge da interação social. O autor concordou com a sociologia tradicional de Durkheim que observou como as representações coletivas do mundo, incluindo as do passado. Assim, tinham suas origens na interação de entidades coletivas desde o início e não poderiam ser reduzidas a contribuições de indivíduos à parte de outros ou de seu grupo social. Assim, caminhamos para o terceiro tópico, que só é possível ser compreendido após as presentes considerações apontados nos dois tópicos anteriores. Homem, Cultura e Sociedade 17 Seção 3: A sociedade capitalista contemporânea Nessa terceira seção vamos compreender o conceito de sociedade capitalista à luz do que já vimos e aprendemos nos tópicos anteriores. O estágio de desenvolvimento contemporâneo do capitalismo caracteriza-se pelo fortalecimento, sem precedentes, de ser contra a tendência fundamental de expansão da produção de mercadorias, o próprio coração do desenvolvimento capitalista. Em seu primeiro estágio de desenvolvimento, o assalariamento da força de trabalho, primeiro incipiente, foi se estendendo, mediante a eliminação das terras comunais e sua transformação em propriedade. Por isso esse estágio é denominado estágio extensivo. Quando o estágio de desenvolvimento extensivo se esgotou, não havendo mais espaço para a extensão da produção de mercadorias, o capitalismo entrou em seu estágio intensivo. No estágio intensivo, portanto, a expansão da produção de mercadorias se restringiu ao aumento da produtividade do trabalho, que por sua vez dependeu do progresso das técnicas de produção e da elevação do nível de subsistência da força de trabalho, necessária para permitir a operação das técnicas de produção crescentemente complexas. Assim, cabe destacar que o processo de globalização proporcionou mudanças no mundo do consumo mediante estratégias que reorganizam as formas de acesso a uma diversidade crescente de produtos através da extensão do crédito e da materialização de equipamentos urbanos. Todo esse aporte se dá de forma articulada através de redes constituídas em torno de centros de interesse que unem forças específicas de mercado. Essas metamorfoses socioeconômicas e culturais que vão para além de sua aparência funcional e objetiva, contribuem para a identificação de um novo período que chamamos de capitalismo contemporâneo. A consagração deste período é abordada por Costa e Godoy (2008) a partir de um viés interpretativo que ressalta um aspecto que se julga pertinente para a Homem, Cultura e Sociedade 18 compreensão das mudanças nas relações de consumo: (i) a apropriação e controle da subjetividade. Os principais dilemas do trabalho no capitalismo contemporâneo são salientados pelas autoras Navarro e Padilha (2007) em seu estudo publicado na Revista Psicologia & Sociedade. As autoras, partindo da concepção marxiana de trabalho que compreende a atividade laboral como uma atividade vital, autodeterminada, dotada de sentido – o que não ocorre sob a lógica do capital –, buscaram apontar algumas das principais mudanças ocorridas no universo do trabalho no século XX e suas consequências para a classe trabalhadora. O que as autoras destacam é que ao longo do desenvolvimento do processo de trabalho – do taylorismo ao toyotismo – as transformações não significaram ruptura com o caráter capitalista do modo de produção e com seu complexo plano ideológico de controle da subjetividade do trabalhador. Exemplos disso são a apologia do individualismo, o aumento do desemprego, da intensificação e da precarização do trabalho, que marcam o mundo do trabalho na sociedade contemporânea. Assim, em uma perspectiva ainda mais atual da articulação dos conceitos identitários e da sociedade capitalista contemporânea, é válido destacar o estudo de Lara-Junior e Lara (2017) sobre a identidade, seguindo uma lógica de colonização do mundo da vida e os desafios para a emancipação. O objetivo dos autores ao abordar esse tema foi apresentar toda uma apresentação teórica do conceito de identidade na obra de Antonio da Costa Ciampa e demonstrar como a colonização do mundo da vida causa entraves para que ocorra o sintagma (identidade, o processo de metamorfose, e a emancipação) para, então, propor um debate contemporâneo sobre o mundo da vida e sua colonização, processo no qual as dificuldades criadas podem constituir identidades fetichizadas. Por fim, para fecharmos esse tópico e sua articulação com os anteriores não podemos deixar de apresentar o papel da teoria Marxista ao capitalismo contemporâneo, como bem aponta os estudos de La Grassa (1991), que foram traduzidos e revisados por Aguiar e Frederico (2010). Karl Marx representa, sem dúvida, o ponto culminante da maior crítica da sociedade burguesa e do modo de produção capitalista. Marx se interessou pelo estudo do Homem, Cultura e Sociedade 19 funcionamento do modo de produção capitalista e concebeu uma maneira de superá-lo a fim de estabelecer as bases de uma futura sociedade comunista. Os principais argumentos é o de que trabalhadores sofrem a progressiva exclusão dos benefícios da enorme riqueza material que é produzida por eles mesmos, mas que fica concentrada nas mãos de uma minoria. Marx, ainda ressaltava que o desenvolvimento cada vez maior das forças produtivas capitalistas geraria infindáveis crises econômicas e, consequentemente, conflitos sociais cada vez mais intensos, que levariam à derrocada da ordem social burguesa. No capitalismo, portanto, o proletariado é considerado por Marx a classe revolucionária. Ela deve desempenhar seu papel histórico de supressão da classe burguesa e a construção de uma ordem social igualitária, baseada no comunismo, isto é, uma sociedade em que inexista a propriedade privada e onde cada indivíduo trabalhe segundo suas capacidades e receba segundo suas necessidades. Nesse sentido, encerramos esse tópico com a apresentação de tais ideias, que podem ser encontradas facilmente em uma busca rápida no maior indexador de trabalhos formais e informais do mundo. Fica então, salientado que tais ideias servem para que os estudantes reflitam sobre tais questões, e de forma alguma, expresse algum tipo de melhor ou pior forma ideal de sociedade. Por fim, partiremos para a próxima seção dessa primeira etapa. Homem, Cultura e Sociedade 20 Seção 4: A antropologia cultural e a mudança de paradigma Essa seção tem como objetivo central avaliar as mutações paradigmáticas da antropologia cultural. Para isso, utilizo como suporte teórico o livro do Roque Laraia (disponível na nossa lista de referências que estão no final de cada unidade), chamado “Cultura: um conceito antropológico”. Laraia apresenta o conceito antropológico de cultura através da articulação dos principais antropólogos. Para a nossa unidade, vamos dar prioridade por evidenciar alguns desses pesquisadores. Assim, cabevoltar um pouco para explicitar que a primeira definição de cultura formulada do ponto de vista antropológico pertence a Edward Tylor. O autor publicou diversas obras sobre tal questão, sobretudo seu livro chamado “Primitive Culture” que em 1871. Edward Tylor demonstrou que cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, o que permite um estudo objetivo e uma análise capaz de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução. Para entender Taylor, é necessário compreender a época em que viveu. O seu livro foi produzido nos anos em que a Europa sofria o impacto da Teoria da origem das espécies, de Charles Darwin, e que a nascente antropologia foi dominada pela estreita perspectiva do evolucionismo unilinear. A década de 60 do século XIX foi rica em trabalhos desta orientação. Estudiosos analisaram o desenvolvimento das instituições sociais, buscando no passado as explicações para os procedimentos sociais da atualidade. A principal reação ao evolucionismo, então denominado método comparativo, inicia-se com Franz Boas, que provocou uma ruptura nos Estados Unidos, onde foi responsável pela formação de toda uma geração de antropólogos. O autor atribuiu a antropologia a execução de duas tarefas: (1) a reconstrução da história de povos ou regiões particulares; (2) a comparação da vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas Homem, Cultura e Sociedade 21 leis. Além disso, Franz Boas propôs em lugar do método comparativo puro e simples, a comparação dos resultados obtidos através dos estudos históricos das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e dos meios ambientes. A partir daí a explicação evolucionista da cultura só tem sentido quando ocorre em termos de uma abordagem multilinear. Já segundo o antropólogo Felix Keesing (1961) não existe correlação significativa entre a distribuição das características genéticas e a distribuição dos comportamentos culturais. O autor aponta que qualquer criança humana pode ser educada em qualquer cultura, se for colocada desde o início em situação conveniente de aprendizado. Assim, um exemplo é: imaginemos que um bebê brasileiro, logo após seu nascimento seja adotado por uma família americana, ele crescerá como um americano e em nada será diferente mentalmente dos seus irmãos de criação. É dessa maneira que o meio era evidenciado por Keesing. Outro antropólogo americano Alfred Kroeber (1960) enfatizava que é por meio da cultura a humanidade se distância do mundo animal, considerando o homem como um ser que está acima de suas limitações orgânicas. Kroeber é um dos grandes contribuintes para a ampliação do conceito de cultura, pois ressaltava que a cultura é mais do que a herança genética, é ela que determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. Assim, foi por meio da cultura, que o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes apenas geneticamente determinadas. Nesse sentido, o autor salientava que as pessoas ditas superdotadas ou gênios, são pessoas altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes de seu sistema cultural e criar diferentes e novos objetos ou técnicas profissionais. Assim é que estão classificadas as pessoas que fizeram as primeiras invenções, tais como o primeiro homem que produziu o fogo através do atrito da madeira seca ou o homem que fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o arco e a flecha, o avião e outras tantas invenções ou descobertas, que impactam o mundo até hoje. Homem, Cultura e Sociedade 22 Outros antropólogos também foram de grande importância para os avanços dos estudos teóricos e metodológico da área. Mas no que tange ao objetivo de nossa unidade vamos agora destacar apenas mais alguns nomes. No entanto, os estudantes que tiverem o interesse em se aprofundar nos estudos particulares das contribuições para a área podem ter acesso ao livro do Laraia, no qual está referenciado na nossa lista de referências ao final da unidade. Em suma, os antropólogos concordam que a tecnologia, a economia de subsistência e os elementos da organização social diretamente ligada à produção constituem o domínio mais adaptativo da cultura. É neste domínio que usualmente começam as mudanças adaptativas que depois se ramificam. Existem, entretanto, divergências sobre como opera este processo., que podem ser referenciadas nas teorias idealistas de cultura, que subdivide em três diferentes abordagens. Dentre essas, a que merece maior destaque para a nossa unidade é aquela que considera cultura como sistemas estruturais, que é a perspectiva desenvolvida por Claude Lévi-Strauss. O autor define cultura como um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana. O seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios culturais, tais como mito, arte, parentesco e linguagem e os princípios da mente que geram essas elaborações culturais. Lévi-Strauss, a seu modo, formula uma nova teoria da unidade psíquica da humanidade. Assim, os paralelismos culturais são por ele explicados pelo fato de que o pensamento humano está submetido a regras inconscientes que controlam as manifestações empíricas de um dado grupo. Por fim, cabe apontar que David Schneider, por outro lado, define que a cultura é um sistema de símbolos e significados, em que compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modos de comportamento. O status epistemológico das unidades ou coisas culturais não depende da observação, uma vez que mesmo imaginação, “fantasmas” ou pessoas que já faleceram podem ser categorias culturais. Assim, um exemplo é: no Brasil todo dia 2 de novembro milhares de pessoas vão ao cemitério para celebrar o Dia de finados, e já os americanos celebram o Halloween. Homem, Cultura e Sociedade 23 Seção 5: O processo de individualização e socialização Nessa seção, iremos abordar um pouco sobre o processo de individualização e de socialização. Caros estudantes, se tem um aspecto que trabalha fortemente nesse contexto, é o aspecto laboral. Em outras palavras, o aspecto do trabalho humano e o significado do mesmo, sobretudo na contemporaneidade. Em uma perspectiva mais histórica, Borges e Yamamoto (2014) destacam o mito de Homero e a interpretação dada por Albert Camus (2000). Homero conta que por ter desafiado os deuses, Sísifo foi condenado a empurrar eternamente montanha acima uma rocha que, por seu próprio peso, rolava de volta tão logo atingisse o cume. Para Camus (2000), o auge do desespero de Sísifo não está na subida, uma vez que o imenso esforço despendido não deixa lugar para outros pensamentos. Já a descida, ao contrário, não exigindo esforço, é o momento em que Sísifo é confrontado com seu destino, em que o aspecto trágico é conferido pela consciência de sua condição. Não sem razão, o mito de Sísifo tem sido considerado o epítome do trabalho inútil e da desesperança. Uma curiosidade é que termos como “tripalium”, “trabicula”, que são termos latinos associados à tortura, estão na origem da palavra “trabalho”. Mas então, estudantes, eu questiono: trabalho deve ser necessariamente associado a sofrimento? Vocês que estão cursando a graduação muito possivelmente já trabalham ou pensam em trabalhar futuramente. Se assim não fosse, não “perderiam” o seu útil tempo estudando para ser um profissional, e consequentemente trabalhar na áreada formação atual. Muitas vezes no dia a dia ouvimos frases como “primeiro o trabalho, depois o prazer”. Essa frase, ao mesmo tempo que exalta a importância do trabalho, tomando-o como uma prioridade de vida no processo de socialização, supõe-no oposto ao prazer. Assim, ressalta que o prazer só existe fora do âmbito laboral ou do ambiente de trabalho. Homem, Cultura e Sociedade 24 Do mesmo modo ouvimos pessoas que contam o que fazem em seus empregos com muito orgulho. Há situações em que as pessoas falam tanto de suas próprias atividades que às vezes até nos aborrecemos. Há também aqueles que vivem se queixando das condições de trabalho. Uns sonham com um mundo no qual não precisem trabalhar, outros se aposentam e reinventam um trabalho para si mesmos, porque não conseguem viver sem uma ocupação. Reclamamos dos nossos empregos e das condições de trabalho, mas continuamos exercendo nossas atividades. Portanto, e possível entendermos que trabalho é objeto de múltipla e ambígua atribuição de significados e sentidos. Existe uma linha de pesquisas no campo da psicologia estudando a variedade de significados e sentidos que as pessoas atribuem ao trabalho. Embora haja um dinamismo dessa área de estudo, porém, o caráter múltiplo e ambíguo das atribuições de significados tende a ser consensual. Assim é que o trabalho passa a ser um agente do processo de socialização. Borges e Yamamoto (2014) apontar que o processo complica ainda mais quando substituímos a atribuição de significados por outros aspectos que sirvam de critérios para diferenciar os âmbitos do trabalho. Assim, se considerarmos as relações de poder dentro das empresas, podemos distinguir o trabalho subordinado das chefias intermediárias, dos gerentes, dos diretores, dos proprietários, entre outros. Portanto, quando utilizamos a palavra “trabalho” para dar ênfase ao processo de socialização do indivíduo, não estamos necessariamente falando do mesmo objeto. Na psicologia do trabalho e das organizações, por exemplo, falamos em construtos como motivação para o trabalho, comprometimento no trabalho, envolvimento no trabalho, aprendizagem no trabalho, socialização no trabalho, satisfação no trabalho, treinamento em trabalho, aconselhamento no trabalho, estresse no trabalho, qualidade de vida no trabalho, e assim por diante. A repetição da palavra “trabalho” foi proposital, para ajudar a ilustrar a frequência com que a empregamos. Mas então, de que trabalho estamos falando? Homem, Cultura e Sociedade 25 Quando o leitor se debruça sobre as diversas teorias referentes a algum fenômeno (p. ex., satisfação, motivação, estresse), se é capaz de se dar conta do conceito de trabalho implícito nelas, terá sua capacidade crítica ampliada. Algumas fronteiras precisam ser delineadas, por exemplo, pensar o processo de socialização da pessoa por meio do trabalho, já podemos pensar que pesquisas nesse campo não lidam com o trabalho dos animais, mas com o trabalho humano. Mas, então, e o que diferencia esses dois tipos de trabalho? Embora não seja simples distinguir as atividades de primatas não humanos das de nossos ancestrais nas suas tarefas de caça e coleta, ou mesmo de algumas que os humanos até hoje fazem, existe um elemento distintivo fundamental: a intermediação da cultura (ARGYLE, 1990; BORGES; YAMAMOTO, 2014). E, de forma mais pontual, o critério frequentemente utilizado é o da intencionalidade, que foi explicitado pela primeira vez por Marx (1983), ao distinguir o “pior arquiteto” da “melhor aranha”. No fim do processo de trabalho, obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. (Marx, 1983, p. 149-150). Assim, a reflexão de Lívia Borges e de Oswaldo Yamamoto (2014) salientam que uma forma de exercer o trabalho tenta eliminar a necessidade da intencionalidade humana ou suas capacidades cognitivas, tenta descaracterizar o próprio trabalho na sua condição humana. E essa compreensão está por trás de muitas críticas e análises que se fazem sobre a forma de planejar e organizar o trabalho. A maior parte dos indivíduos hoje no Brasil e no mundo lidam com o trabalho de forma remunerada. Por isso, os aspectos socioeconômicos são aqui considerados importantes e delimitadores do mundo do trabalho. Homem, Cultura e Sociedade 26 Brief e Nord (1990), por exemplo, destacam a sua opção em adotar a definição econômica do trabalho, que consiste em dizer que ele é o que se faz para ganhar a vida ou o que se é pago para fazer. Isso não significa reduzir o trabalho à sua dimensão econômica, mas que ele é objeto de seus estudos, se essa dimensão é incluída. Outra fronteira comum na literatura do campo é aquela posta pelo contrato de trabalho, que diferencia trabalho de emprego. Alguns autores, como Jahoda (1987), têm-se preocupado com tal diferenciação. Para a autora Jahoda, o emprego é uma forma específica de trabalho econômico (que pressupõe a remuneração), regulado por um acordo contratual (de caráter jurídico). Blanch (1996) acentuou que o emprego implica a redução do trabalho a um valor de troca, portanto, a uma mercadoria, salientando a evolução e os problemas do mundo do trabalho a partir do surgimento do capitalismo. Assim, tais diferenciações têm implicações diretas na forma de analisar os problemas do processo de socialização no mundo do trabalho na contemporaneidade. Atualmente, o uso dos termos “trabalho” e “emprego”, como sinônimos, está enraizado em nossos hábitos linguísticos, o que contribui para continuarmos desatentos a tal engano. Agora pensamento um pouco mais sobre essas questões do papel do trabalho no processo de individualização e socialização, podemos partir para a próxima seção com o objetivo de entender os aspectos políticos na contemporaneidade. Homem, Cultura e Sociedade 27 Seção 6: Aspectos políticos na contemporaneidade Para compreender os aspectos políticos atuais é preciso, mesmo que em síntese, compreender a construção histórica do conceito de trabalho, bem como identificar as principais mudanças, tendências e desafios no mundo do trabalho, considerando as nuances e especificidades do Brasil. Além disso, falar da história do trabalho nos permite segmentar a partir do surgimento do capitalismo. Portanto, a curta passagem do conteúdo aos tempos que antecedem o capitalismo tem como finalidade contrastar as especificidades do mundo capitalista. Segundo Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2014), o conceito do trabalho passou a ocupar um lugar privilegiado no espaço da reflexão teórica nos dois últimos séculos. Embora o trabalho humano já ser existente desde os primórdios da humanidade, sendo exemplos, as comunidades de caçadores e coletores 8.000 anos a.C., a incipiente agricultura no Oriente Médio, na China, na Índia e no norte da África, o trabalho escravo nas civilizações antigas e a relação servil na Idade Média. As ideias sobre o trabalho na antiguidade, de acordo com o pensamento de Platão e de Aristóteles, a exaltação estava na ociosidade. O cidadão, para Platão, deveria ser poupado do trabalho. Aristóteles valorizava a atividade política e referia-se ao trabalho como atividade inferior que impedia as pessoas de terem virtude. Todo cidadão deveria abster-se de profissões mecânicas e da especulação mercantil: a primeiralimita intelectualmente, e a segunda degrada eticamente. A filosofia clássica caracterizava o trabalho como degradante, inferior e desgastante e competia aos escravos. Era realizado sob um poder baseado na força, de modo que o senhor dos escravos detinha o direito sobre a vida deles. Essa organização de valores era possível em razão da extrema Homem, Cultura e Sociedade 28 concentração de riquezas, da submissão dos povos dos territórios conquistados e da legitimação da escravidão. A política, atividade superior e dos cidadãos, não era considerada trabalho. Aristóteles entendia a escravidão como um fenômeno natural, pois sustentava que havia pessoas destinadas a fazer uso exclusivo da força corporal e que deveriam satisfazer suas necessidades no âmbito restrito das atividades manuais. Para Aristóteles, o escravo jamais estaria apto para as descobertas e para os inventos, e seria essa condição que determinaria a perda da liberdade. Mudanças foram acontecendo paulatinamente durante a Idade Média no que se refere à economia e à estrutura das sociedades, de forma que as ideias mais influentes na antiguidade foram se tornando inadequadas. É com o surgimento do capitalismo que se constrói e se consolida uma mudança mais visível na reflexão sobre o trabalho. Assim, podemos questionar: por quê? Para Marx (1983), as novidades na concepção do trabalho refletem as mudanças concretas na organização do trabalho e na sociedade. Para ele, dois fatos principais demarcaram o surgimento da produção capitalista: a ocupação pelo mesmo capital individual de um grande número de operários, estendendo seu campo de ação e fornecendo produtos em grande quantidade, e a eliminação (dentro de certos limites) das diferenças individuais, passando o capitalista a lidar com o operário médio ou abstrato. Esses fenômenos ocorreram com o surgimento da manufatura, que, por sua vez, pressupõe um adiantado processo de acumulação do capital. Quem detém os meios de produção é o capitalista. O indivíduo desprovido desses meios não tem como reproduzir sua existência. Essa situação, que põe de um lado o dono do capital e, de outro, os detentores da força de trabalho, não é um fato natural, mas resultado de um processo histórico. É essa condição “livre” e desprovida dos meios de produção do trabalhador que proporciona a venda da força de trabalho como uma mercadoria – a única que o trabalhador detém. Homem, Cultura e Sociedade 29 Ser mercadoria significa representar um valor de uso e um valor de troca. Em outras palavras, a situação socioeconômica tornou necessário ao indivíduo, desprovido de tudo, vender seu trabalho, e, ao capitalista, adquiri- lo, como meio de dar prosseguimento à produção de outras mercadorias, o que, sendo valor de troca, permite crescer seu capital. Nessa realidade, fundou-se a noção de contrato de trabalho, recriando-o na forma de emprego assalariado. Se nos abstraímos do valor de uso de cada mercadoria, percebemos que permanece uma propriedade: a de produto do trabalho humano. Portanto, um bem tem valor em virtude do trabalho humano nele materializado. Os meios de produção pertencem ao capitalista, logo, o produto é sua propriedade. O trabalhador, que vende sua força de trabalho como qualquer mercadoria, realiza no ato de venda o valor de troca, alienando o valor de uso no que produziu. O capitalista prolonga o uso da força de trabalho em seu benefício, obtendo o lucro da diferença do que pagou e a quantidade de trabalho recebida do trabalhador. Assim, a mais-valia é o prolongamento do processo de formação de valor, ou seja, resulta de um excedente quantitativo de trabalho na duração prolongada do processo de produção. Ao capitalista interessa, pois, ampliar a mais-valia. De início, assim o faz por meio do prolongamento da jornada de trabalho, ou seja, exploração extensiva. Esse prolongamento, porém, é limitado concretamente pelo tempo que um indivíduo pode trabalhar e pelas reações sociais. Por isso, o capitalista busca modos de aumentar a produção de mercadorias, exigindo menor quantidade de trabalho. Além da transformação do trabalho em mercadoria, estabelecida pelo capitalismo emergente, surgiu uma concepção de instrumentalidade econômica do trabalho, em que o trabalho valia tanto mais quanto aumentavam os rendimentos do detentor do capital (ANTHONY, 1977). O novo modo de produção afetou vários aspectos da organização da vida e da sociedade, por exemplo: Homem, Cultura e Sociedade 30 separou os ambientes doméstico e de trabalho; reuniu um número imenso de pessoas em um mesmo lugar ( fábricas) em torno de uma única atividade econômica; intensificou o crescimento das cidades e sua separação do campo. No contexto da fábrica, a “cooperação” introduziu novidades no planejamento, na organização e na execução do próprio trabalho, como a necessidade de padronizar a qualidade dos produtos e dos procedimentos, bem como de adotar uma disciplina. Essas novidades justificaram o surgimento das funções de direção e supervisão (gerência), para fiscalizar e controlar o trabalho. A adaptação do trabalhador a tal realidade não ocorreu de forma simples, sendo um desafio submetê-lo a tais condições. Assim, Borges e Yamamoto (2014) salientam que a situação era contraditória, em razão do fato de se almejar mais produtividade e, pelo modo de produção adotado, provocar um esvaziamento do conteúdo do trabalho, bem como, por consequência, o desgosto com as tarefas por parte do trabalhador, de quem se exigia mais produtividade. A sobrevivência da noção do “livre contrato” do modelo capitalista, por consequência, demandou uma concepção do trabalho, valorizando-o em oposição ao ócio. É nesse sentido, depois de vocês, caros, estudantes, compreenderem de uma forma histórica esses aspectos que cabe apontar o conceito de trabalho hoje no Brasil. Borges-Andrade e Pagotto (2010) atribuíram que pensar o trabalho, por exemplo, em um campo de saber específicos para se pensar sobre ele se tornou emergente. Assim, a própria Psicologia se subdividiu em uma subárea de pesquisa e atuação chamada de Psicologia Organizacional e do Trabalho (PO&T) ou Psicologia do Trabalho e das Organizações (PT&O). Esse é um campo de aplicação de conhecimentos ou de intervenção, justamente na área do trabalho, ou melhor, do trabalhador. Homem, Cultura e Sociedade 31 Como subárea do conhecimento, tem o fazer humano enquanto objeto de estudo e os contextos do trabalho e das organizações como locais desse estudo. Como campo de aplicação ou intervenção, precisa dar respostas a questões práticas concernentes a interações entre o comportamento humano, o trabalho e as organizações onde este comportamento pode ocorrer. Assim é que precisamos periodicamente estabelecer contatos que permitam que produção e utilização do conhecimento caminhem mais ou menos juntas e que mútuos benefícios possam emergir. A pesquisa brasileira raramente ocorre no campo profissional e na pós-graduação lato sensu. Portanto, o lócus para que os mencionados contatos ocorram é a pós- graduação stricto sensu e sua produção está disponível em periódicos científicos. O campo de aplicação ou de intervenção em PT&O deve utilizar o conhecimento gerado pela pesquisa, para solucionar problemas relacionados ao comportamento humano no trabalho, à interação entre esse comportamento e a organização onde ocorre, e às práticas utilizadas para organizar a ação individual e a coletiva, visando atingir determinados objetivos. Portanto, é por essa razão que atualmente se encontrem uma amplagama de pesquisas no que diz respeito às variáveis psicológicas na ciência organizacional contemporânea, tais como satisfação no trabalho, performance, turnover, comprometimento organizacional e resiliência. Homem, Cultura e Sociedade 32 Seção 7: Caracterização da sociedade humana Caminhando para a nossa penúltima seção, cabe apontar que o fato de haver toda uma construção ideológica não eliminou, entretanto, as reais contradições nem as insatisfações e a capacidade de reação dos trabalhadores (BORGES & YAMAMOTO, 2014). Antes contribuiu à exploração radical da classe trabalhadora, registrada por Marx. Por isso, a história do desenvolvimento capitalista é, também, a história da resistência dos trabalhadores, que caracteriza a sociedade humana. Os embates em torno da regulamentação da jornada de trabalho nas leis fabris da segunda metade do século XIX são exemplos da luta do proletariado para impor um limite à exploração capitalista. O sistema de “cooperação”, ao mesmo tempo que engendrou todas as novidades já assinaladas, também reuniu as pessoas em grandes massas trabalhadoras, criando as condições necessárias à construção da consciência de classe dos próprios trabalhadores, estimulando o desenvolvimento da organização trabalhista. Nos países desenvolvidos, o fim do século XVIII e o século XIX foram marcados pelo desenvolvimento do movimento sindical, e as principais ideias que abasteceram as críticas ao regime capitalista foram reflexões marxistas e anarquistas sobre esse sistema. A transformação do modo de produção manufatureira para o modo de produção capitalista da “cooperação” exige um parcelamento progressivo do trabalho em suas operações, simplificando a atuação de cada um (BORGES & YAMAMOTO, 2014). Um conjunto de trabalhadores atua lado a lado, sob um plano geral em um mesmo processo de produção. Tal tipo de organização do trabalho possibilita a massificação da produção. Introduz a noção de operário coletivo. O trabalhador não detém os meios de produção, não tem controle sobre o produto nem sobre o processo de trabalho, e, portanto, são Homem, Cultura e Sociedade 33 suprimidos seu saber fazer e suas possibilidades de identificação com a tarefa e com o produto. A exploração é um dos pontos centrais na teoria marxiana porque, segundo Marx, o regime capitalista caracteriza-se por tomar “[...] a produção da mais-valia como finalidade direta e móvel determinante da produção [...]” (Marx, 1980, p. 78). Assim, a exploração, antes de ser uma distorção do capitalismo, é uma característica inerente a ele. Em síntese, concluímos que, para Marx, o trabalho, que deveria ser humanizador, sob o capitalismo, é o contrário, pois na forma de mercadoria é: 1. alienante, porque o trabalhador desconhece o próprio processo produtivo e o valor que agrega ao produto, além de não se identificar com os produtos de seu trabalho; 2. explorador, devido aos objetivos de produção da mais-valia vinculada ao processo de acumulação do capital; 3. humilhante, porque afeta negativamente a autoestima; 4. monótono em sua organização e conteúdo da tarefa; 5. discriminante, porque classifica os homens, na medida em que classifica os trabalhos; 6. embrutecedor, porque, longe de desenvolver as potencialidades, inibe ou nega sua existência por meio do conteúdo pobre, repetitivo e mecânico das tarefas; 7. submisso, pela aceitação “passiva” das características do trabalho e do emprego, pela imposição da organização interna do processo de trabalho, pelas relações sociais mais amplas e, especialmente, pela força do exército industrial de reserva. Portanto, observamos que a obra marxiana não se constitui em uma mera crítica ao trabalho sob o capitalismo, mas cria valores e novas expectativas em torno do trabalho. O trabalho deve ser humanizador, não alienado. Deve ser digno, que garanta ao ser humano a satisfação de suas Homem, Cultura e Sociedade 34 necessidades, racional (com uma divisão baseada em critério de igualdade entre os homens), e que se constitui na principal força na vida dos indivíduos. A ética do trabalho, associada à primeira Revolução Industrial, e o marxismo exaltam o trabalho. No entanto, tal importância se funda em valores sociais distintos, na caracterização da sociedade humana. Entre outras diferenças, a defesa do tratamento do trabalho como mercadoria desvaloriza a identificação do trabalhador com o produto e o processo de seu trabalho, ou seja, dignifica ganhar a vida trabalhando, mas não interessa em quê. A defesa da superação da alienação no trabalho permite compreendê-lo como uma categoria que contribui na construção da própria identidade do sujeito. O trabalho é, ao mesmo tempo, estruturante para a caracterização da sociedade e para o indivíduo. Em síntese, com a história contada até aqui, expusemos de maneira breve e sucinta formas distintas de conceber o trabalho. Na Tabela 1, foi resumido ainda mais o que discutimos até aqui à luz da revisão realizada por Borges e Yamamoto (2014) para que de uma maneira mais didática, vocês, caros estudantes, possam assimilar as diferenças nas maneiras de caracterização da sociedade humana por meio do trabalho. Assim, fechamos com as três principais concepções. Concepções Influências Contexto Papel do trabalho Clássica Filosofia clássica Antiguidade: trabalho escravo Conceito restrito: trabalho braçal e exaltação do ócio Capitalista tradicional Economia clássica (liberal) Surgimento do capitalismo e do contrato de trabalho (emprego) Glorificação do trabalho como o único meio digno de ganhar a vida Marxista Marxismo Oposição entre: interesses do capital e dos trabalhadores Estruturante da vida das pessoas e das sociedades Homem, Cultura e Sociedade 35 Seção 8: Cultura e diversidade: uma temática antropológica e contemporânea Tudo bem até aqui, caros estudantes? Partiremos agora para o último tópica da nossa etapa 1. Agora iremos fechar tudo que estudamos conversando um pouco sobre a cultura e diversidade existente no mundo. Chamamos de uma temática antropológica e contemporânea exatamente por na caracterização da sociedade atual essas questões serem cada vez mais presentes. Podemos falar de uma cultura universal? Ou é melhor falarmos de uma cultura diversa? Se por um breve momento pensarmos nos diferentes estilos de roupas e diferentes alimentos (no almoço por exemplo) consumidos no mundo, já é possível ter uma dimensão do quão diversa a sociedade é, não é mesmo? Ao pensar no trabalho também é possível identificar suas diversidades culturais. Enquanto em algumas culturas, na execução, o trabalhador deve ser poupado de pensar para que possa repetir os movimentos ininterruptamente, ganhando em rapidez e exatidão; Em outras, por sua vez, é por meio do pensamento e reflexão que o trabalho é realizado de modo satisfatório. Assim é que as pesquisas cada vez mais têm como elementos centrais a formulação de hipóteses ou suposições, em busca de explicar relações entre desempenhos das pessoas no trabalho (por ser uma característica fundamental da sociedade contemporânea) e atributos individuais, das equipes, da organização ou da sociedade. Além disso, também como elemento central é a identificação das variáveis de pesquisa, quer seja aquelas que se quer explicar (por exemplo, desempenho, bem-estar, satisfação no trabalho etc.), quer seja as que são as explicações plausíveis para as questões que queremos explicar (ZANELLI et al., 2014). Homem, Cultura e Sociedade 36Agora eu pergunto: Quem precisa da pesquisa acerca das características dos trabalhadores sobre tais diversidades culturais na sociedade contemporânea? Inicialmente se beneficiam os profissionais ou estudantes que necessitem conhecer os fundamentos e as suposições inerentes ao processo de conhecimento científico na área. Assim, os interessados não estão dispostos a confiar na especulação ou em evidência baseada em histórias, contos ou ficção, para tomar decisões. Mas em evidências científicas de pesquisas realizadas, sendo essa a principal base da sociedade contemporânea. Se há algumas décadas para se buscar um número de telefone a pessoa demorava horas, até dias. Ou então para buscar uma referência da literatura passava-se semanas dentro das bibliotecas... Na sociedade contemporânea é possível ter todas essas e outras informações em minutos. Assim é que as características culturais e diversas também estão inseridas, ao passo que tudo se torna possível e rápido ao alcance das mãos. Assim, é que se o trabalho é uma das características principais das sociedades contemporâneas é preciso que as áreas da Psicologia, Sociologia e Antropologia, privilegiam esse campo com os estudos dos principais fenômenos nesse sentido, tais como: • Comportamentos; • Relações entre pessoas e grupos; • Disposições; • Motivos; • Percepções; • Crenças; • Reações; • Atitudes; • Significados; • Valores; • Sentimentos Portanto, o que torna o estudo nesse segmento único é o seu foco de interesse estar nos contextos de trabalho, trabalhadores e organizações. Assim, não estamos apenas interessados em mensurar e descrever estes Homem, Cultura e Sociedade 37 fenômenos. O interesse não é apenas no como essas coisas acontecem, mas, de fato, o interesse é no porquê. Nesse sentido, estamos interessados em conhecer os antecedentes e consequentes desses fenômenos, ou como eles dependem de características: (1) do indivíduo; (2) da sua equipe; (3) da sua organização; e (5) da sociedade. Homem, Cultura e Sociedade 38 Referências Bibliográficas ANTHONY, P. D. The ideology of work. London: Tavistock, 1977. ARGYLE, M. The social psychology of work. 2nd ed. London: Penguin, 1990. BLANCH, J. M. Psicología social del trabajo. In: ALVARO, J. L.; GARRIDO, A.; TORREGROSA, J. R. (Org.). Psicología social aplicada. Madrid: McGraw-Hill, 1996. BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo; DO PRADO PAGOTTO, Cecília. O estado da arte da pesquisa brasileira em psicologia do trabalho e organizacional. Psicologia: teoria e pesquisa, p. 37-50, 2010. BRIEF, A. P.; NORD, W. R. Meaning of occupational work: a collection of essays. Massachusetts: Lexington Books, 1990. BORGES, L. D. O.; YAMAMOTO, O. H. (2014). Mundo do trabalho: construção histórica e desafios contemporâneos. In: José Carlos Zanelli; Jairo Eduardo Borges-Andrade; Antonio Virgílio Bastos. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. (pp. 25-72). AMGH Editora. COSTA, P. H. F.; GODOY, P. R. T. O capitalismo contemporâneo e as mudanças no mundo do consumo. XI Coloquio Internacional de Geocrítica: La Planificación Territorial y el Urbanismo desde el Diálogo y la Participación. Universidade de Barcelona, v. 30, 2008. JAHODA, M. Empleo y desempleo: un análisis socio-psicológico. Madrid: Morata, 1987. LA GRASSA, Gianfranco. O capitalismo contemporâneo e o papel da teoria marxista. Publicado originalmente na revista italiana Critica Marxista, n 1, 1991. Traduzido e revisado por Carlos Roberto Aguiar e Enid Frederico, 2010. Disponívelhttps://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/arti go267Artigo6.pdf LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico — 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001 Homem, Cultura e Sociedade 39 LAVABRE, Marie-Claire. Maurice Halbwachs et la sociologie de la mémoire. Raison présente, v. 128, n. 1, p. 47-56, 1998. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Ubu Editora LTDA-ME, 2018. MARX, K. O capital. São Paulo: Abril Cultural, 1983. MARX, K. Sociologia. São Paulo: Ática, 1980. (Grandes Cientistas Sociais, n. 10). NAVARRO, Vera Lucia; PADILHA, Valquíria. Dilemas do trabalho no capitalismo contemporâneo. Psicologia & Sociedade, v. 19, n. 1, p. 14-20, 2007. SALZANO, Francisco M. A antropologia no Brasil: é a interdisciplinaridade possível?. Amazônica-Revista de Antropologia, v. 1, n. 1, 2016. WELLER, Wivian. A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim. Sociedade e Estado, v. 25, n. 2, p. 205-224, 2010. ZANELLI, José Carlos; BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo; BASTOS, Antonio Virgílio Bittencourt. Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil. AMGH Editora, 2014. Homem, Cultura e Sociedade 40 Leitura Complementar Como leitura complementar para essa unidade cabe apontar, sobretudo as obras elaboradas pelos antropólogos e grandes pesquisadores aqui evidenciados. Nesse espaço de leitura complementar não será citado nenhuma das referências utilizadas para a construção da unidade. Mas lembro que todas referências utilizadas, inclusive o livro do Laraia, em que estão especificados os principais trabalho dos principais antropólogos estão na lista de referências finais. Além disso, abaixo deixo algumas referências como leituras complementar do assunto abordado. FRÚGOLI Jr, H. (2005). O urbano em questão na antropologia: interfaces com a sociologia. Revista de Antropologia, 48(1), 133-165. LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Londres: Merlin, 1967. LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012. MALVEZZI, S. O psicólogo organizacional, peregrinação na sociedade e a formação do agente econômico reflexivo [Resumo]. In: SOCIEDADE Brasileira de Psicologia (Org.). XXX Reunião Anual de Psicologia: resumos. Brasília: [s.n.], 2000. p. 33-34. MANDEL, E. O capitalismo tardio. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. MARGLIN, S. A. Origens e funções do parcelamento das tarefas. In: GORZ, A. (Org.). Crítica da divisão do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1980. p. 38- 80. VELHO, G. (1987). Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Zahar. VELHO, G. (1994). Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Zahar. Homem, Cultura e Sociedade 41 Finalizando a Etapa 1 Caros estudantes, Teste seus conhecimentos realizando algumas atividades de autoavaliação disponíveis no seu ambiente virtual de aprendizagem. Elas irão ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Diante do exposto, podemos destacar que os principais objetivos propostos para essa primeira etapa foram alcançados. Como uma etapa introdutória, entendemos que é um pouco mais exaustiva por se tratar de tantos conteúdos novos que suscitam profundas reflexões. Assim, especificadamente, foi possível analisar a antropologia cultural, bem como seus estudos no campo da sociedade; além de entender os processos construtivos identitários dos sujeitos e a memória coletiva; compreender o conceito de sociedade capitalista; e ainda, avaliar as mutações paradigmáticas da antropologia cultural em uma perspectiva histórica. Além disso, vimos as relações entre indivíduo e sociedade e o processo de individualização e socialização; os aspectos políticos na contemporaneidade; a caracterização da sociedade humana; e encerraremos o tema cultura e diversidade: uma temática antropológica e contemporânea. É nesse contexto, caro estudante, que encerramos a nossa primeira etapae convidamos os estudantes para embarcar em mais uma jornada rumo ao próximo Objeto de Aprendizagem. Na próxima etapa (Etapa 2) iremos complementar o estudo com o objetivo de avançar um pouco mais nos conceitos teóricos-científicos acerca das variáveis até então estudadas, e entender em maiores detalhes as três grandes áreas das ciências sociais. Além disso, enfatizar os conceitos grupais que tanto caracterizam a nossa sociedade nacional. Homem, Cultura e Sociedade 42 Exercícios – Etapa 1 1) A antropologia pode ser definida como: a) Estudo das ciências humanas por se tratar de perspectivas genéticas b) Estudo sobre o homem e a humanidade em todas as suas dimensões c) Estudo filosófico e sociológico dos mais diferentes grupos brasileiros d) Estudo dos singulares comportamentos dos índios, como aponta Lévi- Strauss e) Campo interdisciplinar que articula a “psico” com o “anthropos” 2) A divisão clássica da antropologia distingue: a) A antropologia cultural da antropologia física ou biológica b) A antropologia grupal da antropologia individual c) A antropologia cultural com a evolução das espécies d) A antropologia física do ser humano e a antropologia do campo psicológico e) Apenas em antropologia cultural 3) Quem é um dos maiores nomes da antropologia estruturalista no mundo? a) Claude Lévi-Strauss b) Francisco Salzano c) Maurice Halbwachs d) Karl Marx e) Edward Taylor 4) De acordo com a antropologia, a identidade pode ser definida como: a) Uma soma concluída e independente das relações sociais b) Um conglomerado de pessoas com a mesma cultura e comportamentos sociais Homem, Cultura e Sociedade 43 c) Uma soma concluída de signos e influências nunca relacionada à alteridade d) Uma soma nunca concluída de signos e referências sempre relacionada com a ideia de alteridade e) Um documento que registra individualmente todas as pessoas no mundo 5) Qual o conceito de memória coletiva? a) Uma memória que não é passada de uma geração para a seguinte b) Memória individual caracterizada por aspectos pessoais como a idade da pessoa c) É a memória de um grupo de pessoas que surge da interação social d) Memória simples que não é compartilhada com todos os membros do grupo e) Nenhuma das anteriores 6) A maior crítica ao modo de produção capitalista é realizada por: a) Claude Lévi-Strauss b) Francisco Salzano c) Maurice Halbwachs d) Karl Marx e) Edward Taylor 7) Assinale (V) para verdadeiro e (F) para falso: a) A cultura é um conceito antropológico ( ) b) A antropologia é o estudo da mente e do comportamento ( ) c) Edward Tylor foi o primeiro antropólogo a definir o conceito de cultura ( ) d) A antropologia nunca refutou a teoria da evolução e Charles Darwin ( ) e) A maior preocupação da antropologia está no componente genético que afeta as relações sociais ( ) 8) Qual a principal característica da sociedade humana contemporânea? a) A observação das coisas culturais b) O trabalho e o seu papel c) A quantidade de filhos que é maior Homem, Cultura e Sociedade 44 d) A inclusão dos animais como integrantes da sociedade humana e) Nenhuma das opções anteriores 9) A partir dos conceitos estudados, defina antropologia? 10) Diante do conteúdo, como podemos explicar o conceito de identidade social? Homem, Cultura e Sociedade 45 GABARITO 1. B 2. A 3. A 4. D 5. C 6. D 7. V, F, V, F, F 8. B 9. O estudante deverá dissertar sobre o conceito de antropologia com base na definição de que a antropologia é a ciência que tem como objeto o estudo sobre o homem e a humanidade de maneira totalizante, bem como abrangendo todas as suas dimensões. Pode também apontar sobre as divisões da antropologia e salientar que antropologia cultural estuda a diversidade cultural humana, tanto de grupos contemporâneos, como extintos. 10. O estudante deve abarcar o conceito de identidade no que tange à antropologia, que conceituam a identidade como uma soma nunca concluída de um aglomerado de signos, referências e influências que definem o entendimento relacional de determinada entidade, humana ou não humana, percebida por contraste, ou seja, pela diferença ante as outras, por si ou por outrem. Assim, a identidade está sempre relacionada à ideia de alteridade, porque é necessário existir o outro e seus caracteres para se definir então por comparação e diferença. É nesse sentido que destacamos o aspecto social. Homem, Cultura e Sociedade 46 2 Objeto de Aprendizagem Etapa 2 Homem, Cultura e Sociedade 47 Olá, estudantes! Agora, vamos para a nossa segunda etapa de estudos. Animados? Bem, nessa segunda etapa, iremos dar continuidade ao nosso tema central, mas o foco agora é avançar um pouco mais nos conceitos teóricos- científicos das três grandes áreas das ciências sociais, que se enquadra no Colégio de Humanidades estabelecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Assim, poderemos evoluir o estudo para os conceitos grupais que tanto caracterizam a sociedade brasileira, sendo um dos fenômenos que merecem maior atenção dos estudantes da área. Objetivos Analisar os aspectos de identidade, temperamento, personalidade e caráter; Entender os processos do indivíduo e o seu autoconhecimento; Compreender as três áreas das ciências sociais: antropologia, sociologia e psicologia. Refletir sobre o evolucionismo social e a abordagem da diversidade cultural: história, evolução e progresso. Enfatizar o processo grupal, principalmente ligado ao trabalho. Planejamento Seção 9: Identidade, temperamento, personalidade e caráter. Seção 10: Indivíduo e o seu autoconhecimento. Seção 11: Antropologia, sociologia e psicologia. Seção 12: Evolucionismo social e a abordagem da diversidade cultural: história, evolução e progresso. Seção 13: Processo grupal. Bons estudos! Homem, Cultura e Sociedade 48 Seção 9 - Identidade, temperamento, Personalidade e caráter O nosso primeiro fenômeno a ser apresentado é a identidade. A identidade do sujeito é um fenômeno relacional, e é possível afirmar que as identidades são continuamente reafirmadas e redefinidas ao longo da vida (Ciampa, 1996). Antonio Ciampa já salientava que o indivíduo está sempre inserido na tensão entre a afirmação a um determinado grupo no qual compartilha crenças, valores e significados, e a oposição, que é caracterizada pelo distanciamento de um determinado grupo. Assim, a identidade se subdivide em identidade pessoal e identidade social. A identidade pessoal é influenciada pelas experiências subjetivas incorporadas ao autoconceito (quem sou eu?). Já a identidade social é implicada no exercício de papéis e pertencimento a grupos sociais. Assim, Sônia Gondim e outros pesquisadores em 2016 afirmam que não se nasce com uma identidade, mas que cada pessoa tem um papel ativo e reflexivo no processo de construção de sua identidade e que tal processo se dá por meio da interação social durante a trajetória de vida. Dessa maneira a depender do meio em que o sujeito está inserido e as trocas que estabelece, fazem com que as identidades se atualizem continuamente. É nesse contexto que tendo em vista os inúmeros papéis sociais e grupos de pertencimento, Stryker e Serpe (1994) salientaram que as identidades se organizam em uma hierarquia que passa por mudanças a depender das fases da trajetória de cada um. O nosso segundo fenômeno a ser apresentado é o temperamento.