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Kujubim - Povos Indígenas no Brasil

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Kujubim - Povos Indígenas no Brasil
Os Kujubim vivem no sudoeste amazônico, no estado de Rondônia, fronteira
com a Bolívia. São um dos muitos povos indígenas que se encontram na área
denominada “Grande Rondônia”, ainda pouquíssimo estudados ou mesmo
conhecidos. Sua língua, kuyubi ou kaw tawo, pertence à família linguística
txapakura. Apesar de terem sido considerados extintos pelo Estado brasileiro
nos anos 1980, na perspectiva kujubim e de outros povos na região, eles nunca
deixaram de existir e resistir. Desde a década de 2000, os Kujubim vêm
retomando seu protagonismo no cenário regional e nacional, principalmente a
respeito da demarcação de seu território tradicional e da reivindicação dos
direitos constitucionais indígenas.
Nome e população
Crianças Kujubim na pescaria no Rio Guaporé. Foto: Gabriel
Sanchez, 2018.
“Kujubim” é o nome pelo qual todos os indivíduos do grupo — e mesmo os que
não fazem parte dele — identificam a etnia. Segundo as matriarcas, já falecidas,
que viveram diretamente no território tradicional deste povo, o nome “Kujubim”
foi dado por integrantes da comitiva de Marechal Rondon que passaram pelo
território indígena por volta de 1920, e atribuíram esse nome aos índios por
morarem em um igarapé em que o pássaro cujubim (Pipile cujubi) era
abundante. A autodenominação do grupo no “tempo da maloca” (o período
antes do contato), era Towa Panka que, segundo a matriarca Suzana, significa,
na língua nativa, “cabeça branca”. O termo sugere uma relação simbólica já
existente entre esse povo indígena e o pássaro cujubim, que tem o corpo todo
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_3.jpg?m=1566935071
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_3.jpg?m=1566935071
preto e possui, apenas em sua cabeça, penas brancas. A explicação nativa para
essa relação aparece em uma narrativa mítica, segundo a qual é o pássaro
cujubim que traz as almas dos humanos para seus corpos quando nascem e as
leva embora quando morrem.
Os atuais Kujubim antes se separavam em três grupos distintos: Kumaná,
Matawá e Kujona. Embora apresentassem diferenças entre si, os não índios da
época os chamavam, indistintamente, de “Cautários”. A denominação deriva,
muito provavelmente, da interpretação de um termo que ouviram dos Moré,
grupo de relações históricas com o Kujubim, que atribuíam a esses últimos o
nome “kaw tayo” — “comedores de peixe-cachorro”, na língua nativa.
Meninas coletando batatas. Foto: Gabriel Sanchez, 2018
O censo da Sesai registrou, em 2014, 140 indivíduos kujubim, o que representa
um crescimento de cerca de 2% ao ano desde o levantamento realizado pela
Funasa em 2010, que contabilizou 129 pessoas. Para efeito de comparação, a
taxa de crescimento anual média do período no Brasil foi aproximadamente
0,9%, segundo o Banco Mundial. A população kujubim vem aumentando ano a
ano, principalmente por conta de casamentos interétnicos com outros povos
indígenas que vivem na Terra Indígena Rio Guaporé, com quilombolas da região
de Santo Antônio, em Costa Marques (RO), e com não índios. Os descendentes
desses casamentos não deixam de ser identificados como Kujubim. Esse cenário
de aumento populacional é muito importante e significativo para o povo,
principalmente pelo fato de que, nos anos 80, os Kujubim haviam sido
considerados extintos pelas fontes oficiais.
Língua
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_7.jpg?m=1566935075
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_7.jpg?m=1566935075
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
A língua kujubim pertence à família linguística txapakura e foi classificada por
Duran (2000) como “kuyubi” ou “kaw tayo”. As únicas falantes da língua kuyubi
das quais se teve notícias — e com quem foi possível realizar estudos linguísticos
— foram as três matriarcas, Suzana, Rosa e Francisca, já falecidas. Nos dias
atuais, a comunicação oral na língua se reduz a palavras de uso cotidiano, como
“tok ta” (chicha, uma bebida fermentada de mandioca), e aos nomes de animais
presentes em seu dia a dia, como imin (anta), myak (queixada) e kinam (onça),
sendo o português a língua predominantemente falada no território.
Em 2017, projeto “Documentação e Salvaguarda da Língua Moré-Kujubim” teve
início, almejando a retomada do uso escrito e oral da língua nativa nas aldeias.
Coordenada por Joshua Birchall (do Museu Paraense Emílio Goeldi), que
produz atividades e oficinas com os Kujubim e demais etnias na região, a ação
recupera o repertório de palavras kujubim falado atualmente. Por meio de
estudos linguísticos, realizados a partir de gravações, trabalhos científicos e
anotações de viajantes, foi possível registrar cerca de 800 palavras da língua
kuyubi em uso hoje.
Tal língua era compartilhada pelos grupos matawá, kumaná e kujona, que se
fundiram nos atuais Kujubim durante o século XX. Dados de um dialeto
chamado kumaná, coletados pelo etnólogo alemão Emil Snethlage nos anos
1930, mostram uma semelhança notável com a língua kujubim, o que reafirma a
possibilidade de se tratarem do mesmo grupo no passado.
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_19.jpg?m=1567458844
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Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Em um estudo sobre o proto-txapakura, Angenot-de Lima (1997) havia
considerado que o “kuyubi”, dialeto falado pelas três matriarcas, seria uma
“nova” língua, muito próxima daquela falada pelos Moré, o povo indígena de
relações históricas com os Kujubim que mora na margem esquerda do rio
Guaporé, no lado boliviano.
O trabalho de Duran (2000), que melhor investiga a língua, indica que o kuyubi
e o moré possuem apenas algumas variações dialetais no uso de consoantes, mas
em geral são quase idêntico entre si, considerando que foram raríssimos os
lexemas não reconhecidos como existentes em ambas as línguas. Além disso, em
relação ao sistema gramatical kuyubi, não foi identificada nenhuma construção
sintática nem morfológica que não exista também no moré.
Em um estudo recente, Birchall et al (2016) propõem uma divisão em subgrupos
da família txapakura, a partir de uma releitura de classificações anteriores,
colocando a língua kujubim num ramo designado “moreico”, juntamente com
outras línguas, como o moré e o torá, que se diferenciam, por exemplo, do ramo
“warico”, constituído pelas línguas wari’, oro win, wanyam, jarú e urupá.
Localização
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_18.jpg?m=1567457995
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https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tor%C3%A1#L.C3.ADngua
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tor%C3%A1#L.C3.ADngua
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Oro_Win#L.C3.ADngua
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Oro_Win#L.C3.ADngua
Homem Kujubim regressando do trabalho. Em suas costas, o
paneiro, cesta comumente utilizada para carregar cultivos da roça.
Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Os Kujubim estão distribuídos por toda a extensão de Rondônia, com maior
concentração de indivíduos no sudoeste e sul do estado, na divisa com a Bolívia.
Eles residem, especialmente, em duas aldeias: Baía das Onças e Posto Indígena
Ricardo Franco, na Terra Indígena Rio Guaporé, no município de Guajará-
Mirim. O território, habitado por dez etnias, foi demarcado em 1976 e
homologado vinte anos depois. Muitas famílias kujubim também se encontram
dispersas em áreas urbanas das cidades de Guajará-Mirim, Costa Marques,
Porto Velho, Seringueiras e São Francisco do Guaporé.
Desde 2002, os Kujubim reivindicam, em assembleias e manifestações, a
demarcação de suas terras tradicionais no alto e médio rio Cautário, entre os
municípios de Guajará-Mirim e Costa Marques. O processo de demarcação de
seu território, a Terra Indígena Rio Cautário, se iniciou em 2013 e, em 2019,
ainda se encontra em seuprimeiro estágio: a fase de identificação.
Histórico do contato
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/IMG_20180327_173956363.jpg?m=1567457792
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https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
https://terrasindigenas.org.br/en/terras-indigenas/5366
https://terrasindigenas.org.br/en/terras-indigenas/5366
Kujubim em canoa na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Há indícios documentais — em mapas, relatórios e diários — de que os atuais
Kujubim antes se separavam em três grupos distintos, chamados Kumaná,
Matawá e Kujona. Todos falavam a mesma língua, apresentando apenas algumas
variações dialetais, e trocavam cônjuges, alimentos e artefatos entre si. Esse
dado também é amparado por informações de uma matriarca kujubim
capturada por seringueiros na década de 1940. Embora os três grupos
apresentassem algumas diferenças, os não índios da época não faziam distinções
e os chamavam simplesmente de “Cautários”.
O contato desses grupos com os não índios se deu por volta do século XVIII.
Segundo Denise Maldi, nesse período o rio Guaporé e seus tributários foram
uma barreira “natural” na fronteira entre duas coroas ibéricas na América
colonial. Isso conferiu à região um tipo de ocupação fortemente comprometida
com a defesa e a posse de territórios de dois reinos tradicionalmente rivais,
considerando, por exemplo, a construção do monumental Forte Príncipe da
Beira, vizinho das terras tradicionalmente ocupadas pelos Kujubim (Métraux,
1948). A política indigenista do período colonial, que insistia na ocupação
fronteiriça, expressava o interesse de manter os índios em suas terras para,
dessa forma, garantir a segurança do território.
Ao final do século XVIII, quando os movimentos de libertação nas Américas
começaram a tomar corpo e os limites territoriais das colônias já não
funcionavam muito bem, a região passou a ser esvaziada rapidamente. Contudo,
o contato entre os Kujubim e os não índios nesse período foi o suficiente para
ocasionar o quase desaparecimento desse povo, que se reduziu a algumas
dezenas de indivíduos, principalmente por conta das doenças infecciosas
trazidas pelos não indígenas.
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/IMG_20180417_093249414.jpg?m=1567457792
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Ainda no século XIX, o engenheiro Ricardo Franco registrou que o contato com
os índios “Cautários” estava sendo retomado aos poucos. A partir do início do
século XX, a região voltou a ser invadida em razão da demanda global por
borracha, intensificando a chegada de figuras como madeireiros e seringueiros,
e fazendo com que os povos indígenas remanescentes do primeiro contato
fossem rapidamente incorporados à mão de obra local.
Por volta dos anos 1930, a área passou a ser ocupada com a instalação de
inúmeros estabelecimentos para exploração de borracha e caucho, fazendo com
que os povos que viviam tanto na margem esquerda quanto na direita (caso dos
Kujubim) do rio Guaporé tivessem suas aldeias invadidas, sofressem com as
epidemias e fossem obrigados a abandonar seus territórios tradicionais,
instalando-se em barracões no entorno.
Suzana, uma das matriarcas kujubim, afirmou que, antes mesmo do
aparecimento dos seringueiros, uma comitiva do Marechal Rondon passara por
sua terra, por volta dos anos 1920. Nessa mesma época, alguns anos depois,
outros brancos foram chegando e espalhando doenças, principalmente gripe e
sarampo, que quase acabaram com o povo. Suzana recordou que seus parentes
se jogavam na água porque queimavam de febre. Contou, também, que seu povo
era extremamente “bravo”, mas aos poucos foi se “amansando”, e começou a
fazer trocas de objetos manufaturados com os não índios.
Alguns Kujubim que sobreviveram a esses contatos iniciais conseguiram fugir
para outras regiões, mas outros, que não morreram por conta das doenças,
foram capturados por seringueiros e levados para os barracões de seringa de
diferentes lugares, principalmente em Canindé, Esperança, Marçal, Ouro Fino e
Santa Lurdes. Dessa forma teve início a dispersão dos Kujubim por Rondônia,
assim como aconteceu com vários grupos nativos do vale do Guaporé.
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_16.jpg?m=1567457970
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Cacique Valdino Kujubim (ao centro) e Sérgio Wajuru
confeccionando uma flecha para pescaria. Foto: Gabriel Sanchez,
2018.
Juntamente com a invasão de seringalistas, missionários também começaram a
contatar os Kujubim. Em algumas páginas de seu diário, o primeiro bispo de
Guajará-Mirim e missionário, Dom Francisco Rey, dedicou alguns devaneios
sobre a “visita à maloca dos índios do rio Cautário”:
O primeiro rapaz que amansou os ‘Kumaná’ penetrando e ficando
uma vez na maloca deles, chamou-se Francisco Bento (ajudante do
Rivoredo em Paaca Nova). Acertou tão bem que o fizeram Tucháu na
Maloca, festejando ele e querendo guardá-lo até o ponto que teve que
fugir para escapar deles. (Diário de Dom Rey, “Visita à maloca dos índios do
rio Cautário”, 07/08/1932, página 7)
Emil-Heinrich Snethlage, importante etnólogo alemão que dedicou anos à
pesquisa com os povos que viviam (e vivem) ao longo de todo o rio Guaporé,
também contatou os ancestrais dos Kujubim. No início de 1934, Snethlage subiu
o rio Cautário para visitar os Kumaná e registrou, nesse ano, que “restaram
somente uns vinte e tantos desta tribo, inclusive dos que tinham ido para
Canindé, centro dos seringueiros no Cautário”. Ao voltar, no final do ano,
constatou: “[os Kunamá foram] reduzidos a 13 e a famada baia das Onças a onde
não achei índios nenhuns”. Por esses motivos, Snethlage registrou que não foi
possível recolher muitas informações sobre esse povo — uma vez que estavam
beirando a morte, por conta das doenças —, mas que conseguiu coletar alguns
artefatos.
Com o passar dos anos, pouco se ouviu falar dos Kumaná, Matawa ou Kujona, os
ancestrais dos atuais Kujubim. Aqueles que conseguiram sobreviver foram aos
poucos se casando com indivíduos de outras etnias ou com não índios, e se
espalhando ao longo de todo o território do rio Guaporé e seus afluentes,
estabelecendo-se também em cidades banhadas pelo rio. Este cenário de
esquecimento forçado da etnia resultou na falsa constatação, lançada pelos
órgãos estatais de tutela aos índios, de que os Kujubim haviam sido extintos no
território nacional.
A história recente desse povo, da qual se tem registro, começou quando as três
matriarcas proporcionaram, com a ajuda do Conselho Indigenista Missionário
(CIMI) em Rondônia, um encontro fundamental na “I Assembleia do povo
Kujubim”, em 2002. Reuniram-se nessa data para começar a luta pela
identificação e demarcação de seu território tradicional e contar, para netos,
filhos e bisnetos, um pouco da esquecida história kujubim e dar início, então, à
retomada dos aspectos históricos e territoriais da sua existência. A maioria dos
indivíduos deste grupo possui histórias muito diferentes e não teve a
oportunidade de dividir um espaço compartilhado. Embora essa configuração
de dispersão espacial tenha afetado a estrutura social do grupo, os Kujubim
seguiram resistindo e se organizando política e socialmente em torno de um
resgate de seus modos de vida tradicionais. Os Kujubim que moram nos
municípios próximos aos rios Guaporé e Cautário reclamam constantemente da
falta de agilidade para a demarcação da terra. Eles se recusam a ir para outras
terras indígenas, como fizeram outros Kujubim, pois reconhecem somente o
Cautário como sua terra tradicional. Nas cidades, os grupos indígenas não
podem caçar e raras são as vezes em que a pesca é permitida, principalmente a
de quelônios muito apreciados pelo grupo, como o tracajá. Reclamam e
denunciam que, enquanto não é demarcada sua terra, da qualpoderiam estar
cuidando e fazendo um uso responsável, como todos seus “parentes” fazem de
seus territórios, invasores não indígenas — como pescadores e madeireiros – a
ocupam para extrair recursos de modo ilegal.
Para encaminhar assuntos dessa natureza, os índios criaram duas associações
que têm por objetivo facilitar a garantia de seus direitos constitucionais: a
AKIKÕ (Associação dos Povos Indígenas Kanoé e Kujubim), formada em
fevereiro de 2001 em Ricardo Franco, e a AIPOK (Associação Indígena do Povo
Kujubim), de 2013. A partir de então, os Kujubim começaram a fazer constantes
assembleias e reuniões, juntamente com outros povos indígenas na região, em
busca de seus direitos. Nessas assembleias, se discutem, junto ao Ministério
Público Federal, possíveis melhorias nas áreas da educação, saúde e,
principalmente, o andamento da demarcação da Terra Indigena. Em 2016, os
Kujubim chegaram a construir roçados dentro do território do Cautário, para
começar uma ocupação em ritmo lento. Iniciaram a estruturação de uma
moradia estilo chapéu de palha (construção regional típica, feita de palha de
aricuri), mas não se sentiram seguros para a continuação do empreendimento, já
que os seringueiros do entorno ameaçavam matá-los. Alguns dias depois, a casa
foi, de fato, queimada.
Etno-história e território
As três matriarcas. Da esquerda para direita: Suzana, Rosa e
Francisca. Foto: Cimi-RO, 2002.
Para os Kujubim, existem pelo menos três histórias de seu povo, no plural. A
primeira versão diz respeito ao período antes do contato (o “tempo da maloca”)
e foi passada de geração em geração pelas matriarcas, permanecendo viva na
memória coletiva do grupo até os dias atuais; outra coincide com o período do
contato direto com seringalistas e definiu os rumos dos Kujubim antigos e
atuais; e, por fim, a história recente, que se define pela retomada do território
tradicional, iniciada pelas três matriarcas remanescentes do último período.
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_2.jpg?m=1566935071
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_2.jpg?m=1566935071
Essas três mulheres, Suzana (Moao), Francisca (Sa’at ou Rite) e Rosa, são
fundamentais para a história e a organização social e política dos Kujubim até
hoje. Os relatos dessas mulheres são muito importantes para compreender
quem são os Kujubim, uma vez que foram elas as únicas pessoas conhecidas que,
até onde se sabe, viveram diretamente no tempo da maloca. Suzana era a mais
velha e seu nome na língua nativa era Moao, que significa “cuia”, muito
provavelmente pelo formato de sua cabeça. Suzana era filha de mãe kumaná e
seu pai, Huaat, era matawá. Ela contava para seus familiares que, após a
chegada dos brancos no rio Cautário, restaram apenas cerca de dez indivíduos
de seu grupo e que todos eles, inclusive ela, foram levados para o barracão
Canindé, de extração de seringa. O barracão era gerenciado por um capanga de
João Rivoredo, seringalista de enorme protagonismo regional, responsável pela
extração da borracha no rio Guaporé e também por escravizar e maltratar os
indígenas no local.
A matriarca Suzana Kujubim. Foto: CIMI- RO, 2002.
Foi no Canindé que Suzana teve que cuidar de Francisca (outra matriarca que
apresentaremos mais adiante), que era muito pequena na época e perdera sua
mãe e seu pai, Timikó, pajé e cacique dos Matawá. Alguns anos depois, elas
conseguiram fugir de volta para a aldeia em que viveram alguns meses, até
http://imagens.socioambiental.org/var/resizes/pib/Kujubim/kujubim_1.jpg?m=1566935006
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serem capturadas novamente por um seringalista chamado Alexandre Laia. Foi
Alexandre que batizou Moao como Suzana e Sa’at como Francisca.
Tempos depois, Suzana se casou com Antônio Laia, que também foi um índio
batizado e capturado por Alexandre Laia perto do rio Cautário. Depois de seu
casamento, Suzana teve que abandonar Francisca e passou a viver junto das
comitivas de seringalistas, deslocando-se de barracão em barracão e passando
por diversas colocações de corte de seringa, como, por exemplo, Porto Acre,
município no nordeste acreano. Por volta dos anos 1970, Suzana passou a viver
no município de Costa Marques (RO), em uma terra que beira a Serra Grande, e
cerca de trinta anos depois faleceu em Guajará-Mirim. Atualmente, duas das
filhas de Susana vivem em Costa Marques e uma delas em Guajará Mirim.
Francisca, a segunda matriarca citada, possuía dois nomes na língua originária:
Sa’at (“Gaivota”) e Rite (“Banana”). Viveu simultaneamente com Suzana em
algumas colocações até se casar com Sebastião, nome de batismo de um índio da
etnia Chiquitano. Francisca e Sebastião desceram o rio Guaporé e se instalaram
em um igarapé que faz divisa com a Baía das Onças, onde viveram por anos
trabalhando para uma família de seringueiros chamada Canuto. Depois que a
Terra Indígena Rio Guaporé foi demarcada, por volta de 1976, Francisca e
Sebastião, juntamente com seus cinco filhos, atravessaram o igarapé e foram
viver junto de uma família Makurap, no território que hoje é a Baía das Onças,
ocupado predominantemente pelos Djeoromitxí. Deste modo, a matriarca e seu
marido passaram a viver na TI Rio Guaporé juntamente com outras etnias e por
lá se estabeleceram. Os filhos de Francisca vivem todos na Terra Indígena,
exceto um, que vive em Costa Marques. A matriarca faleceu em 2012, na Aldeia
Ricardo Franco, e foi enterrada no próprio cemitério da aldeia.
A história de Rosa, a terceira matriarca, ainda carece de investigação. O que se
sabe é que ela sempre viveu na Terra Indígena Sagarana, também em Rondônia,
vizinha da TI Guaporé, onde se casou com um índio Kanoê e teve seis filhos.
Organização política
A assembleia kujubim promovida em 2002 impulsionou a luta deste povo pelo
seu reconhecimento perante o Estado e o resgate de seu território tradicional. O
encontro repercutiu nos mais de 140 indivíduos que vivem suas histórias
separadamente, mas com o desejo comum de pôr em prática seus costumes e
modos de vida tradicionais.
Contudo, há uma dificuldade maior para os Kujubim que vivem na cidade nesse
processo: sem a terra, sem o espaço tradicional, eles não podem reproduzir seus
modos de vida e suas práticas materiais e simbólicas. Os Kujubim que vivem na
Terra Indígena Rio Guaporé conseguem fazê-lo, devido à convivência e às trocas
culturais com outras etnias.
Hoje, a principal dificuldade de continuidade no processo de demarcação se
deve ao fato de que o território é muito cobiçado por diversos grupos não
indígenas da região, que envolvem serrarias clandestinas, fazendeiros e também
a Reserva Extrativista (Resex) do Rio Cautário (de responsabilidade do ICMBio).
Os Kujubim acreditam que, com a conclusão da demarcação, terão condições
melhores de vida e conseguirão os direitos necessários para poder criar seus
filhos dentro da aldeia, com a instalação de uma escola e de um posto de saúde.
Além do mais, eles dizem que não iriam só os Kujubim para aquela terra,
também iriam outras etnias que se apoiam, como os Kanoê, Djeoromitxí e
Wajuru.
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Chiquitano
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Chiquitano
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makurap
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makurap
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Djeoromitx%C3%AD
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Djeoromitx%C3%AD
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3853
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3853
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kano%C3%AA
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kano%C3%AA
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
https://uc.socioambiental.org/arp/1322
https://uc.socioambiental.org/arp/1322
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kano%C3%AA
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kano%C3%AAhttps://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Djeoromitx%C3%AD
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Djeoromitx%C3%AD
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Wajuru
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A organização política dos Kujubim se faz por meio das lideranças, tanto nas
cidades como nas aldeias. Aquele que é cacique ou liderança sempre deve
exercer protagonismo político em prol do grupo, mas há uma diferença
qualitativa substancial entre ambos os papéis. Lideranças são responsáveis por
questões que concernem a totalidade do grupo, como alavancar o movimento de
retomada do território ou mobilizar os Kujubim de todo o estado para tratar
assuntos diretamente com os brancos e suas instituições, como a Secretaria
Especial de Saúde Indígena (SESAI), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento
Ambiental (SEDAM) e a Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de
Ensino (SEDUC). Os caciques, por sua vez, são líderes de âmbito local, mais
ligados à solução de pequenos conflitos, realização de oficinas, liderança nos
trabalhos coletivos, entre outras práticas.
Neste sentido, há uma diferença de alcance político de quem exerce a função de
cacique ou de liderança. Pode acontecer, também, de as relações políticas serem
complexificadas. Na aldeia Ricardo Franco, por exemplo, existe uma liderança
geral e dez caciques representando as dez etnias diferentes que ocupam o
território.
Cultura material e atividades produtivas
Fabricação da esteira iwi em uma oficina realizada na Aldeia Ricardo
Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
A Terra Indígena Rio Guaporé possui seis aldeias, não muito distantes umas das
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https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
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outras, e é conhecida por sua complexa diversidade multiétnica e
multilinguística, definida por Denise Maldi como “Complexo Cultural do
Marico”. Atualmente, dez etnias vivem no território, divididas em seis famílias
linguísticas.
Esse complexo cenário é explicado etnograficamente pelo trabalho do Serviço de
Proteção ao Índio (SPI), que, dos anos 1930 até 1970, retirava os povos de suas
malocas tradicionais e os redirecionava para dentro do local que é hoje
conhecido como Posto Indígena Ricardo Franco. Mais do que tentar reduzir
culturas, histórias e cosmologias diversas a algo único, o SPI encurtava seu dever
de garantir um território contínuo, obrigando pessoas de etnias diferentes a se
casarem umas com as outras e a viverem juntas.
Foi a partir dessa nova organização e das novas relações sociais que se
estabeleceu uma intensa rede de trocas de cônjuges, substâncias, elementos da
cultura material, histórias e mitos entre os povos indígenas na região, até os dias
de hoje.
Todas as etnias que vivem nas proximidades compartilham da mesma forma de
construir casas, feitas de esteio de intaúba e cobertas com as palhas do aricuri.
São nessas construções que se realizam festas coletivas, e que se guardam arcos
e flechas, artesanato e uma série de artefatos da vida material, como o “marico”
— bolsa feita de linha de tucum para carregar objetos e produtos da roça (Maldi,
1991). É interessante notar que também existem peculiaridades de cada etnia: os
Kujubim, por exemplo, trançam a esteira de palha do aricuri ligando apenas um
ponto da trança, enquanto os Wajuru e Djeoromitxí, por sua vez, fazem dois
pontos de costura. As flechas e arcos são um padrão que se mantém hoje em dia
na TI Guaporé, sendo as primeiras feitas com chichiu, com a ponta de pupunha
ou prego, e os arcos seguem um padrão regional de pupunha lapidada do
tamanho do homem que irá utilizar a arma.
Há uma série de práticas e saberes que foram se tornando, também, um certo
padrão regional, e o principal se refere à chicha, bebida fermentada produzida a
partir da macaxeira (mandioca “mansa”) e cujo consumo configura os grandes
momentos de sociabilidade dentro do sistema regional. Os Kujubim bebiam, no
tempo da maloca, chicha de milho e de pupunha. A partir do convívio com
outras etnias e da edificação desse sistema regional, todos os grupos passaram a
fazer a chicha de macaxeira mansa e a consideram como a bebida de todos os
povos dali, muito ligada à identidade e à sociabilidade locais.
Atividades produtivas
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Casal coletando gongo do aricuri em sua roça na Baía das Onças, TI
Guaporé. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Tanto no tempo da maloca como no presente, os Kujubim produziam e
produzem sua subsistência por meio da caça, da coleta de frutos e sementes
silvestres, da pesca e da agricultura de coivara. Isso também se estende para os
indígenas deste povo que vivem na cidade, onde fazem a coleta de açaí e
castanha e plantam milho e macaxeira, sendo que a farinha que fazem para
consumo desta última também é dedicada à venda em pontos comerciais.
Embora não se tenha uma divisão de gênero seguida à risca em relação aos
trabalhos, há um consenso de que a pesca e a caça são práticas
predominantemente masculinas, assim como os cuidados com a roça e com o
âmbito doméstico sejam preferencialmente femininos. Há, também, trabalhos
que podem ser realizados igualmente por ambos os gêneros, como mutirões
para a abertura de roçados. Nas roças, eles plantam macaxeira, mamão caiana,
milho, cará, batata, banana, melancia, jerimum, abacaxi, feijão, arroz, entre
outros alimentos.
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Homem Kujubim confeccionando farinha d’água na Aldeia Ricardo
Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
As caçadas, assim como as pescarias, são realizadas por pequenos grupos de
homens, entre dois e quatro indivíduos. Eles costumam sair logo cedo da aldeia
e retornar no fim da tarde, quando os resultados são aguardados por grupos
familiares nucleares, mas que, a depender da quantidade de carne obtida,
podem ser distribuídos para toda a aldeia. Eles caçam mamíferos como macacos,
antas, queixadas, caititus, pacas e cotias; aves como o mutum, jacu, jacamim e
pato do mato; e répteis, tais como os quelônios, são muito apreciados e
pescados, assim como uma grande quantidade de espécies de peixes.
Parentesco e nominação
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Casa na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018
Os Kujubim, contaram as três matriarcas, possuíam lógicas matriarcais de
nomeação e moradia e, neste sentido, a transmissão de nomes era feita por via
materna. Quando havia casamentos, os homens tinham que abandonar suas
casas e morar juntamente com a família da moça. Isto é, a residência pós-marital
era uxorilocal.
Depois que o SPI começou a juntar as etnias e forçar o casamento entre elas,
passou-se a uma lógica de transmissão de nomes por via paterna,
principalmente pelo sobrenome. Deste modo, há mais ou menos vinte anos
atrás, se uma mulher kujubim se casasse com um kanoé, o filho receberia apenas
o sobrenome kanoé. Nos dias de hoje, entretanto, todas as crianças e alguns
adolescentes já recebem a dupla filiação, e todos têm dois sobrenomes.
Assim como nesse caso da uxorilocalidade, alguns aspectos do tempo da maloca
estão sendo retomados atualmente. Antigamente, um indivíduo kujubim poderia
ter até cinco nomes, sendo eles tecnônimos ou necrônimos, e também nomes
que se referem a seres não humanos. Contudo, o que é fortemente marcado no
caso kujubim diz respeito à nomeação de acordo com as características humanas
que se refletem em objetos, animais e vegetais.
Nos diasde hoje, é muito difícil ouvir, na rotina da aldeia, os nomes das pessoas,
porque estas são conhecidas e chamadas por seus apelidos. Como no caso do
tempo da maloca, os apelidos também se referem a características humanas
correlacionadas com aquelas de seres não humanos: Lebrão (pernas longas),
Uru (pássaro conhecido por ser sovino no mito, cujo nome apelida um homem
com essas características) e Lontra (dorme na sujeira, já que as casas das lontras
só têm espinha de peixe e as dos humanos, quando sujas, também) são exemplos
disso.
Cosmologia e mitologia
O cosmos, para os Kujubim e os demais povos da Terra Indígena Rio Guaporé, é
dividido em estratos concebidos como planos ou domínios. A terra é um
domínio, assim como o vento, o céu, o ar, o rio e a água, as aldeias celestes, as
aldeias nas copas das árvores, os sonhos e muitos lugares que servem,
sobretudo, para operar uma divisão no universo.
São nessas divisões de um amplo cosmos que os Kujubim se relacionam com
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https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3847
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diferentes seres — animais, plantas, espíritos, fenômenos meteorológicos e
também seres monstruosos, como o Mapinguari e o Pai da Mata. Trabalhar nas
roças, caçar, pescar, e mesmo viver na aldeia, faz com que eles estejam sujeitos,
a todo momento, a encontros com esses seres.
A socialidade, para os índios, extrapola as relações humanas, porque todos os
seres são dotados de espírito — ou alma. Comer carne de tartaruga quando se
tem um filho pequeno faz com que o corpo da criança fique vulnerável para que
o espírito da tartaruga o ataque, lançando doenças. Se caçarem animais demais,
os donos desses animais ficarão furiosos, criando um motivo para que o caçador
fique panema, lançando também flechas em formato de doença. Além disso, os
donos retiram seus animais de determinada região, tornando mais difícil
encontrá-los pelas redondezas.
A autodenominação “Towa Panka”, como já mencionado, remete à relação
simbólica entre os Kujubim humanos e o pássaro cujubim. Uma das histórias
narradas por um velho kujubim revela: “o sol baixava três vezes do dia e nesse
tempo o Deus aparecia para entregar o espírito de quem nasceu e levar embora
o de quem morreu”. Cujubins são deuses para os Kujubim, pois eles possuem
um papel fundamental: levar os espíritos para seus corpos quando nascem, e
também em levá-los de volta para o paraíso celeste, quando morrem. Neste
sentido, os cujubins são seres especiais que extrapolam os planos cósmicos, indo
da vida até a morte, passando pelas aldeias celestes e também vivendo
juntamente com os humanos nas aldeias terrestres. Ele, claramente, jamais
poderia ser comido.
Ritual e xamanismo
Pintura com jenipapo na aldeia Ricardo Franco. Foto: Gabriel
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Sanchez, 2018.
Assim como se configura no padrão regional, os pajés Kujubim do tempo da
maloca utilizavam as sementes do angico como substância psicoativa para
permitir o acesso a outros planos cósmicos. As sementes do angico são
maceradas e misturadas com cascas de árvores e fumo, sendo, então, aspiradas
através de um graveto denominado taboquinha.
Os pajés aspiravam a substância a fim de subir às aldeias celestes, lançando
flechas umas sobre as outras para formar correntes, até chegarem ao céu.
Também batalhavam com seres celestes como a grande cobra arco-íris e o ser
que atacava as mulheres nas roças engravidando-as, chamado Tupiran. Hoje, a
pajelança ainda é utilizada nas aldeias da TI Rio Guaporé, mas não é praticada
por nenhum Kujubim.
Rituais de iniciação
Criança Kujubim aprendendo a trançar a esteira (iwi) com palha.
Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Sobre os rituais de iniciação, esses são os mesmos dos tempos da maloca para os
Kujubim. As mulheres iniciam a vida adulta marcadamente após a primeira
menstruação. Elas devem ficar de resguardo dentro de casa por uma semana até
que seu ciclo acabe. Se isso não acontece, ficam sujeitas aos espíritos malignos e
correm o risco de se tornarem preguiçosas e irritadiças. Também não podem ser
vistas pelo arco-íris, já que a jiboia que vive nele (ou, ao mesmo tempo, que é o
próprio arco-íris) pode jogar uma flecha na mulher, fazendo com que ela fique
doente e o seu futuro ciclo reprodutivo fique ameaçado e sob controle do
espírito.
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Já os homens, aos seis anos, idade em que começam a frequentar a escola,
também iniciam o aprendizado de fabricar flechas e flechar. Aos doze anos, eles
são iniciados pelo pajé com sumo de jenipapo para que sua voz não engrosse
muito e, ao mesmo tempo, não fique fina. Enquanto tomam o jenipapo, devem
imitar diversos animais, entre eles a anta, queixada, caititu, e nambu para,
depois, praticarem sua primeira caçada. A primeira presa deve ser
compartilhada com todas as pessoas e o caçador não deve comer nem um
pedaço sequer; se o fizer, ficará panema para o resto da vida.
O casamento é também visto como um ritual de passagem. No tempo da maloca,
os casamentos kujubim eram marcados pela furação das bochechas e nariz.
Usava-se espinhos de coco do mato como adorno, um de baixo da boca e dois
nas bochechas. Isso basicamente fazia parte da construção do corpo,
principalmente no que se refere a certos avanços da vida marcados pelos rituais
de passagem. Quando ia se casar, o homem tinha que lutar com o pai da moça
com uma espada feita de pupunha; se vencesse, tinha que estar pronto para
passar duas semanas caçando e trabalhando na roça, sem que voltasse à aldeia,
para acumular produtos para a realização de uma grande festa. Sobre pinturas
corporais, uma das matriarcas dizia que, para se proteger dos espíritos que
lançavam doenças, devia se pintar com jenipapo e passar óleo de tucumã no
cabelo. Nos dias de hoje, as pinturas são realizadas apenas em dias festivos e são
reservadas especialmente às mulheres e crianças.
As pinturas “originais” dos Kujubim ainda são recordadas. Eles contam que, nos
dias de festas, pintavam os braços, as pernas e o rosto com jenipapo e urucum. A
pintura do braço se baseava em um padrão intercalando linhas retas, sendo uma
linha maior na vertical e cruzada por várias linhas na horizontal, bem menores.
A pintura da perna se tratava de duas linhas retas paralelas na vertical, sendo
que, em suas extremidades do lado de fora, vinham traços que formavam
triângulos seguidos uns dos outros. Apintura facial, por sua vez, consistia em
quatro linhas paralelas. No meio delas, traçadas na horizontal, haviam pontos
em sequência. Os indígenas também destacam as cores das pinturas: quando
estavam em paz e festa, faziam pinturas em vermelho (urucum) e preto
(jenipapo); mas quando iam caçar ou guerrear, pintavam somente de vermelho.
Os Kujubim se pintavam, também, fazendo riscos em torno do nariz, que
incorporavam o espírito do maracajá, um gato selvagem e pintado como as
onças (kinam).
Ritos fúnebres
No tempo da maloca, quando morria um parente, o corpo era colocado em uma
urna funerária de barro vermelho, em posição fetal. Enterravam a urna dentro
da maloca e em seguida queimavam a casa. O cujubim vinha resgatar o espírito
para levá-lo até a aldeia celeste. Em seguida, uma nova casa era construída para
a família que acabara de perder um parente.
Há, ainda, outro aspecto fúnebre que chama atenção, e que muito tem a ver com
os costumes ligados à morte nas culturas de língua txapacura: os mortos eram
comidos. No caso dos Kujubim, e também dos Moré (Metraux 1948), eram
comidas as cinzas dos parentes misturadas junto ao alimento, mas atualmente
eles não sabem explicaro motivo para isso.
Notas sobre as fontes
Jovens pescando com arco e flecha na Baía das Onças. Foto: Gabriel
Sanchez, 2018.
Cabe dizer que, até o momento, não se encontram estudos e pesquisas, do ponto
de vista antropológico, sobre a história e a cultura do povo kujubim. Aliás, essa é
uma situação muito comum a diversos povos que vivem hoje, ou já viveram, na
área que o antropólogo Felipe Vander Velden classificou como “Grande
Rondônia”.
Há, sim, alguns relatos históricos sobre os Kujubim, mas a partir de outros
nomes, como explicado na seção “Nome” deste verbete, cujos dados aparecem
de maneira muito sucinta. É o caso, por exemplo, de um relato disponível em
um diário do Bispo Dom Rey, que pode ser consultado na diocese de Guajará-
Mirim/RO, e nos escritos do engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra, que
datam de 1857.
Em relação à língua kujubim, podemos encontrar uma primeira aparição de
dados a partir de estudos comparativos feitos por Cestmir Loukotka, publicados
em 1963. Depois, a dissertação produzida por Angenot-De Lima sobre o tronco
linguístico proto-txapakura em 1997. Mas é apenas Irís Rodrigues Duran
(2000), em sua dissertação de mestrado, que apresenta dados mais
desenvolvidos sobre a língua kuyubi, além de algumas poucas informações
etnográficas.
Em 2017, Joshua Birchall (do Museu Paraense Emílio Goeldi) começou a
coordenar um projeto com os Kujubim intitulado “Documentação e Salvaguarda
da Língua Moré-Kujubim”, em que realiza oficinas para que o grupo possa
resgatar e aprender sua língua. Juntamente a Michael Dunn e Simon Greenhill
(2016), Birchall desenvolveu um artigo sobre a família linguística txapakura,
designando à língua kujubim uma nova posição no interior do tronco linguístico.
Ruth Monserrat trabalha a língua ao menos desde 2005 e, há pouco tempo,
publicou um artigo (2018) a respeito da situação atual dos Kujubim em termos
linguísticos, trazendo boas notícias sobre o acervo de palavras que eles possuem
para começar a prática de sua língua, coletados não só por ela, mas também por
outros linguistas, como Iris Duran e Hein van der Voort.
Embora não cite diretamente os Kujubim, mas sim os Kumaná e os Kujona, a
etno-historiadora Denise Maldi Meireles (1991) fez um precioso trabalho sobre
os povos que habitaram e habitam o vale do Guaporé. No material, é possível ter
ideia de como se deu a ocupação colonial no território e como os povos
indígenas da região sofreram diretamente o impacto do contato, fazendo com
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que alguns desaparecessem, fossem extintos e mesmo provocando grandes
deslocamentos de seus territórios tradicionais. Neste texto, a autora descreve a
história do ponto de vista de diversas etnias indígenas e como elas fazem parte
do que veio a ser chamado de “Complexo Cultural do Marico”. É possível dizer
que, nos dias atuais, os Kujubim fazem parte desse complexo, mas é necessário
que sejam atualizadas algumas informações a seu respeito, tendo em vista que
muitas mudanças já ocorreram desde que foi pensado pela historiadora, como,
por exemplo, a ausência de plantações de mandioca brava. Rápidas menções
sobre os Kujubim como parte da TI do Rio Guaporé foram feitas por Nicole
Soares Pinto (2014).
Embora na introdução do artigo Tribes of Eastern Bolivia and the Madeira
headwaters, publicado em 1948 por Alfred Métraux, o autor prometa trazer
dados etnográficos sobre os Kumaná, ao longo do texto só aparecem apenas
alguns dados de forma espaçada e que se perdem em meio à diversas
informações e dados sobre os Moré e os Huanyam, povos também txapakura.
Em um trabalho de Luis Leigue Castedo (1957), é possível ler um mito de origem
moré que faz alusões históricas aos povos que viviam no rio Cautário e que
podemos dizer se tratarem dos Kujubim. O autor, por meio do mito, comenta
algumas relações que havia entre esses povos, que, ora eram de festejos regados
à chicha e com abundância de comida, ora eram de inimizade, provocadas,
principalmente, pela prática do canibalismo.
O diário de Emil-Heinrich Snethlage, à época da escrita deste verbete, ainda não
foi traduzido para o português, mas é possível encontrar alguns trechos no
artigo Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939): nota biográfica, expedições e
legado de uma carreira interrompida de Gleice Mere (2013), em que há
informações sobre os Kumaná. O etnólogo alemão também escreveu alguns
diários que foram recém-publicados em alemão (2016) sobre sua viagem ao rio
Guaporé, na qual é possível coletar algumas informações etnográficas sobre os
Kumaná, Matawa e Kujona, relativas à onomástica, à língua e a certos aspectos
cosmológicos. Com certeza essa obra apresenta um conjunto de dados
riquíssimos para os povos do rio Guaporé, que, assim como os Kujubim, carecem
de informações.
Além dessas fontes, é possível buscar, também, algumas informações contidas na
coletânea de dados dos povos indígenas de Rondônia, organizada e publicada
pelo Conselho Indigenista Missionário de Rondônia.
Por fim, cabe dizer que um primeiro esforço antropológico, histórico e cultural,
vem sendo feito e os resultados dele aparecem com a maioria dos dados
contidos neste verbete. São informações primárias, de um recente trabalho de
campo feito por Gabriel Sanchez, que investiga as relações entre os Kujubim e os
seres que nossa biologia ocidental classifica como aves, e que estão sendo mais
trabalhados e desenvolvidos para uma dissertação de mestrado em andamento,
a ser apresentada na Universidade Federal de São Carlos, e provavelmente
divulgada em novembro de 2019. Esses dados foram coletados a partir de um
trabalho de observação participante, conversas informais e convivência diária
junto aos Kujubim de Guajará-Mirim, Costa Marques, Aldeia Ricardo Franco e
Aldeia Baía das Onças, que lutam pela demarcação de seu território tradicional,
além de serem recolhidos preciosas informações das ainda vivas memórias das
matriarcas Kujubim que permanecem sob as práticas e discursos de seus
descendentes.
Fontes de informação
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a expedição destinada a demarcação de limites fez do Rio Negro até Villa
Bella, capital do Governo do Matto-Grosso. Revista do Instituto Histórico e
Geographico Brazileiro 20: 397-432. 1857.
• ANGENOT-DE LIMA, Geralda. Fonotática e fonologia do lexema
protochapakura. Dissertação de mestrado apresentada ao curso de pós-
graduação em linguística da Universidade Federal de Rondônia. 1997.
• BIRCHALL, Joshua; DUNN, Michael & GREENHILL, Simon. A combined
comparative and phylogenetic analysis of the chapacuran language family.
IJAL, vol. 82, nº 3. 2016.
• CIMI – RO. Panewa Especial. Porto Velho: CIMI – RO, 2015.
• DOM REY. “Visita à maloca dos índios do rio Cautário”. Diário pessoal.
Diocese de Guajará-Mirim. 1932.
• DURAN, Iris Rodrigues. Descrição fonológica e lexal do dialeto kaw tayo
(Kujubi) da língua Moré. Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de
pós-graduação em linguística da Universidade Federal de Rondônia. 2000.
• LEIGUE CASTEDO, Luis. El Itenez Salvaje. La Paz: Ministério de la
Educación. 1957.
• LOUKOTKA, Cestmir. Documents et vocabulaires inédits de langues et de
dialectes sud-américains. Jounal de la Société des Américanistes 52:7-60.
1963.
• MALDI MEIRELES, Denise. O complexo cultural do marico: Sociedades
indígenas dos rios Branco, Colorado e Mequens, afluentes do médio
Guaporé. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Série Antropologia,
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• MERE, Gleice. Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939): nota biográfica,
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Goeldi. Ciências humanas, vol. 8, nº3, pp 773-804. 2013.
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• MONSERRAT, Ruh MariaFonini. Memória das atividades realizadas junto
aos povos Puruborá e Kujubim, Rondônia, constantes em dois relatórios de
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Ein Forschungstagebuch. Rotger Snethlage, Alhard-Mauritz Snethlage &
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• SOARES-PINTO, Nicole. Entre as teias do marico: parentes e pajés
djeorometxi. Tese de doutorado defendida no programa de pós-graduação
em Antropologia Social da UnB. 2014.
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estado do conhecimento e proposta de investigação. Revista Brasileira de
Linguistica Antropologica. Vol.2, nº 1. 2010.

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