Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Lívia Leandro Erros Inatos Metabólicos CARACTERIZAR ERROS INATOS METABÓLICOS Conceito: são raras mutações herdadas que resultam na alteração de função de determinadas proteínas. A maioria das DMH é monogênica e as proteínas mutantes, em geral, são enzimas, mas podem atingir proteínas estruturais, receptores, hormônios ou proteínas de transporte. Apesar de serem herdadas, nem todas DMH estão presentes no período neonatal (fenilcetonúria e deficiência de Acil-CoA): algumas aparecem mais tarde na infância ou até na vida adulta (hemoglobinopatias, hipercolesterolemia familiar e hemocromatose genética). Há períodos em que o aparecimento é mais comum, tanto pelo fato de o indivíduo ter de sobreviver bioquimicamente sem o apoio da placenta da mãe quanto por estresses metabólicos adicionais naquele momento particular. TIPOS Apresentação neonatal: 1. Problemas de síntese e degradação de moléculas complexas 2. Intoxicações 3. Deficiência de estado energético 4. Distúrbios convulsivos Defeitos de síntese e degradação: Muitos complexos moleculares são de comunicação integral de célula para célula e ordenados dentro do padrão de desenvolvimento embrionário. Falhas na formação desses complexos moleculares, por consequência, resultam em uma embriogênese desordenada, apresentando uma dismorfia neonatal ao nascimento. Problemas com a quebra de moléculas complexas resultam em doenças de armazenamento. Estas tendem a não se manifestar no momento do nascimento, mas tornam-se aparentes com o acúmulo da substância armazenada em excesso, afetando a sua estrutura e função. Por exemplo, crianças afetadas com a síndrome de Huler (mucopolissacaridose tipo I, MPSI) tem aparência normal ao nascer, mas há o acúmulo gradual, ao longo do tempo, de glicosaminoglicanas concernindo as suas características de opacificação da córnea, organomegalia e disostose múltipla (distorção da arquitetura óssea normal secundária ao material armazenado) que são típicas da síndrome. De qualquer modo, a principal preocupação dos pais é com relação ao atraso do desenvolvimento, mais que as características faciais, o que costuma levar esses pacientes ao atendimento médico. Doenças de armazenamento, com dismorfias e organomegalias, muitas vezes estão presentes no primeiro mês de vida e incluem a doença de armazenamento de ácido siálico infantil e gangliosidose infantil, GM1. Síndrome de Zellweger, o mais grave dos distúrbios de biogênese peroxissomais. Neonatos afetados apresentam aparência típica, com fontanela ampla, testa proeminente, palato em ogiva, hipotonia, nariz achatado, hepatomegalia e epicanto, particularmente nos joelhos e ombros, sobre raios X. A principal alteração peroxissomal encontra-se nos genes PEX, os quais codificam as proteínas peroxinas. Este grupo de doença é diagnosticado por análises da cadeia longa de ácidos graxos (AGCML), os quais estão elevados no plasma, devido ao bloqueio de sua oxidação, um processo peroxissomal. O tratamento é sintomático e de suporte; não há cura. Síndrome Smith-Lemli-Opitz: é outro exemplo de um distúrbio sintético. Este é um resultado de um déficit da última enzima da via da biossíntese do colesterol, a Δ-redutase. A produção do colesterol, um dos componentes essenciais da membrana celular, é reduzida com a elevação acentuada de seu precursor 7-di-hidrocolesterol (7-DHC) nos fluidos corporais e tecidos. As características dismórficas incluem narinas antevertidas, implantação baixa das orelhas, micrognatismo, ptose e microcefalia. Outras características incluem sindactilia dos segundo e terceiro dedos, presentes em 98% dos pacientes, anomalia renal e genital, dificuldades de aprendizado, atraso no crescimento e alterações comportamentais. Substituição na dieta de colesterol e o tratamento com estatinas têm sido utilizados com o objetivo de inibir a síntese de colesterol e reduzir a acumulação de 7-DHC; no entanto, sem resultados convincentes, o que poderia ser devido ao fato de o fenótipo ser determinado pela disponibilidade do colesterol uterino. Intoxicação: Um período normal após o nascimento é acompanhado por uma anormalidade clínica crescente, devido ao acúmulo do bloqueio enzimático crescente de um ou mais metabólitos tóxicos. Antes do nascimento, esses metabólitos são barrados pela placenta. Em geral, as Lívia Leandro características clínicas são desenvolvidas entre 48 a 72 horas após o nascimento, mas podem-se manifestar mais tardiamente. Fenilcetonúria (deficiência da fenilalanina hidroxilase) é causada por uma intoxicação, mas os primeiros sinais da doença, em geral, não aparecem até 6 a 12 meses após o nascimento, quando o desenvolvimento motor acontece. Fenilcetonúria (PKU) é um exemplo de outras duas características de doenças metabólicas hereditárias que afetam enzimas: acumulação do substrato da enzima defeituosa, que pode levar ao aumento do metabolismo por via alternativa, geralmente menor, por uma via de ação das massas (a fenilalanina é convertida por trasaminação para fenilpiruvato e fenilcetonas); e deficiência do produto normal da enzima (neste caso, tirosina). Ambas podem contribuir para o quadro clínico. Defeitos típicos no ciclo da ureia estão presentes nos primeiros dias de vida em encefalopatias. Como alimentos lácteos são estáveis, o bloqueio na conversão de resíduos de nitrogênio, derivados dos grupos amina dos aminoácidos, a ureia produz hiperamonemia e aumenta a formação de glutamina. A amônia interfere na neurotransmissão, causando aumento de astrócitos e glutamina, aumentando o risco de edema cerebral, devido à carga osmótica, uma vez que se acumula no cérebro. Além disso, a amônia é um estimulante respiratório, agindo sobre o centro respiratório no tronco cerebral, produzindo uma alcalose respiratória, que é um achado raro em recém-nascidos doentes. O diagnóstico baseia-se na medição da concentração plasmática de amoníaco em conjunto com aminoácidos plasmáticos e ácido orótico urinário para determinar a localização do bloqueio. O tratamento imediato depende da tentativa de aumentar a eliminação de amoníaco por suplementação de arginina, geralmente um aminoácido não essencial, sintetizado no ciclo da ureia, o que o torna um aminoácido essencial em muitos dos defeitos do ciclo da ureia. Baixa arginina também contribui para reduzir a neurotoxicidade pela síntese de óxido nítrico e creatina. A galactosemia (galactose 1-fosfato uridiltransferase) apresenta-se geralmente um pouco mais tarde, no final da primeira semana de vida, com icterícia devido à bilirrubinemia conjugada, hepatomegalia, coagulopatia, catarata tipo “gota de petróleo”. O diagnóstico é feito por meio da medição da atividade de enzimas nos glóbulos vermelhos. A patogênese exata não está totalmente elucidada, mas a restrição de galactose e lactose (um dissacarídeo de glicose e galactose) é eficaz em reverter a toxicidade hepática. No entanto, a dieta não impede todos os efeitos adversos da doença, e é evidente que a produção endógena de galactose é significativa. Tal como acontece com muitas DMH, algumas crianças apresentam sintomas mais tarde que o período neonatal, com os efeitos renais da galactosemia; ou seja, tubulopatia proximal e raquitismo, em vez das consequên cias hepáticas. Uma diferença similar na apresentação é observada na tirosinemia tipo 1, com um traço hepatotóxico inicial não característico da galactosemia e uma posterior presença de tipo Fanconi devido à nefrotoxidade. O marcador de diagnóstico na tirosinemia tipo 1 é a detecção de succinilacetona na análise de ácidos orgânicos. Distúrbios por deficiência energética: É o resultado de qualquer bloqueio fundamental na produção de energia, como visto na acidose láctica congênita, ou uma falha da produção de energia adequada na ausência de uma fonte de alimento regular. A acidose láctica congênita tem um número de causas, com um diagnóstico definitivo sendo realizado apenas em metade dos pacientes. As características clínicas manifestam-se cedo, mas os problemas significativos devido à descompensação metabólica podemlevar mais tempo para se manifestar, em comparação com intoxicações. Acidose láctea primária •Distúrbio na cadeia respiratória •Deficiência na piruvato desidrogenase •Distúrbios de gliconeogênese (p. ex., deficiência de frutose 1,6-bisfosfatase) Acidose láctea secundária •Acidemias orgânicas •Distúrbios no ciclo da ureia •Distúrbios na oxidação de ácidos graxos •Doença do armazenamento de glicogênio tipo I A chave do diagnóstico é a elevada concentração de lactato no plasma, mas, na prática, a hiperlactatemia secundária (devido, por exemplo, à hipóxia, hipovolemia, hipotensão etc.) é mais comum. A pista para o diagnóstico diferencial é a ausência de cetonas nas alterações secundárias. Alterações espúrias podem resultar do apertar o braço para pulsão venosa. Uma amostra de fluxo sanguíneo limpo é necessária, mas, se não for possível, a amostra sanguínea deve ser obtida de outro modo. Outra evidência pode ser adquirida a partir de medição do lactato no líquido cefalorraquidiano (LCR), que reflete lactato cerebral ao longo do dia nesse momento específico. Elevações secundárias do lactato no LCR são vistas em infecções primárias do cérebro, tais como encefalite e meningite, seguidas de convulsões. Em certos distúrbios, a deficiência de energia só se torna aparente quando a alimentação é interrompida. Recém-nascidos com distúrbios de oxidação de ácidos graxos permanecem assintomáticos, enquanto Lívia Leandro alimentados, mas podem desenvolver hipoglicemia hipocetótica durante infecções intercorrentes ou jejum prolongado. O defeito mais comum de oxidação de ácidos graxos, MCADD, geralmente se manifesta muito mais tarde, em torno de um 1 de idade, mas um subgrupo apresenta os sintomas nos primeiros dias de vida, quando sua alimentação já está estabelecida, mais comumente quando são amamentados. Os estoques de glicogênio neonatais são esgotados mais rapidamente em crianças mais velhas e adultas, exigindo a mobilização de reservas de gordura para obter energia. Os ácidos graxos não podem ser diretamente utilizados pelo cérebro, requerendo a conversão no fígado em cetonas. A falha em produzir cetonas resulta em encefalopatia com uma combinação de hipoglicemia e a acumulação de acilcarnitinas. Clinicamente, é evidente que a hipoglicemia é uma característica tardia: o tratamento, seja com polímero de glicose oral ou 10% dextrose intravenosa, deve ser iniciado antes que ela ocorra. Distúrbios convulsivos: Doenças metabólicas hereditárias raramente são a causa de convulsões neonatais em comparação com asfixia durante o parto e infecções, e geralmente são características tardias, não específicas de bloqueio no metabolismo intermediário. Há, no entanto, um número de crianças que geralmente apresentam convulsões nesse momento que não são detectadas em investigações de rotina e, por isso, precisam ser especificamente excluídas se não houver outra causa aparente. As convulsões podem estar presentes no período pré-natal, mas poderiam ter sido interpretadas como um aumento da agitação fetal. Algumas mães percebem a natureza rítmica desses movimentos. Doenças metabólicas hereditárias presentes com convulsão neonatal e suas investigações diagnósticas ● Deficiências de biotinidase: Biotinidase plasmática e Ácidos orgânicos na urina ● Hiperglicinemia não cetótica (NKH): razão CFS: glicina plasmática alfa ● Deficiência da 3-fosfoglicerato desidrogenase: Serina CFS ● Deficiência piridoxina 5’ fosfato oxidase: Neurotransmissores no CFS, Ácidos orgânicos na urina, Teste para piridoxal fosfato e Genotipagem PNPO ● Convulsões dependentes de piridoxina: Teste de piridoxina, Semialdeído α-aminoadípico plasmático e Genotipagem de antiquitina ● Distúrbios de purinas: Estudos de purinas urinárias ● Deficiência do cofator sulfito oxidase/molibdênio: Teste Dip-stick para sulfito na urina fresca e Estudos de purinas urinárias ● Distúrbios peroxissomais: Ácidos graxos de cadeia longa plasmáticos Apresentação ao desmame O desmame é um momento em que os componentes de uma nova dieta podem ser encontrados, e se qualquer uma de suas vias metabólicas for bloqueada, as características clínicas podem-se desenvolver. O desmame pode também resultar em maior consumo do substrato cujo metabolismo está comprometido; por exemplo, proteína. Se a via metabólica pertinente for incapaz de lidar com o aumento da carga, o limite para o desenvolvimento do quadro clínico pode ser violado. Um exemplo deste último caso é um defeito do ciclo da ureia parcial. Antes do desmame, a ingestão de proteína pode ter sido dentro da tolerância da via comprometida, mas com a adição de sólidos, maiores quantidades de proteína podem ser ingeridas. Então, como resultado, a capacidade da via é ultrapassada, e uma hiperamonemia se manifestará. Um efeito similar é visto em crianças com hiperfenilalaninemia detectados no teste do pezinho. O monitoramento geralmente é feito para detectar as concentrações de fenilalanina e verificar o possível aumento com maior ingestão de alimentos, especialmente na época do desmame. A intolerância hereditária à frutose (deficiência de frutose disfosfato aldolase B) não se manifesta até a criança ser exposta à frutose, o que geralmente ocorre por volta da época de desmame, quando frutas são introduzidas na dieta; a sacarose da fruta é quebrada em frutose e glicose. Não há frutose ou sacarose no leite materno ou leite em pó. No paciente afetado, a frutose-1-fosfato se acumula, inibindo a produção de glicose, promovendo a hipoglicemia e esgotando o fosfato inorgânico, reduzindo, assim, a produção de ATP. Clinicamente, as primeiras características são náuseas e vômitos com hipoglicemia pós-prandial. Se a condição não for notada, e a ingestão de frutose persistir, a criança terá problemas no desenvolvimento, podendo desenvolver insuficiência hepática e renal. Exames enzimáticos confirmatórios requerem biopsia do fígado; no entanto, em alguns pacientes, o diagnóstico clínico pode ser feito com base na história de exposição à frutose e reversão de sintomas após a eliminação de fontes de frutose a partir da dieta. O diagnóstico pode ser confirmado por genotipagem. Apresentação no final da infância Lívia Leandro A infância é um período em que existe um risco considerável de infecções, pois o corpo é exposto a vários agentes infecciosos pela primeira vez e o sistema imune está ainda em desenvolvimento. Infecções provocam o aumento do estresse metabólico; pacientes com DMH conhecidas podem descompensar, e outros podem manifestá-las pela primeira vez. Algumas DMH mostram variação sazonal na apresentação: por exemplo, MCADD aparece com maior frequência nos meses de outono e inverno, por causa do aumento de infecções nessa época do ano. A acidúria glutárica tipo I é uma doença autossômica recessiva no catabolismo da lisina. Crianças afetadas podem apresentar macrocefalias, mas sinais neurológicos mínimos podem estar presentes antes da descompensação metabólica, que acontece ao final do primeiro ano de vida, e geralmente o motivo é alguma infecção. Essa descompensação causa danos nos gânglios da base, resultando em distonia irreversível e distúrbios do movimento. Em irmãos pré-sintomáticos, o tratamento agressivo prospectivo e precoce acontece com o uso de antibióticos, restrição de proteínas (lisina), suplementos de carnitina e hiperalimentação com polímero de glicose ou dextrose intravenosa, e pode reduzir a incidência de descompensação e subsequentes sequelas neurológicas. Medição de ácidos orgânicos urinários mostra o glutarato elevado e 3-hidroxiglutarato nessa condição. Ocasionalmente, pacientes têm sido descritos com histórias clássicas e enzimologia anormal em estudos de fibroblastos sem as anormalidades típicas de urina; a análise da acilcarnitina plasmática pode apresentar carnitina livre reduzida e um pico glutarilcarnitina, mas pode ser normal em tais pacientes. Os bebês podem apresentar DMH no final do primeiro ano, quando o crescimento desacelera. Em média, um bebê pesará pouco menos de 7 kg no primeiro ano de vida, comparadocom os 2 kg que acrescentará em cada ano subsequente durante a infância. Isso significa que, para a mesma quantidade de proteína consumida, mais terá de ser metabolizado, pois será menos necessária para o crescimento. Esse aumento da atividade da via metabólica afetada pode resultar em descompensação. Apresentação na puberdade A puberdade é reconhecida como um momento difícil para os adolescentes, afetando todas as áreas da vida, incluindo o cuidar de sua saúde. Pacientes com DMH significativas podem quebrar suas dietas ou deixar de tomar a medicação em uma tentativa de ser “normal”. Ambos podem desenvolver uma descompensação. No entanto, novas alterações também são vistas nesse momento, provavelmente como resultado de alterações hormonais e do crescimento. Para as meninas com defeitos do ciclo da ureia, é bem descrito que, após a menarca, os sintomas podem variar com o ciclo menstrual, sendo pior no período que o antecede e, inclusive, no início do período. O uso da terapia hormonal para suprimir a ovulação e menstruação é útil em algumas pacientes. Apresentação durante a idade adulta As doenças metabólicas hereditárias são, muitas vezes, consideradas condições pediátricas, mas é preciso lembrar que elas podem-se manifestar em qualquer idade. Isso pode ser pelo fato de a alteração ser menos severa, de modo que o metabolismo de um indivíduo não foi anteriormente estressado o suficientemente para provocar descompensação. Os pacientes com deficiência parcial de ornitina carbamilase (OTC), a mais comum das alterações no ciclo da ureia, podem permanecer assintomáticos durante toda a infância e apresentar apenas na vida adulta. Alguns adultos podem não ter sido expostos previamente a quantidades suficientes de metabólitos que não degradam. Adultos com intolerância hereditária à frutose perceberão em idade precoce que doces e alimentos açucarados não poderão ser consumidos pelo fato de fazerem muito mal, e devem ser evitados. Muitos pacientes com essa condição têm dentição perfeita devido à sua dieta autoimposta. Para algumas DMH, a manifestação é diferente entre adultos e crianças. A forma grave de adrenoleucodistrofia ligada ao × (ALD) geralmente se manifesta em 5 a 10 anos, com danos neurológicos progressivos, levando à tetraplegia espástica, convulsões, estado vegetativo e morte. Mais de 90% dos meninos afetados apresentam insuficiência adrenal. No entanto, o envolvimento adrenal pode preceder ou acompanhar os sintomas neurológicos por anos. Há grande variabilidade fenotípica entre os afetados das famílias e, assim, um dos membros da família pode não apresentar sintomas até a idade adulta. A forma cerebral em adultos é extremamente rara, representando < 5% de todos os casos. A apresentação mais comum em adultos é adrenomieloneuropatia (AMN), com um quadro neurológico lento progressivo reproduzindo a síndrome da medula espinal, com dificuldade de locomoção e dificuldade de urinar. Cerca de 10% dos pacientes apresentam apenas comprometimento renal, e 10% permanecem assintomáticos. A adrenoleucodistrofia é o distúrbio peroxissomal mais comum. Na adrenoleucodistrofia (ALDP), ocorre uma alteração do metabolismo dos peroxissomos, resultando em um acúmulo de ácidos graxos de cadeia altamente longa (AGCML), mas a fisiopatologia não está totalmente esclarecida. O uso do óleo de Lorenzo (uma mistura 4:1 Lívia Leandro de trioleína e trierucina) reduz o acúmulo dos AGCML, mas não consegue impedir o declínio neurológico em pacientes sintomáticos. Parece ter um papel assintomático em garotos, reduzindo o risco de desenvolvimento de anomalias presentes em imagens por ressonância magnética. O transplante de medula óssea pode ser realizado para estabilizar ALD cerebral nos primeiros estágios de desmielinização. O fenótipo variado não é explicado por diferenças no genótipo, porque membros da família, com diferentes manifestações da doença, geralmente têm a mesma mutação. A adrenoleucodistrofia também demonstra outra variação nos adultos, uma alteração heterozigota. Isso é visto em algumas síndromes ligadas ao X, em que uma mulher portadora desenvolve sintomas. Dois terços das mulheres que exercem uma mutação do gene ALD têm algum grau de comprometimento neurológico, que vão desde ataxia a anormalidades leves no exame de imagem. Assim, podem ser diagnosticadas como esclerose múltipla. Um fenômeno similar é visto na doença de Fabry (deficiência de α-galactosidase). Nesse distúrbio, ocorre deposição de glicoesfingolípidos nas paredes dos vasos sanguíneos, coração, rins, pele e gânglios autônomos produzindo uma doença cerebrovascular, doença cardíaca, nefropatia, angioqueratoma, distrofia corneal e acroparestesia (dor nas extremidades). Acredita-se que a maioria dos portadores do sexo feminino é totalmente assintomática durante toda a vida, mas agora é claro que 1/3 das mulheres portadoras têm sintomas significativos, que podem ser tão grave a ponto de justificar o tratamento. Uma explicação para o espectro de gravidade é a inativação aleatória do cromossomo X. Se um número suficiente de cromossomos × não afetados for suprimido, um número de células será funcional, com o cromossomo × acometido. Assim, a função da enzima resultante poderá ser baixa o suficiente para que os sintomas sejam expressos. Um número significativo de DMH apresenta-se pela primeira vez na vida adulta. As síndromes mitocondriais clássicas que levaram ao reconhecimento do DNA mitocondrial (mtDNA) e seu papel na patologia estão presentes em todos, principalmente em adultos: um exemplo é neurorretinopatia óptica hereditária de Leber, presente mais comumente na terceira década de vida com a perda da visão central bilateral e indolor. As DMH que geralmente estão presentes apenas na vida adulta costumam envolver o acúmulo de uma substância tóxica que, embora comecem no nascimento, levam muitos anos para se manifestar. Exemplos importantes incluem hipercolesterolemia familiar heterozigótica (homozigotos geralmente apresentam xantoma ou doença coronariana na segunda década), hiperlipidemia combinada familiar e hemocromatose primária (genética) (aceitando a variante rara neonatal). Todas essas condições são discutidas em outra parte deste livro. Apresentação durante a gravidez O estresse fisiológico durante a gravidez pode induzir crises em mulheres com DMH; por isso, o cuidado adequado é necessário para garantir o melhor para a mãe e o bebê. Algumas mulheres desenvolvem sintomas na gravidez por estarem grávidas de uma criança afetada, embora elas não apresentem a mesma condição. Os exemplos clássicos são os defeitos na oxidação de ácidos graxos de cadeia longa, a deficiência da acil-CoA desidrogenase de cadeia longa (LCHAD) e a deficiência da acil-CoA desigrogenase de cadeia muito longa (VLCAD). Trata-se de uma alteração autossômica recessiva herdada da mãe que, portanto, é uma portadora obrigatória, apresentando uma atividade enzimática de 50%, que apresenta uma atividade normal, sendo compatível com uma vida. A manifestação clínica da maioria das DMH somente ocorre se a atividade enzimática for < 5%. No entanto, a mãe também tem de diminuir o estresse durante a gravidez, para diminuir a carga metabólica sobre essa via. Se o feto for afetado, a mãe também terá de metabolizar as acilcarnitinas de cadeia longa que o feto está produzindo devido ao seu bloqueio no metabolismo. Essas mulheres não apresentam a hipoglicemia hipocetótica típica vista em crianças afetadas, mas a função hepática é comprometida, apresentando a síndrome HELLP (hepatomegalia, aumento das enzimas hepáticas e plaquetas baixas) ou, mais raro e grave, o fígado gorduroso agudo da gravidez (AFLP). Isso pode exigir cuidados intensos e nascimento antecipado do feto. Apenas um pequeno número de mulheres com HELLP e AFLP engravida de fetos afetados, mas, quando isso acontece, é indispensável que os seus recém-nascidos sejam avaliados por medição de acilcarnitina plasmática para excluir um defeito na oxidação de gordura. Triagem apenas para acidúria dicarboxílico associado, comanálise de ácidos orgânicos urinários, não é suficientemente sensível, o que leva a um diagnóstico negligenciado. TRIAGEM PARA RECÉM-NASCIDOS A triagem neonatal é usada para detectar condições que tenham um período pré-sintomático durante os quais o tratamento pode melhorar dramaticamente o resultado. No Reino Unido, as características para análise neonatal incluem hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, Lívia Leandro MCADD, fibrose cística e anemias falciformes. Um estudo-piloto está em andamento no Reino Unido para implantar um programa de triagem neonatal ampliada incluindo doença do xarope de bordo na urina, acidúria glutárica tipo 1, acidemia isovalérica, LCHADD e homocistinúria não responsiva à piridoxina. Isso é pouco em relação a alguns países; nos Estados Unidos, por exemplo, os recém-nascidos são selecionados para mais de 30 alterações. No entanto, para muitas delas, a história natural não está totalmente esclarecida, os tratamentos são apenas parcialmente eficazes e os bebês podem manifestar e morrer antes de estar disponível o resultado dos exames. A detecção em crianças assintomáticas continua a ser uma preocupação real. Durante o desenvolvimento de rastreio de MCADD, foram identificadas mutações em lactentes com octanoilcarnitina levantada que nunca foram associadas a anormalidades clínicas. A triagem também é usada para detectar DMH em populações com maior frequência de uma determinada alteração, geralmente secundária ao estabelecimento (a mutação acontece em uma área geograficamente isolada ou dentro de uma genética limitada, de modo que ocorre com alta frequência); por exemplo, doença de Tay-Sachs na população judaica Ashkenazi. A triagem neonatal é amplamente praticada para o hipotireoidismo congênito, mas, enquanto algumas dessas crianças têm distúrbios da síntese de hormônios tireoidianos herdados, outras têm agenesia e disgenesia da tireoide (isto é, falha de desenvolvimento da glândula), para as quais ainda não foi definida uma base genética. CAUSAS Herança As bases moleculares das DMH são as mutações em genes que adversamente afetam as funções de proteínas específicas. Os padrões de herança variam, mas a maior parte delas é de mutações autossômicas recessivas. Herança autossômica recessiva: Herança autossômica recessiva requer que a mutação esteja presente em ambos os pais e que afete o mesmo gene. Estima-se que cada um de nós tenha cerca de 250 a 300 mutações de perda de função gênica; no entanto, como temos duas cópias e uma delas é normal, a atividade de 50% é mais que suficiente para uma função normal: como resultado, portadores de condições autossômicas recessivas geralmente não são clinicamente afetados (pacientes com DMH costuma ter atividade < 5%). Mesmo que os pais sejam portadores para a mesma condição, as duas cópias mutadas do gene precisam ser passadas para o embrião, resultando em um 1 em 4 o risco de o bebê ser afetado em cada gravidez. Há também uma possibilidade de 1 em 4 que o gene mutado não será herdado e 2 em 4 (1 em 2) chances de que o embrião seja portador. Se a frequência da mutação do gene na população em geral for conhecida, a incidência pode ser calculada: por exemplo, a frequência portadora para PKU é de 1 em 50, de modo que a incidência é igual a (1/50 × 1/50) (a possibilidade de dois portadores terem filhos juntos) multiplicada por 1/4 (a chance de eles terem uma criança acometida), ou seja, 1/10.000. Se uma determinada mutação for conhecida por existir em uma família, o aconselhamento genético pode realizar cálculos para informar ao casal a possibilidade de terem uma criança acometida. Por exemplo, se a irmã de um indivíduo com PKU tivesse um filho com um homem não acometido, o risco de o bebê ter a condição seria 1 em 300, o que é considerado insignificante. (Ela não é acometida: ela tem uma chance 2 em 3 de ser portador e 1 em 3 de ser homozigoto normal – o denominador é 3 em vez de 4, porque ela não é acometida). A chance do homem de ser um portador é de 1 em 50 (a frequência na população portadora em geral), de modo que o risco de dois genes mutados serem passados para um embrião é de 2/3 × 1/50 × 1/4 = 1/300). A consanguinidade familiar também aumenta o risco de herança autossômica recessiva com algumas disfunções com alta frequência dentro de uma população específica. Pode haver um efeito dentro de certas populações restritas; por exemplo, as menonitas da Pensilvânia, onde a doença do xarope de bordo tem uma incidência de 1:176. Nessa população restrita, a linhagem pode ser atribuída a um casal que emigrou da Europa no século 18. A tradição dos primeiros casamentos entre primos em alguns grupos de imigrantes está aumentando a incidência de DMH em algumas áreas do Reino Unido. Deve notar-se que, embora os indivíduos afetados com DMH autossômicas recessivas são muitas vezes classificados como homozigóticos, a existência de múltiplas mutações que afetam genes individuais significa que alguns são, estritamente falando, heterozigotos compostos. Herança autossômica dominante: Herança autossômica dominante é rara na DMH, com exceção de algumas das porfirias; por exemplo, porfiria aguda intermitente, coproporfiria hereditária e porfiria variegata (Cap. 28). O risco de transmissão de doenças autossômicas dominantes é de 1 em 2, pois uma cópia do gene mutado pode causar a doença (Fig. 24.2B), embora a penetrância variável e outros fatores possam influenciar o grau em que os descendentes são afetados. Herança dominante é menos comum que a recessiva; como doença grave, pode resultar em morte antes de um https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter28.xhtml https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#fig24-2 Lívia Leandro indivíduo atingir a maturidade reprodutiva e, assim, o gene defeituoso não passará para a próxima geração. No entanto, em alguns casos, a mutação pode ter ocorrido de novo no embrião. Para algumas mutações de herança dominante, a mutação pode fornecer alguma proteção contra outro estado grave (p. ex., o traço hemoglobina falciforme confere proteção contra P. falciparum). Herança ligada a X: Herança recessiva ligada ao X ocorre com variedade de DMH; por exemplo: deficiência de OTC; deficiência complexa de piruvato desidrogenase; síndrome de Hunter (mucopolissacaridose tipo II); síndrome de Lesch-Nyhan (um distúrbio em purina); doença de Fabry (esfingolipidoses) e ALD. Esse padrão de herança é caracterizado por mulheres portadoras (não afetadas, pois elas apresentam uma cópia normal do gene em seu outro cromossomo X) que passam o gene para seus filhos afetados (o cromossomo Y não é portador do gene para que não haja cópia normal). A possibilidade de um filho ser afetado é de 1 em 2 em cada gravidez, o mesmo o risco de uma filha ser portadora. Como o gene afetado encontra-se no cromossomo X, pais afetados podem passá-lo somente para as suas filhas, que serão portadoras obrigatórias. Ao contrário de condições autossômicas recessivas, em heranças ligadas ao X, as portadoras podem manifestar a doença clinicamente; por exemplo, deficiência de OTC. Como discutido anteriormente, em mulheres portadoras, a variação na intensidade dos sintomas é em virtude da lionização, a inativação aleatória de um dos dois cromossomos X em todas as células, incluindo hepatócitos. A gravidade da doença depende da porcentagem dos hepatócitos que expressam o gene normal. Isso pode levar a uma apresentação clínica variada dentro das famílias, com algumas mulheres portadoras apresentando hiperamonenia grave no período neonatal e outras sendo aparentemente não afetadas. Heranças dominantes ligadas ao X exigem apenas uma cópia do gene para ser herdada e expressar a mutação; portanto, homens e mulheres são igualmente afetados; por exemplo, raquitismo resiste à vitamina D (Fig. 24.3B). Herança mitocondrial: As mitocôndrias são organelas intracelulares únicas, na medida em que elas têm seus próprios genes. No entanto, uma mitocôndria totalmente funcional é o produtode ambos os genomas nucleares e mitocondriais com a grande maioria dos genes, na ordem de 1300, sendo codificado no núcleo. Se as mutações causadoras da doença ocorrerem no núcleo, estas podem ser herdadas da maneira usual; por exemplo, como autossômica dominante ou recessiva, traços ou ligados ao X. O DNA mitocondrial (mtDNA) é herdado de forma matrilinear; ou seja, mtDNA é herdado exclusivamente da mãe. DNA mitocondrial paterno está presente na mitocôndria da cauda do espermatozoide para fornecer ATP para a propulsão. Na fecundação, a cauda do espermatozoide é deixada de fora e, portanto, o mtDNA paterno não entra no zigoto. Mutações no DNA mitocondrial, portanto, somente podem ser herdadas de fêmeas, mas podem afetar machos ou fêmeas. As mutações pontuais herdadas desta forma incluem aquelas para: epilepsia mioclônica com fibras rotas vermelhas (MERRF); encefalomiopatia mitocondrial, acidose láctica e episódios tipo AVC (MELAS) e neuropatia óptica hereditária de Leber. O grau em que a descendência será afetada nessas condições é influenciado pela carga mutante, cada célula tem muitas mitocôndrias e cada mitocôndria tem múltiplas cópias do mtDNA, uma mistura do normal (tipo selvagem) e mutante. A presença de mtDNA normal e mutante no interior da mesma célula é chamada heteroplasmia. Durante a divisão celular, o mtDNA é dividido aleatoriamente entre as células-filhas (Fig. 24.4). A proporção de mtDNA mutante pode ficar à deriva em direção à homoplasmia; ou seja, na presença de mtDNA normal ou mutante. Quando a proporção de mtDNA mutante atinge um determinado limiar dentro de uma célula individual, a função celular é comprometida e, se as células são afetadas de modo semelhante, as características clínicas irão se desenvolver. A distribuição das mitocôndrias afetadas dentro do corpo irá determinar a aparecimento. Doenças mitocondriais geralmente se apresentam com envolvimento de múltiplos órgãos; no entanto, os órgãos que requerem alta energia são mais frequentemente envolvidos, especialmente o cérebro, o músculo, o fígado, o coração, os rins e o olhos. Como as células se dividem rapidamente, o mtDNA mutante pode não estar presente; assim, as células com função normal apresentam vantagem na sua reprodução, por exemplo, anemias refratárias e enteropatias podem ser resolvidas quando a medula óssea ou o trato gastrintestinal se recuperarem, ao passo que o cérebro e os músculos apresentam um desenvolvimento progressivo da doença. earranjos (deleções/duplicações) dentro do genoma mitocondrial são geralmente de forma esporádica e, por conseguinte, o risco de recorrência é pequeno. Exemplos incluem a síndrome de Kearns-Sayre (oftalmoplegia externa, retinopatia pigmentar, bloqueio de condução cardíaca) e síndrome de Pearson (anemia e disfunção pancreática, tanto endócrina quanto exócrina). ESTRATÉGIAS DIAGNÓSTICAS Devem ser criadas ligações entre centros de referências e unidades metabólicas especializadas, de modo que os casos urgentes possam ser discutidos, as investigações https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#fig24-3 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#fig24-4 Lívia Leandro planejadas e uma abordagem estruturada levada para o uso de pequenas amostras. O histórico do paciente com relação a medicamentos e alimentação, bem como o estado de transfusão, será necessário para uma interpretação mais completa. Idealmente, na unidade especializada, os serviços clínicos e de laboratório devem ser integrados com uma abordagem multidisciplinar para a investigação e interpretação dos resultados. Isso deve levar a um diagnóstico rápido e com início do tratamento adequado. INVESTIGAÇÕES LABORATORIAIS ESSENCIAIS Quando a suspeita de uma DMH é confirmada, há uma série de investigações laboratoriais básicas que podem ser realizadas imediatamente no hospital local. Essas análises incluem hemograma e eletrólitos séricos completos, bem como as investigações mais específicas discutidas a seguir. Seus resultados podem fornecer pistas para o diagnóstico e sugerir novas investigações. Gasometria: A gasometria arterial é o exame mais importante em um paciente com suspeita de DMH, especialmente durante episódios agudos de doença. O desequilíbrio ácido-base mais comum observado na população pediátrica é uma acidose metabólica, secundária a infecções, estados catabólicos ou desidratação grave. A dificuldade de interpretação, nessas circunstâncias, é que tais condições são, muitas vezes, os gatilhos de descompensação aguda em pacientes com DMH. O cálculo da diferença aniônica pode auxiliar na interpretação da gasometria: acidose metabólica, com um aumento da diferença aniônica (> 16 mEq/L), é observada em muitas DMH, ao passo que a acidose metabólica com diferença aniônica normal é mais provável que seja devido à diarreia ou acidose tubular renal. Em pacientes com uma suspeita de acidose metabólica e DMH, é importante testar a urina para cetonas. Testes pontuais para cetonas em urina e sangue utilizam a tecnologia de fitas simples, que estão prontamente disponíveis na maioria das unidades neonatais e pediátricas, dando uma indicação rápida da situação cetótica do paciente. A cetose é uma resposta fisiológica ao jejum, e é vista frequentemente em crianças normoglicêmicas com náuseas e vômitos severos. No entanto, durante o período neonatal, acidose metabólica com cetonúria é quase sempre patológica e, como possíveis diagnósticos, deve levar em consideração os distúrbios de aminoácidos de cadeia ramificada: acidemia propiônica, acidemia metilmalônica, acidemia isovalérica e doença do xarope de bordo. Ácidos orgânicos urinários, acilcarnitinas sanguínea e análise de aminoácidos devem ser efetuados com urgência para elucidar o defeito subjacente. A detecção de cetonas na urina, além de lactato sanguíneo e medição de glicose, fornece a base para o diagnóstico diferencial de acidose metabólica no contexto de DMH (Quadro 24.2). Apesar de diabetes melito não ser uma DMH, é o diagnóstico mais importante a considerar quando cetoacidose é encontrada associada à hiperglicemia. Em pacientes com hipoglicemia cetótica, os defeitos gliconeogênicos e glicólise devem ser considerados em primeiro lugar. As características mais sugestivas desse grupo são acidemia láctea e hepatomegalia, embora não seja sempre presente. Se a cetose é sustentada, as alterações da cetólise são raras (deficiência de succinil-CoA:3-cetoácido-CoA transferase e deficiência de 3-oxotiolase) e devem ser consideradas, uma vez que estas podem ser facilmente perdidas. Perfil dos ácidos orgânicos na urina seguido de análise enzimática e de mutações é necessário para confirmar o diagnóstico dessas alterações raras. A acidose láctica é frequentemente presente nas doenças agudas, quando um colapso circulatório resulta em hipóxia tecidual. Também é frequentemente associada a distúrbios de ácidos orgânicos, tais como acidemia propiônica e acidúria metilmalônica, como um resultado de interferência no metabolismo secundário de coenzima A. A avaliação das cetonas, novamente, fornece indícios para um diagnóstico diferencial, uma vez que a cetose é um componente presente em muitas DMH, apesar de geralmente ausente em acidose láctica secundária à hipóxia. As causas secundárias de acúmulo de lactato devem ser excluídas antes de uma doença hereditária do metabolismo do piruvato/lactato ser procurada. Diagnóstico diferencial de acidose metabólica: Causas adquiridas: Insuficiência circulatória (anormalidades cardíacas, hipovolemia, sepse), Insuficiência renal e Hipóxia Causas herdadas: Acidemias orgânicas, Acidemia láctica, Acidose tubular renal e Algumas acidemias por aminoácidos A alcalose respiratória é um achado menos frequente em DMH e, quando presente, a amônia plasmática deve ser medida com urgência. O amoníaco estimula os centros respiratórios, causando hiperventilação, que resulta na diminuição da pCO2. A encefalopatia aguda com alcalose respiratória deve levantarsuspeita sobre hiperamonemia que, se confirmada, exige uma investigação imediata para excluir alterações no ciclo da ureia. Em situação de hiperamonemia causado por https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-2 Lívia Leandro distúrbios de ácidos orgânicos, o distúrbio ácido-base é geralmente uma acidose metabólica. Glicemia A hipoglicemia é uma característica de apresentação de muitas DMH, tais como aquelas em que há um bloqueio primário no metabolismo da glicose, como as doenças de armazenamento de glicogênio, ou aqueles em que o metabolismo da glicose é afetado secundariamente; por exemplo, tirosinemia tipo I. Investigações adicionais para identificar a causa subjacente devem ser realizadas quando a criança estiver hipoglicêmica. Se essa oportunidade for perdida, muitas vezes o diagnóstico será difícil de ser realizado, uma vez que as alterações bioquímicas podem não estar presentes durante a normoglicemia; a criança pode, então, ser submetida a um controle rápido com os riscos associados ao procedimento. Uma boa prática de hospitais com ambulatório de pediatria é ter um protocolo estabelecido para investigação de hipoglicemia. Este protocolo deve ser instituí do, se a criança apresentar, em análise laboratorial, glicose sanguínea < 0,14 mg/dL (ou, no teste rápido, < 0,16 mg/dL). Orientações melhores sobre essas práticas estão disponíveis no site da MetBioNet: www.metbio.net. Amônia plasmática É essencial a medição de amônia plasmática em todas as crianças com encefalopatia aguda ou crônica, vômitos recorrentes ou hiperventilação. A suspeita de uma DMH em uma criança deve ser levada em consideração no momento do nascimento, pois as características clínicas anormais aparecem somente após as primeiras 24h, após o estabelecimento da alimentação. A partir do histórico familiar, algumas pistas podem ser adquiridas: por exemplo, quando há histórico de óbitos masculinos ou mulheres com doença episódica sugerindo deficiência OTC ligada ao X. A hiperamonemia muitas vezes passa despercebida, particularmente no período neonatal, quando os sintomas clínicos são inespecíficos podendo simular sepse. Todos os hospitais com unidades neonatais e pediátricas devem, portanto, ser capazes de realizar um exame rápido para análise de amônia plasmática. Cuidados devem ser tomados no manuseio da amostra, como o uso de tubos sem amoníaco para a coleta de sangue e a separação do plasma a partir de células em até 15 min. A presença de altos índices de hiperamonemia no período neonatal geralmente é devido a distúrbios no ciclo da ureia (cerca de 70%) ou um distúrbio de ácido orgânico (aproximadamente 30%). A hiperamonemia com distúrbios de ácidos orgânicos é um resultado da deficiência de acetil-CoA necessária para a síntese de N-acetilglutamato, um passo anterior à síntese da ureia. A presença de acidose metabólica em um paciente com hiperamonemia é uma sugestão de um distúrbio de ácido orgânico. Como a gravidade da hiperamonemia não possibilita distinção entre sua causa, o tratamento irá variar de acordo com a alteração subjacente, acompanhamento bioquímico rápido com investigações secundárias são necessárias. Análise de ácidos orgânicos urinários e ácido orótico, em conjunto com os aminoácidos plasmáticos e acilcarnitinas, é essencial; os resultados podem ser liberados no mesmo dia, após uma discussão com a equipe laboratorial. A Figura 24.5 fornece um fluxograma para a investigação e diagnóstico de hiperamonemia neonatal. Em crianças mais velhas e em adultos, a amônia plasmática deve ser medida em pacientes com encefalopatia sem causa aparente (progressiva ou reincidente crônica), vômitos ou sonolência, semelhante à síndrome de Reye (hiperamonemia, hipoglicemia e elevação de aminotransferase), disfunção neurológica ou ataxia. Sintomas clínicos são muitas vezes presentes no início tardio, associado ao catabolismo, como ocorre durante as infecções. O histórico alimentar completo pode ser usado como pista, e uma dieta com baixa de proteína pode ser relevada. Naqueles pacientes com sintomas semelhantes à síndrome de Reye, a possibilidade de distúrbio da oxidação de ácido graxo deve ser considerada. Testes de função hepática: A icterícia, acompanhada por outras particularidades de disfunção hepática, é uma das características mais frequentes que apresentam nas DMH. Isso não é surpreendente, dado o importante papel do fígado no metabolismo. Testes de função hepática são, portanto, essenciais nos primeiros exames de suspeita para DMH. Eles devem incluir a medição de bilirrubina (total e conjugada), aminotransferase, fosfatase alcalina e o tempo de protrombina (ou razão normalizada internacional). Muitas DMH apresentam insuficiência hepática, muitas vezes no período neonatal. Os resultados dos testes de função hepática são caracterizados por uma hiperbilirrubinemia conjugada grave e transaminases séricas elevadas. O destaque deste grupo de doença é a galactosemia clássica (galactose 1-fosfato uridil transferase) que geralmente exibe seus sintomas após a introdução da alimentação com leite. As principais DMH causadoras de doenças hepáticas são listadas no Quadro 24.3. Este quadro não inclui a hiperbilirrubinemia herdada, por não estar associada a outras características de disfunção hepática. Doenças metabólicas hereditárias com presença de doença hepática neonatal: ● Galactosemia http://www.metbio.net/ https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#fig24-5 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-3 Lívia Leandro ● Tirosinemia tipo I ● Deficiência α1-antitripsina ● Hemocromatose neonatal ● Distúrbios de oxidação de ácidos graxos ● Distúrbios na cadeia respiratória ● Distúrbios do metabolismo de ácidos biliares ● Distúrbios peroxissomais Dosagem de cetonas A cetose é uma resposta normal ao jejum e, quando não associada a qualquer acidose e hipoglicemia, deve, na primeira e segunda infância, ser considerada fisiológica. No entanto, como mencionado anteriormente, a presença de cetonas em recém-nascido é anormal e requer acompanhamento. Apesar de a cetose ser uma resposta fisiológica, é provável que tenha significado clínico quando está associada à acidose. A detecção de corpos cetônicos na urina, utilizando um dispositivo de teste de fita simples, é, portanto, o ponto de partida para a investigação de acidose metabólica (Quadro 24.2). A ausência de cetonas também pode dar uma pista para a DMH subjacente, o exemplo mais clássico é a hipocetonúria com hipoglicemia devido a uma falha de oxidação de ácidos graxos, como MCADD. Pacientes com essa alteração são capazes de mobilizar as reservas de gordura durante os períodos de jejum ou estresse catabólico, mas, devido à deficiência enzimática, são incapazes de oxidar os ácidos graxos completamente, levando a uma deficiência relativa de acil-CoA necessária para a cetogênese. Apesar de classicamente ser considerada uma ausência completa na produção de cetonas, é mais comum ver algumas cetonas presentes, mas em quantidades muito baixas. A presença de cetonúria em hipoglicemia não deve, portanto, impedir a investigação para defeitos de oxidação de ácidos graxos. Substâncias redutoras urinárias: A detecção de substâncias redutoras na urina, utilizando comprimidos simples, mas não específicos, tem sido historicamente um dos pilares do teste de primeira linha para a DMH. A retirada do mercado de Clinitest® (Bayer) em 2011 promoveu uma revisão dessa prática e uma racionalização das investigações de distúrbios do metabolismo de monossacarídeo. Cromatografia em camada delgada (TLC) pode ser útil para identificar os açúcares que estão presentes, mas pode apresentar um resultado negativo em crianças com DMH em que a via alterada não tenha sido estressada anteriormente, por exemplo, se uma criança com galactosemia clássica tiver tido contato com uma composição de leite livre de lactose. Há também preocupações analíticas com o usoda TLC de açúcar, principalmente a falta de um sistema de controle de qualidade externo robusto e a reprodutibilidade dos resultados ser altamente dependente do operador. Na investigação da galactosemia clássica, em que icterícia e disfunção hepática podem evoluir rapidamente para insuficiência hepática, o sangue total deve ser enviado para análise da atividade de galactose 1-fosfato uridil transferase urgente. Em crianças mais velhas, com disfunção hepática progressiva e apresentação de hepatomegalia após o desmame, o diagnóstico de intolerância hereditária à frutose deve ser considerada. A biópsia hepática para análise da mutação e atividade da aldolase é necessária para o diagnóstico. INVESTIGAÇÕES DE SEGUNDA LINHA Os aminoácidos são intermediários importantes em várias vias metabólicas e são uma importante fonte de energia, particularmente durante o jejum. Seu metabolismo pode envolver intermediários potencialmente tóxicos que geralmente são metabolizados, mas podem-se acumular em algumas doenças metabólicas que envolvem o metabolismo de aminoácidos e, assim, causar danos em alguns órgãos. A análise de aminoácidos é, portanto, uma investigação importante secundária quando há a suspeita de doença metabólica hereditária (Quadro 24.4), e é frequentemente solicitada. Indicações para análise de aminoácidos no plasma ou urina: •Letargia neonatal, coma, convulsões e vômitos •Hiperamonemia •Hipoglicemia •Cetose •Acidose metabólica ou acidemia láctea •Descompensação metabólica ou encefalopatia •Doença hepática sem causa aparente •Atraso no desenvolvimento sem causa aparente •Doenças renais (p. ex., cálculos, tubulopatia) Individualmente, distúrbios de aminoácidos são raros, sendo o mais comum (PKU), com incidência de 1:10.000. No entanto, a incidência combinada de todas as doenças que podem ser diagnosticadas utilizando a análise de aminoácidos é da ordem de 1 em 6.000. Como um grupo, eles são heterogêneos, tanto em termos de sintomas clínicos e idade de apresentação. O início dos sintomas pode ocorrer a qualquer momento desde o período neonatal até a idade adulta, mas é classicamente associada a períodos de catabolismo https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-2 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-4 Lívia Leandro proteico, como a alimentação tardia em um recém-nascido, ou infecções intercorrentes em uma criança. Os sintomas agudos estão associados à acumulação de grandes quantidades de aminoácidos que excedam a via problemática, resultando na produção de metabólitos tóxicos. Há certas características de manifestação em recém-nascidos; por exemplo, encefalopatia e cetose aguda, que devem considerar a análise de aminoácidos. No entanto, a manifestação clínica de muitas dessas doenças é específica; por exemplo, atrofia girata na deficiência de ornitina aminotransferase, justificando investigação específica. Uma análise das alterações leves nos distúrbios dos aminoácidos é a chave para fazer um bom diagnóstico. Distúrbios de aminoácidos podem ser simplesmente classificados como perturbações primárias ou distúrbios renais (Tabela 24.2). Em disfunções primárias, existe uma alteração na via metabólica com acumulação de aminoácido específico ou metabólitos que resultam em uma deficiência enzimática. Um exemplo clássico é a doença da urina de xarope de bordo, causada por uma deficiência na enzima desidrogenase de oxoácido de cadeia ramificada, que leva à acumulação de valina, leucina e isoleucina e a presença do metabólito anormal aloisoleucina. Nos distúrbios de aminoácidos primários, a amostra mais relevante é o plasma, dando uma visão geral da via metabólica. A urina é menos útil neste grupo, uma vez que a excreção de ácidos aminados é muito mais variável (especialmente em prematuros) e é significativamente propensa à interferência de medicação. A urina é, contudo, essencial para o diagnóstico de distúrbios renais de aminoácidos, como cistinúria. Neste grupo, o metabolismo de aminoácidos está intacto, mas a reabsorção tubular renal de aminoácidos específicos é problemática. O padrão anormal é, por conseguinte, apenas observado na urina. TABELA 24.2 Disfunções de aminoácidos renais Disfunção Padrão de aminoácidos urinários Cistinúria Cisteína, ornitina, arginina, lisina Doença de Hartnup Acidúria amino neutral Intolerância lisinúrica proteica Lisina, ornitina, arginina Iminoglicinúria Prolina, hidroxiprolina, glicina É importante estar ciente do tipo de investigação realizada quando a análise de aminoácidos é solicitada. Teste de urina simples, como o teste de cianeto-nitroprussiato de cistina e homocistina, é frequentemente utilizado por hospitais locais como uma análise preliminar para o encaminhamento a um centro especializado. Esses ensaios simples estão cada vez mais obsoletos e são limitados por falta de sensibilidade e de especificidade e não devem ser utilizados isoladamente. A análise pode ser feita por outras técnicas de rastreio, como cromatrografia de camada delgada, mas novamente são limitadas na detecção de anormalidades, mas alguns distúrbios com alterações bioquímicas suaves podem não ser detectadas por esses métodos. Se a técnica qualitativa for empregada, as suas limitações devem ser compreendidas, e reportadas ao médico solicitante, para que não haja perda do diagnóstico. Os aminoácidos são mais bem analisados usando técnicas quantitativas, como cromatografia de troca iônica. Esses métodos são suficientemente sensíveis para detectar os distúrbios de aminoácido recentemente reconhecidos e caracterizados por baixas concentrações de aminoácidos, como a deficiência de desidrogenase 3-fosfoglicerato, um distúrbio da síntese de serina. Cromatografia de troca iônica é mais adequada para a análise de rotina, mas é limitada pelo tempo de análise em situação aguda. Para complementar a abordagem, a rápida espectrometria de massa em tandem (TMS), que analisa uma lista específica de aminoácidos e outros metabólitos (seção sobre acilcarnitinas), torna possível que um diagnóstico seja feito rapidamente e o tratamento seja instituído à criança gravemente doente. Combinando o teste TMS rápido na situação aguda, com uma abordagem de rotina que afirma claramente quais distúrbios são excluídas, é possível fornecer uma solução equilibrada para a análise de aminoácidos. Ácidos orgânicos urinários: O perfil dos ácidos orgânicos na urina é uma investigação secundária importante em até 150 das DMH que podem ser identificadas a partir de uma única análise. A análise de ácidos orgânicos pode identificar metabólitos intermediários da maioria dos aminoácidos, carboidratos, purina e pirimidina, neurotransmissores, colesterol e vias de ácidos graxos, tornando-se um poderoso instrumento de investigação. Utilizando a análise de ácido orgânico, disfunções metabólicas podem ser identificadas pela presença de concentrações patológicas de metabólitos normais; por exemplo, ácido fumárico em deficiência de fumarase, ou na presença de metabólitos patológicos (e em alguns casos patognomônicos), tal como succinilacetona em tirosinemia tipo I. Os laboratórios usam a cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa (GCMS) https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#tab24-2 Lívia Leandro para realizar análise de ácidos orgânicos, proporcionando uma interpretação qualitativa do perfil. No entanto, a utilização da análise quantitativa por diluição com isótopos estáveis deve ser considerada quando pequenas concentrações de metabólitos críticos podem conduzir a um diagnóstico. Muitas doenças podem ser detectadas por análise de ácidos orgânicos, independentemente de a amostra ser recolhida quando a criança está com a doença aguda ou não. No entanto, algumas DMH são claramente identificáveis apenas durante episódios de descompensação aguda. A eficiência de acil-CoA desidrogenase de cadeia média é um distúrbio em que o padrão clássico decadeia média é a acidúria dicarboxílico (adípico, subérico e ácido sebácico), com uma baixa excreção inadequada de cetonas na presença do metabólito hexanoglicina patognomônico, só está aparente quando a criança está gravemente doente. Amostras coletadas durante os episódios de descompensação aguda são, portanto, vitais para a investigação de DMH. As indicações para a análise de ácidos orgânicos urinários são resumidas no Quadro 24.5. QUADRO 24.5 Indicações para a análise de ácidos orgânicos urinários •Acidose metabólica sem causa aparente •Hipoglicemia •Cetonúria (urgente no recém-nascido) •Acidose láctica •Hiperamonemia •Encefalopatia •Distúrbio neurológico sem causa aparente •Falência múltipla •Disfunção hepática Ácido orótico urinário: O aumento da excreção de ácido orótico na urina é uma das características de quatro DMH que envolvem o ciclo da ureia (deficiência de ornitina transcarbamilase, citrulinemia, acidúria argininosuccínica e argininemia) (Fig. 24.1), sendo útil no seu diagnóstico. Há uma série de técnicas de análise que podem ser utilizadas para a identificação desse metabólito; por exemplo, GCMS ou TMS, que são muitas vezes necessárias como parte da investigação rápida de uma criança doente. Acilcarnitina sanguínea: Com a chegada da tecnologia de TMS, o perfil de acilcarnitinas tornou-se uma investigação fundamental para as DMH. O uso de TMS para avaliação do perfil das acilcarnitinas, combinado com a análise simultânea de outros metabólitos intermediários, possibilita o diagnóstico de muitas alterações de aminoácidos tratáveis, ácidos orgânicos, oxidação de ácidos graxos e distúrbios no ciclo da ureia. Na emergência clínica, quando um desses distúrbios é diagnosticado, a discussão com especialistas é fundamental para definir a prioridade. O perfil da acilcarnitina possibilita a quantificação de acilcarnitina saturada e insaturada necessárias para o diagnóstico de uma séria de DMH. Além disso, a determinação de ambas carnitina total e livre (isto é, estado geral de carnitina) é necessária para a investigação de suspeitas em alterações nos transportadores de carnitina. Em geral, a análise de acilcarnitina é realizada em amostras de plasma ou manchas de sangue, sendo necessária uma pequena amostra. Amostra biliar coletada post mortem, por cartões de rastreamento neonatal, pode ser usada se a suspeita de DMH for levantada na autópsia. É necessário notar que algumas condições somente podem ser diagnosticadas, com segurança, utilizando os perfis de acilcarnitinas: um exemplo é VLCAD. Análise de acilcarnitina deve, portanto, ser realizada se houver suspeita de um defeito de oxidação dos ácidos graxos; esses transtornos geralmente se apresentam com hipoglicemia hipocetótica, mas podem estar associados à cardiomiopatia, rabdomiólise ou hepatomegalia. Em mulheres grávidas com AFLP ou síndrome HELLP, a possibilidade de LCHAD em seu lactente deve ser considerada. O perfil de acilcarnitina é necessário para o recém-nascido de uma mãe com histórico para essas condições. Lactato e piruvato sanguíneos O lactato e o piruvato são intermediários importantes em várias vias metabólicas, particularmente na produção de ATP, sob condições anaeróbicas. Portanto, não é surpreendente que a avaliação dessas vias, por meio de análise de lactato no sangue, é uma medida essencial para a investigação de uma suspeita de DMH. Na ausência de hipóxia tecidual, e assumindo que a amostra foi coletada corretamente, usando um agente antiglicolítico apropriado, o lactato sanguíneo de > 0,33 mg/dL deve ser considerado anormal e investigações adicionais devem ser iniciadas. A acidemia láctica é encontrada em diversos grupos de DMH (Quadro 24.1) e pode levar a uma acidose metabólica quando a concentração de lactato for superior a 0,56 mg/dL. É um achado frequente em acidemias orgânicas, distúrbios do ciclo da ureia e distúrbios de oxidação de ácidos graxos, como resultado https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-5 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-5 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#fig24-1 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-1 Lívia Leandro da interferência no metabolismo secundário da coenzima A, sendo muitas vezes acompanhado de cetose. Esses grupos de DMH podem ser rapidamente distinguidos com exames de acompanhamento, tais como ácidos orgânicos, aminoácidos e análise de acilcarnitina. A acidose láctica primária, por exemplo, é uma alteração no metabolismo do piruvato ou de função de cadeia respiratória, muitas vezes presentes com acidose metabólica grave no período neonatal. Uma característica presente nesse grupo, em oposição aos grupos DMH secundário descritos anteriormente, é que o quadro clínico não está relacionado com a ingestão de proteínas. Na acidose láctica primária, o cálculo de ambos, lactato e piruvato (L:P) e a análise no líquido cefalorraquidiano (CFS) de lactato são como guia para iniciar novas investigações. Deve-se observar que o piruvato é extremamente instável e necessita de amostra com a precipitação imediata do sangue total. No entanto, se a medida exata do lactato e piruvato for realizada, a razão L:P pode dar informações valiosas sobre o estado redox citoplasmático. Uma razão elevada de L:P (> 3,05) é sugestivo de um defeito ou deficiência da cadeia respiratória do piruvato carboxilase, com uma relação normal (< 3,05), sugerindo um distúrbio de gliconeogênese ou deficiência de piruvato desidrogenase. Mais informações podem ser adquiridas a partir de avaliação das concentrações de lactato no plasma em relação aos estados alimentados e em jejum. Isso é de uso particular na investigação de doenças de depósito de glicogênio (GSD). Acidemia láctica no estado de jejum é encontrada em GSD tipo I (deficiência de glicose-6 fosfatase), em contraste com a GSD tipo III (deficiência de amilo-1,6-glicosidase), em que o aumento do lactato é mais notável após a alimentação. Ao investigar essas condições, é importante que as amostras sejam coletadas no período pré- e pós-prandial para que a acidemia láctica não seja perdida. É por esta razão que o lactato é uma medida importante em muitos diagnósticos de jejuns de 24 h de perfis metabólitos (a seguir). Glicosaminoglicanos urinários As mucopolissacaridoses são um grupo de distúrbios de armazenamento lisossomal caracterizados bioquimicamente pela acumulação de glicosaminoglicanas (GAG) na urina. Clinicamente, apresentam características faciais brutas, incluindo anormalidades esqueléticas, hepatoesplenomegalia e perda auditiva. A maioria das características não está presentes ao nascimento, mas aparece com o decorrer da idade. Se houver suspeita dessas doenças, uma amostra de urina aleatória deve ser recolhida para análise de GAG. Primeiro, é feita uma análise quantitativa, comparando o intervalo de referência relacionado com a idade. Este é, então, acompanhado por eletroforese para identificar os GAG individuais dos padrões típicos característicos de cada doença (Tabela 24.3). O diagnóstico definitivo é por análise enzimática. TABELA 24.3 Mucopolissacaridoses Ti p o Distúrb io Glicosaminoglicano Urinário Deficiência enzimática I Hurler Sulfato de dermatano, sulfato de heparina α-iduronidaSe II Hunter Sulfato de dermatano, sulfato de heparina Iduronato sulfatase III A Sanfili ppo A Sulfato de heparina Sulfamidase de heparina III B Sanfili ppo B Sulfato de heparina N-acetil- α-glIcosamini dase III C Sanfili ppo C Sulfato de heparina N-acetiltransfe rase III D Sanfili ppo D Sulfato de heparina N-acetilglicosa mino sulfatase I V A Morqui o A Sulfato de queratano N-acetilgalact osamina 6-sulfatase I V B Morqui o B Sulfato de queratano β-galactosidas e V I Marote aux-L amy Sulfato de dermatano N-acetilgalact osamina 4-sulfatase V II Sly Sulfato de dermatano, sulfato de heparina,sulfato de condroitina β-glucuronidas e Ácidos graxos de cadeia muito longa plasmáticos https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#tab24-3 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#tab24-3 Lívia Leandro Os ácidos graxos de cadeia muito longa, com aproximadamente ≥ 22 carbonos, são exclusivamente metabolizados por β-oxidação nos peroxissomos. A análise dos AGCML plasmáticos é, portanto, uma importante investigação secundária em suspeitas de doenças peroxissomais. Trata-se de um grupo heterogêneo geneticamente, mas tanto nos distúrbios de biogênese peroxissomal (como síndroma de Zellweger) quanto nos defeitos de proteínas peroxissomais individuais (os mais comuns são ALD ligado ao X), a β-oxidação é prejudicada, levando ao acúmulo de AGCML. A descoberta de uma relação elevada de ácidos graxos C26:C22 é uma clara indicação de disfunção peroxissomal. No entanto, é necessário notar que, embora a análise do AGCML identifique a presença de um distúrbio peroxissomal, os resultados devem ser vistos em conjunto com os resultados clínicos, de imagem e posterior análise laboratorial, como eritrócitos plasmalogênio, os intermediários de ácidos biliares e ácido pristânico para tornar possível um diagnóstico preciso. Testes funcionais e de carga O objetivo dos testes funcionais ou de carregamento é desmascarar DMH que são difíceis de diagnosticar por técnicas convencionais. Eles são mais frequentemente utilizados em situações em que as alterações metabólicas não são claramente anormais e o diagnóstico é incerto, por exemplo, muitos dos transtornos de oxidação dos ácidos graxos, nos quais achados bioquímicos podem ser sutis ou ausentes, quando o paciente está bem. Se oportunidade para coletar amostras for perdida, que é quando o paciente está hipoglicêmico ou agudamente doente, uma rápida análise controlada pode ser realizada para auxiliar no diagnóstico. Jejum diagnóstico Durante um diagnóstico de jejum, amostras de sangue são coletadas de 1 em 1 hora. As investigações devem incluir os marcadores do metabolismo intermediário (ácidos graxos não esterificados, hidroxibutirato e lactato), acilcarnitinas e hormônios contrarreguladores (insulina, hormônio de crescimento e cortisol). Ácidos orgânicos urinários e acilcarnitina arterial devem ser medidos no início do jejum. A concentração de glicose sanguínea é monitorada utilizando um dispositivo de teste de ponto adequado para a detecção de hipoglicemia; no entanto, tais resultados devem ser confirmados em laboratório. Devido aos riscos associados a esse procedimento, jejuns para o diagnóstico devem ser realizados sob a supervisão médica em uma unidade especializada. Além de fornecer informações de diagnóstico valioso, uma análise do jejum possibilita avaliação no período de segurança – ou seja, antes do início da hipoglicemia–, e devem ser realizados anualmente em pacientes com distúrbio do armazenamento de glicogênio. Teste de sobrecarga de alopurinol Testes de sobrecarga são utilizados para expor um defeito enzimático, onde existe atividade residual. O teste alopurinol pode ser usado desta forma para confirmar o estado heterozigótico em portadoras de deficiência de OTC. A urina é coletada para a medição de orotidina e ácido orótico, antes e após a administração de alopurinol. Embora esta seja uma abordagem segura e não invasiva, nem todos os traços são detectados em mulheres. Esta estratégia, embora ainda em uso, está sendo substituída pela utilização da análise de mutação. Investigações confirmatórias Análise enzimática: princípios gerais A confirmação final do diagnóstico para suspeita de DMH muitas vezes exige análise enzimática. Em alguns casos, o teste de confirmação não é realizado, pois, muitas vezes, o diagnóstico é inferido a partir de um histórico clínico típico e um padrão característico de metabólitos anormais. Em condições como a PKU, a utilização de um procedimento invasivo, como biopsia do fígado, a obtenção do tecido para análise enzimática não contribuirá também para a supervisão do paciente. No entanto, a maioria dos pacientes com uma suspeita de DMH fará a análise enzimática para confirmação do diagnóstico. A análise enzimática pode ser realizada em vários tipos de tecidos, variando entre células sanguíneas, fígado e músculo, obtidos por biopsia. Uma amostra adequada é de particular importância para DMH específicas de um dado tecido; por exemplo, amostras de biopsia hepática nos distúrbios do ciclo da ureia; e biopsia do músculo ou do fígado para doenças de depósito de glicogênio que são específicas do músculo ou do fígado. Se não for esperado que o paciente com suspeita de DMH sobreviva, é necessário coletar plasma, urina, pele e, se possível, músculo e fígado para biopsias. As biopsias da pele são de particular importância, uma vez que cultura de fibroblastos pode ser estabelecida e o DNA extraído, se necessário. Galactose-1-fosfato urudil transferase sanguínea: A galactosemia clássica, devido à deficiência na enzima galactose-1-fosfato uridiltransferase (Gal-1-PUT ou GALT), conduz à acumulação de galactose e outros metabólitos tóxicos na introdução de lactose na dieta. No passado, o teste para substâncias reduzidas na urina derivava de um teste rápido para avaliação de galactosemia. Agora, as suspeitas clínicas devem ser urgentemente acompanhadas com testes de confirmação da atividade GALT sanguínea. O médico Lívia Leandro solicitante deve indicar claramente o status de transfusão da criança, uma vez que a transfusão de sangue anterior invalida o resultado. Se uma criança passou por transfusão, pode ser possível inferir o diagnóstico por meio da análise de sangue dos pais e demonstrar se eles são heterozigotos. Triagem de enzima lisossomal: As doenças de depósito lisossômico são um grupo de 40 diferentes DMH caracterizadas pelo acúmulo de macromoléculas em lisossomos, como resultado de defeitos enzimáticos ou transportadores de proteínas específicas. O material acumulado resulta em um aumento no tamanho e do número destas organelas, conduzindo a disfunção celular e características patológicas subsequentes. Os distúrbios de armazenamento lisossomal são geralmente classificados em função do material acumulado; por exemplo, esfingolipidoses, mucolipidoses e mucopolissacaridoses. Essas condições geralmente se manifestam de forma crônica e progressiva, em muitos casos com neurodegeneração. As principais características clínicas são resumidas no Quadro 24.6. QUA DRO 24.6 Características clínicas e laboratoriais sugestivas de uma possível doença de depósito lisossômico •Ascite neonatal •Hidropsia fetal •Características faciais brutas •Displasia esquelética •Hepatoesplenomegalia •Neurodegeneração •Opacificação da córnea •Manchas vermelhas na mácula •Linfócitos vacuolizados Diagnósticos deste grupo de distúrbios são muitas vezes difíceis, porque não há uma sobreposição na apresentação clínica de cada doença. A abordagem de screening é, portanto, adotada por laboratórios especializados: o que garante a possibilidade máxima de fazer um diagnóstico. Grupos de enzimas lisossomais no plasma e leucócitos são analisados de acordo com as características clínicas; por exemplo, se o paciente tiver neurodegeneração ou presença ou ausência de hepatoesplenomegalia. A escolha de enzimas é adaptada para excluir a maioria das doenças de depósito lisossômico. Essa abordagem requer uma boa comunicação entre o hospital local e laboratório especializado para que uma abordagem sistemática para a investigação seja realizada. Estudos complementares Embora na maioria das DMH a deficiência da enzima seja bem caracterizada, ainda há certo número de distúrbios nos quais não houve a identificação da proteína ou do gene mutado. Nessas condições, tais como os que levam à diminuição da síntese de adenosilcobalamina e as características clínicas da acidemia metilmalônica responsiva à cobalamina (classificados como CBLC e CBLC), uma abordagem diferente paraconfirmar o diagnóstico pode ser realizada. Para distinguir esses diferentes grupos, estudos complementares podem ser realizados em cultura de fibroblastos. O princípio da investigação é comparar a incorporação de uma substância marcadora; neste caso, propionato de etila, em paralelo, culturas de células marcadas e não marcadas. Assim, a classificação do paciente é utilizada para determinar um eventual prognóstico e excluir a doença em outros membros da família. No entanto, é provável que essa abordagem seja substituída, uma vez que o locus gênico foi identificado. Análise de mutação gênica A análise das mutações está desempenhando um papel cada vez mais importante no diagnóstico de DMH. O uso da nova geração de sequenciamento possibilitou uma abordagem rápida e mais eficaz em termos de custos e está se tornando um dos pilares das vias de diagnóstico. A análise de mutações tem muitos benefícios para o diagnóstico das DMH. É de grande utilidade no diagnóstico pré-natal, em que a análise de mutações em amostras de vilosidades coriônicas (CVS) pode ser realizada muito mais cedo que o diagnóstico de enzimas realizadas em cultura de amniócitos. Uma vez que a mutação foi definida em proband (o primeiro de uma família a ser estudado), testes nos demais membros podem superar a necessidade de amostragem invasiva, como biopsias hepáticas ou testes funcionais que podem resultar em dados ambíguos. As mutações são classificadas e a correlação genótipo/fenótipo é bem estabelecida, podendo fornecer informações úteis sobre o prognóstico e as opções de tratamento. Em algumas doenças, como MCADD, uma mutação causadora de doença comum (A985G) está presente em muitos casos, e possibilita a utilização de análise de mutação para afirmar o diagnóstico. A abordagem de combinar ensaios de análises metabólicas com mutações confirma o diagnóstico rápido e pode descartar a necessidade de cultura de fibroblastos. No entanto, é possível que surjam problemas quando os heterozigotos compostos são identificados: nesses casos, o significado da evolução https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151918/epub/OEBPS/Text/chapter24.xhtml#quad24-6 Lívia Leandro clínica e da combinação de mutações pode não estar claro. DIAGNÓSTICO PRÉ NATAL A disponibilidade de diagnóstico pré-natal oferece uma série de opções para uma família em que há suspeita de uma doença genética grave. No campo das DMH, o diagnóstico pré-natal é frequentemente solicitado se uma criança previamente afetada tiver um prognóstico ruim, especialmente quando as opções de tratamento são limitadas. Doenças metabólicas hereditárias são geralmente diagnosticadas no pré-natal usando análise enzimática em amniócitos cultivados ou análise de mutação no CVS. A amniocentese, realizada no primeiro ou segundo trimestre de gestação, fornece amniócitos fetais para cultura. A análise da atividade enzimática pode ser realizada nessas culturas em comparação com referência apropriada para confirmar o diagnóstico. A limitação dessa abordagem é a escala de tempo: a cultura de amniócitos costuma levar 4 a 6 semanas para se estabelecer, levando à ansiedade adicional para a família e tempo limitado para a tomada de decisão. Uma vez que apenas um pequeno número de análises é realizado a cada ano, o diagnóstico pré-natal de DMH utilizando essas técnicas é realizado em apenas alguns centros especializados. A amostragem do vilo coriônico é realizada geralmente em 9 a 12 semanas de gestação, proporcionando a oportunidade para o diagnóstico precoce e dando mais tempo para aconselhamento e aborto mais seguro, se esta opção for a escolhida. Nessa técnica, as células das vilosidades fetal obtidas por amnioscopia são dissecadas a partir do tecido materno, e o DNA é extraído para análise de mutações. A adesão a técnicas rigorosas é fundamental para evitar a contaminação de células maternas que podem resultar em ambiguidade de diagnóstico. IDENTIFICAR DIAGNÓSTICO E RELACIONAR SINTOMAS CASO CLÍNICO Estado do nascimento:após 38 semanas João nasceu com 3,2 Kg, 50 cm de comprimento e 35 cm de perímetro cefálico. Sintomas 3 meses após: Ele não interagia bem e apresentava tremores nas mãos e pés. No sexto mês João deu um grande susto na sua mãe, de repente sofreu uma crise convulsiva, Exame clínico: apirético, apresentando deficiência de pigmentação da pele, sinais de deficiência psicomotora, perímetro cefálico abaixo do percentil 5, ligeiro tremor de extremidades, sem rigidez da nuca, urina com odor fétido (mofo) e auscultação cardíaca e pulmonar sem alterações. Histórico familiar: tia‐avó paterna falecida aos 30 anos, que sofria de retardo mental e possuía a “cabeça pequena”. Hipótese Diagnóstica: Fenilcetonuria Conceito: Fenilcetonúria (FNC) é um erro inato do metabolismo, de herança autossômica recessiva, cujo defeito metabólico (geralmente na fenilalanina hidroxilase) leva a acúmulo de fenilalanina (FAL) no sangue e a aumento da excreção urinária de ácido fenilpirúvico e fenilalanina. Foi a primeira doença genética a ter um tratamento realizado a partir de terapêutica dietética específica. Sem a instituição de diagnóstico e tratamento precoces (anterior aos 3 meses de vida através de programas de triagem neonatal), a criança portadora de fenilcetonúria apresenta um quadro clínico clássico caracterizado por atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência mental, comportamento agitado ou padrão autista, convulsões, alterações eletroencefalográficas e odor característico na urina. Pacientes que fazem o diagnóstico no período neonatal e recebem a terapia dietética adequada precocemente não apresentam o quadro clínico descrito. O tratamento da fenilcetonúria é essencialmente dietético e visa o controle dos níveis séricos da fenilalanina para que não atinjam valores neurotóxicos, mas que sejam adequados para o crescimento e desenvolvimento saudáveis. A alimentação com baixo teor de fenilalanina deve ser introduzida no primeiro mês de vida e mantida pela vida inteira. A adesão dietética é a que promove o melhor resultado a longo prazo no crescimento, comportamento e cognição do fenilcetonúrico. No entanto, é um dos fatores mais críticos a serem abordados, pois a lista de alimentos proibidos é extensa e engloba muitos dos produtos que fazem parte dos hábitos alimentares dos brasileiros. A dieta dos fenilcetonúricos é, portanto, monótona, dispendiosa e pouco palatável. Lívia Leandro Três formas de apresentação metabólicas são reconhecidas e classificadas de acordo com o percentual de atividade enzimática encontrado: • fenilcetonúria clássica: quando a atividade da enzima fenilalanina hidroxilase é praticamente inexistente (atividade inferior a 1%) e, conseqüentemente, os níveis plasmáticos encontrados de FAL são superiores a 20 mg/dl. • fenilcetonúria leve: quando a atividade da enzima é de 1 a 3% e os níveis plasmáticos de FAL encontram-se entre 10 mg/dl e 20 mg/dl. • hiperfenilalninemia transitória ou permanente: quando a atividade enzimática é superior a 3% e os níveis de FAL encontram-se entre 4 mg/dl e 10 mg/dl; esta situação é considerada benigna, não ocasionando qualquer sintomatologia clínica. Uma atenção especial deve ser dada às crianças do sexo feminino com quadros de hiperfenilalaninemia permanente porque, na gestação, as quantidades aumentadas da FAL materna (valores acima de 4 mg/dl) levam a uma maior incidência de deficiência mental (21%), microcefalia (24%) e baixo peso ao nascimento (13%). Estas meninas, na idade fértil, devem ser orientadas a iniciar a dieta para pacientes fenilcetonúricos e manter níveis iguais ou inferiores a 4 mg/dl antes da concepção, assim como durante toda a gestação. Há casos de hiperfenilalaninemias atípicas, causadas por deficiência no co-fator da tetra-hidrobiopterina (BH4) - com incidência de 1% a 3% dos casos -, com pior prognóstico porque apresentam quadro clínico mais intenso, sendo o tratamento dietético de pouca valia na maioria das vezes1 . O tratamento da fenilcetonúria consta de intervenção dietética com restrição
Compartilhar