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TURMA 3 FISCALIZAÇÃO, PERÍCIA E AUDITORIA AMBIENTAL POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS INSTRUMENTOS DE GESTÃO AMBIENTAL PÚBLICA ORDENAMENTO JURÍDICO AMBIENTAL METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA E SEMINÁRIOS POLUIÇÃO DO AR, GERENCIAMENTO E CONTROLE DE FONTES FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE POLUIÇÃO DAS ÁGUAS GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS PREVENÇÃO E CONTROLE DA POLUIÇÃO DOS SOLOS E DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS GERENCIAMENTO DE ÁREAS CONTAMINADAS ANÁLISE DE RISCO TECNOLÓGICO EMERGÊNCIAS QUÍMICAS, ASPECTOS PREVENTIVOS E CORRETIVOS LEGISLAÇÃO FLORESTAL APLICADA AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL LICENCIAMENTO COM AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL AIA LICENCIAMENTO AMBIENTAL SEM AVALIAÇÃO DE IMPACTO ESCOLA SUPERIOR DA CETESB GESTÃO DO CONHECIMENTO AMBIENTAL CONFORMIDADE AMBIENTAL COM REQUISITOS TÉCNICOS E LEGAIS PÓS•GRADUAÇÃO L A T O S E N S U INSTRUMENTOS D E G E S TÃ O A M B I E N T A L P Ú B L I C A MÓDULO I – FUNDAMENTOS GERAIS GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE Secretário Márcio França Eduardo Trani CETESB • COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO Diretor-Presidente Diretoria de Avaliação de Impacto Ambiental Diretoria de Controle e Licenciamento Ambiental Diretoria de Engenharia e Qualidade Ambiental Diretoria de Gestão Corporativa Carlos Roberto dos Santos Ana Cristina Pasini da Costa Carlos Roberto dos Santos (em exercício) Eduardo Luis Serpa Waldir Agnello CETESB • COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO MISSÃO Promover e acompanhar a execução das políticas públicas ambientais e de desenvolvimento sustentável, assegurando a melhoria contínua da qualidade do meio ambiente de forma a atender às expectativas da sociedade no Estado de São Paulo. Visão Buscar a excelência na gestão ambiental e nos serviços prestados aos usuários e à população em geral, aprimorando a atuação da CETESB no campo ambiental e na proteção da saúde pública. Valores Ética, legalidade, transparência, eficiência, eficácia, isonomia, imparcialidade, responsabilidade, valorização do capital humano e compromisso com a empresa. Instrumentos de Gestão AmbIentAl PúblIcA Professor Responsável Flávio de Miranda Ribeiro São Paulo, Novembro de 2018 CETESB Companhia Ambiental do Estado de São Paulo Av. Profº. Frederico Hermann Júnior, 345 - Alto de Pinheiros - CEP: 05459-900 - São Paulo - SP http://www.cetesb.sp.gov.br / e-mail: treinamento_cetesb@sp.gov.br Coordenação do Curso Carlos Roberto dos Santos Lina Maria Aché Tânia Mara Tavares Gasi Secretaria Sonia Ritt Equipe Técnica de Apoio ETGB: Sonia Teresinha Barbosa ETGC: Bruno Marcondes Conceição, Elizeu Vasconcelos O. Barreto, Rita de Cassia Guimarães ETGD: Alexandre Nery Gerene Ferreira, Lina Maria Aché Escola Superior da CETESB Supervisão: Carlos Ibsen Vianna Lacava ET - Departamento de Apoio Operacional Gerenciamento: Tania Mara Tavares Gasi ETG - Divisão de Gestão do Conhecimento Margarida Maria Kioko Terada ETGB - Setor de Biblioteca e Memória Institucional Irene Rosa Sabiá ETGC - Setor de Cursos e Transferência de Conhecimento Lina Maria Aché ETGD - Setor de Capacitação e Formação Continuada O Curso “Conformidade Ambiental com Requisitos Técnicos e Legais”, na modalidade especialização lato sensu, foi autorizado pelo Conselho Estadual de Educação – CEE, conforme Portaria nº 449, publicada no Diário Oficial, em 20/11/2015 © CETESB, 2018 Este material destina-se a uso exclusivo dos participantes do Curso de Pós Graduação Lato Sensu “Conformidade Ambiental com Requisitos Técnicos e Legais”, sendo expressamente proibida a sua reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização da CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Diagramação: ETGD - Setor de Capacitação e Formação Continuada Capa: Vera Severo / Editoração Gráfica: Alexandre Nery Gerene Ferreira / Impressão: AAAG-CETESB SUMÁRIO Introdução.......................................................................................................................................... 9 1 Conceitos de gestão pública ambiental ...................................................................................... 11 1.1 Definições iniciais ...............................................................................................................................11 1.2 Motivação e objetivos da gestão pública ambiental ...........................................................................12 1.3 Definições dentro da regulação ambiental .........................................................................................14 1.4 Estruturação de programas ambientais .............................................................................................17 1.5 Gerações de regulação ambiental .....................................................................................................24 1.6 Instrumentos de Regulação Ambiental: conceito e taxonomia ..........................................................28 2 Instrumentos de Comando e Controle (ou regulação direta) ...................................................... 31 2.1 Padrões Ambientais ...........................................................................................................................31 2.2 Banimentos e restrições .....................................................................................................................36 2.3 Licenciamento ambiental ...................................................................................................................37 2.4 Avaliação de impactos ambientais .....................................................................................................40 2.5 Estabelecimento de restrições ao uso do solo ...................................................................................42 3 Instrumentos econômicos, ou de mercado ................................................................................. 45 3.1 Tributos ambientais ............................................................................................................................46 3.2 Subsídios ...........................................................................................................................................50 3.3 Comércio de emissões .......................................................................................................................52 3.4 Responsabilidade estendida do produtor e sistemas de depósito-retorno ........................................56 3.5 Outros ................................................................................................................................................57 4 Instrumentos com base em informação e participação .............................................................. 58 4.1 Acordos ambientais ............................................................................................................................58 4.2 Assistência técnica .............................................................................................................................61 4.3 Informação ao público ........................................................................................................................62 4.4 Outros ................................................................................................................................................64 5 Avaliação e seleção de instrumentos ......................................................................................... 66 5.1 Aspectos para análise dos instrumentos regulatórios ambientais .....................................................70 5.2 Critérios para seleção de instrumentos ..............................................................................................74 6 Uma nova regulação ambiental .................................................................................................. 76 6.1 Limites da regulação ambiental tradicional ........................................................................................766.2 Propostas de uma nova regulação ambiental ....................................................................................79 6.3 Consolidação de requisitos de qualidade regulatória .......................................................................82 7 Conclusão ................................................................................................................................... 84 Referências ..................................................................................................................................... 85 7 Instrumentos de Gestão AmbientAl PúblicA Flávio de Miranda Ribeiro 8 9 Introdução Ao desenvolver suas diversas atividades, a sociedade interage com o meio natural, provocando vários tipos de efeitos ambientais. Da substituição de florestas por cultivos agrícolas, passando pela instalação e operação de indústrias, até o descarte de lixo pelos cidadãos, a todo o tempo são consumidos recursos naturais e gerados resíduos, além de se modificar o espaço físico, representando possibilidades, maiores ou menores, de impactos ambientais. A prevenção, controle, mitigação ou compensação destes impactos ambientais nem sempre é tarefa fácil, e poucas vezes ocorre sem que haja interferência do governo na definição e cobrança de regras e condutas. Seja por falta de percepção dos atores sociais quanto aos efeitos destes impactos ambientais, seja por dificuldades em fazer valer seus interesses, ou ainda em situações nas quais ocorre um conflito entre vários interesses legítimos, cabe ao poder público mediar esta discussão na sociedade, atuando na definição e aplicação de regras de conduta sobre a atuação destes atores sociais, regulando e condicionando o desenvolvimento de suas atividades. É disso que se trata a Gestão Pública Ambiental. Embora haja vários casos de legislações atuando sobre aspectos ambientais já a muito tempo, foi apenas a partir da segunda metade da década de 1960 que a Gestão Pública Ambiental se estabeleceu de fato. Este processo é caracterizado não apenas pelo estabelecimento de leis e normas, que passaram a ser publicadas em maior quantidade e frequência, mas também pela criação de órgãos ambientais, dedicados a atuar sob a égide destas normas – e com a clara missão de fazer a lei ser cumprida. Desde então, a Gestão Pública Ambiental evoluiu bastante, tornando-se hoje uma área robusta das ciências sociais, do direito e da administração pública, e tendo provocado em empresas e órgãos públicos o desenvolvimento de departamentos específicos para o assunto. Dos poucos países e regiões que possuíam ações ambientais no início, hoje praticamente todos os locais possuem sua própria estrutura dedicada, evidenciando que a expansão da Gestão Pública Ambiental não se deu apenas em relação à profundidade do tema, mas também em relação à sua cobertura geográfica. Conforme veremos, a Gestão Pública Ambiental compreende uma série de ações, incluindo a definição de princípios, objetivos, o estabelecimento de requisitos ambientais, a definição da legislação, a estruturação de órgãos ambientais, e uma série de medidas e instrumentos para aplicar na prática todo este arcabouço. Esta última parte da Gestão Pública Ambiental, mais operacional, é o que chamamos de “regulação ambiental”, e será o cerne deste curso. Conforme a Gestão Pública Ambiental passou a ser aplicada, por meio das ações de regulação ambiental, muitos modelos foram testados e tiveram sua eficácia questionada. Algumas formas mais tradicionais persistem até os dias de hoje, tendo sucesso em muitas situações. Em outros casos, porém, novos instrumentos foram desenvolvidos, ampliando as possibilidades de atuação disponíveis aos órgãos responsáveis. Aspectos como custo e eficácia de cada alternativa, principalmente, são sempre questionados, e muitos reguladores têm dificuldade em comparar e selecionar a melhor opção de instrumento em cada situação. Assim, o que se percebe ainda hoje é a tendência de se optar por formas mais tradicionais de regulação ambiental, o que em alguns casos se torna objeto de crítica, gerando importantes discussões e propostas sobre uma reforma na regulação ambiental. 10 É sobre este panorama que o curso de “Instrumentos de Gestão Pública Ambiental” se debruça, com a presente apostila dividida em sete capítulos, além desta Introdução, estruturados segundo os temas das aulas, a saber: y Capitulo 1: Conceitos de Gestão Pública Ambiental y Capítulo 2: Instrumentos de comando e controle, ou regulação direta y Capítulo 3: Instrumentos econômicos, ou de mercado y Capítulo 4: Instrumentos com base em informação ou participação y Capítulo 5: Avaliação e seleção de instrumentos y Capítulo 6: Propostas de uma nova regulação ambiental y Capítulo 7: Conclusão Antes de iniciar o conteúdo desta disciplina, porém, é fundamental ressaltar que este se refere ao marco conceitual dos instrumentos de gestão pública ambiental, ou regulação ambiental, e não necessariamente ao funcionamento destes no âmbito da CETESB, do Estado de São Paulo ou mesmo no país. Da mesma forma a visão e afirmações apresentadas dizem respeito à literatura sobre o tema, e não correspondem a uma posição ou prática institucional. A aplicação ou a visão dos conceitos tratados aqui serão, eventualmente, abordados nas demais disciplinas do curso. 11 1 Conceitos de gestão pública ambiental 1.1 Definições iniciais 1.1.1 Política Pública Ambiental Para os fins deste capítulo, o primeiro conceito a ser apresentado é o de “Política Pública”, que Bucci (2006) define como o “conjunto de medidas articuladas, cujo escopo é dar impulso, isso é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou concretizar um Direito” (p.14). Dye (2008) é mais sucinto, ao afirmar as políticas públicas “como qualquer coisa que os governos escolham fazer ou não fazer” (p.1), e que teria como objetivo principal regular conflitos, organizar a sociedade e distribuir recursos. Para os fins práticos, podemos considerar a definição de Política Pública adotada por Souza (2006) como “campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (...) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações” (p.26). Já a “Política Pública Ambiental” seria “o conjunto de objetivos, diretrizes e instrumentos de ação de que o Poder Público dispõe para produzir efeitos desejáveis sobre o Meio Ambiente” (BARBIERI, 2007, p.71). Neste contexto estão inseridos desde políticas amplas (de recursos hídricos, de gestão de resíduos, etc), até instrumentos bastante específicos (como padrões de emissão, p.e.), passando pelo que iremos denominar como “meta- instrumentos”, ou seja, aqueles instrumentos que atuam sobre outros instrumentos, como o licenciamento ambiental. 1.1.2 Gestão Ambiental Pública Outra definição encontrada na literatura é de “Gestão Pública Ambiental”, como a “ação do Poder Público conduzida segundo uma política pública ambiental” (BARBIERI, 2007, p.71). Este termo, por sua vez, encontra respaldo na teoria da administração, fazendo um paralelo da ação pública com formas e instrumentos de gestão das empresas. Na gestão ambiental pública se inserem diversas iniciativas e ações referentes à discutir, estabelecer, publicar, comunicar, aplicar, exigir, monitorar e revisar as Políticas Públicas Ambientais. São, portanto, iniciativas amplas e que são distribuídas dentre vários órgãos dentro do governo – desde o poder legislativo até o executivo, e por vezes até mesmo o judiciário. 1.1.3 Regulação Ambiental Já a “Regulação Ambiental” (tradução livre do termo em inglês “environmental regulation”) pode ser definida como “o conjunto diverso de instrumentos pelos quais governos especificam requisitos para empresas e cidadãos” (JACOBZONE, CHOI e MIGUET, 2007, p.101). O mesmo significado é dado por PPIAF (2011), para quem a regulação é o processo pelo qualas autoridades supervisionam e determinam regras, colocam restrições sobre o comportamento e estabelecem incentivos. Estas definições se mostram mais amplas que a visão tradicional da Agência Ambiental dos Estados Unidos (USEPA), para quem a regulação seria “qualquer restrição legal 12 com vistas a controlar e reduzir os efeitos negativos da interação humana com o meio ambiente” (USEPA, 1992). Ao contrário desta visão meramente legalista, e corroborando às definições anteriores, Grabosky (1995) defende que a regulação ambiental inclui não apenas as funções tradicionais de inspeção e enforcement, mas um conjunto amplo de instrumentos. Jacobzone, Choi e Miguet (2007) relacionam, dentre estes, as “leis, ordens formais e informais, regras subordinadas, formalidades administrativas e regras publicadas por órgãos não governamentais ou auto-reguladores as quais o governo tenha delegado poderes regulatórios” (p.101). Para as finalidades deste curso, iremos considerar que a regulação ambiental é a parte instrumental da gestão ambiental pública, ou seja, o conjunto de instrumentos e regras administrativas por meio dos quais as políticas públicas ambientais são colocadas em prática. Assim, ao longo do curso será dado ênfase à regulação ambiental, por entender que esta é a parcela mais aplicada da gestão ambiental pública. 1.2 Motivação e objetivos da gestão pública ambiental Um dos pilares das políticas ambientais contemporâneas é o reconhecimento do ambiente como “bem comum” (GRANZIERA, 2009). Enquanto este princípio resguarda que os bens e serviços ambientais são da coletividade, é fato que os benefícios do uso dos recursos tende a se concentrar nos atores que individualmente promovem sua exploração. No entanto, os custos ambientais destas atividades (denominados como “externalidades”), tipicamente se encontram dispersos por uma miríade de indivíduos, como por exemplo nos casos de contaminação ou de escassez de recursos (JORDAN, 2001). Um exemplo seria o uso da água por um cultivo agrícola: o lucro é de quem planta usando a água do rio, que é um bem comum, enquanto os eventuais custos ambientais, por exemplo os problemas no caso de uma escassez hídrica, são da coletividade que depende do rio. Muito embora seja notável a evolução deste entendimento pela sociedade, e consequentemente tenha havido significativa melhoria na sua gestão, ainda são diversos os desafios a serem enfrentados. Neste contexto nem sempre as mudanças ocorrem espontaneamente, principalmente considerando que muitos dos obstáculos advêm de distorções do próprio sistema econômico e, portanto, faz-se necessário a atuação do Estado por meio de ações reguladoras do comportamento e das atividades econômicas. Conforme afirmam Muzundo et al. (1990), um dos fatores determinantes da degradação ambiental são falhas e mercado ou políticas de governo que podem agravar a degradação (tais como uma equivocada distribuição de recursos do orçamento ou a criação de incentivos, explícitos ou implícitos, que encorajam a super-exploração dos recursos naturais). Observando a questão desde o ponto de vista da economia, os autores apresentam a degradação como uma externalidade dos sistemas de produção e consumo, refletida pela divergência entre custos (ou benefícios) privados e sociais. Nesta situação, dentro do contexto das economias de mercado, os agentes econômicos não possuiriam incentivos para internalizar os custos externos de suas atividades, e a ideia geral das estratégias de política ambiental seria garantir esta internalização de custos até um “ponto ótimo”, onde o custo marginal de abatimento deve ser igual ao benefício marginal da redução da poluição. No entanto, os próprios autores afirmam que neste caso, considerando que não é requerido um “nível zero” de poluição, deve-se reconhecer a existência de falhas no mercado, assimetrias na informação e condições imperfeitas de competição que exijam 13 atuação do governo para garantir a saúde e qualidade ambiental, pois nem sempre o nível ótimo econômico é o nível ótimo social, além do que na prática existe uma grande dificuldade em determinar os níveis ótimos de poluição, em função de diversas incertezas. De modo semelhante, Philippi Jr. e Marcovitch (1993) argumentam que com a evolução da sociedade contemporânea, a poluição passou a afetar a população, o que “explica a necessidade de intervenção do governo(...) para suprir a dificuldade do próprio sistema econômico em resolver o problema ambiental” (p.2). Para estes, a necessidade da participação do governo nas questões da degradação é reforçada pelas falhas do mercado (mecanismos de preços) e falhas no estabelecimento dos direitos de propriedade sobre recursos ambientais. Neste sentido, apontam para as seguintes vantagens da responsabilização monetária dos danos pelos causadores: propicia aproximação entre os custos privados e sociais; contribui para a aceleração da implantação de soluções de controle da poluição; induz novas tecnologias; e tem o efeito psicossocial de mostra à sociedade que o ambiente tem um valor. Desta forma, um primeiro motivador da regulação ambiental das diversas atividades econômicas é a reordenação e distribuição dos custos e benefícios ambientais). Esta tarefa consiste no objetivo central da regulação ambiental, que visa promover a intervenção do poder público visando à solução dos problemas ambientais relacionados às “externalidades” (NUSDEO, 2006). Adicionalmente, certas peculiaridades da questão ambiental fortalecem esta justificativa, como a falta de isonomia de influência política entre os atores. Ou seja, muitas vezes as comunidades afetadas não possuem o mesmo poder de influência, seja política ou econômica, que os proponentes do respectivo projeto – cabendo assim ao poder público que defenda os interesses coletivos. Outro fator que reforça a necessidade da regulação ambiental é a irreversibilidade, complexidade e alto grau de incerteza para tomada de decisões nos problemas ambientais (JORDAN, 2001). A necessidade da regulação ambiental já é consagrada internacionalmente, por meio das Declarações Internacionais que afirmam a tarefa das nações em planejar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais visando a melhoria da qualidade ambiental (MACHADO, 2009). Este aspecto, inclusive, já foi absorvido pelo do Direito Ambiental brasileiro, que reconhece como um de seus escopos “o de regular o desenvolvimento das atividades econômicas de forma a internalizar os efeitos ambientais negativos” (FIGUEIREDO, 2011, p. 104). Mais abrangente ainda é o expresso na Constituição Federal, destacando que a regulação tem escopo muito além da ação coercitiva (BRASIL, 1988): “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (Art. 174). Neste contexto, a principal justificativa para a intervenção regulatória ambiental se encontra nos efeitos potenciais dos problemas ambientais na população, principalmente desde o ponto de vista da saúde pública, como apontam Philippi Jr. e Marcovitch (1993). Assim, pode-se resumir que o objetivo da regulação é influenciar o comportamento dos entes regulados, de modo a obter a conformidade com requisitos ambientais, principalmente com vistas a corrigir qualquer ameaça à saúde e qualidade ambiental (USEPA, 1992). 14 O papel da regulação ambiental, porém, vai além, como é reconhecido mesmo por autores da área da gestão empresarial, como Porter e van der Linde (1995). Estes destacam, principalmente, sua função de corrigir distorções geradas por incertezas inerentes à complexidade dos processos ambientais, que fogem à capacidade de apreensão de muitas empresas. Além disso, destacam que nos encontramos em um momento histórico de transição de modelos de atuação corporativa, no qual nem todas as empresas já mudaram seucomportamento, fazendo necessária alguma forma de pressão por parte do poder público. Os autores destacam também alguns benefícios da regulação para as empresas, tais como: sinalização de melhorias de eficiência ao mercado; criação de demanda por informação, melhorando a gestão empresarial; redução das incertezas nos investimentos; criação de pressão para inovação; melhoria do ambiente de negócios, eliminando “oportunistas”, dentre outros. Para auxiliar no processo, defende-se que cabe ao Estado um papel indutor, tanto ao sinalizar para onde deve ocorrer mudança, como por criar demanda de produtos e serviços diferenciados até que o mercado absorva estes valores e evolua sozinho (Porter e van der Linde, 1995). Este papel se torna ainda mais relevante nos casos onde as mudanças de modelo de gestão não se traduzem em ganhos econômicos, seja pela necessidade de gastos (no caso de investimentos em infraestrutura, p.e.), aumento de custos de produção (na instalação de um equipamento de controle de emissões, p.e.), ou quando a curva de aprendizagem demora a ser percorrida. Esta visão do papel do Estado como indutor da evolução dos modelos de gestão ambiental, afirmam, será tão menos necessária quanto o grau de amadurecimento das instituições. Mas mesmo neste cenário de potenciais benefícios, a ação regulatória não é “de modo algum uma ação perfeitamente previsível e consistente” (HANNIGAN, 1995, p.50), e representa um desafio aos governos, que em muitos momentos devem fazer “duras escolhas econômicas” (USEPA, 1992, p.5-1), motivo pelo qual é essencial o compromisso de governos e da população com a melhoria da qualidade ambiental. 1.3 Definições dentro da regulação ambiental Para colocar em prática a regulação, estruturam-se as regras que compõe a arquitetura regulatória, composta por programas regulatórios, que podem se valer de duas abordagens complementares: a promoção da conformidade por ação positiva, como por exemplo pela educação e oferta de benefícios; e a ação coercitiva, que visa o enforcement. Embora seja natural a preferência por soluções não-coercitivas, a ação regulatória mandatória possui um papel fundamental, atuando como incentivo à busca da conformidade. É no equilíbrio dos instrumentos de cada vertente destas que se caracteriza a arquitetura regulatória em cada situação, sendo esta função de um balanço entre condições econômicas, normas culturais, valores e características institucionais (USEPA, 1992). 1.3.1 Programas regulatórios Para efetivação do presente trabalho, podemos considerar que as ações de regulação ocorrem em geral dentro de “Programas de Regulação Ambiental”. Ainda que não haja na literatura uma definição precisa destes, pode ser adotada a definição de “programa” utilizada pelo Governo do Estado de São Paulo em seu Planejamento Plurianual – PPA (SÃO PAULO, 2011), como o: 15 “Instrumento de organização da atuação governamental, que articula um conjunto de ações que concorrem para um objetivo comum preestabelecido (...) visando a solução de um problema ou atendimento de necessidade ou demanda da sociedade ou ainda aproveitamento de uma oportunidade”. 1.3.2 Arquitetura regulatória Formalmente um conjunto de ações governamentais necessita de certas formalidades para ser considerado um “programa” (tais como ser concebido como tal, possuir indicadores, etc), mas para os fins deste texto o conceito acima será apropriado, considerando como “programa de regulação ambiental” todas as iniciativas governamentais que, explicitamente, tenham como principal objetivo promover a regulação ambiental. Para execução destes programas, diferentes combinações de instrumentos e estratégias regulatórias podem ser adotadas, configurando o que denominaremos por “Arquitetura Regulatória”. 1.3.3 Instrumentos regulatórios Por fim, para se colocar em prática a ação são utilizados os “Instrumentos Regulatórios”, termo que será utilizado em substituição à expressão mais usada na literatura, dos “instrumentos de políticas públicas ambientais”, definidos como (SANTOS et al., 2006): “... meios adotados por autoridades para promover a adoção de medidas, ou a mudança no comportamento dos agentes, de forma a atingir objetivos sociais, especificamente reduzir e controlar as pressões e impactos originados pelas atividades econômicas no meio” (p.101). 1.3.4 Requisitos ambientais Entendem-se como “Requisitos Ambientais” (tradução livre do termo em inglês “environmental requirements), as práticas e procedimentos específicos requeridos para, direta ou indiretamente, reduzir ou prevenir a poluição (USEPA, 1992, p.3-1), ou seja, o conjunto do que é exigido das empresas nas diversas situações de regulação. 1.3.5 Conformidade ambiental (compliance) Uma vez estabelecidos os requisitos, a função do órgão regulador seria buscar a “Conformidade Ambiental”, ou simplesmente “conformidade”, que se definiria como o “atendimento total dos requisitos ambientais” (USEPA, 1992, p.1-2). Esta não ocorre automaticamente com o estabelecimento dos requisitos, mas depende de estratégias de gerenciamento para prevenir ou controlar poluição, ocorrendo quando os projetos atingem sucesso em atingir os resultados esperados nos programas ambientais. Em muitos casos, como destaca a USEPA (1992), a obtenção da conformidade requer duras escolhas econômicas, dependendo de fortes investimentos que nem sempre trazem retorno financeiro. Nestes casos, a pressão oriunda do compromisso de governos e da população com a qualidade ambiental provê uma base importante para os programas regulatórios, e em cada local o modo de solucionar estas questões varia, com base nos recursos disponíveis e nas diferentes culturas empresariais. 16 1.3.6 Enforcement Para buscar a conformidade com os requisitos ambientais, os órgãos reguladores promovem diversas estratégias – compondo o chamado “enforcement”, que é definido como “o conjunto de ações que o governo e outros realizam para obter a conformidade junto à comunidade regulada, e corrigir ou interromper situações que coloquem em risco o ambiente ou a saúde pública” (USEPA, 1992, p.1-2). Em geral as ações de enforcement incluem um conjunto de instrumentos e procedimentos administrativos, tais como inspeções, negociações, exigências, multas, e outras ações legais, mas também podem contemplar outros tipos de iniciativa, como ações de assistência técnica, subsídios, educação ambiental, entre outros. Na prática, porém, o termo é usado geralmente para se referir ao “lado coercitivo” da regulação ambiental – sendo, portanto, possível traduzi-lo como “imposição, obrigação, coerção, coação, constrangimento ou execução”. Mas nenhuma destas palavras expressa a totalidade das possibilidades do enforcement como “conjunto de ações de controle baseadas em legislação”. Assim, a exemplo do que se encontra na maior parte da literatura nacional, ao longo deste curso será mantido o termo original em inglês (enforcement), por falta de uma tradução adequada. 1.3.7 Órgãos ambientais e poder de polícia Dentro deste panorama, além da existência de marcos normativo alguns elementos da regulação ambiental são indispensáveis, como a existência de uma estrutura institucional adequada à sua implantação, que geralmente se apresenta na forma da fundação de “órgãos ambientais”, que não apenas façam lei ser cumprida (realizem o enforcement), mas busquem formas mais eficientes, igualitárias, e social e economicamente mais aceitáveis de fazê-lo (FREIRIA, 2011). Para atuação dos órgãos ambientais, é chave o exercício do “poder de polícia”, inclusive pela aplicação de multas e outras medidas para assegurar a capacidade do órgão ambiental de punição aos infratores (GUIMARÃES, MACDOWELL e DEMAJOROVIC, 1996). Esta forma de assegurar o enforcement é fundamental, como afirmam Gray e Shimshack (2011), para que a regulação “mostre os dentes”, por melhores que sejam os demais mecanismos de incentivo. Os autores também defendem que esta ação deve sercalcada no monitoramento, tanto de condições operacionais das fontes poluidoras, como da qualidade do meio que se quer proteger. Os sistemas de informação para este monitoramento, ressaltam, ainda são um ponto a ser fortalecido nos órgãos ambientais, principalmente nos países em desenvolvimento. A justificativa do enforcement usando o poder de polícia se encontra na ampliação da predisposição dos regulados em atender à regulação – comportamento denominado como “deterrence” em inglês. A teoria do deterrence (que pode ser traduzido por “dissuasão”) pressupõe que os atores agem de forma racional, respondendo à estímulos financeiros como multas e interdições – seja de forma direta, seja pelo efeito pedagógico da aplicação da sanção sobre uma empresa no conjunto de entes regulados (GRAY e SHIMSHACK, 2011). No entanto, esta maneira de atuar tem sido objeto de críticas, como apresenta Gunningham (2007), para quem nem sempre as hipóteses da teoria se confirmam, sendo necessária uma visão mais sofisticada e menos neoclássica do comportamento dos entes 17 regulados, incluindo sua posição no mercado, as estruturas de tomada de decisão, os incentivos, motivadores e os obstáculos para atender as leis. A mesma visão é apresentada por Freiria (2011), que destaca a importância do poder público ir além do estabelecimento das leis, atuando na gestão ambiental. Estas argumentações, como será abordado mais adiante, são a base das propostas de reforma regulatória. 1.4 Estruturação de programas ambientais Embora em cada caso as necessidades de regulação e as circunstâncias sociais demandem soluções particulares, existem recomendações gerais sobre como um programa ambiental deva ser estruturado. A USEPA (1992), lembra que “é praticamente impossível identificar e responder a todas violações e promover a conformidade entre todos os membros de uma comunidade regulada, não importa quão generoso é o orçamento de um programa” (p. 4-1), devendo sempre se buscar a melhor eficácia possível. Assim, o primeiro passo para um programa deve ser a definição e requisitos que sejam factíveis e, sobretudo, passíveis de controle quanto à sua conformidade (em inglês, usa-se o termo enforceables). Para isso, o primeiro passo é ter uma legislação adequada, criando a estrutura para aplicação da regulação. Nesse aspecto, é fundamental que esta garanta (USEPA, 1992): y credibilidade ao órgão ambiental, assegurando alto nível técnico e independência administrativa, incluindo mecanismos de combate à corrupção, falsificação de dados, etc; y autoridade necessária ao órgão ambiental para: publicar normas e regras administrativas; determinar requisitos e condicionantes; emitir licenças; inspecionar fontes de poluição; monitorar o meio e as fontes; manter registros e publicar informações; conduzir ações legais no caso de violações; e corrigir situações de alto risco; y ambiente institucional, especificando uma estrutura com responsabilidades claras; y compatibilidade com outras leis, principalmente de saúde, habitação, uso dos recursos e uso do solo; etc. De posse de uma legislação adequada, deve-se estabelecer requisitos ambientais factíveis e passíveis de cobrança quanto à conformidade. Alguns aspectos fundamentais precisam ser observados neste momento, tais como: y Balancear rigor e viabilidade: A forma como os requisitos são formulados e, principalmente, seu rigor, podem influenciar enormemente o custo de conformidade de uma empresa, e consequentemente o grau de conformidade da comunidade regulada. Por exemplo, reduzir o valor de um padrão de emissão pode exigir da empresa a troca de toda a tecnologia de sua estação de tratamento de efluentes, o que nem sempre se justifica. Deve-se assim balancear o anseio do regulador por um rigor absoluto na definição de requisitos ambiciosos, com os obstáculos criados por estes. Requisitos muito duros, ambiciosos ou impraticáveis de início podem gerar desobediência e impedir o enforcement, podendo induzir inclusive à judicialização de situações que poderiam ser solucionadas por abordagens mais escalonadas, 18 de rigor gradualmente crescente. Uma estratégia comum neste sentido é utilizar critérios de “linhas de corte”, com diferentes metas e objetivos com base no porte, tipologia, volume de produção ou poluição das fontes de poluição; y Melhorar o clima para conformidade: outra possibilidade estratégica é construir na comunidade regulada a disposição para a conformidade, ou seja, criar nestes a pretensão de cumprir as regras, mostrando o valor da conformidade, seja evidenciando que atender aos requisitos traz resultados importantes de melhoria ambiental, seja por prover informação técnica sobre alternativas e custos nem sempre conhecidos (principalmente no caso de pequenas e microempresas). Neste caso, uma abordagem seria optar por usar estágios de regulação, adotando primeiro requisitos menos rigorosos, que eliminem as vantagens dos violadores; evoluindo em seguida para uma segunda fase com requisitos mais rígidos; y Definir requisitos que sejam passíveis de cobrança: em muitos casos alguns órgãos criam exigências tão detalhadas e trabalhosas que não dão conta de processá-las quando as empresas entregam seus relatórios ou formulários. Cria-se assim um passivo de análise que pode prejudicar a credibilidade do programa ou até mesmo do órgão. Alguns cuidados neste sentido incluem: o dosar o tamanho da comunidade reguladas, podendo usar linhas de corte para focar em uma parcela por vez; o avaliar a capacidade dos regulados em cumprir as regras, evitando a definição de condicionantes que serão violadas com frequência por incapacidade (técnica ou financeira) dos regulados; o incluir os regulados (e eventualmente outros entes como a população ou ONG´s) na definição das regras (formalmente em consulta pública, informalmente em reu- niões ou ainda por meio de pilotos), assegurando não apenas que as definições de requisitos sejam factíveis, mas principalmente garantindo suporte às regras quando forem publicadas; o incluir nas discussões as equipes operacionais de fiscalização, que nem sempre participam desta etapa do processo regulatório, o que pode não apenas facilitar sua implantação mas também melhorar sua qualidade, com soluções de quem está habituado a enfrentar os problemas cotidianos; o assegurar que os requisitos sejam comunicados de forma clara e precisa, inclu- sive quanto à: exceções; forma e cobrança e avaliação dos resultados; prazos exigidos; e penalidade em caso de não conformidade; o incluir modelos e formulários padronizados, simplificando o trabalho de quem terá de aplicar as regras ou atender aos requisitos; e o assegurar a coerência com outros programas e requisitos de governo. Desta forma, podemos resumir a implementação de um programa regulatório dentro de alguns passos principais, tais como: 1. Identificar a comunidade regulada, verificando quem será objeto das ações (indús- trias, serviço, agricultura, órgãos públicos, indivíduos, etc). Busca obter informa- ções tanto da identidade como sobre características deste universo, como sofisti- cação, habilidades, motivações e interesse em conformidade, principalmente por meio de inventários específicos, exigências de informações via pedidos de licença, exigência de registros, entre outros; 19 2. Estabelecer prioridades dentre a comunidade: dificilmente se consegue iniciar o programa com foco em todas as fontes da comunidade, e deve-se escolher as prioridades com vistas a balancear objetivos de: proteção de saúde e qualidade ambiental; integridade do programa (assegurar seu bom funcionamento); integri- dade do enforcement (fazê-lo presente); e potencializar recursos para melhores resultados. É preciso ter claro quem define estas prioridades, e como estas serão monitoradas, comunicadas e revistas. Em geral são usados três tipos de critérios para seleção das fontes, dependendo do objetivo principal: quando objetivo princi- pal é protegerqualidade ambiental se enfatizam ações sobre empresas de maior relevância aos impactos, seja por tipologia, por região ou por compartimento am- biental; quando o objetivo principal é a integridade do programa, prioriza a obten- ção de informações de qualidade; e quando o objetivo principal é a integridade do enforcement, foca-se em empresas segundo um histórico de violação, ou realizam- -se inspeções para verificar o atendimento às condicionantes; 3. Promover a conformidade, buscando atendimento às leis e regras por parte das empresas, evitando ao máximo a ação coercitiva. Pode envolver tanto as ações de estímulo (educação ambiental, assistência técnica, subsídios, etc) como as de enforcement. É o momento de estruturação e aplicação dos programas, operacio- nalizados pelos instrumentos de política pública ambiental, descritos nos capítulos a seguir; 4. Monitorar a conformidade: é o processo de coletar e analisar informações sobre a evolução na conformidade de uma comunidade regulada, essencial para detectar e corrigir violações à lei; prover evidências para o enforcement; e avaliar o progresso dos programas. Em geral é realizada segundo quatro tipo de procedimentos, não excludentes entre si, a saber: y Inspeções: conduzidas por inspetores do órgão ambiental ou partes independentes contratadas, sendo o modo mais confiável de se obter informações- mas é altamente intensiva em recursos. Em grande parte dos países é a espinha dorsal da maioria dos programas, e podem ser otimizadas com planejamento e padronização. Podem ter como objetivo desde identificar problemas, coletar evidências, demonstrar comprometimento do governo ou verificar o atendimento a requisitos estabelecidos (no licenciamento, p.e.). Dependendo do objetivo são realizadas com ou sem agendamento junto à fonte emissora, podendo ser programada dentro de uma rotina ou realizada por um motivo específico. Em função de sua “profundidade”, pode ser de três níveis: mais superficial (para conhecer a empresa ou verificar a existências de algum processo ou equipamento, p.e.); de avaliação de conformidade (na qual alguns registros são verificados, funcionários são entrevistados, etc); ou de amostragem (quando se coletam amostras para análise). Podem seguir um plano e conter reuniões de abertura e/ou encerramento, e exigem recursos humanos devidamente capacitados; y Auto-monitoramento: é a forma na qual as fontes de poluição são requeridas a fornecer seus próprios dados e registros para revisão pelo órgão ambiental, fornecendo informações mais completas e atribuindo à empresa a responsabilidade pelos dados. Embora este tipo de solução possa aumentar a burocracia do processo, por outro lado favorece a ampliação da consciência das empresas sobre seus impactos, bem como inspirar melhoria de processos 20 e a prevenção da poluição. O essencial ao governo neste caso é estabelecer meios de garantir a qualidade e representatividade dos dados, sendo por vezes importante criar protocolos para fornecimento de dados; y Reclamações da população: partindo do princípio de que o fim último da conformidade é assegurar qualidade de vida às pessoas, as reclamações da população podem servir como um modo importante de detectar violações às leis, inclusive aquelas que não são percebidas pelos outros meios. Há que se lembrar que se as empresas prestam contas ao órgão ambiental, este deve prestar contas à sociedade e, portanto, atender a reclamações da população é uma tarefa essencial das agências. Além disso, como destaca o Banco Mundial (World Bank, 2000), as denúncias podem ser uma forma bastante barata de complementar a fiscalização tradicional, sendo que em alguns locais há até incentivos para quem prestar informações - mas neste caso é necessário cuidado para assegurar a veracidade e qualidade destes dados; e y Monitoramento da qualidade ambiental: procedimento conduzido por grande parte das grandes agências ambientais do mundo, visa avaliar parâmetros do meio físico e biótico, de modo a verificar se os requisitos e licenças estão sendo eficazes na solução dos problemas. Embora seja o meio mais direto de verificar a melhoria da qualidade ambiental, é intenso em recursos (possui altos custos, inclusive para coleta e análise de amostras, e exige capacitação específica) e por vezes não permite o estabelecimento de nexo causal. Pode incluir mensurações e análises de amostras do meio (água, ar, solo, vegetação, etc), o sensoriamento remoto de algumas variáveis, ou mesmo uso de sobrevôos e imagens aéreas. 5. Responder às violações das leis: para que os programas tenham sucesso, é essen- cial criar uma atmosfera na qual a comunidade regulada seja estimulada à confor- midade, sempre que possível mediante a prevenção da poluição, mas também ofe- recendo ao regulador as devidas condições para aplicação das sanções e demais respostas previstas, que podem ser dos seguintes tipos: y Mecanismos informais: inclui telefonemas, visitas, comunicados de alerta e notificações (adventências), com objetivo de alertar e orientar os gestores da empresa sobre qual violação ocorreu, o que deve ser feito e em que prazo; ou y Mecanismos formais: são determinados pela força das leis e acompanham requisitos procedimentais para proteger os direitos do indivíduo. Podem ser uma ação administrativa (emitidas diretamente pelo órgão responsável, como multas, de aplicação mais barata e rápida), geralmente usada em inspeções de rotina para problemas de menor abrangência; uma ação judicial (processos formais conduzidos pelo judiciário), mais demoradas e caras; ou uma ação criminal (usadas quando há violação muito grave ou intencional da lei), que demanda investigação e evidências. É importante ressaltar que pode haver negociações entre as partes, o que permite considerar os fatos e as alternativas de ação, e consiste em oportunidade de encontrar uma solução que satisfaça a todos, além de enviar um sinal à comunidade regulada de que existe sensibilidade do poder público às suas dificuldades e preocupações. Sua condução 21 é mais eficaz quando há a possibilidade real de avanço, estabelecido por um documento de “ajuste” que estabeleça as condições do acordo entre as partes. 6. Avaliar o desenvolvimento e rever as estratégias: a avaliação periódica dos pro- gramas serve para determinar o sucesso das estratégias escolhidas; melhorar o desempenho dos programas; e informar ao público sobre seu andamento. Embora não seja fácil medir o sucesso de um programa (coletar e processar informação é um desafio constante), alguns indicadores têm sido usados com sucesso, tais como: y Resultados ambientais: é o modo mais desejável de mensuração de sucesso, podendo medir parâmetros de qualidade ambiental, redução (absoluta ou relativa) de emissões ou minimização de risco. No entanto nem sempre esta abordagem é adequada, como em casos nos quais possa haver defasagem de tempo significativa entre a ação e o resultado no meio, ou influência de fatores que possam afetar os resultados (padrões meteorológicos, condições econômicas, etc); y Taxas de conformidade: é uma das melhores medidas do sucesso das ações de conformidade, objetivo dos programas. No entanto é preciso confiar na qualidade dos dados e no rigor das inspeções, além de trazer dúvidas sobre as causas de eventuais desvios (o índice pode ficar favorável por falta de acompanhamento das fontes, p.e.); y Medidas ligadas à conformidade ou ao enforcement: demonstra quão bem um programa trata a conformidade, ou avalia a quantidade ou qualidade das ações de enforcement, como por exemplo: número de inspeções realizadas; prazo das respostas de enforcement; quantidade ou valor total de multas recebidas; quantidade ou qualidade de dados recebidos; etc; y Medidas ligadas a outras ações do órgão ambiental: mede a extensão das ações do órgão, como por exemplo: número de empresas atendidas em uma ação e assistência técnica; aumento da conformidade em função dos atendimentos;etc; e y Outras: taxa de reincidência nas violações, tempo de retorno à conformidade, etc; Em cada programa as necessidades de recursos são específicas, podendo variar bastante entre si. De modo geral, porém, existem três tipos de recursos que sempre são importantes: y Recursos humanos: Considerando que a busca da conformidade exige grande preparo técnico e administrativo da mão-de-obra, é fundamental que os órgãos ambientais possuam equipes capacitadas, motivadas e em quantidade adequada. Em grande parte dos casos o tipo de conhecimento é tão especializado que o treinamento é feito durante o próprio exercício da atividade, com os funcionários mais novos acompanhando colegas de maior experiência. Sempre que há mudança das regras é fundamental re-capacitar as equipes, assim como alguns membros deve sempre ser atualizados como relação a novas tecnologias e processos, que podem vir a ser objeto de análise em sua rotina. O uso de terceiros, como consultores, pode ser feito, mas com o 22 cuidado de assegurar a confidencialidade e a imparcialidade do processo. Na prática, porém, raramente os recursos humanos atendem a estes requisitos, e em muitos casos os objetivos dos programas precisam ser readequados à disponibilidade (ex: freqüência inspeções, n° inspeções, etc); y Sistemas de Informação: Para desenvolver estratégias e prioridades, monitorar e avaliar progresso é essencial que o órgão ambiental seja apto a coletar, processas, analisar, armazenar e prover informação de qualidade. Para isso, cada vez mais, é importante um sistema informatizado, lembrando a necessidade de robustez e segurança deste; e y Fontes de financiamento: Os programas podem ser financiados por diferentes fontes, dependendo inclusive do regime jurídico do país ou região em questão. A forma mais comum é que haja um montante designado dentro do próprio orçamento público, ou seja, ter os programas financiados por receitas do próprio estado. Cada vez mais, porém, os órgãos ambientais têm contado com parte de seus custos cobertos por valores advindos da cobrança da comunidade regulada, tais como taxas por serviços (emissão de licença, análise de documentos, inspeções, etc), taxas sobre poluição (valores cobrados proporcionalmente às emissões), ou pela aplicação de sanções (como multas, p.e.). Uma vez que os programas estejam estruturados, durante sua implementação existem vários aspectos que podem afetar o grau de conformidade, tais como (USEPA, 1992): y Uso do poder de dissuasão (deterrence): algumas pessoas ou entidades atuam apenas quando percebem que outros entes receberam sanções quando não estão conformes. Este papel “pedagógico” é considerado como a mais importante função das sanções, e faz com que as ações de fiscalização atuem enviando uma mensagem clara aos pretensos violadores da lei, demonstrando que a não conformidade traz consequências adversas. Para que as ações tenham este efeito multiplicador (ou de influência), alguns fatores chave são essenciais na aplicação da sanção, como: ter sistemas de monitoramento que aumentem a chance de detecção das violações; gerar respostas rápidas, apropriadas e conforme o previsto; e ter algum mecanismo para difusão das ocorrências, ou seja, dar publicidade ao que foi feito. Neste sentido, a forma como as ações de enforcement são conduzidas é tão ou mais importante do que o fato de serem realizadas; y Grau de “incentivo” econômico: a penalidade a ser aplicada em caso de não cumprimento precisa ser tal que remova qualquer incentivo de não cumprir a lei, ou seja, se o valor de uma eventual multa for muito baixo, pode ser economicamente vantajoso infringir as regras e arcar com os custos da sanção. A divulgação de informações à população sobre as empresas que não estão conformes (information disclosure, como veremos adiante) pode ajudar neste aspecto, ao trazer potenciais prejuízos de imagem à empresa junto à sociedade seja a população, os acionistas, os clientes ou mesmo outras entidades como instituições financeiras; y Credibilidade institucional: para que a regulação tenha força é fundamental que as leis e instituições em cada local possuam credibilidade e reconhecimento 23 da sociedade, principalmente dos entes regulados. O grau desta credibilidade se reflete diretamente na competência técnica, na capacidade de captação de recursos e, principalmente, no poder de enforcement dos órgãos. As estratégias para atingir esta credibilidade podem variar, e em muitas situações o excesso de rigor pode ser inclusive prejudicial, sendo visto como um autoritarismo desnecessário. Por outro lado, deixar de coagir um requisito pode passar a mensagem de que a lei não é importante, e que seu cumprimento não será objeto de acompanhamento; y Conhecimento e viabilidade técnica: se por um lado a capacitação técnica do regulador é um aspecto fundamental para o bom desenvolvimento e sucesso da regulação, o mesmo se deve dizer da comunidade regulada. Sem a devida capacidade de buscar a conformidade da parte dos regulados, dificilmente os requisitos serão cumpridos e os objetivos regulatórios alcançados. É necessário que estes conheçam os requisitos, tenham plena ciência daquilo pelo qual são exigidos, quais etapas e passos precisam cumprir para o atendimento, quais metas ou objetivos se esperam, e da mesma forma tenham capacidade de acessar e implementar as devidas técnicas de gestão e tecnologias (incluindo sua instalação, operação e manutenção). y Cultura local: em cada local há diferentes formas de exercer e perceber o poder, com base em diferentes valores sociais e morais. Dependendo da situação, estes podem favorecer ou dificultar a busca da conformidade – por exemplo, o grau de relacionamento e aproximação entre empresários ou consultores e membros do órgão ambiental pode ser vista como positiva (por permitir um melhor nível de diálogo), ou negativa (por abrir possibilidades de desvios na aplicação da lei). Em alguns casos fatores psicológicos também podem interferir, como o receio de correr riscos em alterar uma estratégia já existente e que funcione. Outra observação importante sobre os programas regulatórios é que todos evoluem com o passar do tempo, sendo muito importante atualizar o planejamento sempre que necessário. Alguns exemplos de mudanças que costumam ser necessárias são: y Aumento do rigor, ou grau de enforcement, do programa: pode ser necessário por mudanças nas condições das empresas atenderem a lei, pela piora das condições ambientais, ou mesmo para seguir um planejamento de entrada em vigor gradual; y Alteração das responsabilidades regulatórias: conforme os problemas vão sendo encaminhados, pode haver demanda por mudanças nas responsabilidades das instituições reguladoras, seja com os órgãos existentes assumindo novas atribuições, seja criando novos órgãos para atender estas necessidades; y Ampliação da comunidade regulada: principalmente em contextos de restrição de orçamento, os programas começam com foco nas fontes mais significativas, chamadas de “prioritárias”, mas conforme avançam podem incluir outras fontes, ampliando esta comunidade; 24 y Mudança de foco do enforcement: dependendo da cultura e situação local os programas podem começar mais suaves, com abordagem mais participativa e flexível, e adotar gradualmente enfoques cada vez mais restritivos; y Estruturação de procedimentos administrativos: conforme os programas evoluem ganha-se experiência, permitindo que sejam desenhados procedimento específicos para os desafios que aos poucos vão surgindo; e y Grau de monitoramento e avaliação: no início muitos programas não se preocupam em mensurar seu sucesso, principalmente quando há forte limitação de recursos, mas com o tempo pode-se desenvolver meios de avaliar o sucesso dos programas. É dentro destes programas, principalmente na etapa de “promover a conformidade”, que se aplicam os instrumentos descritos a partir do próximo capítulo. 1.5 Geraçõesde regulação ambiental Desde que a humanidade começou a alterar o ambiente, extraindo os recursos e obtendo serviços para atendimento de suas necessidades, estas interações têm promovido impactos ambientais. A intervenção do poder público no sentido de restringir os efeitos indesejáveis destes, porém, é bem mais recente, e durante muitas décadas se restringiu a normas de acesso e extração de recursos naturais, e posteriormente a regramentos de saneamento ambiental. A regulação ambiental tal qual concebemos hoje surgiu apenas na segunda metade do século XX, sendo denominada por alguns autores como “política ambiental moderna” (DOLZER, 2001). A regulação ambiental propriamente dita surge na década de 1960, como resposta a uma expectativa da sociedade sobre a solução de problemas ambientais que se mostravam cada vez mais evidentes. Esta pressão surgiu em função de dois processos concomitantes: a ocorrência cada vez mais frequente de desastres ambientais (Flixborough, em 1974; Seveso, em 1976; Love Canal, em 1977; Bhopal, em 1984, entre outros); e a evolução das pesquisas científicas (que culminaram com a publicação de livros) sobre os riscos ambientais da modernidade, como a “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carlson (em 1962), “A Tragédia dos Comuns”, de Garrett Hardin (em 1968), os “Limites do Crescimento”, pelo Clube de Roma (em 1972), entre outros (UNEP, 2002). Ao longo desta história, desde o surgimento das primeiras iniciativas de regular o acesso aos recursos naturais, até as negociações mais modernas sobre a governança ambiental, muitos modelos de gestão ambiental pública foram tentados ao redor do mundo. De um modo geral, e no que se refere à operacionalização dos órgãos ambientais, a literatura costuma dividir estes esforços em períodos, denominados como “gerações”. A regulação ambiental estabelecida em um primeiro momento, hoje chamada de “1ª geração”, tinha como objetivo remover os riscos eminentes à população oferecidos pelas formas mais evidentes de poluição (esgotos domiciliares, resíduos sólidos e parâmetros mais simples de despejos industriais). A atuação possuía um caráter eminentemente coercitivo, calcada basicamente na aplicação de padrões de emissão com base no poder de polícia dos órgãos ambientais, uma vez que a ação enérgica do Estado era a única forma de mobilizar as empresas para as necessárias ações de proteção ambiental. Surgia um modelo regulatório 25 totalmente baseado na regulação direta, gerando forte resistência por parte da indústria, que posteriormente foi denominado como “comando e controle”, ou “controle corretivo” (FIORINO, 2006; ALMEIDA, 2005; REJESKI, 2004; LONG, 1997). Com o avanço da regulação ambiental de 1ª geração, que Fiorino (2006) classifica como um dos maiores sucessos da política na segunda metade do século XX, muitos problemas mais evidentes começaram a ser solucionados. A atenção dos órgãos ambientais, ainda em configuração, se voltou então a problemas mais complexos e difusos, criando no final da década de 1970 uma 2ª geração de regulação ambiental. Embora ainda dentro do modelo de controle corretivo, essa se volta a questões como as emissões de substâncias tóxicas e as áreas contaminadas, transferindo a atenção do meio físico para as substâncias. A atuação passa a considerar fontes difusas de poluentes e a translação dos aspectos entre os compartimentos ambientais. Surge o conceito de “responsabilização pelos danos”, com forte expansão do direito ambiental, e as primeiras tentativas de racionalizar a regulação - como por exemplo a busca pela redução das barreiras No final da década de 1980, o modelo de “comando e controle” começou a demonstrar suas limitações, principalmente quanto ao seu custo de implantação e ao fato de gerar mais conflito que cooperação entre reguladores e regulados, dificultando o avanço de estratégias mais colaborativas (FIORINO, 2006; ALMEIDA, 2005; REJESKI, 2004; LONG, 1997). Adicionalmente, o modo de atuação do poder público não favorecia a inovação tecnológica e gerava resultados aquém do possível, principalmente em relação a relação de custo- efetividade das soluções adotadas pelas empresas (FIORINO, 2006; ALMEIDA, 2005; REJESKI, 2004; LONG, 1997). Surge então uma 3ª geração da regulação ambiental, com estratégias de “controle preventivo”, que reduzem ou evitam a geração da poluição na fonte, e a busca da incorporação de instrumentos de mercado na regulação, visando ampliar a eficiência econômica da regulação ambiental. São marcos legais que Rejeski (2004) classifica como baseados em mecanismos de mercado, orientados à informação e amigáveis junto à comunidade. Esta evolução foi também calcada na evolução da gestão ambiental empresarial, que trouxe mudanças na postura da indústria e aumento da consciência da população, e passou a permitir que governos buscassem novas oportunidades regulatórias, tais como a proposição de acordos voluntários e outros instrumentos alternativos. Adicionalmente, em função dos avanços da ciência, novos problemas ambientais são trazidos à discussão, como as mudanças climáticas, que expõe a complexidade inerente a muitas das questões ambientais contemporâneas, e evidencia a necessidade de abordagens diferenciadas, inclusive quanto à governança dos processos (FIORINO, 2006; ALMEIDA, 2005; REJESKI, 2004; LONG, 1997). Estas características das três gerações de regulação podem ser resumidas como apresentado na Tabela 01 a seguir. 26 Tabela 01: Características básicas das gerações da regulação ambiental (adaptado de FIORINO, 2006; ALMEIDA, 2005; REJESKI, 2004; LONG, 1997) 1ª Geração 2ª Geração 3ª Geração Surgimento Déc. 1960 Déc. 1970/1980 Déc. 1990 Foco de atuação Poluentes primários (CO, MP, SOx, NOx), lixo e esgoto Poluentes secundários (ozônio troposférico, p.e.), substâncias tóxicas e áreas contaminadas Problemas complexos (mudanças climáticas, p.e.) e adaptação das soluções a variáveis locais Principal agente Grandes indústrias Fontes dispersas Fontes não industriais e difusas. Principais preocupações regulatórias y Remediar os problemas existentes; y Reduzir os riscos à saúde; y Foco no atendimento legal y Evitar a translação de poluentes entre compartimentos; y Reduzir as barreiras administrativas; y Incorporar a responsabilização por danos; y Melhorar a eficiência econômica; y Integrar políticas e instrumentos; y Reconhecer a complexidade dos problemas; y Inserir abordagens preventivas A transição entre as “gerações” apresentadas na Tabela 01 não é algo claro nem linear. A evolução de uma a outra “geração” não significa que a anterior seja abandonada. Muito pelo contrário, em geral as estratégias e programas vão aos poucos se somando como parte da rotina das agências ambientais (FIORINO, 2006). Na verdade, em virtude da própria complexidade da relação entre a sociedade, a economia e o meio ambiente, em cada caso de problemas ambientais existe uma arquitetura regulatória que se mostra mais adequada ou viável. Estas variam em função de diversas características, não apenas da situação de qualidade ambiental, mas também peculiaridades sociais, econômicas, culturais, etc. Em específico, o modelo de Estado existente influencia diretamente o modo de aplicação da regulação. A cultura política de um país ou estado, referente a como se dá a participação dos diversos segmentos da sociedade nas tomadas de decisão, assim como o poder de influência de cada ator neste processo, são fatores determinantes do sucesso de algumas abordagens, e o modo como o governo estabelecer estas relações determina a propensão para adotar uma ou outra estratégia, no que se denomina como “estilos nacionais de política” (FREIRIA, 2011; COCKLIN, 2009; PARTO, 2007; JORDAN, 2001). Uma visão ampla das possibilidades destes estilos regulatórios é apresentada por Lange e Gouldson (2010), que propõem uma divisão destes entre estilos “consensuais” (onde um pequeno grupo de representantestoma as decisões) e estilos “participativo-transparentes” (que preveem oportunidades de participação da sociedade civil). Os autores ainda apresentam alguns tipos de estilos alternativos aos tradicionais, tais como: regulação contratual (na qual regulados e reguladores buscam alianças e parcerias); regulação suscetível (quando a ação de enforcement é priorizada pelo desempenho anterior do regulado); regulação por 27 revelação (quando se submetem as decisões conjuntas de regulados e reguladores ao escrutínio popular, pela divulgação de informações); auto-regulação (qualquer forma que possua, ao menos em parte, uma regulação por entes privados); e os acordos voluntários (processos de negociação de metas e estratégias de comum acordo entre regulados e reguladores). Apenas como exemplo, Fiorino (2006) apresenta uma visão histórica para os USA, estabelecendo três momentos: y Estabelecimento da regulação (1970-1983): quando surgem os marcos legais federais, sob a visão de que a existência de leis pode resolver os problemas ambientais. Partia-se do princípio de que os Estados não tinham capacidade regulatória ambiental, mas que as empresas têm recursos e capacidade para controlar a poluição. Este modelo, como foco exclusivo na adequação, já começou a ser questionado nos anos 1970, a partir de quando se promoveram importantes inovações como por exemplo a criação do mercado de emissões atmosféricas da Califórnia; y Período de reavaliação (1983-1993): quando houve, na era Reagan, um esforço de estado mínimo que não interviesse tanto na gestão empresarial. No entanto, acabou por ter um efeito contrário e a USEPA foi fortalecida, ampliando o foco de sua atuação e criando os estímulos à inovação por meio da prevenção da poluição que, importante reconhecer, só foi adotada por pressão do governo. Foram introduzidos novos instrumentos, como o disclosure das informações e o uso de instrumentos econômicos, e a filosofia da gestão integrada dos compartimentos ambientais em alguns casos; e y Reinvenção (1993-2001): quando muitos dos instrumentos e estratégias se afirmaram- como por exemplo a P2 e o disclosure de informações. Algumas dificuldades políticas impediram avanço federal, mas muitos Estados obtiveram grande sucesso em programas inovadores. Ao final, em 2001, o episódio de 11 de setembro marcou uma profunda mudança no governo, trazendo toda a atenção para a questão da segurança nacional. Da parte das empresas “líderes” na questão ambiental, destaca-se a adoção do conceito de sustentabilidade e responsabilidade socioambiental. No caso do Brasil, Almeida (2005) sugere a divisão da evolução regulatória ambiental em quatro períodos: foco nas questões de apropriação de recursos e ações sanitárias (1930 a 1950); preocupação com a expansão rural e o início da industrialização (1950 a 1960); priorização da poluição industrial, com a institucionalização do licenciamento (1970- 1980); e incorporação da questão ambiental à Constituição Federal, com o surgimento de novas abordagens, mais modernas, como a participação social em Audiências Públicas, elaboração e divulgação de Estudos de Impacto Ambiental, entre outros (1980 até hoje). Por sua vez, Andrade, Marinho e Kiperstok (2001) consideram que a década de 1980 foi a “década da institucionalização e regulamentação da questão ambiental” no Brasil, destacando a promulgação da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), da Resolução CONAMA 01/ 1986, além de outros marcos que consolidaram o tema no país. Seguindo a tradição internacional, estes marcos são nitidamente focados no modelo de comando e controle, típico da 1ª geração da regulação ambiental, e só na década de 1990 é que, principalmente após a Rio 92, este foi complementado por estratégias mais modernas. É a 28 época nas quais surgem no país tendências como os programas voluntários (Responsible Care, ISO 14.001, etc) e outras estratégias que agregam os setores produtivos de forma positiva à discussão, embora ressaltem que ainda hoje persiste o desafio de construir um enfoque mais inovador, que fortaleça a prevenção e incorpore novos instrumentos à regulação ambiental. Globalmente as perspectivas não têm sido muito diferentes. Fiorino (2006) cita alguns importantes resultados atingidos nos USA nos últimos anos, tanto mensuráveis (como a queda significativa na emissão e concentração de vários poluentes) como não-mensuráveis (como o aumento da capacidade institucional de identificar e responder a problemas, a estabilidade política no tema; a criação de uma infraestrutura legal e administrativa; a construção de uma base de conhecimentos científicos e técnicos sólidos; entre outros). Porém, destaca também que os resultados estão restritos aos problemas de 1ª geração, e podem trazer um efeito negativo ao serem percebidos pela população e assim ofuscarem os problemas remanescentes e a necessidade de mudança. A regulação tradicional, defende, não foi efetiva em muitos casos (como por exemplo com a poluição difusa, as fontes não-pontuais, o uso recursos naturais, a redução de volumes de resíduos, a emissão de GEE, etc). Segundo o autor, no futuro os avanços de qualidade ambiental serão “cada vez mais caros, difíceis e controversos” (p.61, tradução livre), e o desafio que persiste é obter resultados positivos em um novo desenho regulatório que supere os limites do modelo tradicional – objeto do capítulo final desta apostila. 1.6 Instrumentos de Regulação Ambiental: conceito e taxonomia A busca por meios de atingir objetivos ambientais, e consequentemente a determinação programas e instrumentos regulatórios, pode assumir diversas estratégias dependendo de condições diversas, mas de modo geral os principais mecanismos de atuação podem ser resumidos como (UNITED STATES CONGRESS, 1995): y Especificar um resultado final desejado (ex: determinar quanto de poluição cada fonte emissora está autorizada a emitir, como nos padrões de emissão); y Especificar o que cada fonte deve fazer para obter um resultado (ex: exigir a instalação de um tipo específico de tecnologia de controle das emissões); y Auxiliar a fonte a melhorar seu desempenho (ex: usando assistência técnica ou subsídios); y Especificar um resultado final desejado para cada fonte, e permitir que estas negociem emissões entre si (ex: estabelecimento de mercado de emissões); y Desencorajar atividades ou ações indesejáveis (ex: taxa de aterro ou para emissão de poluentes); y Usar a opinião pública para pressionar a ação positiva (ex: exigir que a fonte emissora divulgue dados das emissões à população); e y Responsabilizar juridicamente os causadores de danos (ex: exigindo indenização por danos resultantes de suas atividades). 29 Estas possibilidades de atuação, que em geral são usadas de forma combinada, são a base da operação dos órgãos ambientais de diversas partes do mundo. Cada qual tem utilizado para isso instrumentos dos mais diversos, adequados a situações também diversas. Embora a diversidade destes seja limitada apenas pela capacidade dos órgãos responsáveis pelo controle ambiental, existem alguns tipos de instrumentos reconhecidamente mais comuns, amplamente usados ou estudados em diversos países e circunstâncias. Para melhor compreender e analisar esta multiplicidade de alternativas, muitos pesquisadores têm estabelecido sistemas taxonômicos para classificar estes instrumentos, que serão abordados sucintamente a seguir, para que nos próximos capítulos estes possam ser descritos com maior detalhe. A divisão mais comum dos instrumentos regulatórios, utilizada a mais de 30 anos pela maioria dos autores, independente de instituições ou país de origem, se dá entre dois tipos (BARBIERI, 2007; Betts, 1991; ONU, 1997): y Instrumentos de regulação direta (ou de “comando e controle”): são medidas institucionais voltadas para influenciar diretamente o desempenho ambiental das empresas, pela regulação objetiva de processos ou produtos. Atuam pela imposiçãode limites ou condicionantes ao exercício das atividades econômicas potencialmente degradadoras do ambiente, em geral pelo estabelecimento de padrões, licenças, proibições, entre outros instrumentos. Ainda hoje constituem a base da operação dos órgãos ambientais em todo o mundo, e sua adoção depende de um sistema de monitoramento e sanções por não cumprimento, baseando sua eficácia na atuação coercitiva, pelo uso do “poder de polícia” pelos órgãos ambientais; e y Instrumentos de regulação indireta (ou “econômicos”, ou ainda “de mercado”): têm como objetivo regular indiretamente as atividades, seja favorecendo ou penalizando economicamente determinada atividade ou comportamento. Podem ser implementados por meio de transferências de recursos entre o Poder Público e as empresas, como por exemplo assumindo a forma de um tributo (taxa sobre emissões, p.e.) ou um subsídio (redução da alíquota de imposto, p.e.); ou por meio de transferências de recursos entre empresas, usando o mercado (no caso do comércio de emissões, p.e.). Fundamentados nos princípios econômicos, partem do pressuposto de que os aspectos ambientais das diversas atividades não têm seus custos socioambientais totalmente traduzidos pelo sistema de preços, sendo externalidades não refletidas nas tomadas de decisão sobre os custos reais das operações privadas sobre a sociedade. Embora a muito sejam discutidos, ainda enfrentam dificuldades para sua adoção, seja por questões culturais dos reguladores, seja pelas próprias dificuldades inerentes ao seu uso. Alguns autores propõem subdivisões desta classificação, principalmente dos instrumentos de regulação direta, como forma de evidenciar que estes não são todos de mesma funcionalidade. Por exemplo, Hahn (1989) divide os instrumentos em quatro tipos (padrões; subsídios, taxas e cotas negociáveis), abrindo as possibilidades de incentivos econômicos. Outros autores destacam, dentro das opções de regulação indireta, o papel de abordagens menos ortodoxas, como por exemplo Santos et al. (2006), que sugerem uma categoria separada para “abordagens descentralizadas”, nas quais se inseririam compromissos voluntários e a auto-regulação. Outro exemplo é dado por Cocklin (2009), que cria quatro categorias (comando e controle; mercado; voluntários; e educação e informação), ressaltando com esta divisão a importância da prestação de informações à população e da própria educação ambiental como instrumentos de gestão para as ações regulatórias. 30 Vários autores criticam esta divisão, por ser demasiadamente simplista, e sugerem uma terceira categoria que agregaria diversos instrumentos que não se enquadram em nenhuma das duas divisões – como por exemplo os acordos voluntários, a assistência técnica, dentre outras possibilidades. Para os fins deste curso, iremos acrescentar uma terceira categoria de instrumentos, que iremos denominar como “instrumentos de informação e participação”. Estes são um tipo de instrumento de regulação indireta que não se encaixa na mesma categoria dos instrumentos econômicos, por atuarem basicamente com novas formas de interação entre as empresas, o poder público e a sociedade, com base na gestão das informações. Assim, nos três capítulos seguintes iremos apresentar os seguintes instrumentos: y Instrumentos de comando e controle (regulação direta); y Instrumentos econômicos (de mercado); e y Instrumentos de informação e participação. Importante ressaltar que estas divisões taxonômicas são orientativas, e nem sempre estanques, uma vez que mesmo os instrumentos de comando e controle mais tradicionais possuem uma parcela econômica, referente aos custos de abatimento que devem ser internalizados para atendimento das regras estabelecidas. 31 2 Instrumentos de Comando e Controle (ou regulação direta) Como já comentado, o controle corretivo da poluição é a base da operação da maioria dos órgãos ambientais do mundo até hoje. O objetivo primário neste caso é mudar o comportamento de modo a assegurar a conformidade da comunidade regulada junto a requisitos ambientais, que por sua vez pretendem corrigir qualquer ameaça imediata ou séria à saúde e qualidade ambiental (USEPA, 1992). Neste escopo, os instrumentos de comando e controle (C&C) visam assegurar o atendimento à legislação, através do estabelecimento de normas administrativas e padrões ambientais, da fiscalização do seu cumprimento, e mediante a aplicação de sanções administrativas e penais para as situações de não-conformidade. Como se pode perceber é um modelo onde regras claras e rígidas são estabelecidas, e um sistema de monitoramento assegura que as violações serão penalizadas, dento do mecanismo de enforcement. A importância do enforcement como mecanismo se baseia na experiência de muitos países, de que esta é fundamental à conformidade, uma vez que infelizmente os estímulos sozinhos não são, em geral, suficientes para assegurar a adequação ambiental para a grande maioria das empresas. Segundo a USEPA (1992), o enforcement é fundamental para criar um clima no qual a comunidade regulada possua claros incentivos para fazer uso de todas as oportunidades de melhoria, inclusive encorajando-as a atender aos requisitos por meio da prevenção à poluição, ao invés de instalar equipamentos de controle e monitoramento da poluição e arcar com seus custos. Assim, independente da perspectiva de uso de novos instrumentos, mais flexíveis ou participativos, a existência de mecanismos de C&C é fundamental para obter a conformidade. É por meio da definição de um forte arcabouço de regulação direta que se cria condições para aplicação de estratégias mais ousadas – assim, caso as tentativas de inovação regulatória não sejam bem-sucedidas, existe sempre a regra a cumprir. A seguir os tipos mais comuns de instrumentos de comando e controle são descritos brevemente. 2.1 Padrões Ambientais Padrões ambientais são definidos como o nível ou grau de qualidade de um elemento (substância ou produto) que é próprio ou adequado a determinado propósito. São valores ou especificações de referência definidos como normas oficialmente estabelecidas (seja por legislação ou entidade reconhecida), que determinam situações ou comportamentos esperados. Na prática, trata-se da forma mais direta de se estabelecerem limites ao comportamento dos agentes econômicos, buscando atingir um dado objetivo de qualidade ambiental. A seguir veremos os principais tipos de padrões, já adiantando que o mais comum é a determinação de níveis máximos uma substância em uma região ou compartimento ambiental (padrões de qualidade) ou nas emissões das fontes de poluição (padrões de emissão), em ambos os casos com valores de concentração sendo especificados. Enquanto os primeiros se constituem no principal objeto do estabelecimento dos requisitos ambientais pelo poder público, os seguintes são o instrumento mais usado em todo o mundo para o licenciamento e a fiscalização de fontes fixas de poluição. 32 2.1.1 Padrão qualidade Padrões de qualidade (quality ou ambient standards) são valores estabelecidos para “a intensidade, a concentração, a quantidade e as características de toda e qualquer forma de matéria ou energia, cuja presença nas águas, no ar ou no solo possa ser considerada normal” (SÃO PAULO, 1976). Segundo Hahn (1989), especificam os níveis totais de qualidade ambiental em uma região ou compartimento ambiental. Em vários casos há mais de um padrão para uma mesma substância, em função de níveis de qualidade ambiental aceitáveis. Um exemplo são os padrões para a água estabelecido no Estado de São Paulo pelo Decreto Estadual n° 8.468/1976. Neste caso a definição dos padrões de qualidade para água obedece uma classificação dos corpos hídricos determinada em função de seu uso. Assim não há expectativa que os padrões sejam sempre uniformes, reduzindo custos de atendimento, e é determinado que a qualidade da água de um rio utilizada para consumo humano deva ser melhor do que a de
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